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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O FALSO MARIDO / Patricia Ryan
O FALSO MARIDO / Patricia Ryan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Clay Granger adorava viver perigosamente. Assim, não hesitou em ajudar a amiga Isa a resolver um grande “problema”. Além do mais, uma esposa de mentira era exatamente do que ele precisava para ficar livre da pressão dos amigos, que insistiam em arranjar-lhe companhia.

Isa Fabrione estava grávida! Abandonada pelo noivo, só tinha uma pessoa a quem recorrer: Clay, seu melhor amigo, o solteiro mais charmoso e desejado da cidade. Ele faria qualquer coisa por um desafio, até mesmo se casar. Desde que fosse tudo uma farsa.

 

 

 

 

Isabella Fabrioni analisava com atenção redo­brada as fotografias de Clay Granger espalha­das a sua frente. Ele aparecia no rio Colorado, mergulhando em Acapulco, e correndo com os touros em Pamplona.

— Clay parece um membro da família Kennedy. Harry Shaw, seu anfitrião, sorriu detrás do bar, enquanto preparava-lhe um martíni.

— Você o tem visto? — Harry entregou-lhe o drinque. Havia muitos convidados na festa de ano-novo de Harry.

Desde que chegou, Isa se mantinha sentada na banqueta de couro em frente ao bar.

— Não — respondeu ela, no meio do burburinho de mú­sica e vozes —, entretanto, estou em Nova York há pouco tempo. Voltei no Natal. A última vez em que o vi foi há um ano e meio, quando vocês dois foram a San Francisco para aquele concurso de salto.

— Sim, foi isso mesmo. Você nos levou ao seu aparta­mento antes da competição. Só Clay Granger poderia comer três pratos de lula e depois saltar de uma ponte. — Mostrou uma fotografia. — Veja esta aqui.

Isa observou a imagem de Clay, usando capacete e roupas de couro, encostado em algo que parecia uma tábua de pas­sar roupas sobre rodas. Montes de feno voavam a seu redor, e ele parecia estar em alta velocidade.

— O que é isso, Harry?

— Corrida na rua.

— Corrida na rua? — Isa observou a foto com mais aten­ção e notou duas linhas amarelas no asfalto.

— É muito simples. Tudo o que se precisa é uma rua com grande declive. O corredor desce em alta velocidade e não pode sair do limite das linhas amarelas.

Harry ajustou o boné dos Yankees, que usava sempre nos últimos cinco anos. Isa suspeitava que o amigo apre­sentava uma calvície precoce.

Alguém entregou a ele um copo, e Harry preparou uma margarita, acrescentando limão e sal.

Isa apontou para uma fotografia impressionante, na qual Clay saltava do avião usando um objeto parecido com um skate.

— E isso? O que é?

— Surfe no céu. Não recomendo para quem tem proble­mas de coração.

— Ou para qualquer pessoa com um pouco de bom senso. Isabella sorveu um gole de seu drinque, enquanto Harry colocava outro CD no aparelho. Mais uma vez, escolheu um disco de música country. Muitos convidados reclamaram, porém Harry sorriu.

— Como você conseguiu fotografar aquele salto de Clay?

— Tive de pular de pára-quedas logo em seguida. Isa balançou a cabeça.

— Lembra-se de quando Clay lhe pediu que o fotografasse enquanto escalava o Chrysler Building? Ele o convenceu a fazer a escalada bem atrás dele.

— Foi o Flatiron Building — corrigiu Harry. — Tive de escalar na frente para que o fotografasse de cima. Aquilo era para o livro do ano.

— O que quero dizer é que, depois de vinte anos, vocês continuam os mesmos. Você ainda segue aquele lunático, levando sua câmera para registrar todas as loucuras para a posteridade.

— Sim, é verdade. Só que agora sou pago para isso.

— Até parece que você precisa de dinheiro, Harry.

— Pare com isso, Isa. Parece que você nunca me perdoou por eu ser um milionário.

"Não é nada disso, meu amigo. O problema é que tenho sentido fortes enjôos matinais há algum tempo. Sabe o que isso pode significar?"

Isa procurou lembrar a si mesma que viera àquela festa para esquecer seus problemas, ao menos durante algumas horas. Seriam momentos tranqüilos, antes que sua vida vi­rasse de pernas para o ar.

— Eu quis dizer que o dinheiro não... Esqueça. Vim aqui para me divertir, e não para aborrecê-lo e estragar sua festa.

— Não conseguiria fazer isso, querida. — Harry incli­nou-se e deu um tapinha na mão de Isa. — Seus problemas não são tão importantes para mim.

Isa riu.

— Vamos, sei que deve estar em dificuldades. Mulheres com mais de trinta anos não largam empregos maravilhosos em San Francisco e voltam para a casa dos pais, em Queens, sem uma boa razão. O que é? Problema com dinheiro? Ou o trabalho? Homens, talvez?

— Que tal tudo isso junto? E algo mais;

— Nossa! Tem certeza de que não quer tomar alguma coisa mais forte?

A sugestão era tentadora, mas...

— Não. De fato, de nada adiantaria. E não quero abor­recê-lo com isso. Clay é um homem de sorte por ter um grande amigo como você trabalhando com ele. Suas foto­grafias são a alma da revista.

Harry ficou satisfeito com o elogio.

— Oh, assim é bem melhor. Adoro o reconhecimento. Você já viu o último exemplar?

— Não.

— É maravilhoso.

Harry remexeu em uma pilha de jornais e revistas a um canto do bar e encontrou o exemplar da Sem Limites do mês de dezembro. Na capa estava escrito: "A revista dos esportes radicais".

— Veja a página trinta e quatro.

Havia um artigo com o título "Esquiando em um terreno íngreme". As fotografias mostravam o editor-chefe, Clay Granger, usando roupas coloridas para esquiar, em contraste com a neve. No primeiro quadro, ele saltava de uma montanha; a seguir, caía até encontrar o solo. Havia uma seqüência de ima­gens ilustrando a descida veloz através do terreno acidentado.

Ele chama isso de queda livre controlada — ex­plicou Harry.

"Queda livre controlada", pensou Isa, tocando, distraída, o ventre. "Parece uma boa definição para minha vida. A não ser pelo fato de estar sem controla"

— Aquele homem me parece familiar — comentou uma convidada, ao se aproximar deles. — Lembra-me John Kennedy Jr.

— Você não o conhece? — perguntou Harry, incrédulo. — Aquele é Clay Granger, a grande revelação dos anos noventa. E por falar nisso, creio que ele é mais parecido com John Kennedy, o pai, durante os gloriosos dias como senador. Repare no sorriso... e no olhar inteligente. Você está tomando uísque, não é, querida?

Harry logo reabasteceu o copo da mulher.

— Obrigada, Harry — agradeceu, antes de se afastar. Clay Granger acabava de entrar, sacudindo as botas para retirar a neve. Era um homem alto, de uma beleza devas­tadora. Usava calça jeans e uma jaqueta de couro. Passou a mão pelos cabelos, o que apenas os desalinhou mais, sem prejudicar em nada a boa aparência. Alguém o chamou do outro lado da sala, e Clay acenou e sorriu.

Isa sentiu um pequeno tremor nas pernas, mesmo estando sentada. Isso sempre acontecia quando encontrava Clay após uma separação prolongada. Ficava surpresa com sua exube­rância e sensualidade. Evidente que essa era apenas uma reação involuntária, e Isa logo se recuperava. Após vinte anos, o amor platônico que sentira por ele já devia estar superado.

Uma linda mulher loira aproximou-se de Clay e beijou-o nos lábios. Isa reconheceu-a como sendo uma famosa modelo da revista Vogue. Era alta e muito elegante.

Isa sempre desejara ser esbelta. Entretanto, tornara-se uma mulher de estatura mediana, bastante feminina e com um ar muito distinto, segundo definições de sua própria mãe.

Clay retirou a jaqueta e entregou-a à empregada que Harry contratara. Ele a olhou e sorriu, sendo logo correspondido. Isa observou a cena, notando que a maioria das mulheres pre­sentes na festa pareciam hipnotizadas por aquele homem.

Isa meneou a cabeça, recriminando-as.

— Oh, o que é isso, Isabella? Suponho que você seja a única mulher no mundo imune aos encantos de Clay Granger.

— No mundo? — Isa virou-se para Harry. — Não acha que está exagerando um pouco?

— De acordo com a revista People, não estou.

— Do que está falando?

— Você não leu? — Rindo, Harry abaixou-se e procurou pelo exemplar em questão.

Na capa havia dez homens, incluindo Clay, com a man­chete: "Os homens solteiros mais desejados".

— Meu Deus, Harry! Quem desejaria se casar com um homem assim?

— Creio que metade do planeta — respondeu, rindo.

— O problema é que homens bonitos, ricos e famosos costumam ser grandes conquistadores. Clay Granger é um desses. Definitivamente não é o meu tipo. Além disso, nós já passamos muitos momentos juntos, e ele é como um irmão mais velho para mim.

Harry sorriu, zombeteiro.

— É verdade, amigo, fique sabendo. Foi ele quem me protegeu quando entrei na Academia Phelps, enquanto o restante de vocês me ignorava. Eu era uma garota pobre de Queens, com catorze anos, e cercada por ricos e esnobes...

— Você era muito calada. Pensávamos que não soubesse falar inglês.

— Eu sei. — Sorriu diante da lembrança de Clay Granger aproximando-se na lanchonete, perguntando-lhe em italiano se podia se sentar.

— Você parecia tão exótica... tão européia. Pensávamos que seu pai fosse um diplomata, ou algo assim.

— Deviam ter imaginado um carregador de malas sul-americano — brincou.

— Clay detesta que eu mostre as reportagens — Harry explicou, guardando as revistas. — Parece meio aborrecido com a fama.

— Creio que ele próprio é o culpado. Afinal, não precisava ficar se arriscando, só para chamar atenção.

— É verdade. Contudo, seus leitores esperam que ele o faça. Clay se tornou uma lenda. A personificação de uma fantasia, com sua imagem ligada a esportes radicais.

— Acho que vou aceitar mais um drinque.

Duas mãos fortes seguraram-na pelos ombros. Isa pôde sen­tir seu calor através da blusa de seda, e o coração disparou.

— Faça dois drinques — disse Clay, com a voz profunda e rouca.

Isa respirou fundo, procurando controlar-se.

Clay cumprimentou Harry, encostou-se no balcão e sorriu para Isa, enquanto dobrava as mangas da camisa. Seus .olhos pareciam ainda mais azuis, e os dentes imaculados contrastavam com a pele bronzeada.

— Olá, Isa.

— E bom encontrá-lo, Clay.

— Só bom? Eu estava achando maravilhoso vê-la aqui. Isa ergueu a sobrancelha, com ironia.

— Oh, não. Não faça isso. — Clay riu, inclinou-se e, com o indicador, baixou a sobrancelha de Isa, que observou o braço musculoso. — Não me venha com esse olhar querendo dizer: "Lá vem Clay outra vez". Isso não é verdade. E muito bom encontrá-la. Estava com saudade. Você está ainda mais bonita.

"Mais bonita? Oh, Deus!"

Harry entregou-lhes as bebidas. Clay experimentou a sua e fez uma careta.

— O que é isso?

— Martini — respondeu Isa.

— Harry, prefiro cerveja.

Isa sorveu seu drinque num gole só. Essa noite queria fingir que estava tudo bem. No dia seguinte, começaria a se preocupar com o futuro.

Harry entregou a cerveja a Clay. Isa observou-lhe o pes­coço, forte como o dos atletas.

— Clay, gostaria que conhecesse uma pessoa.

— Esqueça, Harry, meu camarada.

— Adoro quando ele me chama assim. Faz com que me sinta como um dos membros de seu grupo.

— Você não pode estar tentando arranjar uma esposa para ele, não é? — Isa encarou-o, incrédula.

— Oh, sim, ele pode — Clay afirmou. — Hoje, não, companheiro.

— Oh! Quer dizer que também sou seu companheiro?

— Harry, já lhe disse para não fazer isso. — Clay parecia aborrecido. — Avisei a todo o mundo que não quero me casar. Estou cansado de não poder sair de casa sem ter de encontrar um bando de mulheres sendo oferecidas como candidatas a sra. Granger.

— Clay, antes de se recusar a conhecê-la, ouça-me...

— Não, você é quem deve me ouvir. Vim até aqui para relaxar e me divertir. Não pretendo passar o resto da noite tentando me livrar de uma das suas "descobertas".

Harry apoiou-se no balcão e explicou, num tom de conspiração:

— Você vai gostar dela. Eu garanto. Ela é o seu tipo. E modelo, gosta de esquiar, tem cabelos longos e loiros, e um corpo escultural. O nome dela é Barbie.

— Isso devia ser uma propaganda matrimonial? — per­guntou Isa.

— Passei anos apresentando mulheres intelectuais para Clay. Ele nunca se interessou. Talvez isso seja exatamente o que ele queira... Vejam! Lá está ela.

Barbie estava a um canto da sala, cercada por admiradores, parecendo entediada. Ela correspondia à descrição de Harry.

— Parece que foi plastificada — comentou Isa.

— Bela tentativa, Harry. Contudo, prefiro escolher sozi­nho com quem quero dormir.

— Barbie não é do tipo que está pensando. Você poderia se casar com ela.

Clay colocou a garrafa sobre o bar e enxugou os lábios com as costas da mão.

— Você está perdendo seu tempo, Harry. Não quero me casar, e, mesmo que quisesse, não seria com essa tal de Barbie.

— Ela é sueca... camarada.

Clay suspirou, malicioso. Olhou outra vez para a loira esguia. A mulher também o viu.

— Então, Harry, você ainda tem aquele colchão d'água?

— Nem pense nisso, fanfarrão. Clay soltou uma gargalhada.

— Fanfarrão?

Isa sorriu, mas começava a sentir náuseas.

"Não. Não esta noite. Quero me divertir", pensou, ten­tando esquecer o mal-estar.

— Nem pense nisso. Não na minha cama. De qualquer forma, deve haver uns cinqüenta casacos em cima dela.

— Oh, parece delicioso. Casacos e um colchão d'água.

— Não, Clay. — Harry falava a sério. — Estou tentando lhe arrumar uma esposa. Não sou alcoviteiro.

— Você está tentando ser moralista? Não se esqueça de que o conheço há muito tempo. Lembro-me de quando era jovem e fazia qualquer coisa por...

— A jovem em questão tem três irmãos enormes, que não toleram investidas contra a virtude da irmã — conti­nuou Harry, implacável.

— Virtude? — Clay olhou outra vez para a moça.

— John encontrou-se com ela naquela festa na piscina, no ano passado. Ele se empolgou um pouco quando ajudou-a a passar o bronzeador. Os irmãos de Barbie decidiram dar-lhe uma lição. Você precisava ver como ficou o rosto dele.

Isa respirou fundo, tentando conter o enjôo.

— Então, seu amigo aprendeu a lição?

— Não sei. Creio que ainda está em coma. Estou lhe contando isso porque qualquer proposta que faça a Barbie deverá ser depois do casamento, ou poderá se arrepender.

— Harry, você tem alguns salgadinhos?

— Está com fome, Isa? — Harry chamou a garçonete. — Tânia? Traga-me sushi.

— Sushi? — O estômago de Isa contraiu-se. — Não creio...

— São fresquinhos. — Tânia colocou o prato cheirando a peixe próximo ao nariz de Isa.

— Volto logo. — Isa levantou-se e saiu correndo.

O banheiro do andar de baixo estava ocupado. Ela correu para o andar de cima. Bateu à porta, mas ouviu vozes avi­sando que havia gente.

Isa não poderia esperar. Entrou no banheiro da suíte de Harry, ajoelhou-se em frente ao vaso sanitário e vomitou.

Aliviada, lavou o rosto. Ao mirar-se no espelho, constatou que, sem maquiagem, mostrava-se muito abatida, com a pele pálida e olheiras. O único atrativo ainda eram os longos cabelos castanhos.

Como Clay podia ter dito que estava bonita?

—Ele é mesmo um mentiroso—murmurou, sem entusiasmo.

Clay se habituara a cortejar as mulheres. Após anos de sedução, não conseguia deixar de usar seu charme. Apesar de desprezar esse lado conquistador de seu amigo, Isa gos­tava muito dele.

Clay sempre procurou ajudá-la. O mesmo Clay que a cumprimentou na lanchonete, dizendo: "Buona sera"

Depois daquele dia, convenceu a todos os colegas a aceitarem-na. Foi ele também quem a levou para estudar no Instituto de Arte de San Francisco. Ajudou-a, inclusive, a encontrar um ótimo apartamento. Quando os trabalhos como free lance não foram suficientes para cobrir as despesas de Isa, Clay arranjou-lhe um emprego como diretora de arte das revistas Dekker e Brown.

No entanto, depois de tudo o que aconteceu, Isa questiona­va-se se não teria sido melhor ter trabalhado em outro local.

Pensando em Clay, Isa precisava reconhecer que ele jamais esperava nenhuma recompensa pelo que fazia. Durante os vinte anos de amizade, chegaram a flertar algumas vezes; afinal, o charme era inerente a ele. Todavia, Clay sempre a tratava como a uma grande amiga, nunca como uma conquista.

Por um lado, Isa era grata por Clay valorizar tanto a amizade entre eles, pois sabia que, se tivessem algum en­volvimento, acabaria tão mal quanto todos os relacionamen­tos que ela teve. Com certeza, hoje seriam inimigos. Entre­tanto, algumas vezes, sentia-se ofendida por Clay Granger não ter vontade de seduzi-la.

Isa olhou-se no espelho, comparando o porte esguio de Barbie ao seu. Isso serviu para lembrar-lhe por que Clay via-a apenas como irmã. Desde que o conhecera, Clay sem­pre conquistara mulheres belíssimas.

Um pouco aborrecida, Isa aproximou-se da cama, repleta de casacos de pele, e sentou-se. Tirou os sapatos e deitou-se, deliciando-se com o movimento do colchão d'água.

Fechou os olhos, pensando: "Se eu pudesse, congelaria esse momento e ficaria aqui para sempre. Não haveria problemas. Minha vida não seria esse colapso total. Sentiria apenas a maciez e esse movimento suave... Onde está o cavaleiro mon­tado em seu cavalo branco, quando mais preciso dele?"

Em resposta a sua pergunta, giraram a maçaneta da porta.

 

Clay Granger criava fantasias imaginando os casacos de pele, a cama com colchão d'água e a moça a seu lado. Girou a maçaneta e lembrou-se de perguntar:

— Como é mesmo o seu nome?

— Tânia — respondeu a garçonete, ruborizada.

— Tânia. — Enlaçou-a pela cintura.

Sorrindo, Clay abriu a porta e esperou que ela entrasse.

— Oh! — exclamou Tânia, surpresa.

Viram os pés de alguém deitado na cama. Isa ergueu a cabeça, os cabelos em desalinho. Olhou para Clay e Tânia, sem saber o que dizer. Mesmo tendo a pele morena, encon­trava-se muito pálida.

— Não se preocupem, já estou de saída — informou, sentando-se na cama.

— Não. Fique onde está — ordenou Clay.

Isa fechou os olhos e voltou a se deitar. Sentia muita tontura. Clay acompanhou Tânia até a porta e murmurou ao seu ouvido:

— Talvez mais tarde, querida.

Observou a moça se afastar, vendo os botões de seu uni­forme, pensando em desatá-los um a um.

Quando Clay fechou a porta e voltou a olhar em direção a Isa, só viu os pequenos pés. Sentou-se sobre o tapete oriental, cruzou as pernas e começou a massageá-los. Ela cobriu o rosto com o braço. Clay trabalhou com as mãos experientes até perceber que Isa estava mais relaxada.

— Ei, grãozinho de café. — Clay chamava-a assim desde o colégio, por causa da pele morena, que lhe lembrava café com creme.

Quando Isa olhava para alguém, dava a impressão de estar enxergando a alma da pessoa. Clay não conseguia ocultar nada da amiga, e também não conseguia cortejá-la como fazia com as outras mulheres. Ela percebia tudo. Às vezes, era um pouco desconcertante; porém, por outro lado, era muito bom. Talvez esse fosse o motivo de Isa ser sua melhor amiga.

— Sua massagem é deliciosa — murmurou, enquanto Clay concentrava-se no outro pé. — Desculpe-me por ter estragado sua aventura.

— Aventura? Creio que é um modo elegante de definir a situação.

— Então, como vão as coisas, Clay?

— Harry ainda está tentando me arranjar uma esposa.

— E, eu notei.

— O pior é que não é só ele. — Clay terminou a massagem e debruçou-se na cama, ao lado de Isa. Os casacos macios fi­zeram-no pensar na garçonete outra vez. — Todos que conheço tentam levar-me ao altar. Você é minha única amiga que não tenta arranjar-me candidatas. Então, conte as novidades.

— Voltei para a casa dos meus pais.

— Harry me contou. O que aconteceu?

— E uma longa história. Então, o que você tem contra o casamento?

— Já experimentei uma vez. Creio que basta.

Isa se virou de lado e colocou a mão sobre a dele. Clay percebeu que não adiantava tentar enganá-la.

— Dez anos de luto é muito tempo, Clay.

— Não é isso. — Clay notou a expressão desconfiada quando Isa ergueu a sobrancelha, naquele gesto tão conhe­cido. Sorrindo, colocou o dedo na sobrancelha insolente, abaixando-a. — Já deixei de lamentar a morte de Judith.

De fato, Clay já se conformara. Acostumado a ser pres­sionado com o assunto, deu a Isa a mesma resposta que dava aos interessados em casá-lo:

— Algumas pessoas têm apenas uma chance, e eu tive a minha. Judith era incrível. Jamais encontrarei alguém igual a ela; então, por que tentar?

Isa balançou a cabeça e voltou a se deitar.

— Se não quer discutir o assunto, está bem. Contudo, não me venha com as desculpas que costuma dar aos outros. Acho isso um insulto.

— Vejo que você não mudou nada.

— Nem você. Se eu não estivesse aqui, estaria deitado nesses casacos com uma estranha que conheceu há vinte minutos.

— Não me lembre disso. — Clay lamentou não ter ficado com a linda moça vestida com o uniforme preto..— Mas você deve me dar algum crédito por ter escolhido Tânia, em vez de Barbie.

Isa sorriu, e Clay não pôde deixar de admirar mais uma vez aquele sorriso encantador, capaz de iluminar todo o am­biente. Ela estava deitada sobre um casaco preto que empres­tava-lhe um ar sedutor, apesar da palidez e das olheiras.

— Você deveria ter um casaco assim. Ficou sensacional.

— Não gosto de usar peles. Mesmo que pudesse pagar por elas.

— Certo. Se você voltou a Nova York, deve ter deixado o emprego na D & B. O que aconteceu?

Isa respirou fundo, evitando o olhar de Clay.

— Não quero falar sobre isso esta noite. Por que não voltamos lá para baixo? — Isa sentou-se, mas ficou tonta e deitou outra vez.

— Isa, o que há de errado com você?

— Eu vomitei.

— Está doente?

— Não. — Tocou o ventre, distraída.

— Isa? — Clay considerou outras possibilidades. Quando ela o fitou, Clay percebeu a verdade... e o medo. — Oh, Isa. Não...

— Sim.

— Bem, você...

— Planejou? Até parece que sou tão moderna para pla­nejar uma gravidez fora do casamento.

— O que pretende...

— Terei o bebê. Veja, Clay, meu relógio biológico está andando um quilômetro por minuto. E a julgar pela minha vida amorosa dos últimos dezoitos anos, não creio que en­contrarei o homem certo para transformar-me em uma mu­lher honesta. Além disso, quero ter essa criança.

Clay notou a tristeza da amiga. Tentou digerir as últimas informações. Isa estava grávida. Sua pequena Isa. Bem, na verdade, ela já não era uma garotinha. Afinal, não ficou grávida sozinha. Clay imaginou-a nua na cama, aguardando seu amante. Achou a idéia estranha e ficou com ciúme do homem que fez amor com ela. Clay sentia-se perturbado ao constatar que Isa era uma pessoa normal.

Clay quase gargalhou ao compreender a verdade. No ín­timo, achava que se Isa Fabrioni não estava dormindo com ele, então não estaria dormindo com mais ninguém. Era como se, escolhendo manter o relacionamento platônico, fos­se intocável para o resto do mundo. Em sua arrogância, Clay pusera Isa numa redoma, e ficou chocado ao perceber que ela conseguiu escapar. E estava grávida.

— O que houve? Conte-me.

Isa fechou os olhos e mordeu o lábio inferior. Sentou-se. Clay segurou suas mãos.

— Bem, você deve saber que a D & B foi comprada por uma grande firma de publicidade inglesa.

— Há um ano, certo?

— Certo. Eles trouxeram um novo gerente da Inglaterra. Presley Creighton. Quarenta e um anos. Boa aparência. Isa estranhou a expressão de Clay, mas continuou:

— Seis meses atrás, Pres convidou-me a morar com ele. Havia comprado um lindo lugar em Russian Hill...

— E se você passava a maior parte do tempo lá, por que gastar dinheiro alugando seu apartamento...

— Pensei que ele fosse se casar comigo.

— Vocês conversaram sobre casamento?

— Ele disse que me amava. Isso não é algo que ouço com freqüência, e significou muito para mim.

— Deixe-me adivinhar. A primeira vez que Presley disse isso a você, foi a primeira vez que levou-a para a...

— O que importa quando ele disse?

— Você me preocupa, Isa. Deveria considerar melhor as declarações de amor, e não tirar conclusões precipitadas.

— Não foi apenas isso. Foram vários fatores. Você não estava lá. Não sabe sobre todas as coisas que fez, ou disse, que me levaram a... Você é irritante. Todos pensarão como você. Dirão que fui estúpida, ingênua e tola. Fui descuidada, mas acreditei que se algo acontecesse... — Balançou a ca­beça, desconsolada. — Pensei errado. Todavia, Pres falava sobre nosso futuro juntos... sobre comprar uma casa maior, viajarmos juntos, esse tipo de coisa. Tirei conclusões...

