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O ENSAIADOR / Galileu Galilei
O ENSAIADOR / Galileu Galilei

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.


Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

 

 

DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

CONTINUA

ONDE COM PERFEITO E JUSTO EQUILÍBRIO RACIOCINA-SE SOBRE AS COISAS CONTIDAS NA "BALANÇA ASTRONÔMICA E FILOSÓFICA" DE LOTARIO SARSI SIGENSANO ESCRITA EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO MONSENHOR D.VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO LINCEU MESTRE DE SALA DE N. S. PELO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO LINCEU NOBRE FLORENTINO FILÓSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DA TOSCANA PARA A SANTIDADE DE N. S. PAPA URBANO OITAVO.
Nesta felicidade relativa ao estudo das boas letras, poderíamos dizer da mesma virtude, enquanto a cidade em peso, e especialmente a Santa Sé, mais esplendorosa que nunca por serdes. Vossa Santidade, colocada na Santa Sé por vontade divina, e não existe mente alguma que não esteja louvavelmente empolgada a estudar e a venerar os dignos experimentos, imitando exemplo tão eminente, comparecemos em Vossa presença, cheios de obrigações infinitas pelos benefícios recebidos sempre de Vossa Mão Benigna, e cheios de alegria e contentamento para ver, em uma Sé assim sublime, um Patrão tão exímio. Apresentamos, como demonstração de nossa devoção e como tributo de nossa servidão verdadeira, o Ensaiador do nosso Galilei, descobridor florentino, não de novas terras, mas de partes do céu jamais vistas.
O Ensaiador contém investigações sobre aqueles celestes esplendores que produzem a maior maravilha. Dedicamo-lo e presenteamo-lo a Vossa Santidade, por ter a alma cheia de verdadeiros adornos e esplendores, e por haver dedicado sua mente heroica a ações muito sublimes; desejando que este discurso sobre as faces desconhecidas do céu seja um sinal de nossa mais viva e ardente dedicação ao serviço de Vossa Santidade para merecer sua gratidão. Prostrados humildemente aos Vossos pés, portanto, Vos suplicamos de conceder os favores costumeiros aos nossos estudos com a cortesia e o calor de Sua digníssima proteção.
Roma, aos 20 de outubro de 1623. De Vossa Santidade Servos Humilíssimos e Devotíssimos
Os ACADÊMICOS DOS LINCEUS

 

 

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DO SENHOR GALILEU GALILEI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", FILOSOFO E MATEMÁTICO PRINCIPAL DO SERENÍSSIMO GRÃO-DUQUE DE TOSCANA ESCRITO EM FORMA DE CARTA AO ILUSTRÍSSIMO E REVERENDÍSSIMO SENHOR DOM VIRGINIO CESARINI ACADÊMICO DA ACADEMIA DOS "LINCEI", MESTRE DE QUARTO DE N. S.

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde originou-se o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar ou servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer. Mal acabara de sair o meu Nunzio Sidereo, onde foram reveladas tantas novas e extraordinárias descobertas referentes ao céu, que aliás deviam ser do agrado de todos os apaixonados da verdadeira filosofia, que imediatamente levantaram-se, em todos os lugares, invejosos daqueles louvores devidos a tão importantes descobertas: nem faltaram aqueles que, somente para contradizer minhas palavras, não se preocuparam de pôr em dúvida todas aquelas demonstrações que viram e reviram à vontade com os próprios olhos. O Sereníssimo Grão Duque Cosme II, meu Senhor, de gloriosa memória, obrigou-me a escrever meu parecer sobre as causas do boiar ou afundar das coisas na água; e, para satisfazer a esta ordem, tendo colocado no papel tudo o que tinha lembrado a mais da doutrina de Arquimedes, que, dá-se o caso, é toda a verdade que, com efeito, podia-se afirmar em relação a essa matéria, eis imediatamente todas as tipografias cheias de libelos contra o meu Discurso; nem aguardando que tudo o que fosse apresentado por mim seria confirmado e concluído com demonstrações geométricas, contradisseram a minha opinião, nem perceberam (tanta foi a força da paixão) que se opor à geometria é negar abertamente a verdade. As Letras sobre as Manchas Solares por quantos e em quantas maneiras foram combatidas? E aquela matéria que deveria abrir campo a tantos intelectos para extraordinárias especulações por muitos foi desprezada ou ridicularizada completamente, seja por não ter sido acreditada, seja por não ter sido considerada; outros, para não querer aceitar meu raciocínio, apresentaram contra mim ridículas e impossíveis especulações; e outros, levados com convicção por minhas razões, procuraram me despojar daquela glória que me pertencia, e, escondendo o fato de ter já lido meus textos, tentaram depois de mim proclamar-se primeiros descobridores de coisas tão estupendas. Não mencionarei algumas das minhas conversas particulares, demonstrações e pareceres, os quais não publiquei, todas elas maldosamente impugnadas ou consideradas sem valor; não faltaram aquelas que esbarraram, muitas vezes, sobre alguns daqueles que, com muita habilidade, tentaram atribuir-se a honra de tê-las descoberto pelo próprio intelecto.

Eu poderia citar muitos destes usurpadores; prefiro, porém, silenciar porque os primeiros roubos pareceram merecer castigos muito menos graves que os roubos seguintes. Contudo, não quero mais calar-me sobre o segundo roubo que com audácia demais foi perpetrado voluntariamente por aquela mesma pessoa que muitos anos atrás tinha cometido outro, apropriando-se da invenção dos meus compassos geométricos, quando eu, muitos anos antes, já o tinha mostrado e demonstrado a muitos senhores, e finalmente publicado: e seja-me perdoado se, contra a minha própria natureza, contra o meu costume e intenção, talvez sinta demais e reclame de ter-me calado por muitos anos. Eu me refiro a Simon Mário Guntzehuzano, que foi aquele que, em Pádua, onde naquela época eu me encontrava, traduziu, em língua latina, o manuseio deste meu compasso, e, atribuindo-o a si mesmo, o fez publicar por um discípulo seu, com seu nome, e logo em seguida, provavelmente para fugir ao castigo, voltou à sua terra, deixando o seu aluno, como se diz, em maus lençóis; contra o qual eu fui obrigado a proceder, na ausência de Simon Mário, da forma que ficou manifesta na Defesa que naquela época elaborei e publiquei. Este mesmo, quatro anos depois da publicação do meu Nunzio Sidereo, acostumado a querer gabar-se dos trabalhos alheios, não se envergonhou de proclamar-se autor das minhas descobertas publicadas naquela obra; e, imprimindo-o com o título Mundus Jovialis etc., afirmou temerariamente ter observado ele antes de mim os planetas Mediceus que giram ao redor de Júpiter.

Mas, como raramente a verdade é suprimida pela mentira, eis que ele mesmo, em sua obra, por sua inadvertência e escassa inteligência, oferece-me a possibilidade de poder vencê-lo com testemunhos irrefutáveis e demonstrar claramente sua culpa, fazendo ver como ele não somente não tinha observado essas estrelas antes de mim como também não as tinha visto, seguramente, nem dois anos depois: e digo mais, provavelmente, pode-se afirmar, ele jamais as observou. E eu, apesar de poder tirar de numerosas passagens de seu texto provas evidentíssimas daquilo que estou afirmando, quero, deixando as outras para outra ocasião, para não me estender demais e afastar-me de meu principal objetivo, relatar um único trecho.