— E depois...

— E depois, cerca de três semanas atrás, os novos sócios nos passaram para trás. A D & B não estava muito bem, então incorporaram-na a outra companhia. Despediram a maioria dos antigos funcionários, inclusive eu, e mandaram Pres de volta para a Inglaterra. Foi um golpe duro. Ele apenas disse adeus. Eu não podia acreditar no que estava acontecendo.

Clay não conseguiu se controlar e comentou: — No que não acreditava, Isa? No modo como se despediu, ou no fato de tê-la abandonado? Detesto dizer-lhe isso, mas é o que costuma acontecer. As pessoas vão embora. Consi­dere-me como um exemplo. Mais cedo ou mais tarde, todos me abandonam. A questão é se fazem isso com estilo. Não me parece que Pres se preocupou com esse detalhe, não é?

— Oh, não sei. Quando ele pegou o táxi para o aeroporto, avisou-me de que eu deveria deixar o apartamento até o final do mês. Foi memorável. Fiquei sem palavras.

— Miserável! Isa concordou.

— Ele sabia que eu estava sem dinheiro. Tinha algumas economias, mas perdi tudo num investimento arriscado.

"Isa, Isa, Isa..."

— O que você fez?

— Acho que entrei em pânico. Então, quando descobri que estava grávida, telefonei para Pres em Londres. — A voz de­monstrava sua emoção. — Uma mulher atendeu. Pres parecia nervoso quando falou comigo. Disse que me telefonaria depois, e de fato, após uma hora, entrou em contato comigo, mas não estava em sua casa. Ele nem tentou disfarçar. Contou-me que a mulher era sua noiva há três anos, e que não queria pro­blemas. Quando falei sobre a gravidez, disse que mandaria o dinheiro para que eu "resolvesse a situação".

— Meu Deus! O que você viu nesse...

— Não me pergunte, está bem? As pessoas cometem erros. Eu errei. Sou culpada. Não me peça para explicar.

— Certo.

— Aliás, você também não pode julgar ninguém. Afinal, algumas das mulheres com quem tem saído...

— Você está certa. Também sou culpado. Somos perfeitos idiotas quando se trata do sexo oposto. Não deveríamos ja­mais sair de casa sozinhos.

— Oh, fique quieto. — Isa sorriu.

— Ele mandou dinheiro mesmo?

— Mandou. Eu o usei para voltar a Nova York. Agora estou dormindo no sofá-cama na sala dos meus pais. Gos­taria de ter meu próprio apartamento antes de o bebê che­gar, mas não tenho dinheiro. Tentei, conseguir emprego em todas as empresas ligadas à arte em Manhattan...

— Espere um minuto. Não pode ficar em Manhattan. Lembro-me de que você odiava aquele lugar e dizia que jamais trabalharia lá.

— Isso foi antes de a minha vida desmoronar. De qualquer forma, ninguém me dará emprego sabendo que estou grávida.

— Então não diga a eles.

— Eu tentei. De fato, consegui uma colocação, mas pe­diram que eu fizesse alguns exames médicos, então desco­briram. Tentei conseguir algum trabalho como free lance, mas o mercado de trabalho em Nova York é muito compe­titivo. Além disso, meus contatos estão em San Francisco.

— Então, qual é sua situação?

— Além de estar sem dinheiro, sem emprego e grávida? — Sorriu, amargurada. — Ao menos tenho onde dormir. Quero dizer, não que eu goste de voltar a morar com meus pais aos trinta e quatro anos, mas é melhor do que estar nas ruas. E assustador, não acha? Vemos as pessoas sem casa, dormindo ao relento, dizerem que isso pode acontecer a qualquer um. Nós não acreditamos até que a realidade seja jogada em nosso rosto.

— Seus pais já sabem? Quero dizer, sobre a gravidez?

— Não posso contar a eles. Não posso. Sei que mais cedo ou mais tarde, terei de fazê-lo... Meu Deus, não sei como dizer.

— Eles a amam. Tenho certeza de que compreenderão.

— Não vão entender, não. — Os olhos lacrimejaram. — Vou magoá-los.

— Não pode ser assim...

— Você só os encontrou uma vez, lembra? Na nossa for­matura. Não sabe como eles pensam. São italianos, e muito tradicionais. Quando souberem, podem até passar mal. Meus irmãos não falarão mais comigo. Meus tios...

— Pensaremos em um jeito de melhorar a situação.

— Não há saída. — O queixo de Isa tremia com a emoção.

— Não faça isso. Por favor, não chore.

— Está bem.

— Falo sério. Pare com isso.

— Estou tentando. — As lágrimas escorreram por seu rosto, e Isa tentou escondê-las com as mãos.

— Oh, meu Deus! — Clay abraçou-a, fazendo-a encostar a cabeça em seu peito, e afagou-lhe os cabelos. — Quer que eu procure Presley e lhe dê uma surra?

— Seria ótimo.

— Falo sério.

Clay ficou surpreso ao constatar a raiva que sentia. Não tivera vontade de socar alguém desde a juventude, sem con­tar o pequeno incidente no funeral de Judith. Adoraria voar para Londres e dar uma lição em Presley Creighton por ter magoado Isa.

— Se adiantasse alguma Coisa, deixaria você ir. — Isa riu da maneira como ele queria defendê-la. — Contudo, não resolveria meus problemas.

— Então, o que pretende fazer?

Ela estremeceu, e Clay acariciou-lhe as costas, com ter­nura, enquanto sua mente trabalhava em busca de soluções. A maioria delas eram tolas, no entanto uma idéia fascinou-o. Seria a única maneira de resolver os problemas dela, e também os seus.

Clay sorriu. A idéia era um tanto ousada, porém atos ousados o encantavam. Considerando a situação, essa loucura seria re­vestida de grande beleza, pois serviria a um objetivo nobre. Pensou melhor, considerando todos os ângulos da questão.

— Ei, Isa.

— Hum?

— Tenho uma idéia. Não diga que é bobagem antes de pensar um pouco.

— Está bem.

— Dê uma chance à minha proposta.

— Está bem.

— Você está ouvindo? Isa afastou-se e fitou-o.

— Por que está hesitando?

— Porque a idéia é um pouco... diferente. Pouco ortodoxa. Mas é muito boa. Quero dizer, acho que é boa.

— E então... vamos lá, diga.

— Devemos nos casar — afirmou, sorrindo.

— Acho que não entendi. Você disse...

—Que devemos nos casar.

Isa não acreditava no que acabara de ouvir. Clay estava excitado, do mesmo modo que ficava diante de um grande desafio. Sentia a adrenalina em seu corpo, o coração dis­parado. Clay adorava essa sensação. Seu plano era incrível!

Ao ver a expressão de Isa, percebeu que ela não sentia o mesmo entusiasmo.

— Isso é loucura.

— Claro que é, mas não significa que não devamos fazer. Algumas das melhores idéias são também as mais extra­vagantes. — Sentou-se e continuou: —- Um dia, Benjamin Franklin saiu debaixo de um temporal segurando uma pipa e uma chave. No dia seguinte, estávamos ligando nossos microondas nas tomadas.

Isa balançou a cabeça.

— Um dia, Isa Fabrioni e Clay Granger se casaram. No dia seguinte, Isa tinha um lar, segurança financeira, um marido e um pai para seu filho.

— O que Clay ganha?

— Liberdade para sair de casa sem ser abordado por várias mulheres candidatas a serem a sra. Granger.

— Não me parece que esteja ganhando tanto quanto eu. Isa estava discutindo a idéia com Clay, e ele sabia que isso era um bom sinal. Significava que ela estava conside­rando seriamente o plano.

— Conseguirei mais do que pensa. Há muito tempo que minha vida não é só minha. Desde a morte de Judith. — Ao falar da mulher, o coração de Clay acalmou-se. Raciocinou com mais vagar e passou as mãos pelos cabelos, pensativo. — No funeral dela, um sujeito quis me apresentar sua irmã.

— Foi por isso que deu um soco nele?

— Foi. Disse-lhe que minha mulher acabara de morrer. Ele teve a ousadia de dizer que eu não devia ficar triste, afinal, só a conhecia havia cinco meses. Disse que minha vida continuaria, então, por que não sair com sua irmã? Não agüentei e bati nele. A tal irmã o ajudou a se levantar e foram embora.

— Por que não me chamou? Teria ajudado você a socá-lo. Clay riu e abraçou-a.

— Essa é a minha Isa. Então, o que me diz, grãozinho de café? Vamos nos casar? Será divertido. Irei até a Tiffany e lhe comprarei um belo anel de casamento.

— Ficarei sem jeito.

— Ninguém acreditará se não fizermos tudo direito. De­pois iremos morar em Stanfield, Connecticut.

— Stanfield... Ah, sei onde fica. E uma vila a trinta mi­nutos de Nova York.

— E onde moro, na casa que meu avô deixou para mim. Você esteve lá uma vez, lembra-se? Disse que gostou.

Isa ficou calada. Clay sabia que ela devia estar pensando na enorme mansão, em estilo vitoriano, com janelas brancas. As mulheres sempre ficavam malucas quando viam a casa.

— As árvores também são minhas. Tenho vinte acres.

— Fique quieto — disse, rindo.

— Tem também a piscina, e...

— Isso é loucura.

— Concordo. O que mais?

— Temos de discutir alguns detalhes...

Clay entendeu a deixa. Seria sua vez de dizer: "Será um casamento platônico. Não colocarei as mãos em você". Por algum motivo, preferiu deixar que ela decidisse.

— Você define as regras, Isa.

— Dormiremos em quartos separados.

— Está bem. Você não é mesmo o meu tipo.

"Eu não devia ter dito isso", pensou. Isa fitou-o por alguns segundos e depois desviou o olhar. Quando voltou-se para Clay, estava calma e controlada.

— Devo dizer-lhe que você também não me interessa. Em especial depois de Pres. Jamais me envolverei com outro conquistador.

— Conquistador? Você fala como se eu usasse correntes de ouro, camisas de seda e fumasse charutos.

— Não esqueça de mencionar fazer sexo com estranhas em uma festa. Você deve admitir que tem... digamos, uma vida social muito ativa. Não o preocupa o fato de o casamento vir a atrapalhar seus programas? Quero dizer, o mundo ainda estará cheio de Tânias e Barbies.

— Conseguirei lidar com isso. — Clay notou que Isa es­perava mais explicações, e acrescentou: — Serei discreto. Prometo não a embaraçar.

— Ótimo. — Isa evitou fitá-lo.

Clay afagou os cabelos castanhos e sedosos.

— A última coisa que faria seria magoá-la.

Clay lembrou-se de seu drama particular. Recordou quan­do voltou para casa após a escola, no dia seguinte ao seu aniversário de onze anos, e encontrou a mãe perambulando pelo apartamento, chorando. Ela quebrava objetos e gritava:

— Já basta! Não suporto mais!

Clay achou o pai com uma atriz, usando robe e fumando na sala, e a mãe, descontrolada. Seu pai apenas ergueu a sobrancelha, como se dissesse: "Não sei o que acontece com essa mulher".

Naquele dia, a mãe de Clay fez as malas e voltou para a Suíça. Clay conversou com ela pelo telefone várias vezes desde então e, às vezes, via-a em fotografias, usando óculos escuros e sempre ao lado de algum homem mais jovem.

— O que acontecerá quando quiser romper nosso acordo?— indagou Isa. — Poderá encontrar alguém e se apaixonar...

— Faço isso duas ou três vezes por semana — brincou.

— Costuma durar meia hora.

— Falo sério.

— Eu também. Isso não vai acontecer. Conheço-me bem e não quero me envolver. Contudo, se você se apaixonar e quiser o divórcio, não haverá problemas. Se quiser se se­parar logo após o nascimento do bebê, concordarei. Estou apenas tentando ajudá-la.

— Eu sei. E apreciei muito o seu gesto. Mais do que pode imaginar.

Ouviram barulho no andar de baixo.

— Então, você aceita?

— É uma loucura. — Isa riu.

— Já discutimos isso. Sabemos que é uma loucura. No entanto, nos casaremos assim mesmo. Certo?

— Certo.

— Ótimo! — Clay abraçou-a. Abriram a porta, e Harry apareceu.

— Aqui estão vocês! Já é quase meia-noite e... — Olhou para os dois, abraçados. — Isso não pode ser o que parece...

— Vamos nos casar — anunciou Clay.

— Clay! — exclamou Isa.

— Todos irão descobrir, mais cedo ou mais tarde. Essa é a questão.

Isa suspirou, entendendo o comentário.

— Você e Isa vão se casar? — Harry estava surpreso. —Quer ser o padrinho? — convidou Clay.

Harry ficou pensativo, e aos poucos pareceu aceitar a notícia.

— Posso usar o meu boné?

— Não o reconheceria sem ele.

— Então, aceito, colega.

— Colega?     '

— A contagem regressiva já vai começar. Se vocês pu­derem se largar, juntem-se a nós.

— Dez! — gritavam todos. — Nove! Oito!

"Devo estar maluca", pensou Isa, ao lado de Clay. "Con­cordei em me casar com Clay Granger?"

— Sete! Seis! Cinco!

Clay a abraçou, segurando o cálice de champanhe com a outra mão.

— Essa contagem lembra-me da sensação que tenho quando vou saltar de um avião.

— Quatro! Três!

— Adoro a sensação de estar caindo. Sabe o que quero dizer, Isa?

"Ele também é maluco."

— Dois! Um!

"Ambos somos malucos. O que estamos fazendo?"

— Feliz ano-novo! — gritaram todos.

Clay tomou todo o champanhe. Os casais começaram a trocar o beijo tradicional pela passagem da meia-noite. Isa tomou um gole de seu copo e, de súbito, percebeu que Clay a encarava.

Clay pegou o cálice de Isa e depositou-o sobre a televisão junto ao seu. Então, ergueu-lhe o queixo, inclinou-se e beijou-a.

Foi uma carícia suave. Porém, quando começou a afastar-se, pareceu ter mudado de idéia e colou os lábios aos dela.

Aquela boca quente e macia a fez estremecer. Clay fechou os olhos, e Isa também.

"Esse beijo é de verdade, e não apenas um cumprimento de ano-novo. Clay está me beijando!"

Isa não sabia o motivo, mas também estava retribuindo. Sentiu uma vertigem, como se estivesse perdendo o equilí­brio e caindo. Clay passou a mão pelos cabelos de Isa e, com o outro braço, enlaçou-a pela cintura, segurando-a com firmeza. Ela também o abraçou, tentando convencer-se de que era um beijo inocente.

A língua de Clay, quente e com sabor de champanhe, passou, suave, pelos lábios de Isa. Clay a apertou um pouco mais e, então, afastou-se e fitou-a. Isa notou que estava ofegante. Por um breve momento, Clay procurou algo nos olhos dela.

Ao redor, os outros casais já haviam se separado. Harry aproximou-se, sorrindo.

— Vocês dois me surpreenderam.

— Tenho certeza de que sim. — Clay olhou para Isa, pa­recendo ter percebido a real extensão do que pretendiam fazer.

 

Quero fotografá-la em frente à larei­ra. — Harry ajustou a câmera sobre o tripé, na sala da casa de Clay, em Stanfield.

O lugar estava repleto de convidados para o casamento. Isa olhou para ele, que pareceu-lhe estranho, usando terno branco e o boné dos Yankees.

— Vire-se um pouco para a esquerda — sugeriu Harry. Isa obedeceu, mas o sol que entrava pela janela ofuscou-lhe a visão.

— Acho melhor virar-se para a direita — corrigiu-se Har­ry. — Seria difícil conseguir um sorriso? Sou eu quem de­veria estar aborrecido; afinal, estou perdendo a festa. Você, por outro lado, acabou de se casar com um dos homens solteiros mais desejados do mundo.

"Meu Deus, eu me casei mesmo, não foi?"

Havia apenas uma semana desde que Clay fizera a proposta na festa de ano-novo. Isa olhou para a aliança na mão esquerda e para o enorme diamante, e depois para Clay, encostado a um canto da sala, tomando uísque. Seu marido parecia pensativo, acompanhando a sessão de fotografias. Durante toda a manhã, ele pareceu um pouco alheio a tudo o que estava acontecendo, a não ser quando o juiz declarou-os marido e mulher e avisou-o de que já podia beijar a noiva. Clay a olhou de forma direta pela primeira vez naquele dia. Durante um instante, compartilharam de uma intimidade tão grande que assustou Isa, Então, Clay sorriu, encantador. Colocou as mãos nos braços dela, inclinou-se e a beijou. Apesar de ter sido um beijo suave e fugaz, Isa sentiu seu desejo aumentar. Sus­pirou e sorriu para Harry.

— Segure o buquê um pouco mais para cima, querida— aconselhou sua mãe.

Paola Fabrioni estava elegante, como de costume, usando um vestido de seda que ela mesma fizera na semana anterior.

— Isso mesmo. Você está linda, Isabella. — A mãe se mostrava muito orgulhosa.

— Onde está aquele sorriso? — brincou Harry.

Isa obedeceu, pensando em seus pais. Ainda não contara nada a eles. Dentro de alguns meses anunciaria que estava grávida. Quando o bebê nascesse, sua família pensaria que era prematuro. Era uma mentira, porém com boas intenções, pois pretendia proteger o sentimento de pessoas que amava.

Os pais de Isa aceitaram tudo com facilidade; contudo, ela se sentia culpada por tantas mentiras.

A única coisa que os desagradou foi a falta de uma ce­rimônia religiosa. Já que Clay era católico, não viam ne­nhum impedimento, mesmo que tudo estivesse sendo resol­vido às pressas. Como Isa poderia explicar que não queria envolver os votos sagrados naquele casamento? Preferiu cul­par Clay, dizendo que ele escolheu dessa maneira.

— Está bem. — Harry chamou-lhe a atenção. — Agora, vamos tirar algumas fotografias do casal. Sr. Granger, ve­nha até aqui.

Clay, vestindo um elegante terno azul-marinho, entregou seu copo a alguém e aproximou-se da lareira.

— Fique atrás de Isa — ordenou Harry. — Assim está bom. Fiquem mais perto. Pode largar as flores, Isa? Alguém segure esse buquê.

Isa jogou o arranjo de orquídeas para os convidados, que se precipitaram para apanhá-lo, e todos riram, vendo-o nas mãos da tia solteirona, Teodora.

— Adoro casamentos. — Harry voltou sua atenção para os noivos. — Clay, abrace Isa.

Clay colocou as mãos nos braços dela.

— Assim não. Vou mostrar-lhes. — Harry aproximou-se e colocou os braços de Clay ao redor da cintura de Isabella.

— Relaxem. Isa, cruze os braços sobre os de Clay. Ótimo. Agora, entrelacem seus dedos. Encoste-se nele, menina. As­sim. — Voltou para a câmera e fez os últimos ajustes.

Isa quis contar a Harry o verdadeiro motivo do casamen­to, mas Clay achou melhor manterem segredo. Ela o acusou de não confiar nem mesmo em seu melhor amigo; entretanto Clay manteve-se irredutível. Harry era um bom sujeito, mas, mesmo bem intencionado, falava demais.

O braço forte de Clay roçava o seio esquerdo de Isa, que sentia seu calor através do blazer Armani que Clay lhe dera. Ele também comprara o colar e os brincos de pérolas que Isa usava. Além da roupa e das jóias, Clay já lhe dera vários presentes. Sem contar as passagens aéreas e o hotel que oferecera aos parentes dela que moravam fora da cidade.

— Esperem só um minuto — pediu Harry, ajeitando a altura da câmera.

Clay inclinou um pouco o rosto, roçando-o nos cabelos de Isa.

— Hum... O que está usando?

— Óleo de amêndoas doces. Eu uso para manter minha pele macia. E um costume que aprendi com minha mãe.

— Agora entendo por que você parece tão gostosa. — Mesmo sem ver-lhe o rosto, Clay imaginou-a erguendo a sobrancelha, desconfiada, e acrescentou: — Pare com isso!

— Parar com o quê?

— Você sabe — respondeu, rindo.

Isa sentiu o peito musculoso vibrar em suas costas e ficou alerta. Sentiu o contato com os braços e o corpo rígido e forte. Clay soltou a mão direita e baixou a sobrancelha dela, voltando, a seguir, à posição original, roçando de leve o seio direito. Mesmo tendo sido um contato acidental, Clay ficou desconcertado.

Isa respirou fundo, tentando acalmar seu coração acele­rado, e sentiu um aroma silvestre. Parecia que Clay tinha saído de uma floresta.

— Agora, olhem para mim! — ordenou Harry. — Ótimo. Vamos tirar uma fotografia com os pais dos noivos.

Os "pais dos noivos" significava apenas os de Isa. Os de Clay não compareceram ao casamento, pois, ao que parecia, estavam na Europa, cada um em uma cidade. A mãe era membro da sociedade suíça, e o pai, um alto executivo do Banco American. Eles se divorciaram quando Clay tinha onze anos. Isso era tudo o que Isa sabia deles, e assim mesmo, foi Harry quem lhe contou. Isa nunca os viu, e Clay detestava falar sobre os pais. Eles também não vieram ao primeiro casamento de Clay, e Isa não sabia nem ao menos se tinham sido convidados.

— Isa, você sabe onde está seu pai? Precisamos dele para o retrato.

— Já olhou na varanda? Eu lhe disse que poderia fumar lá fora.

— Vou verificar. Enquanto isso, fiquem onde estão. Clay, ainda atrás de Isa, afagou-lhe os braços e perguntou:

— Como está se sentindo? Teve mais enjôos? Durante o casamento civil, Isa ficou muito pálida. Isa não sabia se o mal-estar era devido à gravidez ou à ansie­dade por estar prestes a se casar com Clay Granger. Em breve deveria procurar um médico. Após cinco semanas, já sentia uma enorme ligação com o bebê. Não imaginava que o instinto maternal fosse tão forte.

— Estou bem — respondeu a Clay —, mas adoraria al­moçar. Estou com fome.

— Acho que o bufê já deve estar quase pronto na sala de jantar. Assim que Harry terminar, você vai se sentar, e eu lhe arranjarei um prato de comida.

— Ótimo.

Isa sentiu-se ruborizar diante de tanta gentileza. Era gratificante constatar que a preocupação dele era genuína, porém tentava lembrar-se que era um sentimento fraternal.

— Isa? — Clay colocou a mão em seu ombro. — Você está bem?

— Estou. — Na verdade, sentia-se um pouco tonta. Devia ser a fome. — Preciso comer.

— Eu sei. Logo, logo.

Harry apareceu sem o pai de Isa.

— Ele não estava lá fora. Tem alguma idéia, Clay? Afinal, a casa é sua.

Clay pensou por um momento, e sorriu.

— Venha comigo.

Ele e Harry dirigiram-se a um canto, e Isa ouviu o som de seus passos subindo a escada.

Sentiu a falta de Clay, pois ao lado do amigo experimen­tava uma sensação de segurança.

"Devo me acostumar a ficar sozinha. Preciso me preparar para o dia em que nos separarmos, pensou."

O sentimento de abandono agravou seu mal-estar. Sentia frio, e as mãos estavam trêmulas.

Os garçons anunciaram que o almoço seria servido. Os convidados dirigiram-se para a sala de jantar, exceto a mãe de Isa, que esperava pelo marido. Paola andou pela sala, estudando os quadros que Clay colecionou durante anos. Isa imaginava a mesa repleta de guloseimas. De súbito, perdeu o apetite. Sentiu uma vertigem e apoiou-se no parapeito da lareira. Assim que melhorasse, iria para seu quar­to descansar. Clay oferecera-lhe o aposento ao lado do seu, um lugar agradável e decorado em tons de verde.

"Preciso ter calma. Respirar fundo."

Havia dois porta-retratos em cima da lareira, e Isa pro­curou concentrar-se neles a fim de desviar sua atenção do mal-estar. A primeira foto mostrava Clay e sua primeira mulher em roupas próprias para esquiar. Judith era uma mulher loira, bonita e com corpo atlético. Clay a amara muito. Isa observou com atenção o rosto dele. Era jovem e parecia radiante. Fazia muitos anos que não o via com aque­la expressão de felicidade.

A segunda fotografia conseguiu fazê-la sorrir, apesar de seu estado físico, pois trazia-lhe memórias agradáveis. Viu Clay, Harry e ela mesma, quando tinham dezesseis anos, no apartamento de Clay. Os dois jovens estavam sentados, e Isa, deitada no colo deles, gargalhando. Harry usara uma câmera automática para tirar o retrato dos três juntos. Os cabelos dele, finos e escuros, estavam amarrados num rabo-de-cavalo. Os de Clay eram curtos, como de costume. Isa observou sua própria aparência. Estava muito bonita, com os longos cabelos castanhos e o sorriso contagiante. Não se lembrava de ter sido assim. Será que Clay achava-a bonita? E agora? O que pensaria sobre ela?

Isa lembrou-se do choque que experimentou naquela tar­de em que visitaram o apartamento de Clay. A primeira surpresa foi o próprio local. Era luxuoso, com dezesseis cô­modos distribuídos em dois andares, com uma bela vista para o Central Park.

Havia tapetes orientais, coleção de quadros impressio­nistas, objetos de arte. Parecia um cenário de cinema. A próxima surpresa foi descobrir que Clay morava sozinho. Uma cozinheira vinha todos os dias. Aquele belíssimo apar­tamento era usado apenas por um garoto.

A família de Isa inteira, dez pessoas incluindo seu pai e sua mãe, irmãos e a avó, viviam em uma pequena casa com sete cômodos no South Ozono Park, em Queens. Por que um adolescente precisava de um lugar tão grande? Por que estaria sozinho?

Isa recordava-se de ter perguntado a Clay, no entanto, ele esquivou-se, dizendo ser um assunto aborrecido. Harry contou a ela sobre o divórcio e avisou-a para não fazer perguntas.