Simon Mário diz na segunda parte de seu Mundus Jovialis, sobre o sexto fenômeno, ter observado cuidadosamente como os quatro planetas nunca se encontram na linha reta paralela à eclíptica, a não ser quando estão nas maiores digressões de Júpiter; porém, quando se encontram fora daquelas digressões, sempre declinam, com diferença notável, da linha reta; declinam sempre, afirmo eu, rumo ao norte, quando se encontram na parte inferior das próprias circunferências, e, ao contrário, rumam sempre para o sul, quando se encontram nas partes superiores: para salvar esta manifestação, Simon Mário estabelece que as circunferências daqueles planetas resultam inclinadas em relação ao plano da eclíptica rumo ao sul, nas partes superiores, e rumo ao norte, nas partes inferiores. Esta sua teoria é repleta de erros que claramente demonstram e testemunham sua fraude.

Em primeiro lugar, não é verdade que as quatro circunferências dos planetas Mediceus sejam inclinadas em relação ao plano da eclíptica; pelo contrário, lhes são equidistantes. Em segundo lugar, não é verdade que as mesmas estrelas não estejam nunca entre elas pontualmente em linha reta a não ser quando se encontram nas digressões máximas de Júpiter; pelo contrário, acontece que elas, em qualquer distância, ou seja, máxima, média e mínima, podem ser vistas em linha perfeitamente reta, e encontrando-se, mesmo em movimentos contrários e muito próximas de Júpiter, juntam-se num ponto de tal forma que duas parecem ser uma. Enfim, é falso que, quando declinam em relação ao plano da eclíptica, rumam sempre para o sul quando estão nas metades superiores das próprias circunferências e rumo ao norte quando estão nas inferiores; pelo contrário, somente em alguns períodos procedem assim e em outros procedem ao contrário, isto é, rumo ao norte quando se encontram no meio das circunferências superiores e rumo ao sul quando se encontram no meio das inferiores. Porém, Simon Mário, por não haver entendido nem observado esta situação, revelou sem querer a sua falha. A situação dos planetas é assim: As quatro circunferências dos planetas Mediceus são sempre paralelas ao plano da eclíptica; e porque estamos colocados no mesmo plano, acontece que às vezes Júpiter não possuirá latitude, mas encontrar-se-á ainda sob o plano da eclíptica, os movimentos dessas estrelas então parecem desenrolar-se numa mesma linha reta, e as suas conjunções realizadas em qualquer lugar parecerão sempre corporais, isto é, sem declinação alguma. Porém, quando o mesmo Júpiter se encontrar fora do plano da eclíptica, acontecerá que, se a sua latitude for rumo ao norte em relação a seu plano, mesmo que as quatro circunferências dos planetas Mediceus continuem paralelas à eclíptica, as suas partes superiores parecerão rumar para o sul em relação às inferiores, as quais nos parecerão colocadas mais ao norte; ao contrário, quando a latitude de Júpiter for austral, as partes superiores das mesmas pequenas circunferências nos parecerão mais setentrionais que as inferiores; assim, as declinações das estrelas parecerão fazer o contrário quando Júpiter for austral; isto é, no primeiro caso as veremos declinar rumo ao sul quando se encontrarem na metade superior das circunferências, e rumo ao norte nas inferiores; mas no outro caso declinarão ao contrário, isto é, rumo ao norte nas metades superiores, e rumo ao sul nas inferiores; e tais declinações apresentar-se-ão maiores ou menores, conforme a latitude de Júpiter seja maior ou menor. Ora, Simon Mário afirmara haver observado que as supramencionadas quatro estrelas declinam sempre rumo ao sul quando se encontram na metade superior das próprias circunferências. Suas observações foram feitas no período em que Júpiter possuía latitude boreal: mas quando eu conduzi minhas primeiras observações Júpiter era austral, e assim permaneceu por longo tempo, e nem tornou-se boreal, assim que as latitudes das quatro estrelas pudessem mostrar-se da forma que as descreve Simon, senão mais que dois anos depois: assim, se alguma vez, por acaso, ele as viu e as observou, isto não se verificou a não ser dois anos depois de mim.

Ei-lo assim, por suas próprias deposições, já vencido pela mentira de ter feito tais observações antes de mim. Mas eu acrescento mais, afirmando que muito provavelmente podemos acreditar que ele nunca o fez: pois ele afirma não tê-las observado nem visto jamais colocadas perfeitamente em linha reta a não ser quando essas estrelas se encontram na maior distância de Júpiter; e a verdade é que quatro meses inteiros, isto é, da metade de fevereiro até a metade de junho de 1611, em cujo tempo a latitude de Júpiter foi pouquíssima ou quase nula, a colocação dessas quatro estrelas foi sempre em linha reta, em todas as suas posições. E note-se a sagacidade com a qual ele quer mostrar-se anterior a mim. Escrevi em meu Nunzio Sidereo ter feito minha primeira observação no dia 7 de janeiro de 1610, continuando as outras nas noites seguintes. Simon Mário, apropriando-se das minhas próprias observações, imprime no título de seu livro, e até na obra, ter feito suas observações até o ano de 1609, dando assim aos outros a impressão de sua anterioridade. Todavia, a mais antiga observação que ele relata como feita por ele é a segunda realizada por mim; porém ele a relata como feita no ano de 1609 e não avisa o leitor que, sendo ele separado da nossa Igreja e não tendo aceito a reforma gregoriana, o dia 7 de janeiro de 1610 de nós católicos é o mesmo que o dia 28 de dezembro de 1609 daqueles hereges. Esta é toda a procedência de suas falsas observações. Ele atribui a si mesmo, também falsamente, a descoberta dos movimentos periódicos desses planetas, encontrados por mim depois de vigílias demoradas e enormes fadigas, e publicadas em minhas Cartas Solares e também no tratado que publiquei das coisas que se encontram acima da água, tratado conhecido por Simon, como se percebe claramente pelo seu livro, e do qual, sem dúvida, ele deduziu tais movimentos.

Percebo, contudo, ter-me deixado levar a uma digressão longa demais, além daquilo que, provavelmente, pedia minha presente situação. Porém, voltando ao raciocínio iniciado, continuarei a afirmar que, devido a tantas provas claríssimas, não permanecendo dúvida alguma de existir maldade e obstinada ação contra minhas obras, decidi permanecer completamente tranquilo, para afastar de mim mesmo a causa daqueles desgostos que senti em ser alvo de tão frequentes ironias e tirando dos outros a possibilidade de exercer tão lastimável talento. É verdade que me teria faltado a oportunidade de publicar outras obras, provavelmente era tanto inusitadas para as escolas filosóficas e de consequências não menores, daquelas publicadas até agora, para a filosofia natural. Estas razões foram tão fortes que exigi o parecer e o julgamento de alguns gentis-homens, verdadeiros e sinceríssimos amigos meus, com os quais, raciocinando e discutindo sobre minhas reflexões, gozei daquele prazer que nos oferece a possibilidade de comprovar aquilo que, de cada vez, nos ministra o intelecto, evitando ao mesmo tempo a renovação daqueles sofrimentos que tive anteriormente com tanto aborrecimento. Estes Senhores, meus amigos, mostrando muito apreço pelos meus raciocínios, procuraram com várias razões mudar esta minha decisão. Primeiramente tentaram persuadir-me a não tomar conhecimento dessas tão obstinadas oposições, quase que, voltando-se elas enfim contra os próprios opositores, tornavam mais vivo e mais brilhante meu raciocínio e mostravam claramente quanto foram inusitados meus trabalhos, afirmando todos que a vulgaridade e a mediocridade, consideradas pouco ou nada, serão deixadas de lado, e a inteligência humana deve voltar-se à descoberta do extraordinário e ao fora de limite, coisa esta que, nos intelectos mal formados, faz nascer imediatamente a inveja e com ela, logo em seguida, a calúnia. E apesar de tais raciocínios, apresentados pela autoridade desses Senhores, quase conseguirem tirar minha convicção de não mais escrever, meu desejo de viver tranquilo, porém, sem tantas lutas, prevaleceu. Firme, assim, na minha decisão, acreditei ter feito calar todas as línguas que mostraram, até agora, um enorme desejo de se opor.