Será que Clay atualmente conversava com os pais?

Talvez estivessem mortos, e esse fosse o motivo da ausência no casamento. Deveria perguntar a Clay, mas achou estranho indagar ao próprio marido se os sogros estavam vivos.

Isa encostou a testa na pedra fria da lareira.

— Você está bem, querida?

Isa virou-se e encontrou sua mãe, com expressão constrangida..

— Claro, mãe, é apenas...

— Os nervos? — Paola Fabrioni segurou o braço da filha. — A cerimônia já acabou. Não há nada. — Ficou em silêncio alguns segundos, e depois acrescentou: — Ou... quero dizer... Isabella, você gostaria de conversar sobre alguma coisa? Algo... pessoal?

— Não, mãe.

— Querida, eu entendo. De verdade. Lembro como acon­teceu comigo.

— Não, mãe, por favor. Não está acontecendo nada. Será que sua mãe acreditava que aos trinta e quatro anos Isa ainda era virgem? Bem, e por que não? Isa jamais a fizera suspeitar de nada.

— Só quero que saiba que pode contar comigo, filha.

— Obrigada, mãe.

A imagem de Paola começou a ficar enevoada. Isa sen­tiu frio.

— Isabella? Querida, está suando. E tão pálida... Você está bem?

— Não.

Isa percebeu que ia desmaiar. Não queria cair, pois po­deria machucar o bebê. Tentou segurar-se na lareira, mas, de súbito, não viu mais nada.

Clay estava na sala de televisão, assistindo ao final do jogo, junto com os parentes de Isa. Harry sentava-se no chão, na frente dele.

A tia de Isa, Teddy, a única mulher interessada no jogo, torcia, animada. Clay nunca conheceu uma família tão grande. Havia três padres e meia dúzia de freiras entre os parentes.

— Tia Teddy! — gritou uma criança no andar de baixo. — Tia Teddy!

Teddy tomou mais um gole de cerveja, sem intenção de responder. Não pretendia perder os últimos lances do jogo.

— Tia Teddy! — A criança apareceu, assustada.

— Quem é você? — perguntou Teddy à sobrinha.

— Angie.

— Vá embora, Angie.

— Vovó me mandou. É a tia Isa. Venha depressa!

Ao ouvir aquilo, Clay apagou o cigarro, e saiu correndo.

 

Clay seguiu as vozes na sala de estar, onde alguns convidados se aglomeravam em tor­no de alguma coisa em frente à lareira.

— Deixe-me passar! — Clay conseguiu ver Isa deitada no chão. — Droga!

O modo como se encontrava desmaiada, curvada para o lado, trouxe-lhe recordações dolorosas.

Quando Clay encontrou Judith caída na pista de esqui, ela também estava assim. Ao erguer seu rosto, Clay sentiu que algo estava errado com o pescoço.

Ajoelhou-se e segurou a cabeça de Isa, com todo o cuidado. Sentiu um pouco de resistência e ouviu um gemido. Aliviado, conseguiu respirar.

— Saiam todos daqui! — ordenou Teddy. — O que houve, Paola?

— Ela estava conversando comigo e desmaiou. Harry aproximou-se, indagando se podia ajudar.

— Chame um médico — pediu Clay. — O dr. Wilde. O telefone está na lista, no meu escritório.

Harry virou-se para sair, mas Clay chamou-o:

— Espere um minuto. Não chame o dr. Wilde. Chame Jim Cooper. Ele está mais perto.

E era obstetra.

Harry parou, intrigado.

— Esse médico não é...

— Ligue para ele — interrompeu Clay.

Harry logo entendeu. Olhou para Isa, depois para a mãe dela e assentiu.

— Está bem. Estou indo.

— Teddy é enfermeira aposentada — explicou Paola. Teddy verificava o pulso de Isa quando ela murmurou algo.

— Se não for arriscado — sugeriu Clay —, vou carregá-la para o quarto.

— Vá em frente. — Teddy ficou em pé. — Não creio que esteja correndo perigo.

Clay carregou Isa, subiu as escadas, levou-a para seu quarto e colocou-a sobre sua cama de casal. Isa abriu os olhos.

— Eu desmaiei?

— Parece que sim. — Clay sentou a seu lado. Isa colocou a mão sobre o ventre.

— E o.„

— Tenho certeza de que está tudo bem — assegurou-lhe, olhando-a de modo a indicar que havia outras pessoas no quarto.

Isa pestanejou e viu à sua volta o quarto com mobília de couro e lareira.

— Esse não é o meu quarto, Clay. Teddy tirou-lhe os sapatos e acrescentou:

— Agora é, Isa.

Isa observou a estátua de bronze na mesa-de-cabeceira. Era uma águia. Compreendeu que estava no quarto de Clay.

— Oh, sim, claro.

Seus pais sentaram-se na outra beira da cama. Paola ajeitou os cabelos da filha. A beleza da mãe e da filha era semelhante. Ambas eram elegantes, com nariz perfeito e pele morena. Os olhos, escuros. Al, o pai de Isa, parecia mais velho que a mulher, e deveria ter setenta anos. Tinha cabelos prateados e usava óculos.

— Cooper estará aqui dentro de meia hora — anunciou Harry, ao entrar no quarto.

— Como se sente? — perguntou Clay.

— Faminta.

— Eu e seu pai iremos buscar algo para você comer. — Paola virou-se para Teddy. — Acha que fará bem?

— Traga alguma coisa leve.

O casal se retirou. Harry ofereceu um copo d'água a Isa, e Clay ajudou-a a sentar-se, ajeitando travesseiros em suas costas.

— Você não deveria ficar tanto tempo sem se alimentar, Isabella. Não é apropriado, em especial na sua condição — afirmou a tia.

"Sua condição?" Clay e Harry trocaram olhares.

— Eu sei — respondeu Isa. — Pretendia comer algo, mas... — Parou, de repente, assustada: — Há quanto tempo você sabe?

— Com certeza? Há cinco segundos.

Isa olhou para a tia e depois para Clay. Ele passou o braço ao redor dos ombros dela, e os pais de Isa voltaram, trazendo um sanduíche.

— Você estava certa, Paola — anunciou Teddy. — Ela está grávida.

Isa ficou atônita.

— Eu sabia! — afirmou Paola, radiante. Al sorriu e acendeu um cigarro.

— Estou feliz por vocês, querida. — Paola ofereceu o prato para a filha. — Fiz um sanduíche de peru. Espero que goste.

Teddy pegou a bandeja e ajeitou-a sobre a cama. Harry sentou-se na poltrona a um canto do quarto, cruzou as pernas e sorriu.

— Você sabia? — Isa olhava para a mãe.

— Eu imaginava. Por que estaria se casando com tanta pressa? Você não esperava que acreditássemos naquela his­tória sobre a imprensa, não é?

— Coma, querida — aconselhou Al. — Você se sentirá melhor. E o bebê precisa de vitaminas.

— Esperem aí. Se vocês sabiam que eu estava grávida, por que não disseram nada? Por que me deixaram fazer toda essa farsa?

Paola deu um guardanapo para a filha.

— Você não queria contar a verdade, e nós não preten­díamos pressioná-la. Tentei conversar com você antes que desmaiasse, mas não parecia preparada.

— Era sobre isso que estava falando?

— Claro. O que você pensou?

— Nada. Vocês podem imaginar o quanto eu me sentia culpada por estar mentindo?

— Então, por que não disse a verdade? — questionou Teddy. Paola concordou, comentando:

— Não era necessário. Seu pai e eu... bem, nós sabemos como são as coisas. Você tem trinta e quatro anos, e já mora sozinha há dezesseis.

Al tirou o cigarro da boca e olhou para Clay.

— O importante é que você fez a coisa certa. Tornou minha Isabella uma mulher honesta. Há muitos homens que não assumiriam a responsabilidade pelo que fizeram, mas você assumiu, e isso é o que conta. Tudo o que tenho a dizer é que estou orgulhoso por tê-lo como genro e pai do meu neto.

Al estendeu a mão para Clay, que apertou-a, agradecido. O sogro o puxou e deu-lhe um abraço apertado. Clay retri­buiu, surpreso pela agradável sensação que o gesto lhe pro­porcionou. Não estava acostumado a demonstrações de afeto, e ficou emocionado. Os pais de Isa o aceitaram de imediato como membro da família.

Clay planejou casar-se com Isa para ajudá-la a resolver seus problemas, e não para criar-lhe mais um. Mesmo ra­cionalizando o que deveriam fazer, Clay reconhecia que no íntimo não queria revelar a verdade, pois, assim, Al e Paola continuariam a tratá-lo como parte da família. Preferia man­ter a mentira para que os dois não o odiassem.

E com certeza o odiariam, se soubessem da trama. Em toda sua vida, jamais experimentara tamanha aceitação, e seus pais lhe ensinaram que isso não existia sem cobranças.

— Então, você deve ter negócios em San Francisco. Vai para lá com freqüência?

— Não muita, Paola. Não vou lá desde...

— Desde o mês passado — interferiu Harry, olhando o amigo como se o chamasse de idiota. —Você esteve lá para... aquele negócio.

— Oh, é mesmo — repetiu Clay. Se não tivesse ido a San Francisco desde o ano anterior, como teria engravidado Isa? — Certo. Estive lá no mês passado.

Isa deixou o sanduíche no prato.

— Sinto muito. Isso já foi longe demais. Não posso mais continuar. Não posso deixar que pensem...

— Que nós nos casamos apenas porque precisávamos — interrompeu-a Clay.

Isa olhou-o como se indagasse por que fazia aquilo.

— Clay...

Ele a abraçou.

— Não me casei com Isa apenas pelo bebê. Casei-me com ela porque a amo. Eu me casaria de qualquer modo.

Al assentiu, aprovando-o. Paola inclinou-se e beijou-o, com os olhos marejados de lágrimas.

"Falaremos sobre isso depois", pensou Isa.

Depois que o dr. Cooper e a maioria dos convidados parti­ram, Isa pediu aos pais, a tia Teddy e a Harry que a deixassem sozinha para que dormisse um pouco. Clay insistiu em ficar no quarto, para o caso de ela precisar de alguma coisa.

Ele se afastou apenas o suficiente para que Isa colocasse a camisola. Quando voltou, trouxe um livro para ler, en­quanto ela estivesse dormindo. A vigília era conseqüência da visita do dr. Cooper. O médico interpretou o desmaio como um alerta, e recomendou que Isa ficasse de repouso. Não mandou que ficasse deitada, porém proibiu serviços domésticos, carregar peso e longas viagens. Isa não poderia fazer nada que requeresse esforço.

Isa e Clay deveriam também evitar contatos sexuais, ao menos até a próxima consulta, que seria no meio da semana seguinte. Clay e Isa olharam-se, e o doutor acrescentou:

— Sei que são recém-casados. Sinto muito, mas terão de esperar.

Os dois responderam que não havia problemas. Isa ficou ruborizada imaginando ter relações com o homem com quem acabara de se casar.

O doutor recomendou que não a deixassem sozinha, pois poderia ter outros desmaios. Clay levou o conselho a sério. Pretendia contratar alguém para tomar conta da casa e fazer companhia a Isa. Até lá, não pretendia sair do lado dela.

Isa demorou a conciliar o sono, sabendo que Clay estava ali. Contudo, quando adormeceu, conseguiu ter um sono profundo, até ser acordada pelo telefone.

De imediato, Clay atendeu.

— Alô? — Ele pensava que Isa ainda estava dormindo, e procurava falar em voz baixa. — Mère. — Clay parecia surpreso. — Bonjour.

Isa observou-o levantar-se e andar até a janela, ficando de costas para ela. O pôr-do-sol com a neve caindo empres­tava um ar romântico ao quarto.

Se Isa lembrava-se bem das aulas de francês, "mère" que­ria dizer "mãe".

— Oui. Aujourd'hui.

Clay devia ter contado a ela que o casamento seria nesse dia. Passou a mão pelos cabelos.

Isa fechou os olhos. "Tenho de dormir. Isso é invasão de privacidade."

— Isabella Fabrioni — disse Clay. — Non. Italienne-Amé-ricaine. — Depois de uma pausa, acrescentou: — Oui. Cést une brave femme. Et três belle.

Isa sorriu. Então ele a achava corajosa e bonita.

— Depuis quand êtes-vous à Saint-Tropez? — Clay con­versava com a mãe sobre suas viagens e sobre o clima, banalidades típicas de pessoas que se viam pouco.

O francês de Clay era perfeito; afinal, ele sempre teve muita facilidade com línguas estrangeiras. A conversa durou dois ou três minutos. Após desligar, Clay suspirou e ficou olhando pela janela.

Permaneceu imóvel durante muito tempo. Então, Isa se sentou na cama e o chamou.

Quando Clay se virou, havia uma grande tristeza em seu olhar. Contudo, quando ele se aproximou, seu sorriso dis­simulou a dor.

— Ei, Isa. — Sentou-se na beira da cama e acendeu a luz. — Quando foi que acordou?

— Enquanto falava com sua mãe. O sorriso de Clay desapareceu.

— Desculpe-me por tê-la acordado.

— Não tem problema...

— Como está se sentindo?

— Um pouco melhor. — Mesmo sabendo que Clay não gostava de falar sobre a família, Isa insistiu: — Por que ela não veio?

Clay segurou a estátua de águia, estudando-a.

— Ela está em Saint-Tropez com alguém chamado Cesare.

— Isso não responde a minha pergunta.

— Minha mãe não pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.

— Clay, o que sua mãe está fazendo em Saint-Tropez enquanto você está se casando em Connecticut?

Ele colocou a estátua sobre a mesa, com força, fazendo um ruído que a assustou.

— O que importa?

— O que importa?! — Isa colocou a mão no braço dele. — Ela é sua mãe.

Clay não respondeu. Apenas balançou a cabeça, como se fosse muito difícil explicar.

— Você não a convidou, não é?

Depois de uma longa pausa, Clay explicou:

— Convidei. Deixei mensagem na secretária eletrônica no domingo passado. Acho... Sei lá. Acho que avisei com pouca antecedência.

— Ela só telefonou agora para se desculpar?

— Minha mãe não costuma desculpar-se — afirmou, com amargura.

— E seu pai?

— O que há com você, Isa? Nunca me fez perguntas sobre eles.

— Você nunca foi meu marido.

— Bem, não sou um marido de verdade. Prefiro deixar esse assunto de lado.

Isa aproximou-se.

— Você convidou seu pai?

Clay desviou o olhar. A tensão era quase palpável.

— Estive com ele na segunda-feira, no escritório em Genebra. Meu pai disse que já tinha um compromisso de negócios.

— Creio que os dois também estavam muito ocupados durante seu primeiro casamento.

— Estão sempre ocupados. Não faço disso um drama.

— Não acredito que pense assim.

— Você precisa entender que estou acostumado com o jeito deles. São meus pais e sempre agiram assim. Se quisessem ficar por perto, talvez eu até me sentisse incomodado.

— Você acha que meus pais incomodam? — indagou Isa, erguendo a sobrancelha.

Clay sorriu.

— Não. Seus pais são maravilhosos. Tão bons que passa a ser desconcertante.

— Vê? E assim que os pais devem...

Clay a interrompeu, colocando o dedo em sua boca. Isa percebeu que estavam muito próximos.

— Você está me chateando, grãozinho de café. — Clay olhou fixo para seus lábios. — O que farei com você?

Clay tentou ajeitar uma mecha de cabelo atrás da orelha de Isa, mas não conseguiu.

— Não se incomode. Meus cabelos são rebeldes. Clay riu e afagou-lhe o rosto.

— Está com marcas do travesseiro. Você é linda, sabia. Isa notou que Clay conseguiu desviar-lhe a atenção e fazê-la parar de perguntar sobre a família dele. Ficou irri­tada por ser seduzida com tanta facilidade. No entanto, gostou da sensação de ser admirada por Clay. Seria mesmo possível? Clay podia estar interessado em exercer seus di­reitos de marido. Não que ele levasse o casamento a sério. Isa conhecia-o havia muito tempo para convencer-se de que se entregaria a alguma mulher.

Talvez ele estivesse interessado apenas em aproveitar a situação.

"Isso não é justo", pensou Isa. No passado, Clay nunca tentou cortejá-la. Gostava dela, porém de um modo platônico.

Entretanto, depois do beijo na festa de ano-novo, algo parecia ter mudado. Quando o olhava, via um sentimento diferente. Meio oculto, mas presente. Um desejo de experi­mentar novas possibilidades.

Isa temia envolver-se. Não queria se apaixonar por um conquistador outra vez.

— Clay, precisamos contar aos meus pais que você não é o pai do meu filho. Não gosto de mentiras.

Ele segurou-lhe a mão.

— Eu também não. Contudo, não quero que você sofra.

— Eles podem entender.

— Talvez. Eu diria até que é provável que sim. Por outro lado, e se não entenderem? E se acharem estranho a filha ter se casado com alguém que nem mesmo estava envolvido com ela? Ficarão perguntando sobre o pai verdadeiro. Podem até achar que você estava... dormindo com qualquer um.

— Eles não pensarão isso. Mas, se acontecer, teria de assumir.

— E o bebê? Acha justo que ele sofra as conseqüências?

— O bebê? — Isa entendeu o que Clay tentava dizer.

— Se contar a eles, todos ficarão sabendo. Dirão que nos casamos por causa do seu filho ilegítimo. Ele será sempre um bastardo aos olhos do mundo. E nós dois seremos far­santes. As pessoas adoram fofocas. Por favor, não lhes dê motivos. Já chegamos até aqui. Deixe que esse casamento cumpra seus objetivos.

— Está bem. Você está certo. Acho que estou cansada... Clay abraçou-a.

— Foi um dia muito cansativo.

Clay acariciou-lhe as costas e Isa deliciou-se na segurança dos braços fortes. Encostou o rosto no peito musculoso, sen­tindo o perfume de ervas. Sem perceber, retribuiu o abraço. Clay Granger parecia feito de bronze, com seu corpo rígido.

Beijou-lhe os cabelos, e Isa sentiu o coração disparar, atordoada. Ele a acariciava, e Isa, assustada, lembrava-se de que Clay era um conquistador. Não permitiria que acon­tecesse. Não queria se apaixonar por ele, pois, com certeza, ficaria muito magoada no final.

Lembrava-se de ter dito a Pres que o amava. Seria ver­dade? De fato, ele a usou e jogou fora. Outros homens tam­bém se aproveitaram de sua fragilidade. Jamais permitiria que acontecesse outra vez.

A única maneira de proteger-se era evitar que seus sen­timentos em relação a Clay evoluíssem para algo mais sério.

Alguém bateu à porta.

— Entre.

Al e Paola apareceram, seguidos por tia Teddy e Harry.

— Estivemos conversando sobre você, Isa. — Harry se sentou na poltrona, rindo, malicioso. — Vocês vão adorar!

 

Isa olhou para os pais, intrigada. — O médico disse que alguém deveria tomar conta de você — explicou Paola. — Clay precisa trabalhar, e Harry nos contou que ele costuma viajar bastante.

— Pensei em contratar uma pessoa — avisou Clay.

— Contratar?

— Claro, Paola. Já contratei uma empregada, então, Isa não terá de se preocupar com a casa. Posso contratar outra pessoa para fazer-lhe companhia. Uma espécie de enfermeira.

— Contratar alguém? — repetiu Paola. — Pagar uma pessoa para cuidar da minha Isabella?

— Não vejo nenhum problema. — Clay olhou para os sogros, sem entender o motivo de tanto espanto.

— Costumamos cuidar de nossos parentes — explicou Al. — Se alguém precisa de ajuda, nós providenciamos tudo.

— Ah... Isso é muito... admirável.

Isa sabia que para Clay esse sentimento era desconhecido; afinal, crescera sozinho em um apartamento enorme, apenas com a cozinheira e a empregada como companhia.

— Posso garantir-lhes que contratarei uma excelente pes­soa. Pagarei o que for preciso. — Clay olhou para Isa, ven­do-a sorrir.

— O problema não é dinheiro — adiantou-se Al. — Não concordamos que um estranho tome conta de nossa Isabella, quando isso é nosso dever.

Isa teve pena de Clay, pois ele não compreendia.

— Os Fabrioni sempre cuidam dos Fabrioni — tentou explicar.

— É um costume italiano — acrescentou Teddy. — Toda aquela história sobre família... Você não assistiu a O Po­deroso Chefão?

— Querem que alguém venha morar conosco? — pergun­tou Clay, olhando para Isa.

Ela compreendeu o problema. Pretendiam dormir em quartos separados, porém, se algum parente estivesse por perto, teriam de mudar seus planos.

— Dê um cigarro ao garoto. — Brincou Harry. — Agora ele entendeu.

— Eu mesma ficaria — afirmou Paola —, mas tenho de cuidar de cinco netos durante o dia, enquanto minhas filhas trabalham. Estávamos pensando em...

— Mãe, sei que estão preocupados, mas não será necessário. Todos olharam para Isa, como se dissessem: "Por que não?"

— Ela precisa de cuidados médicos. Vou contratar uma enfermeira. — Clay tentava convencê-los.

— Teddy é enfermeira — afirmou Paola.

— Achamos que Teddy deve vir para cá hoje mesmo. — Paola estava irredutível.

— Hoje? — Clay ainda não se conformara.

— Sabemos que estão em lua-de-mel, mas não podem fazer nada mesmo... — brincou Teddy.

— Teodora, não fale assim.

— E verdade, Al. E não pretendo interferir na vida deles. Ficarei no quarto ao lado.

— O quarto verde? — perguntou Isa.

— Harry disse que é o melhor. Ele sugeriu que eu ficasse lá.

— Quanta gentileza sua. — Clay olhou o amigo, acusando-o.

— Quis apenas ajudar. Achei uma boa idéia Teddy vir morar aqui. Será uma agradável experiência familiar. .

Então, esse era o objetivo. Harry encorajou a idéia da família de Isa, pois a proximidade de Teddy os forçaria a dormir na mesma cama. Teodora encaixou-se perfeitamente naquele papel. Era uma enfermeira aposentada, tinha tem­po livre e não devia satisfações a ninguém, pois nunca se casou. Falavam que se apaixonou no passado, mas o rela­cionamento acabou mal. Ela morava sozinha em um apar­tamento no Brooklyn e não tinha compromissos.

— Irei até minha casa pegar algumas coisas. Devo re­tornar por volta da meia-noite. Se me derem uma chave da casa, poderei entrar sem incomodá-los. De qualquer for­ma, se vou morar aqui, precisarei de uma chave.

Clay suspirou, sentindo-se vencido.

— Há uma chave pendurada na porta do fundo. Fique à vontade.

Quando Clay começou a se despir para se deitar, Isa se lembrou do que Harry disse sobre as mulheres que queriam se casar com ele: "Quem iria querer se casar com um homem rico, bonito e famoso? Apenas metade do planeta."

Então, metade da população do mundo daria tudo para estar no lugar dela, vendo Clay tirar a roupa. Isa vestira no banheiro a camisola de flanela e o robe, mas Clay era menos tímido.

Clay retirou as abotoaduras de ouro e guardou-as em uma caixinha de couro. Sentou-se na poltrona e tirou os sapatos e as meias. Guardou os sapatos no armário, e as meias no cesto de roupas sujas.

— Estou impressionada — comentou Isa, tirando o robe e deixando-o nos pés da cama. — Jamais conheci um homem tão organizado.

Clay sorriu, charmoso.

— Já lhe disse que adoro flanela?

"Então é assim que ele vai agir. Pretende flertar comigo." Isa decidiu brincar com ele:

— Você deve ser o único homem que pensa assim. — Isa deitou sob as cobertas. — Dizem que flanela não é estimulante.

— Não concordo. — Clay tirou a camisa.

Isa sentiu o coração acelerado ao ver o peito musculoso. Clay possuía as proporções perfeitas, com ombros largos, cintura estreita e musculatura bem definida.

Quando ele se virou para colocar a camisa no cesto, Isa observou as costas largas.

— Flanela é tão... macia. — Clay desabotoou a calça. — Como as mulheres. Gostaria que mais mulheres usassem flanela.

"Elas usam, porém não o fariam para se deitar com Clay Granger."

— Pensei que gostasse mais de camisolas pretas de cetim. — Isa tentou relaxar.

— Desde que seja camisola, fico feliz. — Clay retirou o cinto e o pendurou. Depois abriu o zíper. — Detesto mu­lheres usando pijamas.

— Por quê? São muito confortáveis.

— Sim, mas camisolas dão mais... — Clay sorriu e virou-lhe as costas, deixando a calça cair. — Liberdade.

Isa observou-lhe as pernas musculosas. Olhou para o teto, mas a imagem de Clay não saía de sua mente. "Meu Deus, dormir aqui será muito difícil."

— Isa? Você está bem?

Ela olhou para Clay, que parecia preocupado. "Acho que estou me metendo em encrenca."

— Estou bem.

Clay afagou-lhe os cabelos, e Isa inalou a fragrância de­liciosa e masculina.

— Está se sentindo mal outra vez?

— Foi um dia cansativo.

Clay apagou a luz e se deitou. Mesmo estando um pouco distante, Isa sentia o calor do corpo dele.

Como poderia dormir ao lado de Clay Granger? Esse era um grande teste para sua força de vontade.

Ao menos Clay não estava nu. Isa não conseguiria manter o controle.

— Costumo tirar toda a roupa antes de me deitar — afirmou Clay. — Contudo, devido às circunstâncias...

— Obrigada pela discrição.

Clay se mexeu, e Isa percebeu que ele estava tirando a cueca. A idéia de discrição de Clay era bem diferente da de Isa. Ele afastou o cobertor e deixou a última peça de roupa cair no chão.

"Preciso dormir. Não posso pensar nele."

Isa prendeu a respiração quando notou que Clay se apro­ximava. Sabendo que estava nu, o simples gesto de dar-lhe um beijo na testa pareceu-lhe repleto de erotismo.