Porém, este plano resultou inútil, e nem calando-me consegui desviar este meu destino, porque sempre existe alguém que quer escrever e lutar contra mim.

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio. E por que não pôde o Sr. Mário Guiducci, por causa de seu ofício, discutir em sua Academia e depois publicar seu Discurso sobre os Cometas, sem que Lotário Sarsi, pessoa completamente desconhecida, tivesse se voltado contra mim, e sem respeito algum por este gentil-homem, me considerar autor daquele Discurso, onde minha única participação foi a estima e a honra que ele me dedicou em concordar com minha opinião que o Sr. Guiducci conheceu através daquelas discussões com aqueles senhores, meus amigos, com os quais ele muitas vezes gostou de se encontrar? E mesmo que todo aquele Discurso sobre os Cometas tivesse sido obra minha (porém, onde for conhecido o Sr. Mário, isto não poderá ocorrer a ninguém), que finalidade teria tido o Sarsi, querendo eu permanecer incógnito, em desvendar-me e desmascarar-me com tanto atrevimento? Por isso, obrigado por este inusitado e insólito comportamento, quebro minha resolução de nunca mais publicar obras minhas; porém espero que não permaneça ignorada a falta de consideração a mim feita e espero tirar a vontade de alguém de cutucar o cão que dorme (como diz o ditado) e querer briga com quem permanece calado.

E apesar de considerar que este nome, nunca escutado no mundo, de Lotário Sarsi, sirva de pseudônimo para alguém que quer permanecer desconhecido, não procurarei, como fez Sarsi, armar uma luta com alguém por querer desmascará-lo, pois não acho digna esta ação, nem de alguma ajuda a esta minha obra. Pelo contrário, considero que tratar com uma pessoa desconhecida oferece mais clareza ao meu raciocínio e simplifica a tarefa de explicar mais livremente minha opinião. Porque, muitas vezes, aqueles que permanecem incógnitos, ou são pessoas temerosas que sob aquele disfarce querem se fazer passar por senhores e gentis-homens e desta maneira, por alguma finalidade pessoal, valer-se daquela honra que a nobreza traz consigo, ou às vezes são gentis-homens que deixando cair, assim disfarçados, o respeito devido ao próprio grau, atribuem-se o direito, como é costume em muitas cidades italianas, de poder falar livremente de qualquer coisa com qualquer um, achando extremamente divertido que alguém, seja quem for, possa com eles discutir sem respeito e ironizá-los. E a este segundo grupo deve pertencer, acredito eu, aquele que se esconde sob a máscara de Lotário Sarsi (pois, se pertencesse ao primeiro grupo, pouco lhe agradaria ter querido jogar tão forte), e acredito também que, assim como às escondidas ele resolveu falar contra mim porque cara a cara ele provavelmente teria se recusado, assim também não deveria queixar-se de que, valendo-me do privilégio concedido contra as máscaras, possa tratá-lo com liberdade, nem seja examinada, por ele ou por qualquer outro, cada minha palavra que por acaso eu possa proferir com mais liberdade do que ele desejaria.

Eu quis, Ilustríssimo Senhor, que o senhor seja o primeiro espectador desta minha resposta; pois que, sendo muito entendido no assunto e, por suas extremamente nobres qualidades, imparcial no ânimo, informará corretamente a respeito do meu comportamento e não deixará de reprimir a audácia daqueles que, igualmente entendidos no assunto, porém fanáticos (porque dos ignorantes pouco me preocupo), quiserem, junto à multidão que não entende, distorcer malevolamente o meu raciocínio. E apesar de ter tido a intenção, quando pude ler pela primeira vez o trabalho de Sarsi, de compilar numa simples carta enviada a V. E. Ilustríssima todas as respostas, todavia, no momento de o fazer, multiplicaram-se de tal forma as coisas dignas de ser anotadas sobre a obra de Sarsi que, necessariamente, tive de passar os limites duma simples carta. Porém, continua minha resolução de falar com V. E. Ilustríssima e de escrever-lhe, qualquer que seja a forma desta minha resposta, a qual eu quis intitular O Ensaiador, usando a mesma metáfora empregada por Sarsi. Porém, como me pareceu que, examinando as opiniões do Sr. Guiducci, ele tenha usado uma balança grande demais, eu quis utilizar-me duma balança de experimentadores, tão exata que pesa menos dum sexcentésimo de grão. Com ela, usando todo o cuidado possível, não deixando nenhuma opinião de lado apresentada por ele, experimentarei todas elas; anotarei e numerarei todas aquelas experiências de tal modo que, se por acaso, forem vistas por Sarsi e queira ele responder, possa fazê-lo com facilidade, sem deixar para trás alguma coisa.

Chegando agora às considerações específicas, será, certamente, coisa ótima (para que não permaneça nada sem ser observado) dizer algo sobre a inscrição da obra que o Sr. Lotário Sarsi intitula Balança Astronômica e Filosófica. Explica no epigrama, que ele acrescenta, a razão que o empolgou a chamá-la assim, isto é, que o próprio cometa, nascendo e aparecendo no signo da Balança, quis misteriosamente indicar-lhe para pesar exatamente e ponderar as coisas contidas no tratado dos cometas publicados pelo Sr. Mário Guiducci. É aqui que eu percebo como Sarsi começa, o mais cedo possível, a transformar com enorme liberalidade as coisas (estilo que ele manteve em todo o seu trabalho) para acomodá-las à sua finalidade. Tinha percebido a brincadeira da correspondência de sua Balança com a Balança celeste, e porque lhe pareceu que sua metáfora resultasse mais arguta com o aparecimento do cometa, se este aparecimento se verificasse no signo da Balança, afirma sem base alguma que o cometa nasceu naquele signo, não se preocupando em contrariar a verdade, e, duma certa forma, contradizer a si mesmo e a seu próprio Mestre, que na sua Discussão, na VII parte, conclui assim: Verdadeiramente a primeira aparição do cometa verificou-se naquele lugar do céu, que sempre foi chamado signo do Escorpião; e doze versos mais abaixo afirma: É claro que tendo nascido no Escorpião, que é a casa principal de Marte; e pouco mais abaixo continua: Eu, pelo que me toca, pesquiso a pátria daquele que afirmo ter nascido no signo de Escorpião, de acordo com a opinião de todos. Então teria sido muito mais justo e mais verdadeiro, em relação à sua própria publicação, tê-la intitulado O Astronômico e Filosófico Escorpião, constelação chamada pelo nosso soberano poeta Dante: figura do frio animal "que chicoteia as pessoas com a cauda".

Verdadeiramente não lhe faltam pontadas dirigidas contra mim muito mais graves que aquelas dos escorpiões, pois estes, como amigos dos homens, não ferem a não ser quando atacados e provocados, mas Sarsi me morde apesar de eu nunca, nem em pensamento, tê-lo molestado. Sorte minha que conheço o antídoto e o remédio imediato para tais pontadas! Despedaçarei, então, e esfregarei o mesmo escorpião sobre as feridas onde o veneno absorvido novamente pelo próprio cadáver me deixe livre e são.


1. Passemos agora ao texto, e o primeiro ensaio diz respeito a algumas palavras do proêmio, isto é, do "O único que eu conheça" até "lamentamos". Relataremos esta introdução inteiramente, com texto latino completo, porque não queremos que falte nem um jota.

O ano passado, após brilharem no céu três fogos com luz insólita, não existiu homem de mente tão cega que não os fitasse às vezes e não observasse admirado a vivacidade do brilho extraordinário nesse tempo. O vulgo, entretanto, sendo como é na realidade avidíssimo de conhecimento e muito pouco apto a estudar as causas dos fenômenos, exigia conhecer, como é de seu direito, o motivo dos fenômenos tão insólitos daqueles a quem mais competia a observação das estrelas e do mundo todo. O povo considerou, então, oportuno consultar imediatamente as academias dos filósofos e astrônomos. E o que foi que resolveu esta nossa Academia Gregoriana que, insigne por grande número de disciplinas e de acadêmicos, facilmente compreendia ser indicada entre as outras para a tarefa, e que a ela, acima de todas as outras, eram dirigidas as perguntas e que dela esperavam-se as respostas? Não pude evitar, então, a propósito desta questão, mesmo duvidosa, cumprir ao menos com o próprio dever e satisfazer de qualquer forma aos desejos daqueles que formulavam as perguntas.

Isto resolveram fazer aqueles aos quais incumbia a obrigação de cumprir esta tarefa; e não o fizeram de forma indigna se consideramos a aprovação dos cientistas, mesmo os mais cotados. Que eu saiba, o único a não aprovar, na verdade um tanto acremente demais, a nossa dissertação foi Galileu.

Nas últimas palavras, isto é, o único que eu saiba, ele afirma que nós temos violentamente recusado a discussão de seu Mestre. Por ora não vejo necessidade de responder coisa alguma, pois sua afirmação é absolutamente falsa: porquanto procurei com cuidado no texto do Sr. Mário o lugar (já que Sarsi não o relata) e não consegui encontrá-lo. Mas a respeito disto teremos depois muitas outras ocasiões para falar.


2. Continua depois (e este é meu segundo ensaio): No início ficamos magoados em saber que o Discurso não tivesse agradado a um homem de tanto renome; porém, depois tivemos a consolação de ver o próprio Aristóteles, Tycho e outros que não foram tratados por ele com muito maior gentileza nesta discussão. Sem dúvida não teria sido necessário elaborar outra defesa por aqueles que estão em comum com estas grandes inteligências, pois, mesmo que eles silenciem suas razões, defendem-se sozinhos frente a uma banca de Juízes honestos.

Aqui afirma ter escutado que, no começo, eu não tinha gostado daquele Discurso, porém acrescenta que ficara consolado ao ver que o próprio Aristóteles, Tychoe outros foram recusados com semelhante aspereza; assim, eles não precisavam de outras defesas, pois que as acusações feitas por intelectos eminentíssimos demonstravam a sua eminência, mesmo no silêncio, por justos juízes, e este silêncio era eloquente e os defendia. Destas palavras parece-me entender que, segundo o julgamento de Sarsi, aqueles que têm o costume de contradizer os autores de grande inteligência não devem ser estimados e nem vale a pena que alguém se preocupe em defender os autores atacados cuja autoridade é suficiente para manter o bom conceito que deles têm os que entendem. Quero que aqui V. E. Ilustríssima perceba como Sarsi, qualquer que seja a causa disto, inadvertida, ou voluntariamente, agrava bastante a reputação do Pe.Grassi, seu preceptor, cuja finalidade principal, no seu Problema, foi contradizer a opinião de Aristóteles referente aos cometas, como resulta claramente da sua publicação e como o próprio Sarsi relata e confirma nesta sua obra, na parte VII; então, se aqueles que se opõem aos homens eminentíssimos devem ser deixados de lado, Pe. Grassi devia encontrar-se entre eles. Todavia, não somente não o temos deixado de lado como lhe temos atribuído a mesma estima que temos dos grandes intelectos, juntando-o a eles, com este argumento particular, ele é em nosso conceito tão considerado quanto é rebaixado no conceito de seu discípulo. Não vejo como Sarsi, como desculpa, possa apresentar outro argumento a não ser que ele quisesse significar que entre aqueles que se opõem às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado os vulgares, mas, pelo contrário, exaltar aqueles que já são eminentíssimos, entre os quais ele intencionou colocar seu Mestre, e colocar a nós entre os vulgares, enquanto que, por aquele respeito que era devido a seu Mestre, devia acusar-nos.


3. Continua em seguida (e este é o terceiro ensaio): Porém, também para homens muito sábios pareceu oportuno levar em conta que existisse ao menos alguém que examinasse, com certa diligência, a dissertação de Galileu, quer onde ele se oponha às conclusões alheias, quer onde manifeste as conclusões próprias; eu resolvi fazê-lo em forma breve.

O sentido destas palavras, seguindo o das anteriores, parece-me ser este: os opositores às inteligências eminentíssimas devem ser deixados de lado, como já foi dito, e silenciar a respeito deles, e mesmo se fosse necessário responder-lhes, este encargo seja dado a pessoas inferiores em vez de importantes; e que por esta razão pareceu mais conveniente àquelas grandes inteligências que não fosse o Pe. Grassi ou outro de igual reputação, mas ao menos alguém para responder a Galileu. Até aqui eu não afirmo nem reputo nada, pois, conhecendo e confessando minha inferioridade, inclino-me perante o parecer de tais personagens. Admiro-me bastante de que Sarsi, espontaneamente, tenha escolhido ser aquele ao menos alguém e se preocupe tanto com este trabalho que, segundo a opinião de homens muito sábios e segundo o parecer dele próprio, devia ser deferido a alguma outra personagem inferior.

Nem entendo claramente como, sendo instinto natural de cada um tributar a si mesmo méritos maiores em vez de menores, Sarsi rebaixe tanto sua condição que seja induzido a considerar-se um ao menos alguém. Esta coisa inverossímil deixou-me na dúvida bastante tempo, e finalmente pareceu-me verossímil acreditar que em seus termos possa existir um erro de imprensa, isto é, onde foi impresso "Deveria existir ao menos alguém que examinasse com certo cuidado a exposição de Galileu", deva-se ler "Existiu alguém que examinou com certo cuidado ao menos algumas partes da exposição de Galileu": cuja versão eu considero verdadeira e legítima, porque se adapta melhor ao resto da obra, enquanto a outra não se enquadra com a consideração que, eu acredito, Sarsi tenha de si mesmo. Perceberá então V. E. Ilustríssima, examinando comigo a publicação de Sarsi, quanto é verdade aquilo que afirmo, isto é, de tudo aquilo que o Sr. Mário publicou, ele examinou somente o termo Aliqua, ou Saltem aliqua, ou seja, algumas minúcias de pouca importância em relação à finalidade principal, deixando de lado as conclusões e o raciocínio principal.