— Boa noite, Isa. Durma bem. — Afastou-se, virando-se para o outro lado.

— Boa noite.

Havia um zíper na barriga de Isa, como se fosse uma calça jeans. De súbito, a barriga estava enorme. Em seu sonho, ela abria o zíper e via seu bebê. Era uma linda menina, de cabelos pretos. Com cuidado, tornava a fechar a abertura, pois a crian­ça ainda não estava preparada para nascer.

Isa acordou, na manhã seguinte, ouvindo a respiração pe­sada de Clay, e arfadas ritmadas. A cama estava vazia. Virou-se e encontrou-o fazendo abdominais sobre o tapete. Estava com as mãos atrás da cabeça e os joelhos dobrados. O suor que cobria-lhe o corpo acentuava mais sua beleza e perfeição.

A julgar pela respiração ofegante, Clay já devia ter feito muito exercício. Isa contou cento e catorze flexões antes que ele se deitasse, de olhos fechados. Ela pretendia dizer bom dia, mas Clay se levantou e se pendurou na barra de ferro na entrada do closet. Ergueu e abaixou seu corpo di­versas vezes. Conforme o cansaço o vencia, os braços tre­miam ligeiramente.

Isa sentou-se na cama e, enquanto o observava, imaginou o desempenho daquele corpo em um exercício mais íntimo. Ficou ansiosa, imaginando-se deitada sob ele.

Clay soltou a barra, passou as mãos pelos cabelos mo­lhados e só então percebeu que Isa estava acordada.

— Olá — cumprimentou, sem fôlego. Aproximou-se da cama. Isa controlou-se, evitando olhar para o quadril dele.

— Você dormiu bem?

— Mais ou menos.

Clay sorriu, como se compreendesse.

— Eu também não consegui dormir direito. Quero dizer, acordei diversas vezes durante a noite.

— Notei que estava inquieto, quando Teddy abriu a porta do quarto ao lado.

— Não consegui relaxar. Acho que com o tempo nos acos­tumaremos a dormir juntos.

— Acha mesmo?

— Claro. Quero dizer, sei que é estranho dividirmos a mesma cama, porque quando um homem e uma mulher dormem juntos...

— Entendo, mas nós não podemos nos deixar influenciar por isso. Afinal, somos amigos.

— Certo. Vou tomar um banho. — Deu alguns passos e virou-se para ela. — Somos amigos há vinte anos, Isa. Acha que podemos superar essa situação?

— Pode apostar.

— Ótimo.

Isa ouviu o barulho do chuveiro e imaginou-o tomando banho. Disseram-lhe uma vez que a gravidez mexe com os hormônios e que a mulher fica mais sensível a estímulos sexuais. Esse devia ser o motivo de toda sua imaginação. Não conseguia parar de pensar em Clay. Tentava prepa­rar-se para resistir a qualquer investida por parte do marido e, no entanto, não parava de imaginar-se na cama com ele. Isa sentia o calor aumentar imaginando-o a ensaboar o corpo atlético. Lembrou-se da ternura que viu no olhar de Clay, quando estava preocupado com sua saúde.

"Posso superar isso. Somos amigos. Não há problema."

"Posso superar isso", pensava Clay, enquanto tomava ba­nho, deixando a água quente aliviar-lhe a tensão. "Pare de pensar nela."

Sempre conseguiu controlar seus desejos sexuais, porém, dessa vez, estava mais difícil. Tentou pensar em outra coisa, mas imaginou-se ensaboando o corpo de... Isabella Fabrioni.

Esforçou-se para pensar em outra mulher; contudo, ima­ginava Isa em sua camisola de flanela. Criou fantasias se­xuais, onde ela sempre estava presente. De súbito, seu corpo explodiu em êxtase. Nunca havia sentido algo tão bom es­tando sozinho, nem com outra mulher. Pelo menos fazia muito tempo...

Ficou embaixo d'água quente, recordando.

"Judith. Não devo pensar nela também. Judith está morta. Ela se foi. E; mais cedo ou mais tarde, Isa também irá embora. Lembre-se disso: cedo ou tarde todos o abandonam. Todos."

 

Posso superar isso, pensava Clay, mais tarde, naquela manhã, enquan­to dirigia seu BMW branco pelas ruas sinuosas de Stanfield.

Olhou para Isa, sentada a seu lado, observando a neve e as casas enfeitadas desde o Natal. O perfil dela era bonito, e o nariz, delicado e perfeito. Clay concluiu que Isa possuía as feições femininas e equilibradas. Os lábios eram carnudos, e os olhos, penetrantes.

— Esse lugar é lindo, Clay.

A voz de Isa soava como melodia aos ouvidos de Clay. Ele se espantava ao constatar que estava suscetível a tudo o que dizia respeito a Isa. Admirava-lhe os cabelos esvoaçando ao vento e adorava a deliciosa fragrância de óleo de amêndoas doces com sabonete.

Tentava convencer-se de que a proximidade de Isa e a si­tuação peculiar que viviam era o motivo de estar tão confuso e excitado. Havia muito tempo que não convivia com uma mu­lher. Quando tudo estivesse resolvido, seus hormônios voltariam ao normal, e Isa seria apenas sua... amiga? Clay se lembrou da fantasia erótica que teve pela manhã, o que lhe deu mais prazer do que qualquer ato sexual dos últimos dez anos.

Clay estacionou o BMW em frente ao restaurante, satis­feito, pois assim Isa não teria de andar.

— Você está bem? — Clay quis certificar-se, enquanto ajudava-a a sair do carro.

— Estou ótima. Tia Teddy disse que não haveria proble­mas, desde que não andasse muito. Não se preocupe.

Pela manhã, quando desceram, encontraram Teddy to­mando café e lendo um romance. Clay não sentiu vontade de ficar conversando com a tia de Isa, então sugeriu levar a esposa para almoçar fora. Como Isa não estava com muita fome, levou-a àquela cantina onde Clay costumava tomar café a caminho do trabalho.

— Que lugar maravilhoso!

Clay ficou radiante por Isa ter gostado da vila que ele adorava. As visitas que fazia ao avô, em Stanfield, tinham sido um oásis de carinho em sua infância tão árida. O avô Tom sempre o recebera com um abraço afetuoso. O que Clay mais gostava nele eram os abraços de urso, cheirando a couro e tabaco.

Morar em Stanfield, na única casa que representava seu lar, era um grande prazer para Clay. E, nesse momento, tinha uma mulher com quem compartilhar.

"Seja realista", pensou Clay. Isa não era sua mulher, de verdade. Estavam apenas mantendo as aparências.

Clay abriu a porta do restaurante. Isa aspirou o aroma delicioso. Ele segurou-lhe a mão e conduziu-a ao interior do estabelecimento. Ajudou-a a retirar o casaco, pendurou-o, e arranjou uma mesa.

— O que quer comer?

— Um croissant.

— Eles tem uma variedade enorme. Alguns são recheados com amêndoas, outros com chocolate...

— Quero um simples e uma xícara de café.

Clay se levantou e aproximou-se do balcão. Conversou em francês com Simone, a proprietária. A senhora estava maquiada e parecia alguns anos mais jovem do que na verdade era.

"Clay não sabe como desligar seu charme", pensou Isa.

Simone colocou a bandeja com o pedido deles de lado, mas recusou o dinheiro de Clay. Gesticulou para que ele esperasse e chamou por alguém na cozinha, falando num inglês carregado com seu sotaque estrangeiro.

— Madeleine! Ele está aqui. O homem de quem lhe falei... Clay se virou para Isa e olhou para o teto, aborrecido. Uma jovem loira, tirando farinha das mãos, apareceu e juntou-se a Simone.

— Essa é minha neta, Madeleine — explicou a senhora.

Isa notou que, dessa vez, Clay procurava apenas ser edu­cado, e não fazer charme. Ela achou interessante constatar que ele podia agir com naturalidade em relação às mulheres quando queria.

Quando Clay ergueu a bandeja pretendendo afastar-se, a senhora segurou-o pelo braço.

— Eu disse a Maddy que você poderia levá-la para co­nhecer Stanfield uma noite dessas. Ela conhece poucas pes­soas da idade dela.

A garota devia ter por volta de vinte anos, e ficou corada, aguardando a resposta de Clay.

— Ah... Seria ótimo, mas temo que minha mulher possa não gostar.

O sorriso das duas mulheres desapareceu.

— Sua mulher?! — repetiu Simone.

Clay apontou para Isa, que sorriu e acenou para eles. Estava cumprindo sua parte no trato, evitando que arran­jassem mais candidatas para se casar com ele.

Clay, por fim, conseguiu voltar para a mesa.

— Madeleine! — Simone estalou os dedos. — Volte para os fornos. A massa vai queimar!

A garota saiu correndo.

— Você foi ótima, Isa. Devia ter me casado há muitos anos. Clay segurou sua xícara, taciturno. Por um momento, ficou triste. Isa sabia em que devia estar pensando: ele de fato se casara alguns anos atrás, com Judith. Todavia, as coisas não aconteceram como ele planejou.

Isa procurou pensar em algo para distraí-lo, contudo, an­tes que dissesse alguma coisa, uma mulher aproximou-se de sua mesa.

— Clay! E ela? A mulher que afinal amarrou esse solteirão? Clay sorriu.

— Olá, Stevie. Isa, esta é Stevie Glass, minha assistente na revista. E esta é minha adorável mulher, Isabella Granger.

— Pode me chamar de Isa.

As duas mulheres apertaram-se as mãos. Isa não pre­tendia usar o nome de Clay, mas, ao ouvi-lo pronunciando-o, achou muito elegante. Isabella Granger.

Stevie Glass era bonita e atraente com seus cabelos verme­lhos. Devia ter quase a mesma idade que eles. Isa surpreen­deu-se ao notar que estava com ciúme até ouvir Clay dizendo:

— Dave está aqui?

Stevie apontou para uma mesa de canto, onde um homem tentava colocar uma criança no cadeirão, enquanto outra menina, de mais ou menos dois anos, puxava-lhe o casaco.

— Mamãe! Mamãe! — gritou a criança.

— Pensamos em ter uma refeição tranqüila fora de casa — caçoou Stevie.

— Você conseguirá... daqui a dezessete anos — brincou Isa. A menina escapou de Dave e veio correndo em direção da mãe. Stevie carregou-a e ajeitou-a sobre o quadril.

"Dentro de alguns anos eu também estarei assim", pensou Isa, satisfeita.

— Stevie e Dave moram em Stanfield — explicou Clay. Stevie virou-se para Clay. — Por falar nisso...

— Não quero falar de negócios. Estou em lua-de-mel. — Clay segurou a mão de Isa, que sentiu o corpo estremecer.

— Está bem. Pensei que gostaria de saber que Jack te­lefonou. — Virou-se para Isa e continuou: — Foi um prazer conhecê-la. Parabéns pelo casamento.

— Obrigada.

Stevie preparou-se para afastar-se, porém Clay a deteve.

— Quando foi que Jack telefonou?

— Quinta-feira à tarde, depois que você saiu. Pensei em telefonar para sua casa, mas você estava se preparando para o casamento, e não quis incomodá-lo.

Clay se levantou e aproximou-se da criança, que não sos­segava no colo de Stevie.

— Venha cá, Rina. Mamãe precisa de um descanso.

Stevie suspirou, aliviada. Clay ergueu a menina e sen­tou-a em seus ombros. A criança sorriu, feliz, batendo os pés no peito dele.

— Então, o que Jack queria?

— Aumentar a oferta para comprar a revista.

— Quanto ofereceu?

— Isso importa?

— Não. — Clay acariciou as pernas da menina, que ba­gunçava-lhe os cabelos. — Você se importa se eu der um bolinho para ela? Assim ficará com as mãos ocupadas.

— Dê um dos meus croissants — ofereceu Isa, sem muito apetite.

— Não, ela adora bolinhos de milho. — Clay partiu um pedaço e entregou-o à criança.

Isa ficou surpresa por Clay saber as preferências da me­nina. Solteirões inveterados costumavam demonstrar pouco interesse por crianças.

— Suponho que tenha dito a Jack que não estou interessado. Enquanto isso, Rina mordeu o bolinho, deixando caírem farelos na cabeça de Clay.

— Ele ofereceu muito dinheiro dessa vez.

— Sempre oferece muito dinheiro.

— Jack disse que é a última oferta.

— Sabíamos que ele diria isso. Não tem importância. Não pretendo vender a revista. Você disse isso a ele?

Clay falava num tom impessoal. Isa não conhecia esse seu lado sério. No entanto, o fato de a criança estar deixando cair montes de farelo em seus cabelos comprometia sua imagem tão profissional.

— Você é o patrão. Disse a ele o que determinou, ou seja: nada feito.

— Ótimo.

Clay não percebia o que a menina estava fazendo. Rina notou o que acontecia nos cabelos dele e pareceu divertir-se. Resolveu picar o resto do bolinho e jogou cada pedacinho sobre a cabeça de Clay. A expressão do rosto dela era tão compenetrada que Isa riu.

— O que foi?

— Você percebeu, Clay...

— Que está muito sério? — interrompeu Stevie, piscando para Isa.

As duas mulheres trocaram um olhar de conspiração, observando Rina, com ar orgulhoso pela bagunça que fizera.

— Isa, você já o viu tão bonito quanto agora?

— Não, creio que não.

Ouviram um barulho e se viraram para Dave, que tentava controlar o bebê. O chão próximo à cadeira estava imundo.

Stevie pegou Rina, decidida a ajudar o marido.

— Foi um prazer conhecê-la, Isa. Gostei dela, Clay. Até que enfim, você teve bom gosto. Até mais tarde!

Clay aproximou-se de Isa e murmurou:

— Tem certeza de que quer ter filhos?

— Será apenas um. Tenho absoluta certeza de que quero meu filho. Vou mimá-lo bastante.

— O que lhe dá tanta convicção de que será apenas um? Você poderá ter outros filhos mais tarde.

— Acho que é necessário ter um homem para que eu fique grávida, e não pretendo ter outra pessoa em minha vida.

— Você diz isso agora.

— Acredite-me, se os conventos aceitassem mulheres grá­vidas, eu me tornaria uma freira.

Clay balançou a cabeça, e farelos caíram sobre seus ombros, mas ele não percebeu. Tomou café, e Isa ofereceu-lhe o resto de seu croissant, tentando não olhar para os cabelos dele.

— Não estou com fome, Clay.

— O bebê deve estar. E melhor comer um pouco.

— Ok. Então, que história é essa de vender a revista?

— A Sem Limites não está a venda. Fim da história.

— Parece que alguém está interessado nela. Clay concordou e passou a mão pelos cabelos.

— Jack... — Olhou para os farelos em sua mão. — O que... Clay abaixou-se e tentou limpar-se.

Isa passou os dedos pelos cabelos de Clay, tirando pedaços de bolinho. Ele ficou quieto enquanto ela trabalhava. Isa achou os cabelos negros de Clay macios.

— Acho que não sairá tudo. Terá de lavá-los outra vez.

— Não há problema. — Depois de alguns segundos, acres­centou: — Mercer.

— O quê?

— Jack Mercer, o dono da Mercer-Hest Publicações. E o sujeito que quer comprar a revista.

Isa assobiou e continuou a tirar os farelos.

— Mercer-Hest. Eles devem possuir várias revistas.

— E parecem querer mais uma. Jack continua acrescen­tando zeros à sua oferta, mas está perdendo tempo. Minha revista não está a venda.

— Acredito em você, Clay. — Ajeitou-lhe os cabelos e, relutante, voltou ao seu lugar. — Isso é o máximo que posso fazer. Foi de fato um desastre.

— Valeu a pena.

— Mesmo que tenha sido apenas para manter Rina ocu­pada por alguns instantes?

Clay a fitou, demonstrando aquele sentimento que pro­curava ocultar.

— Não foi o que quis dizer. Valeu a pena para sentir suas mãos em meus cabelos.

Foi uma declaração simples e honesta. Isa ficou sem saber o que dizer, mas Clay não esperava uma resposta. Ele se recostou e cruzou os braços.

— A Sem Limites é como uma filha para mim. Criei a revista sozinho. Há dez anos, ninguém conhecia os esportes radicais. Agora existem campeonatos anuais. A imprensa faz reportagens sobre alpinismo, enduro, pára-quedismo.

— Tem certeza de que não deve considerar?

— Por quê? Não preciso de dinheiro. Publico a Sem Li­mites porque gosto. Ela nem rende tanto assim.

— Estou falando das coisas que faz, todas aquelas loucuras...

— Eventos — corrigiu-a.

— Eventos malucos. Harry me disse que faz aquelas lou­curas porque seus leitores gostam. E tolice. Você pode acabar se machucando. Poderia até morrer.

Ele olhou para a janela.

— Clay, uma pessoa que se importa com aqueles que ama não arrisca sua vida.

— Quer dizer quem tem família?

— Bem, creio que sim.

— Felizmente, não tenho uma — comentou, com um riso amargo no rosto.

 

-Quem é ela? — indagou Teddy, obser­vando o porta-retrato sobre a lareira.

— A primeira mulher de Clay. — Isa olhou para o relógio. Marcava vinte horas, e Clay ainda não voltara do trabalho.

— O que está fazendo a fotografia da ex-mulher dele sobre a sua lareira?

— A lareira é dele.

— Agora também é sua, Isabella, e a fotografia dela não deveria estar aqui.

— Tia Teddy...

— Ele se casou com você. Vou falar com Clay para se livrar disso.

— Por favor, tia Teddy, não faça isso.

— Por que não?

— Ele... ele a amava.

— E agora ama você, certo? Deve se livrar das recordações e concentrar-se na nova vida.

Isa pediu licença, dizendo que iria tomar banho. Demo­rou-se debaixo d'água, imaginando por que Clay se atrasara. O tempo não estava bom, e talvez ele tivesse ficado preso no trânsito. Ou talvez houvesse ocorrido um acidente. As estradas tornavam-se perigosas quando estava nevando, em especial durante a noite.

Ou talvez...

"Não é da minha conta. Não devo me preocupar com isso."

Isa desligou o chuveiro, secou-se com uma toalha felpuda e passou óleo de amêndoas doces sobre a pele. Então, foi para o quarto e começou a procurar uma camisola na cômoda.

— Quem é?

— Sou eu. Teddy.

— Entre.

— O filho pródigo voltou! — Teddy abriu a porta, com Clay logo atrás.

Ele olhou para Isa e ficou paralisado. Isa levou um susto e levantou-se de imediato. Percebeu que tinha algo nas mãos e decidiu usá-lo para cobrir sua nudez.

— Desculpe-me. — Clay deu um passo para trás e, con­fuso, bateu na porta.

Ele tropeçou, e Isa ficou surpresa com sua reação. Um con­quistador não deveria ficar tão perturbado diante de sua nudez. Clay se virou e saiu, apressado, descendo as escadas.

— O que significa isso? — perguntou Teddy. Isa respirou fundo.

— Creio que ele já a viu nua antes.

— Tia Teddy, eu gostaria de me vestir.

— Vá em frente. Oh... Você quer que eu saia.

— Isso mesmo.

— Já estou indo.

Isa, por fim, encontrou uma camisola de flanela. Vestiu-se, penteou os cabelos e desceu.

— Ele está no porão — avisou Teddy, sentada em seu lugar favorito, à mesa da cozinha, onde gostava de ler, en­quanto ouvia música country.

— No porão?

— Parece-me que ele gostaria de um uísque duplo com gelo — sugeriu Teddy.

Isa preparou o drinque, pegou um copo de leite para si mesma e dirigiu-se ao porão. Parou no final da escada, ob­servando ao redor. Parecia inacabado. As paredes eram de concreto. Havia um aquecedor de água a um canto, muitas caixas e mobília antiga encostada nas paredes. Cheirava um pouco a bolor, mas era aconchegante.

Clay estava de costas para ela, não notara a presença de Isa. Ele se inclinou, apoiou o rosto nas mãos e os cotovelos nos joelhos. Estava em frente a um grande tablado coberto com um lençol. Isa se aproximou, chamando-o pelo nome com suavidade.

Clay fitou-a por alguns instantes. Parecia desanimado, com a gravata frouxa e as mangas da camisa arregaçadas.

— Creio que esse uísque é para mim.

Isa entregou-lhe a bebida e observou enquanto ele tomava o primeiro gole.

— Desculpe-me por ter entrado no quarto daquela ma­neira, Isa.

— Não foi culpa sua.

— Você não quer saber por que cheguei tarde?

— Não tenho nada a ver com isso.

— Não se importa?

— Você me avisou que seria discreto — afirmou, tentando parecer segura.

Clay apenas a olhou, sem dizer nada por um longo momento.

— De fato, não posso dizer que não me importo — acres­centou. .— Entretanto, é desagradável fazê-lo dar explicações...

— Sua tolinha... — Clay sorriu e indicou o lugar a seu lado. — Sente aqui.

Isa hesitou e obedeceu.

— Você deve fazer um péssimo juízo a meu respeito.

— Não estou entendendo.

— Mas eu estou. — Passou a mão pelos cabelos e explicou:

— Você pensou que eu estivesse com outra mulher dez dias depois do nosso casamento.

— Bem, você tem o direito de sair com quem quiser. Afinal, temos um acordo.

— Um acordo — repetiu, como se a palavra o fascinasse.

— Sim. Somos adultos.

Clay sorriu com tristeza e passou as mãos pelo rosto.

— A Mercer-Hest publicou uma declaração hoje. — Abriu os olhos e fitou-a. — O escritório estava uma verdadeira loucura.

— Por quê? O que estava escrito?

— Eles vão criar sua própria revista sobre esportes ra­dicais. Creio que o nome será Sem medo de nada. A com­petição será... Eles podem acabar conosco.

—Já que não compraram a Sem Limites, querem destruí-lo?

— Jack não é tão maldoso. E apenas um homem de ne­gócios que quer ganhar dinheiro. Os esportes radicais são muito atraentes. Ele não conseguiu comprar a Sem Limites, mas quer uma fatia do mercado. Assim, criará sua própria revista. O único problema é a Mercer-Hest ser tão poderosa que em pouco tempo poderá conquistar todo o mercado. Eles podem nos tirar do negócio, a menos que consigamos evitar.

— Foi por isso que se atrasou?

— Sim. A notícia foi divulgada no final da tarde, e teve o efeito de uma bomba sobre nós.

Isa teve vontade de perguntar por que ele não a avisou, mas controlou-se.

— Sei que deveria ter telefonado, mas eu... não estou acostumado a ter alguém em casa me esperando. Além disso, fiquei muito perturbado com a notícia. Quando lembrei de avisá-la, já eram quase oito horas.

— Está tudo bem.

— Não, não está.

— Claro que sim. De qualquer forma, você não deveria me dar satisfações. Pode levar uma vida normal...

— Por favor, não repita que posso sair com outras mulheres. Isa surpreendeu-se com o pedido tão veemente. Clay fe­chou os olhos por um instante, e depois segurou-lhe a mão.

— Por favor, Isa. Não sei ao certo o motivo, mas não quero ouvi-la dizer essas bobagens.

— Está bem.

Clay fitou-a e, a seguir, concentrou-se em seus lábios, pescoço e no busto farto. Soltou-lhe a mão e contornou o decote da camisola com o dedo. Isa ficou imóvel, incapaz até de respirar.

— Que pena! — murmurou Clay ao ver a camisola de flanela. — Pensei que estivesse usando aquela peça de seda preta.

Isa ficou ruborizada e sorriu.

— Achei que gostasse de flanela.

— Eu gosto. — Acariciou o tecido, encostando na pele macia. — E uma delícia; contudo, você ficaria incrível com a camisola preta.

— Jamais cheguei a usá-la. Talvez não a use nunca.

— Por quê?

— Bem, ela não é para... dormir. Creio que entende o que quero dizer.

— Entendo. — Clay sorriu, malicioso. — Flanela é muito macia. Qualquer coisa fica bem em você.

Fechou os olhos e, de repente, pareceu muito cansado. Isa olhou ao redor. Notou que Clay prestava atenção ao objeto sobre a mesa coberta pelo pano.

— O que tem aí? — indagou, curiosa.

— Uma lembrança da minha infância.

— Pensei que tivesse crescido em Manhattan.

— Passei a maior parte do tempo lá. Também fiquei lon­gas temporadas nos Alpes. Meus pais costumavam me levar para esquiar nas férias.

— Parece-me uma maneira sofisticada de a família sair em férias.

— Não posso dizer nada quanto à família. Eles iam para um lado e eu para outro. De qualquer maneira, de vez em quando me deixavam aqui, em Stanfield, com meu avô Tom. Evidente que estavam apenas arranjando um jeito de se livrar de mim, mas eu adorava.

Clay se levantou e ficou ao lado da mesa.

— Meu avô era um grande sujeito, completamente dife­rente do resto da família. Em primeiro lugar, foi uma pessoa que venceu na vida sozinho. Meu pai tenta passar a im­pressão de que a fortuna dele é antiga, mas isso não é verdade. Tudo começou na época da Lei Seca.

— Seu avô era contrabandista? — perguntou, sorrindo.

— Sim, até que percebeu que iriam legalizar a bebida al­coólica. Foi então que investiu seus lucros em outros negócios. Ele foi muito perspicaz. Meu avô foi um espião secreto na Coréia, durante a Segunda Guerra Mundial. Ele era natura­lista, fotografava a vida selvagem, era um escultor brilhante...

— Escultor?

— Aquela águia de bronze no meu quarto foi feita por ele.

— Sério? Então ele era de fato muito bom.

— E verdade. Também gostava de esportes. Digamos que eu apenas continuei do ponto onde ele parou.

Clay ergueu uma ponta do lençol e espiou, aguçando mais a curiosidade de Isa.

— Você não vai me dizer o que tem aí?

Clay segurou o lençol com as duas mãos e o retirou, causando uma nuvem de pó, antes de jogá-lo no chão. Isa se levantou, devagar, hipnotizada com o que viu.

— É bom, não acha?

— Bom?! — Isa riu, observando as montanhas e vales, os pastos verdes, as florestas, a vila, a igreja e o castelo representados na maquete de madeira. Algumas partes pre­cisavam de reparos, porém possuía uma beleza impressio­nante. — Não creio que a palavra certa seja "bom". Talvez possamos dizer "espetacular". Quem fez isso? Seu avô?

Clay aproximou-se de Isa, satisfeito por ela compartilhar de seu orgulho por aquela obra.

— Fizemos tudo juntos. — Percebeu o movimento da mão delicada em direção a um pequeno veado. — Você pode tocá-lo. Vá em frente.

Clay sentiu o perfume de sabonete e óleo de amêndoas. O cheiro da pele de Isa era delicioso.

"Você está em apuros, Granger", pensou ele, perturbado. Relembrou do corpo nu que vira ao entrar no quarto. A pele morena, o busto farto, a cintura estreita, as pernas delgadas.

"Estou mesmo com problemas. Como vou resolver isso?"

— Essas peças foram esculpidas em madeira e feitas a mão — comentou Isa.

— Claro. Meu avô era escultor. Foi tudo feito a mão. Todos os animais, as pessoas, os prédios...

— Pessoas?

Clay apontou para os dois bonecos em trajes medievais, caçando com falcões no alto de uma colina.

— Nossa!

Aquele mundo em miniatura era muito especial para Clay, e ele desejava que também fosse para Isa. Colocando a mão nas costas dela, mostrou-lhe outro boneco representando um caçador atrás de uma árvore, armando o arco e a flecha.

Isa concentrou-se na maquete.

— É uma pena que parte do castelo esteja deteriorada.

— E muito antigo.

— Você já pensou em repará-lo?

— Não. Parece ser a ordem natural das coisas. O tempo desgasta tudo.

— Por que permitir, se pode evitar? Sei que é importante para você, e acho que deveria reparar os estragos.

Clay observou as miniaturas, com atenção.

— Daria muito trabalho.

— E então? — Isa encarou-o. — Algumas coisas valem a pena.

Clay controlou-se para não beijá-la.

— Pensarei nisso.

— O que os levou a construir a maquete?

— Foi um presente que meu avô me deu quando fiz nove anos. Ele me trouxe até aqui e me mostrou os materiais. Deu a idéia de construirmos juntos uma vila medieval, pois sabia que eu era fã de Robin Hood. Avisei a ele que jamais tiraríamos isso do porão, pois era muito grande, e ele disse que não havia problema. Afinal, quando morresse, a casa seria minha. — Clay sorriu diante de recordações tão felizes. — Depois disso, ele me levou até a cozinha, e juntos fizemos um bolo de ani­versário. Nunca esquecerei a imagem daquele homem forte, usando um avental e cozinhando para mim. Naquela noite, jantamos bolo e sorvete. Ainda posso sentir o sabor delicioso.

— Deve ter sido um aniversário muito especial.

— Foi a única vez que tive bolo de aniversário.

— O que quer dizer com única vez? Isso não pode ser verdade.

— Meus pais nunca ligaram para isso.

— Deixe-me entender. Sua família nunca comemorou seu aniversário?

— Eles me davam presentes. — Clay pegou o lençol que estava no chão. — Eram presentes caros: televisores, apa­relhos de som... Se estavam fora da cidade, mandavam en­tregar no apartamento.

— Fora da cidade? — repetiu, incrédula. — No dia do seu aniversário?

Clay riu do espanto de Isa e cobriu a maquete.

— Eu me acostumei. Eles viviam ocupados.

— Muito ocupados para comemorar o aniversário do pró­prio filho?

A fúria de Isa mostrou a Clay o egoísmo de seus pais. Mas havia muito tempo aprendera a isolar essa dor, como um mecanismo de sobrevivência.

— Aprecio sua indignação, grãozinho de café. Todavia, já superei o passado.

Clay ajeitou o lençol.

— Você tem mesmo de cobrir a maquete? Gostaria de vê-la com mais atenção.

— Poderá vir aqui quando quiser. Deixarei a porta destrancada.

— Seu avô deve ter sido uma boa pessoa.

— Era mesmo. Você deveria tê-lo conhecido.

— Gostaria de agradecer a ele.

— Agradecer o quê?

— Por tê-lo amado e cuidado de você. E isso o que as pessoas devem fazer quando se importam. Elas devem estar por perto.

— Nem sempre é possível.

— Nem sempre é fácil — corrigiu-o. — Quase nunca é impossível.

— E assim que você é? O tipo de pessoa que fica por perto?

— Sim, creio que sim. Fui criada assim. Nós, os Fabrioni, somos leais. Ninguém na minha família se divorciou.

Uma sombra apareceu no olhar de Isa, e Clay compreendeu seu pensamento. Ela deveria ser a primeira a romper um casamento, e estava claro que essa idéia não lhe agradava.

— Meu avô também era assim, Isa. Minha avó morreu em 1957, mas ele não se casou outra vez, pois dizia que, se houvesse a eternidade, gostaria de passar ao lado dela.

— Quando ele morreu?

— No último semestre do meu curso em Yale. Eu estava estudando para os exames finais.

— Oh, eu me lembro. Você fazia faculdade de economia.

— Ia me especializar em comércio exterior, apesar de meu avô Tom ser contra a idéia. Ele costumava dizer que eu deveria encontrar meu próprio caminho. Naquela noite, tomei minha decisão. — Clay percebeu que Isa o olhava com atenção e sentiu necessidade de contar-lhe mais. — O telefone tocou. Era o meu pai, então, eu soube que algo estava errado. Ele nunca me telefonava.

— Surpresa — murmurou Isa.

— As primeiras palavras dele foram: "Seu avô sofreu um ataque cardíaco fatal, e lhe deixou toda a herança". Fiquei em estado de choque, sem saber o que dizer. Ele começou a me aconselhar a vender a casa, diversificar os investi­mentos... Não disse nem uma palavra sobre... — A voz de Clay ficou presa na garganta. Emocionado, virou-se de cos­tas para Isa e respirou fundo.

Ela se aproximou, abraçando-o pela cintura. Sem pensar, Clay entrelaçou os dedos nos dela. A cena pareceu-lhe familiar. Relembrou da foto que tiraram em frente à lareira, no dia do casamento, porém, naquela ocasião, Isa estava na frente, e era ele quem a abraçava. Ela encostou o rosto nas costas de Clay, fazendo-o sentir a emoção daquele contato.

Clay respirou fundo, procurando acalmar-se.

— Meu pai perguntou se eu poderia comparecer ao en­terro, pois ele estava distante e seria inconveniente voltar para cá.

— Que absurdo! — exclamou, indignada.

— Naquela noite, peguei minhas coisas, entrei no carro e fui embora.

— Então esse foi o motivo de ter largado o curso de economia no último semestre. Eu sempre quis saber o motivo.

— Decidi que faria qualquer coisa, mas não seguiria os passos de meu pai. Depois daquela noite, não vi mais sentido em me formar em economia.

— Você foi ao enterro?

— Fui. Os repórteres tiveram motivo para falar. O único representante da família era eu, um jovem, vestindo calça jeans.

Isa esfregou a mão de Clay e afastou-se um pouco. Ele entendeu o sinal e soltou-a.

— Depois disso você viveu um período à margem do mundo.

— Passei a maior parte do tempo esquiando por aí. De vez em quando escrevia alguns artigos para as revistas. Foi nessa época que me interessei pelos esportes radicais.

— Judith era esquiadora, não? — indagou, com cautela.

Clay percebeu que Isa queria compartilhar de sua tra­gédia. Ficou feliz pela demonstração de interesse e carinho, mas temia expor seu mundo particular, em especial nesse momento, em que se sentia tão fragilizado.

— Isso mesmo. — Clay abaixou-se, pegou os copos que estavam no chão e dirigiu-se para as escadas. — Por falar em esquiar, terei de retomar minhas atividades nessa área.

Uma das estratégias que combinamos será minha partici­pação em eventos esportivos com a cobertura da mídia.

— Por quê? — Isa alcançou-o enquanto subia os degraus. Percebeu que Clay mudara de assunto, evitando falar sobre a ex-mulher, mas preferiu não fazer nenhum comentário.

— Os leitores adoram esportes radicais. Será uma exce­lente publicidade.

— Clay, por favor reconsidere essa decisão...

— Precisamos aumentar nosso número de leitores. — Abriu a porta e esperou que Isa passasse.

— Clay...

— Não vou desistir, Isa.

— Não há outra maneira de incrementar as assinaturas? Clay dirigiu-se para a cozinha, e Isa o seguiu.

— De fato, há outra opções. Olá, Teddy.

A tia de Isa balançou a cabeça e continuou a ler seu livro.

— E aí que você entra — continuou Clay, colocando os copos na pia.

— Eu?

— Estive pensando em contratar alguém para redesenhar a capa da revista, pois está com uma aparência muito tra­dicional. Esportes radicais são... bem, são radicais. A Sem Limites deve refletir nisso.

— Você quer que eu indique algum profissional? Todos que conheço moram em San Francisco.

— Não. Quero que você aceite o emprego. E conhecida como uma das melhores desenhistas gráficas no ramo de publicidade, caso ainda não saiba.

— Ouvi dizerem algo a respeito — brincou, sorrindo.

— É você quem eu quero.

Isa sentou-se em uma banqueta.

— E a minha gravidez? Quando estive no consultório do dr. Cooper, na semana passada, ele recomendou que fizesse repouso.

Clay gostaria de saber o que mais o médico dissera, em especial, sobre a possibilidade de Isa fazer sexo.      

— Pode trabalhar sentada e, se quiser, poderá fazê-lo em casa. Montarei um estúdio para você aqui. A sala da frente tem bastante iluminação. Precisaria ir ao escritório uma ou duas vezes por semana para conversar com a equipe.

— Não sei...

— Os enjôos já passaram, não é? E você está se sentindo melhor. Pagarei o dobro do que ganhava na D & B enquanto o serviço durar. Depois disso, poderei mantê-la na equipe, se você quiser.

— Não será estranho contratar sua própria mulher?

— E daí? Se eu não puder dar emprego para quem está perto de mim, que tipo de pessoa serei?

Isa riu, gostando da proposta.

— Adoraria aceitar, Clay. Seria um grande desafio, e estou mesmo precisando de dinheiro. Além disso, tenho uma dívida com você, pois me ajudou tanto...

Clay olhou para Teddy, alertando Isa, em silêncio.

— Você não me deve nada. Faça o trabalho se quiser.

— Clay aproximou-se e massageou-lhe os ombros. — Sei que quer aceitar. Está escrito no seu rosto.

— Estou preocupada com o bebê.

— O que você acha, Teddy? — Clay suspeitava de que a senhora acompanhava a conversa, mesmo lendo o livro.

— O trabalho seria um problema para a criança?

— Perguntem ao dr. Cooper.

— Certo! Telefonaremos para ele pela manhã. — Ergueu o queixo de Isa. —! O que me diz, grãozinho de café? Se o médico aprovar, aceitará?

— Você me quer mesmo?

O coração de Clay parou por um momento.

"Deus, eu a quero muito." Ele estava se envolvendo cada vez mais, convidando-a a passar mais tempo a seu lado, trabalhando na revista.

— É claro que a quero. Desejo muito ter você a meu lado. E sobre isso que estamos falando, sua pequena tola.

 

Então, o que acha, Isa? — indagou Clay, ao lado de Harry e Stevie, mostrando o material sobre a mesa de reuniões.

Havia desenhos, fotografias, cópias de revistas concor­rentes e exemplares da Sem Limites desde a época de sua criação, dez anos atrás.

— Devo ser louca por deixá-lo convencer-me a aceitar esse emprego — comentou, sorrindo.

Isa não resistia ao charme de Clay e desejava muito ficar a seu lado.

Quando o dr. Cooper afirmou que não havia perigo, ela aceitou a oferta do marido. Ele a trouxe a Danbury naquela manhã para conhecer o local onde a Sem Limites era edi­tada. Depois de apresentá-la à equipe, os quatro se reuniram para trocar idéias.

— Imaginei algumas opções para a capa. — Enquanto con­versavam, Isa esboçou seu pensamento e mostrou aos demais. — Esta é uma das interpretações possíveis para a revista.

— Eu gostei — aprovou Clay.

— Não sei... Parece-me muito... comum — comentou Harry.

— E esse aqui, o que acham? Stevie debruçou-se para ver melhor.

— Está ótimo.

— Esse tema pode ser desenvolvido para ilustrar a capa?

— Claro. — Isa fez outros desenhos, incorporando as idéias dadas.

— Quanto tempo levará para termos alguns layouts? — per­guntou Clay, tocando a mão de Isa. — Não precisa se apressar.

— Creio que duas semanas serão suficientes.

— Ótimo. — Clay ficou de pé, e todos o imitaram.

— Amanhã mandarei entregarem todo o material neces­sário em nossa casa.

— Vou precisar de um computador que tenha um monitor de alta resolução. Meu laptop não é indicado para imagens gráficas. Aliás, precisarei também de uma impressora a la­ser. Os softwares eu já tenho.

— Harry a ajudará a escolher fotografias para o layout antes de irmos embora. A menos que esteja cansada e queira ir agora.

— Não, estou bem.

Isa percebeu que Clay fizera questão de ter uma reunião rápida a fim de poupá-la. Achou estranho observá-lo em seu ambiente profissional. Ele era um homem determinado e eficaz. A admiração de seus funcionários era evidente.

— Foi um belo começo — sussurrou Clay ao ouvido de Isa, abraçando-a.

— Obrigada.

Isa seguiu Harry até seu escritório, e achou graça quando entrou.

— Eu devia imaginar que seria assim — comentou ela. As paredes e o teto eram forrados de fotografias. O efeito era de se estar dentro de uma imensa colagem. Havia a fotografia de uma mulher nua, com o sexo coberto por uma folha. Havia artistas famosos e capas de revistas.

— Clay me fez prometer que você ficaria sentada. Isa obedeceu de imediato.

— Satisfeito?

— Sempre. E você? — Harry sentou-se no chão, cruzando as pernas. — Está contente por ter aceitado o emprego, ou já se arrependeu, diante de tanto trabalho?

— Estou contente, mas terei de ir com calma.

— Entendo. — Harry pegou três álbuns de fotografias. — Dê uma olhada nisto, e escolha algo para o layout.

Isa abriu o primeiro volume e observou as imagens de uma mulher esquiando.

— Você conhecia bem Judith? — perguntou Isa, deixando o álbum de lado e pegando o próximo, com competições de skate.

Harry ficou pensativo antes de responder:

— Não muito bem. Nenhum de nós era íntimo dela. Creio que nem Clay teve condições de conhecê-la de fato. Eles ficaram juntos por pouco tempo, e moravam no Colorado. Eu a conheci na mesma ocasião que você, no casamento. Cheguei a passar um final de semana com eles. — Depois de uma pausa, acrescentou: — Gostei dela. Pareceu-me uma pessoa sincera. Assim como você.

— Obrigada. — Isa pegou o terceiro álbum. — Como foi que ele a conheceu?

— Clay costumava escrever artigos para revistas sobre esqui. Escreveu alguns para Esportes ilustrados. Acho que foi essa revista que o enviou ao Colorado para escrever sobre aqueles esquiadores que se aventuravam em descidas arriscadas. Um deles era Judith.

— Deve ter sido amor à primeira vista.

— Ele me telefonou no dia em que a conheceu. Nunca o tinha visto tão excitado. Três semanas mais tarde, es­tavam casados.

— E quatro meses depois...

— Sim. — Harry balançou a cabeça, com tristeza.

— O que aconteceu? Tudo o que soube é que foi um acidente de esqui.

— Já ouviu falar de Wolf Peak, no Colorado? —Não.

— Os esquiadores profissionais conhecem. E uma descida muito íngreme. E conhecida como a Montanha Suicida. En­tretanto, não é devido à inclinação, e sim ao fato de ser muito suscetível a avalanches. Qualquer distúrbio na superfície, e um monte de neve desliza em questão de segundos.

— Judith morreu numa avalanche?

— Não. Ela efetuou manobras ousadas para evitá-la. Conseguiu esquivar-se, mas bateu em uma pedra e que­brou o pescoço.

Harry se inclinou, passando a mão pelo queixo.

— Clay ficou muito abalado. Judith era tudo para ele.

— Mesmo conhecendo-a havia tão pouco tempo?

— Você precisa entender que ela era todo o apoio emo­cional dele. Lembre-se de que a infância de Clay não foi repleta de afeição.

— Imagino. Você sabia que os pais nunca fizeram um bolo de aniversário para ele?

Harry fez uma careta.

— Isso não me surpreende. O aniversário dele é no pró­ximo mês, no Dia dos Namorados.

— E mesmo. Nós deveríamos fazer algo especial.

— Boa idéia. — Harry apontou para os álbuns. — Gostou de alguma fotografia?

— O quê? Oh... Acho que usarei as de esqui. — Isa deixou os álbuns de lado. — Então, o que mais sabe sobre a infância de Clay?

— Sei que a mãe dele voltou para a Suíça quando Clay tinha onze anos. Então, três anos mais tarde, o pai se mudou para Genebra, e o deixou sozinho naquele apartamento ridículo. Ele tinha a nós e ao avô, mas não tinha alguém ao lado dele de verdade. Entende o que quero dizer? Até encontrar Judith.

— Entendo.

— Ela o transformou, e para melhor. Clay aprendeu a se abrir.. Então, de repente, a perdeu.

— Quer dizer que depois disso Clay se fechou para o mundo.

— Sim, e também perdeu o amor. No princípio, ficou maluco. Arriscava-se demais. Você ouviu falar sobre as coi­sas que fez, não? Soube de Wolf Peak? Fecharam a Mon­tanha Suicida após a morte de Judith. Proibiram o acesso ao público.

— E Clay desrespeitou as ordens?

— Clay não se importava com a própria vida. Esquiou aquela montanha logo após uma nevasca, quando a neve ainda estava instável. Sua atitude podia ter sido fatal. Ele sabia disso e, ainda assim, esquiou.

— Ele teve algum problema depois disso?

— Foi multado em cinco mil dólares. Poderia ter ficado preso por dois anos, entretanto, o juiz achou que havia cir­cunstâncias atenuantes, ou seja, a morte de Judith. De qual­quer forma, depois disso, Clay dedicou-se de corpo e alma aos esportes radicais. Ele fazia qualquer coisa.

— Ele não é mais tão irresponsável, não é?

— Está muito melhor, mas ainda acho que se arrisca muito.

— Eu também.

Harry observou-a, com interesse.

— Você o ama, não é?

— Eu... me preocupo com ele.

— Não tente me enganar, Isa, pois está escrito em seu rosto — comentou, rindo.

— Não está!

— Você acha mesmo que consegue disfarçar, não é?

— Sim. Não!

Harry riu e se levantou.

— Clay também pensa que consegue esconder seus sen­timentos, entretanto, é transparente. Acredite em mim, você mexe com ele tanto quanto Judith, talvez até mais e o está modificando. Clay está perturbado com sua presença e tenta lutar contra isso com unhas e dentes.

— Você está confundindo as coisas, Harry.

Isa sabia que Harry tinha razão. Clay não conseguia ocul­tar seus sentimentos. No entanto, o que ele estaria de fato sentindo? Com certeza preocupava-se com ela. Talvez fosse apenas um amor fraternal.

— Não costumo me enganar. Sei do que estou falando. — Harry sorriu e não a deixou responder. — Você está protestando demais, Isa. Deve estar mais apaixonada do que pensei.

Harry estava certo, mas Isa jamais admitiria a verdade. Permanecia decidida a negar qualquer mudança em seu relacionamento com Clay. Mais cedo ou mais tarde, acaba­riam se divorciando e, se não cometessem nenhuma estu­pidez nesse meio tempo, poderiam voltar a ser os grandes amigos de sempre.

— Já que não pretendo convencê-lo de nada, pense o que quiser — afirmou Isa, levantando-se.

Harry sorriu, abrindo a porta para ela.

— Eu sempre penso.

 

-Chegamos — afirmou Isa, apontan­do através da janela do carro. —É aquela ali.

— Qual? — Clay diminuiu a velocidade, observando a fileira de casas grudadas umas nas outras. Ele nunca estivera em South Ozone Park até aquela tarde.

— E esta aqui — indicou Isa. — Deixaram uma vaga na garagem para nós.

Clay estacionou o carro, contente por não ter de deixá-lo em uma rua tão estreita. De qualquer forma, duvidava que conseguiria encontrar espaço vazio, considerando o número de veículos, parados próximo à calçada. Não poderiam estar todos no almoço de domingo dos Fabrioni. Alguém na vizi­nhança deveria estar promovendo uma festa.

Em poucos segundos, alguns garotos saíram da casa e rodearam o BMW branco de Clay. Ficaram afastados apenas o suficiente para que os passageiros pudessem sair. Admi­ravam o veículo e apontavam para todos os detalhes.

— Este BMW é seu, senhor? — indagou um garoto.

— E do marido da tia Isa, seu bobo.

— Eu sei. O carro é lindo!

— Garotos, o nome dele é Clay — apresentou Isa.

— Está um pouco frio aqui fora. — Clay abriu a porta do BMW. — Se algum de vocês quiser sentar-se aí dentro...

Num instante, o automóvel ficou lotado de garotos. De algum jeito, todos conseguiram entrar.

— Não fumem! — ordenou Teddy.

Clay se inclinou e dirigiu-se ao menino que parecia ser o mais velho:

— Dê uma olhada nele para mim, está bem?

O jovem prometeu cuidar do carro de Clay, ameaçando os outros de expulsá-los se não se comportassem direito.

— O carro ficará bem. Vamos entrar — sugeriu Isa. Clay dirigiu-se para a porta da frente, mas Isa segurou-o pelo braço e guiou-o para a lateral da casa.

— Ninguém usa aquela porta. Nem sei se funciona.

Ela abriu o portão lateral, deparando com balões amar­rados na parede. Clay ficou intrigado, mas lembrou que era o Dia dos Namorados. No entanto, ao passar, notou o que estava escrito neles: "Feliz Aniversário, Clay".

Ele ficou surpreso e leu outra vez. Não acreditava no que via. Isa estava a seu lado, sorrindo.

— Você não desconfiou de nada, não foi? Creio que não é tão esperto quanto aparenta — brincou Teddy.

Foi então que Clay percebeu a música que vinha do interior da casa e as vozes abafadas. Todos aqueles carros na rua... De fato alguém estava oferecendo uma festa. E era para ele.

Isa o conduziu através de um pequeno jardim atrás da garagem. Clay teve vontade de pedir a ela para permanecer a seu lado, não deixá-lo sozinho nem largar sua mão por um instante que fosse.

Os homens se encontravam sentados em banquetas, to­mando cerveja e fumando. Estavam lá o pai de Isa, um padre de meia-idade, um senhor que Clay não conhecia... e Harry, que anunciou:

— O aniversariante chegou, senhores!

— Você já sabia de tudo, Harry? — Clay procurava se controlar e agir com naturalidade, mas estava visivelmente emocionado.

— O que posso dizer? Você sabe que adoro festas.

O pai de Isa cumprimentou os recém-chegados e depois fez as apresentações:

— Clay, você se lembra do padre Frank? Ele estava no seu casamento.

O padre segurou o cigarro entre os dentes, colocou o copo de cerveja sobre a mesa e apertou à, mão de Clay.

— É bom vê-lo outra vez, filho.

— Como vai, padre?

Al colocou a mão no ombro do outro homem.

— E esse é o único sujeito dessa vizinhança que venceu na vida — brincou. — É o dr. Rory 0'Dwyer.

— Dr. 0'Dwyer — repetiu Clay, apertando-lhe a mão.

— Então... — Al Fabrioni esfregou as mãos, olhando para Clay e Isa. — O padre Frank estava dizendo que vocês deveriam se casar na...

— Eu disse que poderiam se casar na igreja — corrigiu o padre —, isto é, se quisessem.

Isa apertou a mão de Clay. Ele sabia como sua mulher se sentia sobre esse assunto. Achava que seria muita hipo­crisia consumar o falso casamento perante Deus.

— Creio que permaneceremos casados só no civil, padre. Não é o nosso estilo.

— Estilo? — repetiu Al, sem acreditar no que ouvia. A fúria do sogro surpreendeu Clay.

— Isso não é questão de gosto pessoal, Isabella. Estamos falando de sacramento.

— Não é da sua conta como os dois decidiram se casar, Al — interferiu Teddy.

Não é da minha conta?! — O rosto de Al ficou vermelho. —Acha que não devo me preocupar quando minha filha diz que não quer se casar perante Deus?

Clay vislumbrou uma possibilidade de conciliação e en­trou na conversa:

— Podemos considerar a questão no futuro.

—No futuro? — Al o encarou, como se tentasse verificar se Clay estava sendo indulgente apenas para silenciá-lo. — Vocês pretendem se casar na igreja algum dia? De verdade?

Clay imaginou Isa usando um lindo vestido de noiva.

— De verdade.

Isa olhou-o, desconfiada.

-Está bem. Deixarei o assunto para mais tarde. — Al conduziu o casal para dentro da casa. — Vamos. Paola me matará se não levá-los até ela.

— Você já está satisfeita, minha filha?

— Sim. A lasanha estava ótima, mamãe. Deixe-me aju­dá-la a lavar os pratos. — Isa fez menção de se levantar, mas Paola forçou-a a se sentar.

— Você deve descansar. Fique quieta.

— Sua mãe tem razão — confirmou Clay. — Sabe que deve repousar. Eu ajudarei, Paola.

Os homens gargalharam ao ouvi-lo, e as mulheres o olha­ram como se fosse um extraterrestre.

— Você é muito gentil, Clay, mas será uma grande ajuda se ficar de olho na minha Isabella.