Foi obrigado a fazer isto porquanto sabia, em consciência, não poder fazer nada mais que louvar e confessar verdadeiras todas elas, o que contrariava a sua intenção, que era a de condenar e contestar, como escreve na parte XIII com estas palavras: Estas coisas sejam relatadas a propósito do parecer de Galileu, por aquilo que diz respeito estritamente ao cometa. Ele mesmo nos proíbe de falar mais, ele que expôs numa comprida dissertação seu pensamento somente com poucas e enroladas palavras, impedindo-nos de expor mais coisas a respeito deste argumento. Como refutar, com efeito, aquilo que ele não manifestou e nós não podemos adivinhar?

Nestas palavras, além de tornar-se clara a finalidade já declarada de somente contestar, eu percebo mais duas coisas: uma, sua simulação de não ter entendido muitas coisas por terem sido escritas (afirma ele) obscuramente, que seriam aquelas onde ele não encontrou possibilidade alguma de contradizer; a outra, sua declaração de não ter podido contradizer as coisas que eu não manifestei e que ele não pôde adivinhar. Todavia, V. E. Ilustríssima poderá perceber que a verdade é que a maior parte das coisas que ele contesta são aquelas que não foram manifestadas por nós, mas adivinhadas, ou melhor, imaginadas por ele.


4. Espero fazer algo muito grato a muitos daqueles que não puderam aprovar, sob nenhum ponto de vista, o trabalho de Galileu: farei isto nesta dissertação de tal modo que me absterei daquelas palavras que são mais indícios de espírito exacerbado e irado do que científico. Esta forma de responder, se alguém o deseja, deixarei, de boa vontade, a outros. Em suma, ele quer que a discussão seja conduzida também através de mensageiros e intérpretes assim como não foi ele que fez a exposição diretamente, mas através do cônsul da Academia. Mário tornou manifesto a todos os segredos de seu espírito, seja então permitido a mim também, não cônsul porém estudioso de disciplinas matemáticas, expor aquilo que escutei de meu mestre, Oracio Grassi, sobre as últimas descobertas de Galileu, não para uma única academia, mas para todos aqueles que conhecem o latim.

Em primeiro lugar, o próprio Galileu confessa bastante claramente, em cartas enviadas a alguns amigos romanos, que aquela discussão havia sido produto de seu espírito; depois, uma vez que o próprio Mário muito candidamente confessa haver publicado com inteira confiança, não suas pesquisas, mas aquelas como se fosse Galileu que tivesse ditado, permitirá, acredito eu, sem muito constrangimento, que eu, por enquanto, discuta sobre este argumento com as argumentações que ele lhe ditou, do que com aquela do cônsul.

Em toda esta parte que resta do proêmio eu percebo, antes de tudo, que Sarsi pensa ter feito coisa grata a muitos com sua oposição e pode ser que isto se tenha verificado com alguns que, por acaso, não tenham lido a publicação do Sr. Mário, mas que tenham aceito sua informação. Esta tendo sido feita particularmente, isto é (como se costuma dizer), cara a cara, quanto terá sido diferente das coisas publicadas, pois, no seu texto impresso, Sarsi apresenta muitas coisas como escritas pelo Sr. Mário, as quais nunca se encontraram em sua publicação nem mesmo na nossa imaginação? Acrescenta, depois, querer abster-se daquelas palavras que demonstram um ânimo ofendido e magoado, em vez de sabedoria: e logo em seguida perceberemos aquilo que Sarsi observou. No momento percebo, pela sua confissão, que ele esteja internamente ofendido e encolerizado, pois, se ele assim não o fosse, querer abster-se de tratar disto teria sido, se não fora de propósito, ao menos supérfluo, porque onde não existe costume ou aptidão não existe abstinência.

A respeito daquilo que ele escreve a seguir, isto é, de querer, como terceira pessoa, relatar aquelas coisas que ouviu do Pe. Oracio Grassi, seu preceptor, referente às minhas últimas descobertas, eu absolutamente não acredito e tenho certeza de que o padre mencionado acima nunca tenha dito nem pensado nem visto escritas estas fantasias de Sarsi, fantasias estas afastadas demais, sob qualquer ponto de vista, daquelas teorias que se lecionam no Colégio onde o Pe. Grassi é professor, como espero fazer entender claramente. E sem me distanciar demais deste ponto, que seria aquele que, nem tendo um pequeno conhecimento da prudência daqueles padres, poderia ser induzido a acreditar que alguns deles tivessem escrito e publicado que eu, em cartas particulares escritas em Roma para amigos meus, me proclamasse abertamente autor da publicação do Sr. Mário? Isto não é verdade e, mesmo que tivesse sido verdade, a sua publicação teria insinuado prazer em espalhar alguma semente que pudesse fazer nascer entre amigos íntimos alguma sombra de desconfiança. E qual é o resultado de tomar a liberdade de imprimir as obras particulares alheias? É bom, porém, que V. E. Ilustríssima seja informada da verdade deste fato.

Durante todo o tempo que o cometa era visível, eu me encontrava acamado, onde, frequentemente visitado por amigos, muitas vezes a discussão caiu sobre os cometas, ocasião em que me ocorreu manifestar alguns dos meus pensamentos que demonstravam ser duvidosas as teorias apresentadas até agora. Entre os outros amigos, apareceu diversas vezes o Sr. Mário, anunciando-me, um dia, querer falar a respeito dos cometas, na Academia, onde, se eu concordasse, ele levaria as coisas que tinha coletado de outros autores e as que ele mesmo tinha elaborado, bem como aquelas que tinha escutado de mim, já que eu não estava em condição de poder escrever. Considerei bem oportuna a sua gentil oferta e fiquei muito grato, porém não a aceitei. No entanto, quer de Roma, quer de outros lugares, outros amigos e patronos que talvez ignoravam a minha enfermidade, perguntavam-me continuamente se tinha alguma coisa a dizer sobre esta matéria. Respondia-lhes que não tinha nada a não ser algumas dúvidas sobre as quais não podia escrever devido à minha doença e esperava que bem breve poderiam ficar conhecidas minhas opiniões e dúvidas inseridas num discurso dum gentil-homem, amigo meu, que em minha honra tinha-se dado ao trabalho de coletá-las e inseri-las numa publicação sua. Isto é tudo o que tenho a ver com este assunto e, em numerosas passagens, foi relatado pelo mesmo Sr. Mário. Assim, ninguém pensou que Sarsi pudesse, acrescentando, em verdade, introduzir cartas minhas, nem alguém pensou que ele pudesse dar ao Sr. Mário tão pouco lugar numa publicação que era dele (onde ele tem uma importância maior que a minha), quase dando-lhe o lugar de copista.

Agora, já que ele quis assim, continue, então, assim; e o Sr. Mário, em compensação da honra a mim feita, aceite a defesa da sua publicação.