— Não exagere, mãe — argumentou Isa. — Melhorei muito nos últimos dias.

Na realidade, havia semanas que não sentia enjôo e recu­perara a energia. Além disso, Isa estava sendo muito cuida­dosa. Limitava o trabalho para a revista a duas horas por dia, sentada confortavelmente na sala ensolarada. Ainda as­sim, havia avançado bastante. O novo layout da Sem Limites já estava sendo preparado para o próximo número. O trabalho evitava que se entediasse, a conta no banco começava a me­lhorar, e Clay se orgulhava dela. Ele sempre comentava o quanto estava agradecido pela criação da nova capa.

Clay também fazia sua parte para recuperar e garantir a sobrevivência da revista. Nas últimas semanas, viajara três vezes a negócios, se é que podia definir os esportes radicais como negócios. De qualquer forma, a promoção era excelente.

O primeiro evento foi uma exibição de salto em esqui em Utah, no qual Clay realizou acrobacias arriscadas. A seguir, passou uma semana na Flórida participando de competições aquáticas. Classificou-se em primeiro lugar em windsurfe. Na semana seguinte, esteve na Califórnia mostrando suas habilidades em alpinismo. Escalou um enorme paredão de concreto e ficou em segundo lugar em velocidade.

Harry o acompanhou em todas as viagens para fotogra­fá-lo praticando essas modalidades de esporte, a fim de expor as imagens na revista.

A imprensa deu ampla cobertura a todos os eventos. Esse era o motivo da participação de Clay: atrair as atenções para si mesmo e para a revista, com o objetivo de conseguir novos assinantes.

Apesar de os objetivos serem tão importantes, Harry avisou a Clay que os resultados poderiam ser fatais, e, com o apoio de Isa, tentou dissuadi-lo, mas Clay recusou-se a ouvi-los. Quando a revista estivesse estabilizada, então, pensaria a respeito. Até lá, faria qualquer coisa pela sobrevivência da Sem Limites.

Isa olhou para Clay e percebeu que ele a observava. Clay segurou-lhe a mão, sorrindo, pela centésima vez naquele dia, e cada vez Isa sentia uma enorme satisfação, mesmo sabendo que deveria estar exagerando na interpretação dos sentimentos dele. O casamento estava mudando aos poucos a antiga amizade. Isa queria acreditar que Clay sentia algo mais. Entretanto, lembrava-se de que desejara tanto ser amada por Pres que acabara convencendo-se de que era verdade. Os resultados haviam sido desastrosos.

Isa sabia que era suscetível a homens charmosos e que não deveria confiar em seus próprios instintos em relação a eles. Em especial, no que se referia a Clay. Ele era im­prudente quanto à própria vida e insaciável quando se tra­tava de mulheres. Ao menos, até casar-se com Isa. Desde o dia do casamento, não saiu com mais ninguém. A não ser pela noite em que se atrasara na revista, Clay sempre che­gava cedo em casa. E, para surpresa de Isa, e também alívio, Harry garantira-lhe que, durante as viagens, Clay evitava as mulheres e sempre dormia sozinho.

— Ele é um modelo de marido fiel — afirmara Harry. Isa temia que, mais cedo ou mais tarde, Clay Granger voltasse a ser o conquistador de sempre. Ele mesmo já lhe dissera que "não tinha intenção de casar-se com ninguém". Ele era o tipo de homem que podia causar-lhe muitos so­frimentos. No entanto, a cada dia que passava, Isa sentia-se mais envolvida com Clay.

"Devo evitar esse sentimentos. Assim que o bebê nascer, precisaremos nos divorciar." Isa ficava deprimida ao pensar na separação, mas não via alternativa.

Paola limpou a mesa, com sua eficiência de sempre, e serviu o café.

— Então, Rory — começou Al, colocando três colheres de açúcar em sua xícara —, como é esse projeto de caridade para o qual o padre Frank o convocou?

—Trata-se de um serviço de atendimento médico domiciliar para pessoas com Aids e outras doenças transmissíveis.

Isa notou a expressão de Harry. Ele já perdera vários amigos vítimas de Aids.

— Será um programa fabuloso. — Os olhos do padre demonstravam seu orgulho. — Já temos uma boa equipe. São quase doze voluntários. Levamos alimentos e remédios para os doentes e, quando necessário, os levamos ao médico. Se não podem se locomover, Rory cuida deles em suas pró­prias residências.

Isa percebeu que os convidados vinham de outras partes da casa para se juntarem a eles, na sala. As crianças se sentavam no chão olhando para Clay, que parecia não per­ceber o que estava prestes a acontecer.

— Não entendi, Rory. Você está aposentado. Por que re­solveu continuar trabalhando?

— O que eu ficaria fazendo, Al? Passaria o resto dos meus dias observando jogos de boliche como vocês, seus preguiçosos?

Todos os Fabrioni riram.

— Quero me sentir útil — comentou Rory, com seriedade. — Vou continuar praticando a medicina. Logo que me apo­sentei, fiquei sem trabalhar alguns dias e quase enlouqueci.

— Entendo. Teddy vive reclamando por não ter nenhuma atividade. Certo, Teddy?

Teodora e Rory se olharam.

— Sim, às vezes fico entediada.

— Então, junte-se a nós — sugeriu Rory.

— Eu... eu não...

Isa nunca vira a tia tão confusa e achou interessante sua reação.

— Precisamos de uma enfermeira. Você seria muito útil.

— Creio que não.

— Por que não, Teddy? Parece muito interessante...

— Eu já disse que não, Harry.

Todos ficaram em silêncio. Teddy e Rory fitaram-se por um instante; depois, desviaram o olhar.

Isa tentou se lembrar se Teddy e Rory já tinham passado por situação semelhante. De fato, não se recordava de tê-los visto ao menos conversar. Os dois estiveram presentes à festa de quarenta anos de casamento de Al e Paola, porém Teddy saíra mais cedo. Em todas as festas da família, pa­reciam evitar todo e qualquer contato.

A tensão foi quebrada quando o sobrinho de Isa, Louie, de quatro anos de idade, aproximou-se de Harry e tirou-lhe o boné dos Yankees.

— Posso experimentar seu...

Antes que o garoto continuasse, Harry o agarrou pela cintura. Isa notou que Harry começava a ficar calvo, e ficava muito diferente sem o boné.

— Largue isso! — ordenou Harry.

Louie hesitou, avaliando se obedecia ou saía correndo.

— É melhor devolver — aconselhou Clay. — Já o vi bater num sujeito que fez isso.

Isa achou graça. Clay aproximou-se e murmurou ao seu ouvido:

— E verdade. Já o vi entrar na frente de carros de corrida quando o vento tirou-lhe o boné para poder recuperá-lo.

Harry olhava fixo para Louie. Por fim, o menino desistiu e entregou-o.

As luzes, de repente, se apagaram.

— Deve ser algum fusível — comentou Clay.

No escuro, os convidados começaram a rir. Paola apareceu trazendo um bolo enorme, repleto de velinhas. Clay apertou a mão de Isa, emocionado. Al se levantou e começou a cantar:

— Parabéns para você...

Todos o acompanharam, formando um coro. Quando a canção terminou, a mão de Isa estava dolorida.

— Faça um pedido! Faça um pedido!

Paola colocou o bolo em frente a Clay. Ele olhou para Isa, confuso.

— Faça um pedido e sopre as velas, querido.

Clay olhou os lábios de Isa e depois concentrou-se em seus olhos tão penetrantes. Então, sorriu, respirou fundo e soprou as velas.

— Lá vêm eles! Mate-os!

— Atire neles!

Clay procurava os pequenos objetos vindo em sua di­reção na tela da televisão, porém não acertava os botões de seu controle.

— Atire neles! — insistiu Paulie, impaciente. Clay tentava lembrar qual era o botão correto.

— Vou encontrar a passagem secreta.

— Atire neles, tio Clay — bradou Joey. "Tio Clay?"

Clay atirou, mas não acertou, fazendo os dois meninos gemerem, desapontados.

— Esse é o botão errado, tio Clay. Aquela era a faca. Você precisava do revólver.

A tela do televisor ficou vermelha.

— O que aconteceu?

— Eles o pegaram, tio. Quer tentar outra vez?

— Creio que não. — Clay se levantou e esticou as pernas. — Já fui muito humilhado.

Os meninos logo começaram outra partida. Clay andou até a janela e afastou as cortinas. O dia de inverno termi­nava em uma forte nevasca. O locutor de rádio anunciava que teriam de oito a doze centímetros de neve pela manhã. Os flocos de neve se acumulavam depressa. A maioria dos convidados tinha ido embora. Clay sabia que já deviam ter partido em direção a Connecticut, porém ficou entretido com o jogo, e Isa não parecia ter pressa em ir embora. Levariam duas horas até chegarem em casa.

Isa estava sentada no sofá, lendo um livro para a pequena Lucy, deitada, sonolenta, no colo da tia. Do outro lado da sala, Harry e Teddy falavam sobre cantores de música sertaneja.

Clay olhou para a pilha de presentes que recebeu após o bolo. Paola dera-lhe um casaco cinzento feito por ela. As crianças também usaram suas habilidades para confeccio­nar algo para ele. As meninas mais velhas fizeram luvas e cachecóis coloridos.

No entanto, Clay gostou mais dos presentes criativos das crianças menores. Pegou o presente que Lucy lhe dera: uma bolsa decorada com botões de várias cores e tamanhos. Ao passar os dedos sobre o objeto, sentiu um nó na garganta. A mesma emoção que experimentou ao ver o bolo.

"Devo controlar-me. Não vou chorar na frente de todo o mundo."

Clay respirou fundo e, então, notou o presente que Isa lhe deu, emocionando-se outra vez. Era uma caixa com o material necessário para reconstruir a maquete que fizera com seu avô Tom.

No último mês, Isa tentara convencê-lo a consertar a maquete. Como não demonstrou muito interesse, Isa resol­veu incentivá-lo. Clay não gostava de ser forçado a fazer coisas, mas achou agradável a insistência dela. Lembrou-se do que Isa lhe disse, naquele dia, no porão: "Algumas coisas valem á pena".

Clay percebeu que a luz da cozinha estava acesa e viu os pais de Isa tomando café e conversando. Al segurou a mão de Paola e beijou-lhe os dedos. Isa já lhe contara que ninguém em sua família se divorciara.

Olhou para Isa, lendo para a sobrinha, que dormia em seu colo, e sentiu algo diferente em seu coração. Como se peças de um quebra-cabeça se encaixassem, tomando a for­ma de uma decisão inconsciente. Era uma determinação intuitiva, emocional.

Isa percebeu que a menina dormia. Então, fechou o livro e beijou-lhe a testa. Quando seu olhar encontrou o de Clay, sorriu. Ele a achou encantadora e, surpreso, compreendeu a sintonia que existia entre os dois.

A possibilidade de estar apaixonado o assustava, pois temia o sentimento de abandono. Entretanto, lembrava-se da conversa que tivera com Isa no porão. Clay começava a acreditar que o relacionamento com Isa podia dar certo.

— Do que está rindo? — ela quis saber.

— O quê?

— Você está sorrindo.

— Contarei mais tarde.

— Vejam. — Al estava parado na porta, o cigarro na mão, apontando para a janela. — Está anoitecendo. Não quero incomodá-los, mas não acham que está na hora de pegar a estrada?

— Droga! — Teddy se levantou e foi até a janela. — Não percebi que estava nevando.

Paola abraçou o marido e sugeriu, olhando para Clay e Isa:

— Por que não dormem aqui? Podem usar o sofá-cama. Clay olhou para Isa, e os dois concordaram.

— Está bem, aceitamos.

— E, Teddy, se você não se incomodar, pode dormir num colchonete...

— Prefiro voltar para o Brooklyn e passar a noite no meu apartamento, mas vim no carro de Clay.

— Posso levá-la. Vou para Westchester — ofereceu Harry.

— O Brooklyn não fica próximo a Westchester.

— Não tem problema, Teddy. Gosto de dirigir. Além disso, não é sempre que posso ouvir músicas sertanejas sem que reclamem.

— Está bem.

Enquanto Harry e Teddy pegavam seus casacos no hall de entrada, duas sobrinhas de Isa entraram na sala, rindo.

— Você fala primeiro — ordenou uma delas.

— Não, você fala!

Após uma pequena discussão, uma delas entregou algo a Clay. Era um coração feito em papel vermelho. No verso, estava escrito o nome "Angie".

— Angie, é muito bonito — elogiou Clay.

— É mesmo?

— Claro. Adorei. Obrigado. — Inclinou-se e beijou-a.

— Eu também tenho um, tio Clay. — A segunda menina ofereceu-lhe um coração cor-de-rosa, decorado com flores.

— Foi você quem fez isso... Rosa? — Clay perguntou, virando o papel e lendo o nome da menina.

Rosa sorriu, satisfeita.

— Sim, fui "eu.

— É lindo.

Rosa aproximou-se e inclinou o rosto para ser beijada. Clay a beijou e, quando voltou a se sentar, encontrou o olhar carinhoso de Isa.

— Vocês me pegam pela manhã, certo? — indagou Teddy, enquanto Harry a ajudava a vestir o casaco.

— Claro — concordou Clay. — Telefonaremos quando estivermos saindo daqui.

Teddy e Harry se despediram e dirigiram-se à entrada da cozinha. Angie e Rosa seguraram as mãos de Clay e o puxaram na mesma direção.

— Vamos fazer mais corações — avisou Rosa. — Quer vir com a gente?

— Vou adorar.

Clay se deixou levar pelas meninas até o pé da escada. A porta da cozinha estava entreaberta. Foi então que ouviu 'Teddy dizer:

— Então, o pai da criança sabe sobre o casamento de Isa, Harry?

— Ele está fora do páreo. Enquanto eu puder... — Ca­lou-se, percebendo a tolice que cometera.

— Peguei você! — comentou Teddy, rindo.

— Há quanto tempo você sabe?

— Com certeza? Há uns cinco segundos.

Clay balançou a cabeça. Teddy era muito esperta.

— Vamos, tio Clay.

— Encontro vocês daqui a pouco. Vão na frente — sus­surrou, prestando atenção à voz de Teddy.

— Quer dizer que estamos falando de um casamento de mentira?

— Acho que sim.

— E só estão dormindo juntos para que eu acredite que é real?

— Acertou. Você dirá a eles que já sabe da verdade?

— Não — decidiu Teddy, parecendo divertir-se. — Ainda não.

— Uma decisão sábia —concordou Harry. Clay ouviu-os se afastando.

— Os dois inventaram essa história. Agora terão de vivê-la — acrescentou Teddy, rindo.

 

Fiz sua cama — Paola avisou a Clay quando ele voltou do banho, usando um dos roupões de Al. Observou o peito e as pernas nus. — O pijama não serviu?

— Eu... não uso...

— Al também não.

— Onde está Isa?

— No meu quarto, trocando de roupa. — Apontou para o sofá-cama. — Espero que fiquem confortáveis.

— Tenho certeza de que sim. Obrigado.

Assim que a sogra saiu, Clay tirou o robe e se deitou, tremendo diante do contato com os lençóis frios. Pensou na conversa de Teddy e Harry e aguardou a chegada de Isa. Quando Isa entrou, foi direto ao abajur e o desligou, mas Clay teve tempo de ver o que ela estava vestindo.

— Opa... — Clay se sentou e acendeu a luz outra vez, observando-a contornar a cama. De súbito, não sentia mais frio. — Isso é da sua mãe?

Isa olhou para o quimono de seda verde. No decote, via-se o contorno da camisola do mesmo tecido.

— Minha mãe tem... um gosto diferente do meu para camisolas.

— Estou vendo.

Isa começou a abrir o robe.

— Poderia apagar a luz?

— Não.

— Acho que não entendeu. Estou pedindo para você apa­gar a luz.

— Não.

Isa estudou-o, ofegante. O peito musculoso parecia enfeitiçá-la.

— Está bem, Clay. — Começou a tirar o robe bem de­vagar, e virou-se de costas para o marido.

Foi um gesto sedutor, feito de modo tão gracioso que o excitou ainda mais. Clay sentia o calor invadir o seu corpo, ao observá-la. A camisola de seda acentuava as curvas femininas.

— Agora você pode desligar a luz? — provocou-o.

— Não — respondeu, sorrindo.

Ainda de costas para Clay, Isa suspirou e passou as mãos pelos cabelos. O movimento fez com que a camisola subisse um pouco, causando efeito imediato no corpo de Clay.

— Fico um pouco constrangida.

— Não deveria, pois está sensacional.

O tecido macio acentuava a curva dos seios e do quadril. Clay estava muito excitado e procurava controlar-se.

Isa levantou as cobertas e se deitou. Clay desligou a luz e tentou ajeitar-se. Fechou os olhos, forçando seu cérebro a concentrar-se em complicadas fórmulas que aprendera na faculdade, num esforço supremo para reprimir seu impulso.

Os dois já haviam se acostumado a dormir juntos. No princípio, Clay ficava perturbado com a presença de Isa, porém aos poucos aprendeu a apreciar o calor vindo de seu corpo, a respiração suave.

A proximidade e a intimidade de dividir a cama com alguém dia após dia agradava cada vez mais sua ansiedade. Clay desejava Isa a seu lado. No entanto, depois da conversa que ouviu entre Teddy e Harry, temia que fosse por pouco tempo.

Suspirando, virou-se de lado e apoiou a cabeça na mão.

— Isa?

— Sim?

— Teddy descobriu tudo sobre nós.

— Como sabe disso?

Clay contou-lhe tudo, inclusive sobre como Teddy e Harry conspiraram para que os dois continuassem a dormir juntos.

— Harry ainda procura arranjar-lhe uma mulher.

— Sim, só que dessa vez está tentando me amarrar com minha própria esposa. E Teddy é sua aliada. — Clay hesitou e depois acrescentou: — Pensei em não lhe contar nada.

— Por quê?

— Porque gosto de dormir com você.

Ela ficou em silêncio. Clay podia sentir a tensão no ar, e tentou argumentar:

— Estive pensando no bebê. — Era verdade. Nos últimos dias, estivera preocupado com a criança. — Nós nunca con­versamos sobre... como será depois do nascimento.

Clay passou a mão pelos cabelos de Isa.

— Se você quiser... Isso é, se achar que não há problema... Se ficarmos juntos nesse casamento, o bebê também fará parte de tudo. Seremos uma família. Você decidirá se quer contar a ele sobre quem é o pai. Independente do que dirá, quero que saiba que o considerarei meu filho. Ou filha. Vou tratá-lo como se eu fosse o pai verdadeiro.

Clay sentiu uma gota quente em seus dedos.

— Isa? — Percebeu que ela tremia, e a abraçou, acariciando-lhe os cabelos, com carinho. — Eu não pretendia magoá-la.

— Não foi nada disso. Fiquei emocionada.

Clay puxou um pouco o lençol e enxugou o rosto delicado. Foi então que percebeu o braço de Isa em sua cintura, re­tribuindo o abraço. Sentiu o tecido escorregadio da camisola em contato com seu corpo nu. Quando passou a mão pelas costas dela, Isa afastou-se.

— Isa...

— Boa noite, Clay.

Clay ficou deitado, enquanto Isa se virava de lado. Ela não queria conversar. Talvez as palavras não fossem o me­lhor jeito de resolver a situação.

Clay debruçou-se sobre Isa e beijou-lhe a testa. Todas as noites, fazia isso antes de dormir. Entretanto, após bei­já-la, não voltou ao seu lugar, como sempre fazia, e conti­nuou beijando-lhe o rosto.

— O que está fazendo?

Clay afastou-se apenas o suficiente para fitá-la.

— Tentando criar coragem para beijar sua boca.

— Oh, Clay, isso seria tolice.

— Estou cansado de ser esperto.

Roçou os lábios nos dela, sentindo-lhe o hálito quente. Isa não retribuiu a carícia, mas também não resistiu.

Clay achou a boca sensual, com os lábios carnudos e ma­cios. Provou-os com a língua. A sensação de penetrar aquela boca excitou-o tanto que se afastou, ofegante.

Beijou as pálpebras de Isa.

— Temos um acordo, Clay.

— Estou cansado do nosso acordo. — Beijou-lhe a ponta do nariz e depois a boca. — Estou cansado de querer acariciá-la e não poder. Ou de desejá-la tanto que não consigo pensar em outra coisa. Então, decidi mostrar-lhe como me sinto.

Clay silenciou-a com outro beijo, suave, porém mais de­morado. Deitou-se sobre Isa, sentindo o contato de seus corpos. O tecido macio da camisola deslizava. Os seios ro­çavam o peito musculoso de Clay.

Isa virou o rosto.

— Clay, isso é uma loucura.

— De jeito nenhum. Qual é o seu argumento?

Isa suspirou, perturbada com as carícias, Clay beijou-a, não se importando em ser correspondido. Não conseguia se controlar por mais tempo. Todo o desejo contido, de súbito, revelou-se. No meio de tanta excitação, Clay ficou maravi­lhado ao constatar que Isa também o queria.

"Não devo fazer isso", pensava Isa. "É loucura."

Clay moveu o quadril, e Isa o acompanhou, percebendo sua excitação.

Isa sabia que Clay se importava com ela; afinal, oferecera-se para assumir seu bebê. No entanto, era um conquistador, acos­tumado a ter muitas mulheres. Não seria fiel a uma só.

Clay continuava a beijá-la e, a cada instante, a excitação aumentava.

Isa lembrava-se de que Pres também pareceu-lhe sincero quando levou-a para cama.

— Não posso... não posso fazer amor com você, Clay.

— Ninguém ouvirá.

— Não é esse o problema.

— O dr. Cooper ainda não a liberou? Está bem. — Clay ergueu-lhe a camisola. — Podemos...

— Clay...

— Posso tocá-la.

— Você não entende. O dr. Cooper disse que poderíamos...

— Fazer amor? Então, qual é o problema?

— Acho que não devemos.

Clay passou a mão sobre o ventre macio de Isa.

— Serei cuidadoso. Eu juro.

Isa ficou emocionada, e lágrimas encheram seus olhos.

— Se quiser, pode ficar em cima de mim.

Antes que ela pudesse responder, Clay abraçou-a e girou, deitando-a sobre seu corpo.

— Dessa forma, você estará comandando.

— Clay...

— Isa... — Tentou levantar-lhe a camisola.

— Não. Sinto muito. — Saiu de cima dele e sentou-se na cama.

Frustrado, Clay ficou em silêncio.

— Não deveríamos ter ido tão longe.

— Não diga nada. — Clay se ergueu, cobriu-se com o lençol, e abraçou-a. — A culpa foi minha. Fui muito apres­sado. Sabia que não estava preparada, mas a queria tanto... — Beijou-lhe a testa, com carinho, e continuou: — Estraguei tudo, não foi?

— Não. As coisas mudaram.

— Isa... — Clay abraçou-a com mais força.

— Podemos tentar ser o que éramos antes, quero dizer, apenas amigos.

— Como?

— Se não fizermos...

— Amor — completou Clay, com o olhar triste. Soltou-a, sentou-se na cama, e pegou o roupão.

— Aonde vai?

— Tomar banho.

— Mas você já tomou...

— Tomarei outro. Bem frio.

 

-Encontro vocês no Myrtle Beach, pela manhã. — Clay desligou o te­lefone celular e guardou-o na maleta, aberta sobre o banco de passageiro, enquanto dirigia pela estrada. — Isa não vai gostar disso — murmurou.

Ao chegar em casa, olhou pela janela da sala da frente, onde instalara a mesa e os computadores, mas não viu a mulher. Isa já tinha acabado o trabalho daquele dia; isso era muito bom, pois deveria se poupar.

Estacionou o carro na garagem ao lado do carro de Harry. O amigo sairá mais cedo do escritório a fim de mostrar algumas fotografias para Isa.

Clay desatou o cinto de segurança e observou a neve. Estava cansado do inverno e esperava que o tempo melhorasse logo. Não gostava dos dias frios e das longas noites solitárias.

As noites tornaram-se penosas desde que Isa deixou de compartilhar de sua cama. Após a festa de aniversário, duas semanas atrás, assim que chegaram em casa, Isa mudou-se para o quarto de hóspedes azul. Clay tentou dissuadi-la, ju­rando que não tocaria nela, porém Isa dissera-lhe que Teddy já sabia de tudo e, então, não havia mais motivo para dormirem juntos. A não ser pelo fato de ele adorar sua companhia.

Os vidros do carro começaram a ficar embaçados. Clay retirou a luva da mão direita e desenhou enquanto pensava nos motivos que o faziam gostar de dormir com Isa. "Inti­midade" foi a primeira palavra que lhe ocorreu. Talvez fosse a razão de sempre ter evitado passar a noite com qualquer uma de suas namoradas. Dormir com alguém era um ato de confiança e também uma demonstração de afeição e familiaridade. Sexo, por outro lado, era apenas... recreação. Duas pessoas se distraindo em um ato de intimidade simulada.

Clay desenhou um rosto com as características da família Fabrioni.

"Com Isa, tudo será realidade", pensou. "Fazer amor com ela será verdadeiro, e não apenas diversão."

Clay desejava descobrir cada detalhe do corpo de sua mulher e explorar seus segredos. Imaginava a expressão em seu rosto quando a penetrasse pela primeira vez. De­senhou no vidro embaçado um largo sorriso, lembrando de como Isa iluminava tudo a sua volta quando mostrava os dentes perfeitos. Clay queria que Isa também o desejasse, não apenas em sua cama, mas em sua vida.

Recolocou a luva, fechou a maleta, abriu a porta do carro e saiu, sentindo o frio do início da noite. Caminhou sobre a neve macia e abriu a porta dos fundos.

Durante as duas últimas semanas, tentara conquistar Isa, procurando mostrar-lhe que seus sentimentos eram sinceros. Compreendia sua relutância; afinal, havia pouco tempo fora magoada por aquele miserável, Pres. E, antes dele, outros homens também a magoaram. Isa tivera pouca sorte no amor.

Clay decidiu não pressioná-la, como fez naquela noite na casa de Paola e Al. Aos poucos, mostrava a Isa que não era como os outros homens. Ele mesmo já não era como nos velhos tempos. Sentia-se um novo homem, e Isa era a responsável por essa transformação.

Clay tirou as botas, sorrindo ao ouvir a música sertaneja. Deliciou-se com os aromas agora tão familiares: alho, tomate e orégano. Deviam estar preparando o jantar. Enquanto pendurava o casaco e guardava as luvas e as botas, concluiu que a dificuldade em conquistar Isa estava relacionada à sedução emocional. Ele conhecia tudo sobre sedução física. Entretanto, quando se tratava de sentimentos, era um peixe fora d'água. Sabia que deveria ser atencioso com Isa para mostrar-lhe o quanto se importava com ela. No entanto, se fosse muito delicado, poderia assustá-la. Por sorte, Clay ain­da não estragara tudo, pois sentia-se apaixonado como um adolescente. De fato, conseguira até alguns avanços. A pre­venção inicial de Isa após a festa de aniversário já diminuíra bastante. Clay tinha a impressão de que ela já o aceitava outra vez. Contudo, quando lhe contasse sobre Myrtle Beach, ficaria aborrecida. E quando soubesse do evento em Wolf Peak no mês seguinte, ficaria muito irritada.

Harry e Teddy estavam na cozinha tomando vinho tinto e cozinhando. Os dois cumprimentaram Clay e continuaram cantando.

— Onde está Isa? — perguntou Clay, colocando a maleta sobre uma cadeira e afrouxando a gravata.

— Descansando lá em cima. — Teddy mexeu o molho com uma colher de pau e provou-o.

Harry colocou óleo em uma panela com legumes.

— Ela estava com um pouco de dor nas costas — explicou Harry, com um sorriso malicioso. — Acho que precisa de uma massagem especial.

— Sim, uma massagem bem relaxante — completou Teddy.

— Com um pouco de óleo.

— Óleo morno — sugeriu Harry, temperando a salada e bebendo seu vinho.

— Vá com calma, Harry. Estaremos viajando esta noite. Harry suspirou e mordeu um pedaço de cenoura.

— Você se importa de me dizer para onde?

— Kitty Hawk, Carolina do Sul.

— Kitty Hawk? É aquela exibição aérea? Pensei que ti­vessem cancelado.

— E tinham, más marcaram nova data. Será amanhã, bem cedo.

Harry fez uma careta e pediu a Teddy a garrafa de vinho, tomando um gole direto no gargalo.

— Se terei de ir a mais uma de suas excursões suicidas, pretendo beber tudo o que puder.

— Excursões suicidas? — perguntou Clay, rindo.

— Esse evento nem é tão importante — comentou Harry, tomando mais um gole de vinho.

— Todos são importantes. — Clay gostaria de não ir. Já estava cansado de tudo aquilo. — Precisamos da publicidade que nos dão.

— Nem haverá tantos repórteres.

— É provável, mas você estará lá!

— Um fotógrafo bêbado não representa muita publicidade.

— Vocês se importariam de mudar de assunto? — Teddy abriu o armário e retirou um objeto que entregou a Clay. — Aconteceu um acidente.

Era o porta-retrato com a fotografia dele e Judith, esquiando na semana em que se casaram. O vidro estava quebrado.

— O que houve?

— Eu limpava a sala e, quando fui tirar o pó, o porta-retrato caiu de cima da lareira. — Teddy tomou um gole de vinho, observando a reação de Clay.

— Você não costuma tirar o pó. — Clay sabia que Teddy cozinhava porque queria, mas a limpeza da casa era feita pela empregada.

— O que posso dizer? Hoje de manhã tive vontade de ajudar. Você devia guardar isso em um lugar mais seguro. Deixá-lo sobre a lareira... não foi uma boa idéia — comentou, com simulada inocência.

Harry abaixou a cabeça, fingindo ajeitar o boné, numa tentativa de ocultar sua expressão. Clay o olhou, e ele ergueu as mãos como se dissesse: "Não sei de nada".

— Você não teria uma gaveta, ou um armário, onde guar­da coisas do passado? — perguntou Teddy.

Clay apenas a olhou, em silêncio.

— Se tiver, deveria guardar o porta-retrato lá.

Clay passou a mão pelo vidro rachado, contemplando a imagem de dois jovens recém-casados.

— É uma boa idéia.

Guardou o objeto no bolso do casaco, sentindo a tensão do ambiente diminuir.

Harry voltou a se concentrar na salada, enquanto Teddy temperava o molho.

Isa estava deitada, no quarto escuro, quando ouviu uma batida à porta.

— Entre.

A luz do corredor iluminou o ambiente quando Clay se aproximou, ficando em pé ao lado da cama.

— Ei, grãozinho de café. — Inclinou-se e ajeitou-lhe uma mecha de cabelo. — Você está bem? Trabalhou demais hoje?

— Só durante uma hora com Harry. E fiquei vinte mi­nutos retocando algumas peças da maquete, no porão.

Clay concordara em reparar a maquete com a condição de Isa retocar a pintura das peças que estivessem preci­sando. Ela gostou da idéia, e os dois trabalhavam juntos quase todo dia. Isa apreciava as horas que passava ao lado de Clay mais do que deveria.

Ele se ergueu, tirou a gravata e retirou algo do bolso do casaco.

— Você está se sentindo bem mesmo, Isa? — indagou, guardando o objeto no baú ao pé da cama.

Clay se sentou na beira da cama, e deitou-a de bruços. Jogou o casaco no chão e começou a massagear-lhe as costas. O toque de Clay era delicioso, e Isa gemeu de prazer. En­quanto ele deslizava as mãos fortes, Isa fechou os olhos desfrutando do alívio que lhe proporcionava. Ouviu o ba­rulho dos sapatos de Clay caindo ao chão. Sem interromper a massagem, ele ajoelhou-se ao lado de Isa sobre a cama.

Isa adorava ficar ao lado de Clay. Gostaria de sentir-se diferente, mas não podia. Apreciava seu calor, seu toque, seu enigmático perfume de ervas. Foi difícil mudar-se para o quarto de hóspedes, em especial depois de Clay ter dito e demonstrado com tanta clareza que a desejava em sua cama. Entretanto, um dos dois precisava ser racional.

Clay ergueu-lhe a camisola e esfregou as costas de Isa. Massageava-a nos lugares certos e com a força adequada, trabalhando os músculos doloridos. Isa tinha a impressão de estar se desmanchando.

— Está se sentindo melhor?

— Muito melhor. — Isa imaginou o que mais ele poderia fazer com aquelas mãos mágicas.

— Sua pele é tão macia, querida... — murmurou. Clay acariciou-lhe a lateral das costas, tocando-lhe os seios. — Em especial aqui.

Isa abriu os olhos, encontrando o rosto de Clay próximo ao seu.

— Clay...

— Você faz idéia do quanto sou louco por você?

A expressão dele era tão sincera que Isa preferiu fechar os olhos.

— Tenho tentado me controlar nessas últimas semanas, tentado dizer e fazer as coisas certas, mas é tão difícil... Não imagina o quanto é duro ficar longe de você, quando tudo o que quero é tirar suas roupas.

— Clay, por favor. — Isa desvencilhou-se dele e se sentou na cama. — Precisamos conversar sobre isso como adultos.

— Não é isso o que precisamos fazer — afirmou, com um sorriso maroto nos lábios.

— Temos um acordo. — Isa tentou fechar o sutiã, mas não conseguiu.

Clay passou os braços ao redor dela e, com facilidade, fechou os colchetes. Depois abaixou a camisola e deixou as mãos nas coxas de Isa.

— Eu já lhe disse. Estou farto do nosso trato. A situação é diferente agora.

— Você é o mesmo homem.

— O que quer dizer com isso?

— Oh, Clay... Pense um pouco. Você passou os últimos dez anos pulando de cama em cama. Deve até ter perdido a conta de quantos romances teve. Sua fama de conquistador faria qualquer mulher pensar muito bem, antes de se apaixonar.

Clay a olhou ..como se de repente a compreendesse.

— Se você está preocupada com doenças, esqueça. Sempre fiz sexo com proteção. De qualquer forma, já fiz vários exa­mes, e os resultados sempre foram negativos.

— Não é nada disso. Eu o conheço e sei que não se ar­riscaria nesse tipo de coisa. E tenho certeza de que, se ti­vesse algum problema, jamais me colocaria em risco. A ques­tão é que você é um mulherengo, e nunca vai mudar.

Clay tirou as mãos das pernas dela.

— Você percebeu que está me ofendendo? Isa apenas o olhou, surpresa com sua reação.

— Sou tão capaz de mudar quanto qualquer outra pessoa. Não vê que já mudei? Não saio com outra mulher desde o nosso casamento.

— Nunca lhe pedi isso. Você deve ter achado muito frus­trante. Talvez fosse melhor voltar...

— Droga, Isa! — Agarrou-a pelos ombros. — Não quero ouvir isso. Não entende? Não quero um relacionamento de uma noite. Quero você. — Puxou-a até que seus lábios se tocassem e repetiu: — Você!

Beijou-a, abraçando-a com força. O beijo foi tão intenso que Isa teve a sensação de estar flutuando. Sua mente não concatenava mais os pensamentos, e o coração acelerado parecia querer explodir dentro do peito.

Quando Isa percebeu, estava retribuindo o abraço, deso­rientada e ofegante. As mãos de Clay acariciavam-lhe os cabelos, e os lábios beijavam-lhe o pescoço...

— Você — murmurou Clay ao ouvido dela. — Apenas você.

— Diz isso agora. — Encostou a cabeça no peito musculoso.

— Direi amanhã, e no dia seguinte, e no próximo...

— E se não for assim? E se você não puder mudar?

— Eu posso.

— E se não puder... — Isa implorava com os olhos para que Clay a compreendesse. — Nossa amizade é tão especial, tão preciosa... E significa tanto para mim...

— Para mim também.

— Não quero perdê-lo como amigo. Não quero estragar o que temos.

— O que temos irá só melhorar.

"Ele acredita mesmo nisso, e está quase me convencendo." Aproveitando-se da hesitação de Isa, Clay ergueu-lhe o queixo e sussurrou:

— Deixe-me mostrar-lhe o quanto pode melhorar. Beijou-a outra vez, com ardor e paixão. Passou a mão no seio farto, e foi então que ouviram o grito de Harry:

— Vamos viajar! Estou pronto!

Isa interrompeu a carícia e afastou-se. Clay puxou-a para seus braços e tentou explicar:

— Ouça, Isa, tenho de viajar esta noite, a negócios, mas...

— O que é dessa vez? Saltar do Grand Canyon?

— Espertinha. E um espetáculo aéreo. Andar na asa do avião, surfe em pleno ar, queda livre...

— Queda livre?

— Sim, a pessoa não abre o pára-quedas até o último momento...

— Eu não devia ter perguntado — afirmou, colocando a mão na boca de Clay, para silenciá-lo.

— Está tudo bem. — Sorriu, malicioso, e lambeu os dedos de Isa, fazendo-a gemer diante da provocação.

— Você é incorrigível.

— Você pediu por isso. Qualquer outra parte do seu corpo que chegar perto da minha boca receberá o mesmo tratamento.

— Obrigada. Considero-me prevenida; entretanto, não me referia a isso. Quis dizer que você é incorrigível em relação a essas aventuras idiotas.

— Eventos — corrigiu-a.

— Eventos idiotas.

— Acho que devo falar sobre Wolf Peak.

— Wolf Peak... Já ouvi esse nome.

— Foi onde Judith...

— Oh... Isso mesmo.

— Harry lhe falou a respeito?

— Falou.

Clay ficou pensativo por um momento.

— Decidiram desimpedir a montanha.

— A Montanha Suicida?

— Isso mesmo.

— Por quê?

— Pressão dos esquiadores. O número de avalanches di­minuiu nos últimos anos.

— Isso pode ser apenas uma conseqüência natural da ausência de esquiadores perturbando sua superfície — Isa comentou, com sarcasmo.

Clay sorriu, compreendendo-a.

— Outra questão foi o comércio local. Quando souberem que a pista está aberta outra vez, haverá um grande mo­vimento. A agitação já começou. Um grande esquiador, cha­mado Olof Borg, anunciou que fará a descida. Será um dos maiores eventos do ano. Toda a imprensa estará presente e haverá representantes de várias revistas.

— Representante da Sem Limites1?

— Não tenho escolha, Isa. Temos de estar onde há ação, se não quisermos ser engolidos pela Mercer-Hest.

— Está pretendendo esquiar em Wolf Peak? Clay hesitou, antes de responder:

— Não. Dessa vez será Olof. Não quero estragar os planos dele.

— Fico mais tranqüila, Clay, mas confesso que ainda não gosto da idéia. Não aprovo sua participação nesses even­tos, Wolf Peak ou qualquer outro. As vezes, gostaria que você jamais tivesse fundado essa revista.

— Objeção registrada.

— Estou falando sério.

— Não quero falar sério. Cale-se e me beije.

— Não. Precisamos conversar.

— Quero um beijo.

— E eu quero comer — disse Teddy, parada à porta do quarto. — Então, beije-o logo. Conversas demoram muito. — Virou-se e saiu.

— Que intrometida! — comentou Isa.

— Eu ouvi isso — gritou Teddy, descendo as escadas.

— Ótimo! — bradou Isa.

— Ela é uma mulher esperta — ponderou Clay, sorrindo.

— Ela me cansa.

— Também ouvi isso! — gritou Teddy.

— Algumas vezes ela me assusta — murmurou Clay ao ouvido de Isa, tentando conter o riso.

— A mim também.

De repente, seus lábios se encontraram. Clay segurou-lhe a cabeça, beijando-a sem parar.

— Clay... Isso é...

— Eu sei. — Beijou-lhe a testa. — Quais são seus argumentos?

Isa acariciou o rosto do homem que a confundia.

— São os mesmos de sempre. A sua viagem é mais uma demonstração de que nada mudou. Você é o mesmo Clay de sempre, disposto a vencer qualquer desafio, correndo ris­cos desnecessários.

— Isa...

— Gosta de aventuras. Esportes radicais, mulheres... é tudo a mesma coisa. Faz parte de você. Está no seu sangue. Pode até querer se modificar, mas...

— Vou mostrar a você.

— Não estou lhe pedindo nada.

— Vou provar-lhe.

— Então não vai mais viajar?

— Ah...

— Ah — repetiu Isa, afastando-se.

— O jantar está pronto! — gritou Harry, do andar de baixo. —- Venham logo!

— Isa, a viagem já está planejada.

— Ótimo.

— Prometi que estaria lá.

— Entendo. —Isa se levantou. —Vamos. O jantar vai esfriar. Clay olhou-a, em silêncio, e depois ficou em pé.

— Sei que você foi magoada por outros homens, como Pres, por exemplo. Entendo que tenha medo que eu seja como eles, mas não sou. Quero que me dê a chance de provar-lhe isso. Gostaria que baixasse suas defesas e que tentássemos ser mais do que amigos.

— Clay, se eu fizer o que me pede, nosso relacionamento se modificará. Nossa amizade jamais voltará a ser a mesma.

— Esse é o objetivo, tolinha. — Clay sorriu, beijou-a e pegou sua mão. — Vamos. O jantar nos espera.

— Vá na frente. Irei logo em seguida.

Depois que Clay saiu, Isa fechou a porta, acendeu a luz e se ajoelhou em frente ao baú que ficava ao pé da cama. A madeira escura era entalhada com alguns, pássaros e tinha em alto relevo as iniciais T. G., de Thomas Granger.

Ergueu a tampa com as duas mãos, pois era muito pesada. Encontrou pacotes de cartas antigas, fotografias e cartões pos­tais. Havia um bonito cálice de prata, uma faca de caçador, estatuetas de pássaros, três álbuns de couro, uma meia de enfeite de Natal, ferramentas de escultor e binóculos.

No meio de tantos objetos, encontrou o porta-retrato com a fotografia de Clay e Judith. O vidro estava rachado.

Clay deixava o passado para trás.

— Isa! — gritaram Teddy e Harry. — Estamos com fome! Ela guardou o porta-retrato outra vez, fechou o baú e desceu.

— Já estou indo!

 

Isa sonhava outra vez com o bebê. Passava a mão pelo ventre, sentindo desconforto. Estra­nhou a sensação e, ao olhar com mais atenção, viu o zíper aberto. Angustiada, procurou pela criança, sentindo dor. Algo estava errado. Com os dedos trêmulos, tentou achar o bebê, mas não o encontrou.

— Onde está ele?! Onde está meu bebê?! — gritava, em seu sonho.

Isa acordou ouvindo seu próprio grito e sentindo dor.

— Clay! — Procurou por ele a seu lado, na cama, porém não o viu. — Clay!

Sentou-se e acendeu a luz.

— Clay! — gritou, desesperada.

Teddy abriu a porta e entrou no quarto, correndo.

— Isa! O que está acontecendo? São quatro horas da manhã!

— Onde está Clay? — Isa afastou os lençóis e tentou se levantar, mas sentiu um forte espasmo, que forçou-a a se curvar.

— Ele está na Carolina do Sul, lembra?

Isa se virou e percebeu que os lençóis estavam manchados de sangue.

— Calma, Isa. Tudo ficará bem.

— Não, não é verdade.

Clay andava com passadas largas pela pista usando traje de pára-quedista e capacete. Havia pequenos aviões por toda parte, e o sol começava a nascer. Muitos profissionais ve­rificavam os últimos detalhes antes de levantar vôo.

"Adrenalina", pensou Clay. Havia muitos meses não ex­perimentava a sensação do coração acelerado perante um grande desafio. Na verdade, a última vez foi em South Ozo­ne, quando pensou que faria amor com Isa.

Lembrou-se do comentário dela, dizendo que eram aven­turas idiotas. Clay precisava admitir que não sentia a mes­ma empolgação de outrora. Desejava apenas terminar o mais rápido possível e voltar inteiro para casa. E para Isa.

— Então, você vem ou não? — perguntou Clay, virando-se para trás.

Harry andava mais devagar, usando trajes semelhantes aos de Clay e óculos escuros, devido à ressaca.

— Não me amole — resmungou, ajeitando a máquina fotográfica. — Quer que eu vá ou não?

Ouviram o telefone do hangar tocando. Depois de alguns minutos, um funcionário veio correndo, gritando:

— Telefone para o sr. Granger!

— Quem é? — gritou Clay.

— Uma mulher.

— Anote o recado — pediu Clay, continuando a andar.

— Ela disse que era importante!

Clay suspirou, e Harry se ofereceu para resolver o problema:

— Pode deixar comigo.

— Ande logo — recomendou Clay. — Quero terminar rápido com isso!

Clay entrou no avião e cumprimentou os companheiros, que iriam saltar também. No meio da conversa, ouviu chamarem seu nome. Virou-se e viu Harry correndo, com a câmera balançando pendurada em seu pescoço. O boné dos Yankees voou de sua cabeça, mas ele não parou de correr. Foi então que Clay compreendeu que alguma coisa estava errada.

 

— Ela está lá, sr. Granger — indicou a enfermeira, apon­tando para uma das camas, isolada por cortinas.

Clay caminhou até o local indicado, sentindo o olhar cu­rioso das enfermeiras. Imaginava que estranhavam suas roupas de pára-quedista.

Puxou as cortinas e espiou. A cama estava vazia e, a princípio, Clay achou que errara o local. Foi então que viu Teddy sentada em uma cadeira, lendo uma revista. Ela o olhou e, quando Clay ia dizer algo, fez sinal para que se calasse e indicou um lugar à frente. Ele abriu mais a cortina e viu Isa adormecida em uma poltrona, amparada por travesseiros.

Clay sentiu o peito oprimido por aquela visão. Isa estava pálida como as roupas brancas do hospital, e recebia soro pela veia.

— Tiveram de fazer uma curetagem — sussurrou Teddy. — Ela poderá ir para casa dentro de uma hora.

— Por que você não vai tomar um café? Parece cansada.

— Obrigada, Clay, acho uma boa idéia. — Teddy virou-se para sair, mas antes perguntou: — Como conseguiu chegar aqui tão rápido?

— Paguei mil dólares a um piloto para me trazer a Danbury.

Depois que Teddy saiu, Clay fechou as cortinas e sen­tou-se no chão, aos pés de Isa. Inclinou a cabeça, apoiando-a no braço da cadeira.

Depois de muitos minutos, Clay sentiu o toque dos dedos de Isa em seus cabelos. Ergueu a cabeça e encontrou-a observando-o, pensativa, com os olhos úmidos. Devia ter cho­rado antes de adormecer.

Clay se ergueu e afagou-lhe o rosto, com carinho. Notou que Isa esforçava-se para reprimir as lágrimas.

— Perdi... — afirmou com voz trêmula. — Perdi o...

— Eu sei, querida. — Clay abraçou-a. — Sinto muito.

— Tudo ficará bem, Isa.

— Não. Meu bebê... meu bebê...

— Oh, Isa, eu sei. Também queria essa criança, mas entendo que sua dor é muito maior, pois fazia parte de você. Imagino o quanto está sendo difícil, e não imagino o que dizer para fazer você se sentir melhor. Sinto-me tão impotente...

Isa ainda esforçava-se para conter as lágrimas.

— Querida, sinto muito por você ter passado por tudo isso sozinha. Eu não deveria ter viajado.

— Teddy estava comigo.

— Mas eu não. E deveria estar, pois sou seu marido. Isa ficou tensa, e Clay compreendeu o que ela estava pensando: o motivo para manter o casamento já não existia mais. Clay entrou em pânico ao considerar que Isa poderia querer a separação.

— Sou seu marido, e deveria estar a seu lado.

— Clay...

— Fique comigo, Isa — pediu, acariciando-lhe o rosto.

— Você não sabe o que está dizendo.

— Quero que fique ao meu lado e seja minha mulher. Desejo tentar fazer esse casamento ser real.

— E se não der certo?

— Nós podemos ser felizes. — Segurou as mãos de Isa entre as suas. — Sei que podemos.

— Mas se não conseguirmos, então teremos estragado nossa amizade.

Clay sabia o motivo de tanta hesitação. Isa temia que ele continuasse a se arriscar nos esportes e a ter muitas mulheres. Ela não acreditava que Clay pudesse se modificar. Clay precisaria provar a Isa que era um novo homem, porém isso levaria tempo, e isso Isa não queria lhe oferecer.

— Apenas não vá embora de imediato — Clay implorou. — Deixe que eu cuide de você. Ao menos por enquanto. — Teve uma idéia e animou-se, tentando convencê-la: — Você precisa terminar seu trabalho na revista. Creio que levará mais um mês ou dois ainda.

— Preciso de mais três semanas.

— Então, ficará comigo?

Isa hesitou, mas acabou concordando. Abriram as cortinas, e o dr. Jim Cooper entrou, com uma prancheta na mão.

— Clay, é um prazer revê-lo. Que bom que está aqui — cumprimentou, sentando-se em uma cadeira. Fez várias per­guntas a Isa, querendo saber como estava se sentindo. — Vocês dois podem ter relações sexuais quando Isa quiser.

Contudo, não devem tentar outra gravidez antes de dois meses. Até lá, recomendo que usem o diafragma.

Isa e Clay trocaram um olhar de cumplicidade.

Jim se levantou, acrescentando:

— Mandarei a enfermeira retirar o soro para que possam ir para casa. — Apertou a mão de Clay, recomendando: — Tome conta dela.

— Deixe comigo.

 

Esta cerveja é verde! — comentou Isa, olhando para seu copo, repugnada.

— Eu avisei. — Harry tomou um gole de sua bebida e voltou sua atenção para o painel de televisores sobre o bar, cada um dos aparelhos sintonizado num evento esportivo diferente, porém nenhum deles emitindo som.

Havia música ambiente, e um enorme burburinho das pessoas conversando.

— Beba, Isa, é apenas um corante — sugeriu Clay, sen­tado ao lado dela no bar Dark Horse, onde a equipe da revista costumava se reunir nas tardes de sexta-feira.

Apesar de não ser sexta-feira, o escritório fechou mais cedo para comemorar a conclusão do trabalho de Isa. A nova capa da revista já estava sendo produzida para o pró­ximo exemplar.

Isa provou a cerveja, torcendo o nariz. Era a primeira vez que tomava bebida alcoólica desde que ficara grávida.

— Ou o corante é muito azedo, ou não gosto mais de cerveja.

— Ei, Isa — chamou Nell, a editora, da ponta da mesa. — Você continuará trabalhando conosco ou vai procurar algo melhor e maior?

Isa hesitou.

Clay colocou o braço ao redor de sua cintura, num gesto possessivo, que vinha fazendo cada vez com mais freqüência, com o trabalho dela se aproximando do fim.

— Pedi a Isa que ficasse conosco. De fato, cheguei até a implorar. Talvez se vocês tentassem...

— Fique, Isa...

—Nós precisamos de você, Isa...

Todos pediram ao mesmo tempo, e ela sorriu, encabulada. Na realidade, ficou satisfeita em constatar que foi tão bem aceita pelos funcionários de Clay. Apesar de não gostar dos esportes radicais, consideraria com seriedade a proposta de Clay para ser a diretora artística, caso a situação fosse diferente.

Clay era o mesmo homem de sempre, se bem que tentasse convencê-la do contrário. Nas últimas três semanas ele re­cusou diversos convites para participar de eventos esporti­vos, mas não cancelou sua ida a Wolf Peak, que estava marcada para o próximo fim de semana.

Se ele tivesse se modificado de verdade, não viajaria mais.

No entanto, Isa precisava reconhecer que Clay estava sendo muito afetuoso e gentil durante sua recuperação.

Após a primeira semana, Teddy voltou para seu aparta­mento no Brooklyn, e Clay levara Isa para jantar fora, ou pedira comida pronta desde então. Clay não a beijara, nem tentara nenhuma aproximação.