5. E voltando ao texto, leia novamente V. E. Ilustríssima as palavras abaixo transcritas: Em primeiro lugar, ele sente muito haver sido maltratado em nosso Discurso quando argumentamos a respeito da luneta que não aumenta nada o cometa, nós deduzíamos disto que o mesmo encontra-se muito distante de nós. Afirma, com efeito, haver declarado muito antes, com toda clareza, que este argumento não é de nenhuma importância. Mesmo que haja afirmado, porventura os ventos trazem de novo em seu devido lugar para meu mestre as coisas por ele pronunciadas? É verdade que a fama espalha geralmente as palavras dos grandes homens, porém de suas palavras (que se pode fazer?) não chegou até nós nem uma sílaba sequer. E mesmo que dissimulasse, ele soube todavia, através, também, do testemunho de muitas pessoas, que o espírito de meu mestre era muito benevolente para com ele, como, em discursos particulares e discussões públicas, ele não poupara elogios a seu respeito. Com certeza não pode negar que nunca ninguém foi mais especificamente chamado a participar por meu mestre do que ele, e que nunca ninguém foi tão particularmente lembrado com alguma palavra. Se alguma dúvida, entretanto, o atormentasse, podia também lembrar-se de haver sido recebido um dia com toda honra neste Colégio Romano pelos matemáticos do próprio Colégio e quando foi discutido publicamente em sua presença, mesmo que ele ouvisse e (qual modéstia) corasse ante os seus louvores a respeito dos astros Mediceus e da luneta, e quando depois por outro, que, no mesmo lugar e com igual multidão de gente, falou dos flutuantes, sempre e com prazer foi exaltado Galileu. Não podemos entender então qual foi a causa pela qual, por sua vez, pareceu-lhe tão desprezível a dignidade deste Colégio Romano, a ponto de chamar os mestres que lá ensinam de ignorantes em lógica e afirmar, sem constrangimento, que nossas argumentações sobre os cometas eram fundamentadas sobre argumentos fúteis e falsos.

A respeito destas publicações particulares, afirmo primeiramente nunca me ter queixado por haver sido maltratado no discurso do Pe. Grassi, porquanto tenho a plena certeza de que nunca Sua Reverência pensou em minha pessoa para me ofender; e mesmo que, hipoteticamente, houvesse pensado que o Pe. Grassi, ao se opor àqueles que davam pouca importância ao argumento do aumento do cometa, houvesse compreendido entre eles a mim também, Sarsi não deve pensar que isto tivesse sido motivo de desgosto e de queixa.

Isto poderia ter acontecido se minha opinião houvesse sido falsa, e como tal, descoberta e publicada; mas, sendo mais que verdadeiro meu raciocínio, e falso o outro, a multidão dos opositores, e especialmente o Pe. Grassi, com todo o seu valor, podia aumentar-me mais o prazer que a dor, uma vez que é mais preferível sair vitorioso de um numeroso e valoroso exército que de poucos e fracos inimigos. E por causa dos avisos que de muitas partes da Europa chegaram para seu Mestre (como escreve o Sarsi), alguns, passando por aqui, nos faziam sentir que geralmente todos os mais célebres astrônomos fundamentavam-se muito sobre este argumento, nem faltavam ao nosso redor e na própria cidade estudiosos com a mesma opinião; eu, desde a primeira palavra que escutei, deixei bem claro que considerava muito vão este argumento, e daí ele muito zombar de mim, especialmente quando, em favor deles, apareceu o testemunho e a confirmação, dignos de toda confiança, do matemático do Colégio Romano. Isto (não posso negá-lo) deu origem a não pouco trabalho, pois, encontrando-me na necessidade de defender minha palavra de tantos contraditores, os quais, tendo-se tornado mais fortes por causa de tanta ajuda, mais imperiosamente levantavam-se contra mim, não conseguia contradizê-los sem incluir também o Pe. Grassi. Então, não foi minha escolha mas um acidente necessário, mesmo sendo ocasional, que dirigiu minha oposição também por aquele lado que eu menos haveria desejado.

Porém, se fosse minha pretensão (como Sarsi acrescenta) que meu parecer tivesse que ser espalhado até Roma, como sói acontecer com os pareceres dos homens célebres e importantes, isto vai muito além dos limites da minha ambição. É verdade que a leitura da Balança me proporcionou maravilhas, isto é.

que minhas palavras não tivessem chegado ao ouvido de Sarsi. E não é espantoso que coisas que nunca falei nem pensei, das quais grande número é relatado em seu Discurso, fossem-lhe levadas e as outras, proferidas por mim mil vezes, lhe fossem desconhecidas? Pode ser que os ventos que levam as nuvens, as quimeras e os monstros que vão se formando neles em tumulto não tenham força de levar consigo as coisas sólidas e pesadas.

Pelas palavras que vêm depois, parece-me que Sarsi me atribui como grande falta não ter retribuído com outra tanta delicadeza grande honra a mim prestada pelos padres do Colégio em ministrar aulas públicas sobre minhas descobertas celestes e sobre minhas especulações a respeito das coisas flutuantes. O que é que eu devia fazer? Sarsi responde-me: elogiar e aprovar o Discurso do Pe. Grassi.

Porém, Sr. Grassi, já que as coisas entre mim e o senhor devem equilibrar-se e devem, como se diz, ser tratadas tecnicamente, eu pergunto ao senhor se aqueles Reverendíssimos Padres consideraram verdadeiras as minhas teorias ou as consideraram falsas. Se as consideraram verdadeiras e as louvaram como tais, o senhor me pediria agora, com juros demasiados, a devolução do emprestado, querendo que exaltasse com o mesmo louvor as coisas que eu sei serem falsas. Se eles as consideraram vãs e mesmos assim as exaltaram, eu posso agradecer-lhes pela boa consideração; porém, teria gostado muito mais que me tivessem indicado o erro e me tivessem manifestado a verdade, porque eu considero de muito maior utilidade as verdadeiras correções do que a grandiosidade das ostentações vãs: e, como eu acredito que aconteça o mesmo a todos os bons filósofos, assim, nem de um lado nem do outro, sentia-me obrigado. Poderia o senhor afirmar que eu talvez deveria ter-me calado. A esta objeção respondo em primeiro lugar que, estritamente, tínhamo-nos obrigado um ao outro, o Sr. Mário e eu, antes da publicação do texto do Pe. Grassi, a manifestar nossas ideias; calar-se, pois, teria feito jorrar sobre nós um desprezo e uma gozação quase gerais. Ainda acrescento que me teria esforçado e talvez teria até pedido para que o Sr. Guiducci não publicasse seu Discurso se tivesse constatado nele alguma coisa prejudicial à dignidade daquele famosíssimo Colégio ou à dignidade de alguns dos seus professores.

Porém, quando as opiniões impugnadas por nós pertenceram todas elas a outros antes que ao matemático professor do Colégio, não entendo por que, somente com ter-lhe V. E. concedido o assentimento, nos obrigasse a dissimular e esconder a verdade para favorecer e manter vivo o erro. A acusação, então, de entender pouco de lógica recai sobre Tycho e outros que geraram um equívoco com aquele argumento, equívoco este que foi por nós descoberto não para acusar ou reprovar alguém, mas para salvar outras pessoas de um erro e para manifestar a verdade, e nunca eu soube que ação semelhante pudesse ser logicamente reprovada. Sarsi, então, não tem razão de afirmar que por minha causa tenha sido diminuída a dignidade do Colégio Romano. Justamente pelo contrário, quando a voz de Sarsi saísse daquele Colégio teria eu a ocasião de considerar que os meus conhecimentos e minha reputação não somente naquele momento específico mas, talvez, por todos os tempos teriam sido subestimados demais, visto que nesta Balança nenhum dos meus pensamentos tem aprovação nem se podem ler outras coisas a não ser contradições, acusações e reprovações, e além daquilo que se encontra escrito (se se deve prestar ouvido aos boatos), há uma clara vaidade de conseguir destruir todas as minhas teorias. Mas, como não acredito nisso nem acho que desejo algum desse tipo exista naquele Colégio, prefiro imaginar que Sarsi deriva de sua filosofia igualmente o poder de louvar e reprovar, confirmar e rejeitar as mesmas teorias, de acordo com os impulsos da benevolência ou do desgosto. Faz-me lembrar a esta altura um professor de filosofia que se encontrava no meu tempo, no Estúdio de Pádua, estando desgostoso, como às vezes acontece com um concorrente seu, afirmou que, se ele não tivesse mudado de jeito, teria mandado, às escondidas, alguém espionar as teorias expostas por ele em suas aulas e que, por vingança, teria sempre sustentado as contrárias.


6. Agora leia V. E. Ilustríssima: Mas para não perder tempo com vãs discussões, não vejo, antes de mais nada, com qual direito pode-se acusar meu mestre e culpá-lo, não de ter feito, mas de parecer ter feito uso das palavras de Tycho, como era natural, e de ter seguido em toda a sua parte as vãs argumentações dele. Mas tudo isto é claramente falso, pois, executada a forma de apresentar as provas e os métodos através dos quais se procura o lugar do cometa, nenhuma outra coisa poderia encontrar em nosso Discurso que haja seguido Tycho, como testemunham essas claras palavras. Os íntimos sentimentos de seu espírito, apesar de ser astrônomo linceu, não olhou certamente com sua luneta; mas vamos conceder que também meu mestre haja aderido a Tycho. Que grande crime é este? A quem deveríamos seguir, de preferência? Por acaso Ptolomeu, cujos seguidores dizem que Marte, situado mais perto, ameaça com a espada desembainhada na garganta? Copérnico então? Mas este, que é religioso, afastaria antes todo mundo dele, pois uma hipótese condenada agora mesmo será condenada e não aceita por ele igualmente. Entre todos sobrava somente Tycho para ser tomado como guia pelo ignorado caminho dos astros. Por que razão, então, censura meu mestre, que não o despreza? Em vão Galileu invoca Sêneca, em vão Galileu chora a triste situação dos nossos tempos, pois não se conhece a disposição verdadeira e certa das partes do mundo, em vão deplora a triste situação deste século, não existindo nada de melhor para alegrar esta idade que, segundo seu parecer, ao menos em relação a este assunto, é mísera.

Pelo que Sarsi escreve aqui, parece-me claro que não tenha lido com a devida atenção, não somente o Discurso do Sr. Mário, mas nem aquele do Pe. Grassi, pois apresenta proposições que não podem ser encontradas nos textos de nenhum dos dois. É bem verdade que, para poder conseguir acusar-me de ter relatado não sei qual das teses, ele teria necessitado que eu as tivesse escrito; assim, não as tendo encontrado, quis colocá-las ele mesmo.

Em primeiro lugar, não se encontra no texto do Sr. Mário manifestado claramente, de forma alguma, nem considerado como falta do Pe. Grassi de ter jurado fidelidade a Tycho e seguido inteiramente suas vãs elucubrações. Eis os lugares citados por Sarsi, na página 18: Farei referência ao professor de matemática do Colégio Romano, o qual, numa publicação sua editada recentemente, parece aceitar cada proposição deste Tycho, acrescentando novas razões para confirmar o seu parecer. Em outro lugar, encontra-se na página 38: O matemático do Colégio Romano aceitou da mesma forma, a respeito deste último cometa, a mesma hipótese; e com esta afirmação, além daquele pouco que foi escrito pelo autor que está de acordo com a posição de Tycho, mais me empolga ver, no resto de toda a obra, como ele concorda com as outras hipóteses de Tycho. Agora veja, V. E. Ilustríssima, se aqui pode atribuir-se coisa alguma à culpa ou à falta. Além disso, torna-se bem claro que, não se tratando na obra inteira a não ser de acidentes relativos aos cometas, sobre os quais tinha escrito Tycho tão grande volume, dizer que o matemático do Colégio concorda com as outras hipóteses de Tycho, não pode ser referente a outro assunto que não seja àquele dos cometas; assim, comparar as posições de Tycho e aquelas de Ptolomeu e Copérnico, que nunca trataram de assuntos relativos a cometas, parece-me aqui fora de lugar.

Aquilo que Sarsi afirma, isto é, que no texto do seu Mestre não se pode encontrar nada que o coloque como seguidor de Tycho, com exceção das demonstrações necessárias para encontrar o lugar do cometa, para dizer a verdade, não é bem assim; pelo contrário, nada é menos exato que tal demonstração.

Graças a Deus que nisto o Pe. Grassi não imitou Tycho nem percebeu, com referência ao modo de investigar a distância do cometa pelas observações concluídas em dois lugares diferentes da Terra, quanto fosse necessário conhecer os primeiros elementos das matemáticas. E para que V. E.

Ilustríssima veja claramente que eu não estou falando assim sem fundamento, observe a demonstração que ele inicia na página 123 do Tratado sobre o Cometa de 1577, que se encontra na última parte de seus Progimnasios, onde, querendo provar que não era inferior à Lua através da conferência das observações que ele mesmo fez em Uraniburg e no Tadeu Agecio em Praga: tirada, antes, a corda AB do arco do orbe terrestre que media a distância entre os supramencionados lugares e olhando do ponto A a estrela fixa colocada em D, supõe-se que o ângulo D A B seja reto; isto é impossível porque, sendo a linha AB corda de um arco menor de 6 graus (como o próprio Tycho afirma), torna-se necessário, então, que o supramencionado ângulo seja reto e que a estrela fixa D esteja longe do zênite de A ao menos 3 graus.

Isto é completamente falso, pois sua distância mínima é de mais de 48 graus, sendo (como o próprio Tycho afirma) a declinação da estrela fixa D, isto é, a estrela Águia, conhecida também por Abutre, de 7,52 graus para o norte e a latitude de Uraniburg de 55,54 graus. Ele escreve ainda que a mesma estrela fixa pode ser vista dos dois lugares A e B no mesmo lugar da oitava esfera, porque a Terra inteira, e não somente a pequena parte AB, não possui sensível proporção com a imensidade dessa oitava esfera.

Porém, que Tycho me perdoe: a grandeza e a pequenez da Terra não têm nada a ver com este caso, porque o fato de se poder enxergar por toda parte a mesma estrela no mesmo lugar deriva do fato de ela se encontrar realmente na oitava esfera, e não de outra coisa; justamente da mesma forma que os sinais que se encontram nessa folha, jamais em relação ã mesma folha mudarão de lugar, apesar de qualquer mudança mesmo muito grande que o olho de V. E. Ilustríssima, que os está enxergando, possa produzir. Um objeto colocado entre o olho e o papel, ao movimento da cabeça, mudará de lugar aparentemente em relação aos sinais, pois o mesmo sinal poderá ser visto ora pela direita, ora pela esquerda, ora mais alto, ora mais baixo. Da mesma forma mudam aparentemente de lugar os planetas no orbe estrelado, vistos de diversas partes da Terra, porque encontram-se muito distantes dele; e aquilo que neste caso opera a pequenez da Terra é que, variando menos de aspecto os mais longe de nós e variando mais aqueles que se encontram mais perto, por um que se encontre bem longe, a grandeza da Terra não é suficiente para produzir uma tal variedade sensível. Depois, aquilo que ele afirma acontecer conforme as leis dos arcos e das cordas, veja V. E. Ilustríssima como ele se encontra longe de tais leis e até dos primeiros elementos de geometria. Afirma serem as duas retas AD e BD perpendiculares à reta AB, o que é impossível, porque somente a reta que procede do vértice é perpendicular à tangente e às suas paralelas, e estas não procedem do vértice nem AB é tangente ou paralela a esta. Além disso, ele as quer paralelas e em seguida afirma que elas se juntarão no centro: assim, além da contradição de serem paralelas e concorrentes, é que, prolongadas, passam muito longe do centro. E finalmente conclui que, procedendo do centro rumo à circunferência em relação ao termo AB, elas resultam ser perpendiculares.

Ora, isto é impossível quanto é impossível que das linhas tiradas do centro rumo a todos os pontos da corda AB, somente aquela que cai no ponto mediano lhe é perpendicular, enquanto que aquelas que caem nos termos extremos são, mais que todas as outras, inclinadas e oblíquas. Veja, então, V. E. Ilustríssima quais e quantas extravagâncias teria Sarsi feito aceitar pelo seu Mestre, quando a verdade seria aquilo que escreveu a este propósito, isto é, que seu Mestre tenha seguido as formas de raciocínio e as demonstrações de Tycho em procurar o lugar dos cometas. Veja mais o próprio Sarsi como eu, melhor que ele, sem usar de astrologia nem telescópio, tenha penetrado, não direi os sentidos internos de seu espírito porque para estudá-los não possuo nem olhos nem orelhas, mas o significado de suas proposições, significado este que não é muito claro e manifesto, não havendo necessidade de olhos perspicazes, gentilmente introduzidos por Sarsi com a finalidade, acredito eu, de zombar um pouco da nossa Academia. E como V. E. Ilustríssima e outros Príncipes e Grandes Senhores conhecem, da mesma forma que eu, esta brincadeira, eu então, pelas teorias acima manifestadas por Sarsi, não me preocupando muito com suas palavras, trabalharei sob a sombra destas teorias, ou melhor, iluminarei minha sombra com o seu esplendor.

Voltando ao assunto anterior, veja V. E. como novamente ele quer que eu tenha considerado como grande falta do Pe. Grassi ter aderido às teorias de Tycho, e, com reprovação, pergunta: a quem devia ele seguir? Por acaso Ptolomeu, cuja teoria das novas observações, com respeito a Marte, é claramente falsa? Ou talvez Copérnico, do qual todo mundo se há de afastar o mais rápido possível, por causa de suas teorias ultimamente condenadas? Aqui eu percebo várias coisas: primeiramente, rejeito como falso eu ter reprovado o Pe. Grassi de seguir Tycho, mesmo que eu tivesse tido razões para fazê-lo, como ficará bem claro a seus adeptos por causa do Antitycho do Cavaleiro Chiaramonte. Aquilo que Sarsi relata aqui está fora do assunto, e muito mais fora do assunto é a introdução de Ptolomeu e Copérnico, dos quais nunca soubemos existirem obras atinentes a distâncias, grandezas, movimentos e teorias relativas a cometas, somente das quais estamos tratando e não de outras coisas, porque da mesma forma podiam ser introduzidos Sófocles, Bartolomeu ou Lívio. Parece-me também perceber em Sarsi sólida crença que, para filosofar, seja necessário apoiar-se nas opiniões de algum célebre autor, de tal forma que o nosso raciocínio, quando não concordasse com as demonstrações de outro, tivesse que permanecer estéril e infecundo. Talvez considere a filosofia como um livro e fantasia de um homem, como a Ilíada e Orlando Furioso, livros em que a coisa menos importante é a verdade daquilo que apresentam escrito. Sr. Sarsi, a coisa não é assim. A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. Porém, admitindo igualmente, segundo o parecer de Sarsi, que o nosso intelecto deva tornar-se escravo do intelecto de outro homem (deixo a ele, transformando todos nós em copiadores, louvar em si mesmo aquilo que reprovou no Sr. Mário) e que nas contemplações dos movimentos a Ptolomeu e a Copérnico, de ambos os quais possuímos os sistemas inteiros do mundo, com grande habilidade construídos e finalizados. Isto parece-me não ter sido feito por Tycho, se já não é suficiente para Sarsi ter renegado os outros dois e ter-nos prometido um outro, se bem que depois não cumpriu. Nem gostaria que alguém atribuísse a Tycho haver convencido os outros dois de falsidade, porque, quanto ao sistema ptolemaico, nem Tycho nem os outros astrônomos nem o próprio Copérnico mesmo podiam abertamente convencê-lo, sendo que a principal razão deduzida dos movimentos de Marte e Vênus sempre contrariava o sentido. Pois, demonstrando-se o disco de Vênus nas duas conjunções e separações do Sol muito pouco diferente em grandeza em relação a si mesmo e o disco de Marte no perigeu apenas três ou quatro vezes maior que quando no apogeu, nunca Sarsi teria se persuadido de mostrar verdadeiramente este quarenta e este sessenta vezes maior num estado do que no outro, como teria sido necessário acontecer quando as suas conversões tivessem sido realizadas ao redor do Sol, segundo o sistema copernicano. Todavia, que essa teoria é verdadeira e clara para os sentidos, eu mesmo o demonstrei e deixei à mão de quem quisesse ver um telescópio perfeito para testar. Depois, em relação à hipótese de Copérnico, mesmo que para benefício de nós católicos da mais soberana sabedoria não tivéssemos sido esclarecidos em nossos erros e iluminada a nossa cegueira, não acredito que tal graça e benefício tivessem podido obter-se pelos raciocínios e pelas experiências expostas por Tycho. Sendo, então, certamente falsos os dois sistemas e nulo o de Tycho, não deveria Sarsi reprovar-me se com Sêneca desejo a verdadeira constituição do universo. E mesmo que o desejo seja grande e muito querido por mim, não deploro, porém, entre lágrimas e tristezas, como escreve Sarsi, a miséria e a calamidade deste século, nem há o mínimo vestígio de tais lamentações em todo o texto do Sr. Mário Sarsi, contudo, necessitando encobrir e sustentar algum pensamento que ele deseja explicar, vai remanejando ele mesmo e fazendo a si aquelas acusações que não lhe foram atribuídas por outros.

E mesmo que eu lamentasse este nosso infortúnio, não vejo como exatamente possa Sarsi afirmar que minhas lamentações foram vãs, não possuindo eu nem modo nem faculdade de destruir tal miséria, porque parece-me que justamente por isto eu teria razão de me queixar, e, pelo contrário, as lamentações então não teriam lugar, uma vez que eu pudesse afastar este infortúnio.

 

 

                                      CONTINUA

 

 

 

                                                   

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