— Ei, fiquem quietos! — gritou Harry para os amigos. — Olof Borg está na televisão. Vejam.

Apontou para um dos televisores, onde uma repórter ruiva entrevistava um homem loiro, vestindo traje de esquia­dor. Ao fundo, via-se uma montanha coberta de neve.

— Ei, Mike! — gritou Harry para o garçom. — Aumente o volume daquele aparelho.

As conversas diminuíram quando Mike desligou a música e aumentou a televisão.

— Faltam apenas dois dias, Olof — dizia a repórter. — Tem certeza de que está preparado? Borg sorriu, com segurança, antes de responder:

— Terão de mudar o nome daquela montanha quando eu terminar — afirmou, com sotaque escandinavo. — Cha­marão de Olof Borg. Vou conquistar a Montanha Suicida. Ela será toda minha.

— Você parece muito confiante — observou a repórter.

— Estou bem preparado — vangloriava-se Borg. — A última pessoa a esquiar naquela região foi Clay Granger...

As pessoas que freqüentavam o bar fizeram comentários entre si, enquanto Clay observava a cena, impassível.

— Meu objetivo é superar Granger.

— Granger é conhecido por sua velocidade em pistas aci­dentadas — salientou a repórter.

Borg olhou para a câmera, com desdém, antes de acrescentar:

— Estou cansado de ser comparado àquele homem. Gran­ger é um amador. Eu sou Olof Borg.

— Eu soube que Granger estará em Wolf Peak no próximo fim de semana. Há rumores de que ele pretende esquiar.

Isa tentou ver os olhos de Clay, mas ele estava imóvel, olhando para a tela.

— Deixe-o tentar. Eu o desafio. — Borg olhou direto para a câmera e continuou: — Clay Granger, se está me ouvindo, eu o desafio a esquiar na Montanha Suicida. Vamos ver quem é o melhor. Seremos apenas nós dois. E, quando ter­minar, o mundo inteiro saberá que Olof Borg conquistou aquela montanha. — Bateu no peito, reforçando suas pa­lavras: — Eu vencerei!

— Vocês ouviram. Olof Borg lançou um desafio. Será que Clay Granger aceitará? Liguem a televisão neste canal no sábado, e descobrirão o final.

O garçom baixou o som da televisão e colocou música ambiente outra vez.

Cada pessoa tinha algo a dizer sobre a entrevista. A maio­ria encorajava Clay a aceitar o desafio. A julgar pela atitude deles, Isa suspeitava que não faziam a menor idéia de que a primeira mulher de Clay morrera em Wolf Peak.

Stevie foi a primeira a ponderar com sensatez:

— Ignore Borg, Clay. Ele é um bárbaro. Por que será que quer que você esquie naquele lugar? Só servirá para desviar as atenções.

— Não, ele é esperto — comentou Harry. — Borg sabe muito bem o que está fazendo. Se ele transformar o evento em uma competição, ou uma rivalidade pessoal, conseguirá atrair a im­prensa. É isso o que quer. Seu rosto sairá em muitos jornais e revistas. Concordo com Stevie. Não entre no jogo dele.

— Sim, mas o que pensarão? — perguntou Doug Whetman, o homem que Clay contratou como relações-públicas da revista. — O sujeito desafiou Clay na televisão.

— Doug está certo — concordou Nell. — Clay não tem escolha. Além disso, ele está com aquela velha expressão. Sei que ele quer fazê-lo.

Todos olharam para Clay, exceto Isa, que olhava, pensativa, para seu copo de cerveja verde. Sentiu o braço forte de Clay puxando-a.

— Estou farto de tudo isso.

Isa gostaria que Clay tivesse se manifestado com mais convicção.

— Sim, mas dessa vez é diferente — insistiu Nell. — O mundo inteiro estará prestando atenção a Wolf Peak neste fim de semana. Se você aceitar o desafio, será uma publi­cidade excelente para a revista.

— A melhor — enfatizou Doug. — As assinaturas irão aumentar. Não é isso o que você quer?

Os olhares estavam fixos em Clay.

— Sabem o que quero? Outra cerveja. Stevie se inclinou, apoiando-se nos cotovelos.

— Clay, deixe-me dizer-lhe só mais uma coisa, antes de mu­darmos de assunto. Os repórteres estarão telefonando, querendo saber sobre sua reação diante da provocação de Borg. O que devo responder quando perguntarem se você aceitará o desafio?

— Diga a eles para irem a Wolf Peak se quiserem saber.

Naquela noite, Clay olhava para a mala aberta sobre sua cama, ponderando se deveria levar a roupa preta de es­quiador. Seu vôo sairia pela manhã, rumo ao Colorado. Co­locou a mão na roupa, pretendendo tirá-la da mala, mas hesitou. Recordou-se das palavras de Doug: "As assinaturas irão aumentar. Não é isso o que você quer?"

Clay fechou a mala e levou-a para o corredor. O fato de ter levado o equipamento de esqui não significava que iria usá-lo.

Percebeu que havia luz acesa no quarto de Isa. Olhou para o relógio, constatando que já era quase meia-noite. Ela costumava dormir por volta de onze horas. Quando Clay se aproximou da porta, ouviu o som dos passos dela.

— Isa? — chamou-a, batendo de leve na porta.

Isa não respondeu, apenas suspirou. Clay abriu a porta, devagar.

— Você está bem, querida?

Isa estava de costas para Clay, ainda vestida com as mes­mas roupas que usara durante o jantar, olhando para a valise sobre sua cama. No chão, havia duas malas cheias. Clay re­conheceu a bagagem que Isa trouxera no dia do casamento. Sentiu um frio percorrendo-lhe a espinha, e o medo o invadiu.

— Não faça isso, Isa.

— Falei com Teddy — explicou, com voz trêmula. — Ela disse que posso morar no apartamento do Brooklyn enquan­to não encontro um lugar para mim.

— Isa... — Clay deu um passo em sua direção.

— Vou partir pela manhã.

— Não faça isso. Por favor.

— Clay, não torne as coisas mais difíceis para mim.

— Como poderia ser fácil? — A voz dele estava embargada pela emoção. — Como poderia ser fácil depois de tudo...

Isa escondeu o rosto entre as mãos, chorando. Clay se adiantou e abraçou-a.

— Não faça isso, Isa. Por favor, não vá embora. — Clay não sabia o que dizer. Beijou-lhe os cabelos, abraçando-a com força. —Não me deixe. Você não... eu não suportaria perdê-la.

— Quanto mais eu ficar, mais difícil será.

— Você fala como se a nossa separação fosse inevitável. Isa o olhou, com lágrimas nos olhos.

—E inevitável. Se você pensar sobre isso de forma racional...

— E quem precisa de racionalidade?! — Clay segurou-lhe o rosto e a beijou. — Estou louco por você! Modifiquei-me por você!

— Se tivesse mesmo mudado, como quer que eu acredite... — Isa parou de falar e olhou para baixo. — Esqueça...

— Isso tem a ver com Wolf Peak, não é? Você está achando que vou aceitar o desafio de Borg e esquiar na Montanha Suicida?

— E não vai?

Clay gostaria de poder dizer: "Claro que não!"; no entanto, estaria sendo desonesto.

— Estou pensando. Se isso significa tanto para você, então não farei. Prometo.

— E... a revista?

— A revista não é tão importante. Não representa nem um centésimo do que você é para mim.

Isa olhou-o, como se o visse pela primeira vez. Clay a apertou, segurando-lhe o rosto contra o peito.

— O que sinto por você, Isa, é algo que jamais experi­mentei. Sei que acha que um dia vou acordar e não me sentirei mais assim, mas creio que isso é impossível.

Clay se afastou um pouco e ergueu o rosto de Isa para ver-lhe os olhos.

— Por favor, esteja aqui quando eu voltar de Wolf Peak no domingo. Não pedirei que me prometa, pois não quero obrigá-la a nada. Estou apenas lhe pedindo que espere por mim.

Antes que Isa pudesse responder, Clay a beijou, feliz por sentir que era correspondido em seu afeto. Podia perceber o contato dos seios dela em seu corpo. Colocou a mão sob sua blusa e acariciou-lhe as costas, e depois as nádegas. Isa usava uma calça justa de malha, permitindo a Clay sentir-lhe as formas com perfeição. Ele se lembrou do dia em que abriu a porta do quarto e encontrou-a despida.

O corpo de Clay respondeu de imediato à sua imaginação, e ele preferiu interromper o beijo e afastar-se. Acreditava que havia conseguido algum progresso naquela noite, e não gostaria de ser precipitado. Isa era muito frágil, e Clay não pretendia assustá-la.

— Você estará aqui pela manhã, certo? — perguntou, para certificar-se.

— Estarei.

— Então nos despediremos amanhã. — Beijou-a, com carinho, e saiu do quarto.

Naquela noite, Clay estava deitado em sua cama, com as mãos atrás da cabeça, contemplando a moldura do teto. Cada detalhe era iluminado pela luz da lua, que entrava através da janela aberta. Contava as reentrâncias, na es­perança de afastar de seus pensamentos a imagem de Isa.

Quando bateram à porta, Clay achou ter sido fruto de sua imaginação. Isa era a única pessoa na casa. O que ela estaria querendo em seu quarto à uma hora da manhã?

Clay ouviu a batida mais uma vez e, alerta, respondeu:

— Entre.

A porta foi aberta devagar. A princípio, Clay não a viu, pois o corredor estava escuro. Quando Isa entrou em seu quar­to, Clay prendeu a respiração, admirado. O rosto e os braços tinham um reflexo prateado devido à luz do luar. Os olhos estavam escuros, e os cabelos, soltos. Ela usava a camisola de seda preta com laços de cetim, e estava muito sensual.

Clay se lembrou do dia em que Isa lhe contou que nunca usara a camisola, e que talvez nunca a colocasse, pois não era para dormir.

Ainda assim, decidiu vesti-la essa noite. Clay gostaria de sorrir, mas estava tão perplexo que mal conseguia res­pirar. Tudo o que podia fazer era admirá-la, feliz, aliviado e esperançoso, enquanto Isa se aproximava da cama.

Clay notou que a camisola era transparente na altura dos seios e ajustava-se com perfeição ao corpo dela. Quando Isa se deitou ao seu lado, ele sentiu um calor percorrendo seu corpo e uma forte atração sexual.

Isa parecia disposta a dizer alguma coisa, mas não encon­trava as palavras certas. Clay conseguiu sorrir e, encorajando-a, estendeu-lhe a mão. Isa também sorriu e, naquele ins­tante, experimentaram uma compreensão mútua. Clay trouxe a mão dela até seus lábios e beijou-lhe a palma, emocionado. Isa viera ao seu encontro, num convite tácito, entregando-se a ele. O momento era muito especial.

Clay colocou as duas mãos no quadril arredondado, sentindo o calor da pele sob a seda. Isa acariciou os ombros nus de Clay com uma mão e, com a outra, afagou-lhe os cabelos.

Cada momento parecia fazer parte de um filme em câmera lenta. No silêncio, ouvia-se apenas a respiração ansiosa.

Clay guiou suas mãos pela curva da cintura de Isa, que ficou ofegante ao sentir a carícia próxima a seus seios. Os mamilos estavam visíveis, e Clay sentia se desfazer em paixão.

 

Isa prendeu a respiração quando Clay passou os dedos por seu seio esquerdo, notando o mamilo rígido. O efeito foi tão excitante que tinha a impressão de estar sendo tocada em toda sua intimidade.

Clay colocou as duas mãos sobre os seios fartos, acariciando-os. Isa teve vontade de gritar de tanto prazer. Como se ele compreendesse seus pensamentos, segurou-a pela cin­tura e inclinou o rosto, passando os lábios pelos mamilos. Isa sentia o hálito quente, e puxou-o. Clay obedeceu, mas beijou a carne macia com extrema suavidade. Esfregou o queixo no corpo dela, provocando-a. Atormentava-a com a delicadeza de seus movimentos, levando-a a desejá-lo cada vez mais. Isa gemeu, um pouco frustrada.

Clay a fitou, com expressão selvagem no olhar. Segurou-a pelo pescoço, beijando-a com sofreguidão. Isa retribuiu o beijo com o mesmo ardor. Clay se afastou um pouco e abai­xou as alças da camisola, revelando os seios firmes. Incli­nou-se, lambendo-os. Isa fechou os olhos, passando as mãos pelos cabelos de Clay, deliciando-se com a língua quente sobre sua pele. Ele passou a mão pelo interior das coxas, fazendo-a gemer. Clay a provocava, e Isa, ansiosa, movi­mentava o corpo num ritmo sensual. Jamais ficara tão ex­citada. Acariciou o peito musculoso e firme como uma rocha, os músculos bem delineados. Colocou a mão sob o lençol, encontrando a prova do imenso desejo que Clay sentia. Isa o tocou, num esforço deliberado para excitá-lo ainda mais. Os dois, ofegantes, exploravam cada detalhe de seus corpos. Isa percebeu que não conseguiria se controlar por muito mais tempo. Clay jogou o lençol de lado e puxou-a sobre si, fazendo-a se sentar em seu colo.

— Oh, espere. — Clay tentou abrir a gaveta da cômoda. — Precisamos ter alguma proteção. Jim avisou que...

— Ele disse que eu deveria usar o diafragma — mur­murou, beijando-o. — Foi o que fiz.

Clay sorriu, radiante. Isa compreendeu o motivo: ao afir­mar que estava com o diafragma, mostrava a ele que tinha mesmo a intenção de fazer amor naquela noite.

De fato, quando Clay lhe prometeu que não esquiaria em Wolf Peak nesse fim de semana, Isa decidiu que se entregaria a ele. A promessa foi o sinal de que precisava, pois mostrava-lhe que era mais importante do que a revista, e que ele estava mesmo disposto a se modificar.

Clay guiou-se até a parte mais íntima de Isa e fitou-a. Ela se abaixou sobre seu corpo, gemendo enquanto se uniam pela primeira vez. Movimentaram-se juntos, até que Isa gritou de prazer, admirada com os espasmos violentos que a invadiam. Clay era expert na arte de amar, e conseguiu prolongar o orgasmo de Isa com massagens eróticas. Isa estava tão entretida com as sensações deliciosas que não entendeu as palavras de Clay.

Quando acalmou-se, escutou-o dizendo:

—... tão incrível. Só de olhar você... Você é maravilhosa. Oh, Isa, eu não imaginava. Todos esses anos...

— O quê? —.perguntou, ofegante.

— Nada. — Clay sorriu e a abraçou: — Eu te amo, Isa. Isa prendeu a respiração, sentindo um enorme prazer por todo o corpo. Clay a segurou, esperando que o último espasmo terminasse. Desejava ouvi-la dizer que também o amava, porém Isa permaneceu calada. Desde a morte de Judith, Clay não se apaixonara por ninguém, e estava de­sesperado para ter certeza de que era correspondido. Tinha necessidade de ouvir aquelas palavras. Queria certificar-se de que essa noite significava o início de um relacionamento.

Entretanto, Isa foi incapaz de se manifestar, mesmo após terem feito amor. .

Clay fechou os olhos e encostou o rosto nos cabelos dela, inalando o aroma de xampu, misturado a sabonete e óleo de amêndoas doces. Ficou ainda mais excitado, se é que isso era possível.

Isa era uma mulher desinibida, repleta de paixão. Clay teve a experiência mais erótica de sua vida, apenas observando-a atingir o clímax. Não esperava tanta sensualidade. Segurando-a pelos cabelos, beijou-a, apaixonado. Então, ti­rou-lhe a camisola. A visão daquela mulher nua iluminada pelo luar e ligada a ele deixou-o maravilhado. Os seios eram fartos e firmes. Clay se inclinou, colocando a boca em um dos mamilos, ouvindo-a gemer.

— Você está bem? — perguntou, preocupado.

— Oh, claro que sim — respondeu rindo. Segurou-lhe o rosto e o beijou. — Sim, estou ótima.

Clay procurou prolongar o prazer que sentia, explorando o corpo dela. Acariciou todos os lugares que sua mão al­cançava, sentindo as formas femininas. Queria memorizar cada detalhe de sua amada.

Isa movimentava-se sobre Clay, conduzindo-o ao inevi­tável. Ele a abraçou e rolou na cama, forçando-a a ficar sob seu corpo másculo. Num ritmo alucinante, deixou-se invadir pelo prazer. O último pensamento de Clay antes de se deitar, suado e exausto, foi que essa era a maneira correta de se fazer amor. Era assim que devia ser.

Isa abriu os olhos e deparou-se com um raio de sol que entrava pela janela. A primeira coisa que viu foi o tra­vesseiro de Clay, vazio. A seguir, reparou que sobre ele havia algo vermelho. Apoiando-se no cotovelo, segurou o coração feito em cartolina vermelha, enfeitado com lantejoulas coloridas.

Abrindo-o, encontrou a seguinte mensagem:

"Querida Isa.

Não quis acordá-la. Angie e Rose me ajudaram a fazer este coração na casa dos seus pais, no dia do meu aniver­sário. Não lhe dei naquela ocasião, pois tive medo de que achasse bobagem. Gostaria que ficasse com ele. Telefonarei de Wolf Peak. Eu te amo.

Clay."

Isa observou o coração, ajeitando os cabelos com a outra mão. Ele era melhor acabado do que aqueles feitos por suas sobrinhas. Imaginou Clay sentado no sótão da casa de seus pais, acompanhado de meia dúzia de meninas, grudando lantejoulas na cartolina, e ficou emocionada. Ao virar o cartão, leu a frase, escrita em preto: "Para Isa, com amor. Clay".

Na noite anterior, Clay declarara seu amor por duas vezes, enquanto faziam amor. Isa teve vontade de dizer o mesmo, mas achou que Clay dizia aquilo apenas por gentileza, pois se lembrou de suas palavras quando lhe contou sobre Pres: "E o que os homens dizem nessas situações, Isa".

— Droga! — exclamou.

A noite anterior foi diferente do que viveu com Pres. Foi incrível e mágica. Na primeira vez, foi alucinante, mas, na segunda, doce e lenta. Clay lhe dissera, entre suspiros e murmúrios, todas as coisas que imaginava fazer com ela. Só de lembrar, Isa ficava excitada. Nunca experimentara nada igual. Pensara que os outros homens que conhecera eram bons amantes; no entanto, depois de fazer amor com Clay, entendia que os outros eram amadores.

Clay era decidido, até mesmo agressivo, na cama. Quando a queria numa determinada posição, ou se movendo de certa maneira, ele fazia acontecer. Isa não estava acostumada a homens que assumiam o controle na cama, mas achou ex­citante o modo como Clay concretizava seus desejos. Por outro lado, Clay mostrava-se muito sensível às reações dela e às suas necessidades. Isa perdeu a conta do número de vezes que atingira o clímax. Ele a amou com entusiasmo, beijando-a, mordendo-a e tocando todo seu corpo. Isa des­cobriu sensações que nem sequer conhecia.

Observou a expressão do rosto de Clay quando a pene­trava. Ele era um homem incrível. Isa recordou tudo o que fizeram e percebeu que estava muito excitada. Era uma pena Clay estar viajando.

Só de pensar em Wolf Peak, Isa ficava deprimida. Detestava aquele lugar. Odiava aquele pretensioso e estúpido Olof Borg por ter desafiado Clay a esquiar na Montanha Suicida. No entanto, Clay não esquiaria, como prova de seu amor. O mundo inteiro veria Olof Borg quebrar seu pescoço, não Clay.

Esse era o único conforto de Isa.

— Olof Borg quebrou a perna.

— Ele o quê? — Clay se dirigiu a um dos muitos repór­teres que o receberam no modesto aeroporto de Wolf Peak.

— Aconteceu hoje de manhã — explicou o rapaz. — Antes da tempestade de neve. Ele estava fazendo algumas de­monstrações para a imprensa...

— E típico de Borg — comentou Harry.

— Então, o evento será cancelado, certo? — indagou Clay.

— Com a tempestade de neve e a perna quebrada de Borg...

— Negativo — interferiu outro repórter. — A nevasca deve parar amanhã de manhã, segundo previsões da meteorologia.

— E quem vai esquiar?

— Os organizadores esperam que você o faça.

Clay respirou fundo, enquanto Doug fazia um sinal para ele, tentando encorajá-lo. Harry se aproximou, segurando o braço de Clay.

— Venha. Vamos comprar as passagens de volta e sair daqui o mais rápido possível.

— Nenhum avião pode decolar até que a tempestade termine — avisou alguém. — Vocês quase não conseguiram pousar.

— Gostaria que não tivéssemos vindo — resmungou Harry. Os repórteres começaram a falar todos ao mesmo tempo, fazendo uma bateria de perguntas a Clay.

— Você vai esquiar na Montanha Suicida?

— Qual a velocidade que atingirá?

— Você sabia que as pessoas já estão fazendo apostas contando com sua participação?

— Faça jus ao seu salário — disse Clay a Doug, antes de se afastar, seguido por Harry.

Doug conteve os repórteres, anunciando:

— Senhores, o sr. Granger soube do acidente do sr. Borg neste instante. Ele não tem nenhuma declaração a dar.

— Quando poderemos falar com ele?

— Amanhã pela manhã.

—Quer dizer que antes do início do evento não saberemos se ele pretende...

— Foi o que eu disse.

Isa atendeu ao telefone sem fio ao segundo toque e se­gurou-o entre o ouvido e o ombro, enquanto voltava ao fogão.

— Alô?

-— Isa? Sou eu, Clay. — A ligação parecia muito distante.

— Oi. Como está o Colorado? — Cortou o alho em pe­dacinhos e jogou sobre o óleo quente.

— Neva muito por aqui. Quase não conseguimos pousar.

— E mesmo? — Mexeu o alho com a colher de pau, sentindo o aroma delicioso. — E isso vai afetar o evento de amanhã?

— Não, vão mantê-lo — respondeu, depois de uma pausa.

— Sério?

— Sim, a previsão do tempo é de que vai melhorar.

— Mas Harry me disse que depois de uma tempestade, a neve fica muito instável. Borg não está preocupado com a possibilidade de haver uma avalanche? Ou está tão inte­ressado em publicidade que vai arriscar?

Clay ficou em silêncio. Isa pensou que a ligação tinha sido interrompida, mas voltou a ouvi-lo:

— Eu te amo, Isa.

Ela estava abrindo uma lata de vegetais. Teve vontade de retribuir a declaração, mas hesitou. Lembrava-se de Pres dizendo-lhe a mesma coisa e de como fora tola, pois ele nem sabia o significado daquelas palavras, vindo a aban­doná-la quando lhe foi conveniente.

— Isa? Você está...

— Estou. — Virou-se para a mesa, onde Teddy, que tinha sido convidada para o jantar, cortava fatias de pão.

— Você ouviu o que eu...

— Ouvi.

Teddy olhou para a sobrinha e gesticulou para que ela dissesse o que Clay ansiava ouvir.

Isa respirou fundo. Apesar de amá-lo, tinha medo de se declarar.

— Quando você volta para casa?

— Amanhã à noite. Estarei aí por volta das sete horas.

— Ótimo.

— Isa...

— Sim?

— Nada, eu... tenho de ir. Harry e Doug estão me espe­rando no restaurante. Vejo-a amanhã.

— Está bem. Boa noite.

— Eu já lhe contei sobre Rory 0'Dwyer e mim? — indagou Teddy, tomando sorvete de cereja.

— O quê?

— Há quarenta anos, ele me pediu em casamento. Sabia disso?

Isa tomou seu sorvete, imaginando por que Teddy lhe contava isso.

— Eu sabia que havia existido um homem, mas não ima­ginava que fosse Rory.

— Nós crescemos juntos. Ele era o melhor amigo do seu pai, e eu... o adorava. — Depois de uma pausa, continuou: — Perdemos contato durante um tempo, mas, quando ar­rumei um emprego no hospital St. Vicent, encontrei-o tra­balhando na equipe. Começamos a sair, e eu logo soube que estava apaixonada. Era louca por ele. Durante seis me­ses minha vida girou em torno de Rory. Esperava que me pedisse em casamento.

Teddy ficou pensativa, o olhar triste, perdido no passado.

— Então, uma noite, encontrei-o beijando uma enfer­meira. Aquilo foi só o princípio. Descobri que já tinha saído com todas.

— Deve ter sido muito difícil para você.

— Quando terminei nosso namoro, ele ficou maluco. Pediu desculpas e implorou pelo meu perdão. Mandava-me rosas todos os dias. Comprou um enorme diamante e me pediu em casamento. Jurou que, se eu fosse sua esposa, jamais olharia para outra mulher. Disse que me amava mais do que a qualquer outra pessoa.

— E o que você fez?

— Menti e disse que não o amava mais. Mandei que devolvesse o anel. Não acreditava que as pessoas pudessem se modificar. Uma vez conquistador, sempre conquistador.

— Ah... — Isa começou a entender o propósito daquela conversa.

— Por fim, Rory se cansou de bater à minha porta. Dois anos mais tarde, se casou com outra. Pelo o que eu soube, foi fiel até o dia em que ela morreu.

— Oh...

— Fui uma idiota. — Teddy tinha os olhos marejados de lágrimas.

Esse era o objetivo de Teddy: se Rory se modificara, então Clay também poderia. Os homens faziam sacrifícios pelas mulheres que amavam, mas as mulheres precisavam dar-lhes uma chance.

— Tia Teddy, acho que deveria aceitar o trabalho junto com Rory e o padre Frank para ajudar as pessoas com Aids.

— De que adiantaria?

— Ao menos estaria ajudando os outros, e poderia veri­ficar se a antiga magia ainda existe.

— Magia não dura tanto tempo. Além disso, cada vez que encontro Rory, sinto-me... constrangida. Tenho vergo­nha por não ter acreditado nele.

— Nunca é tarde para corrigir um engano.

— Claro que é. Estou quarenta anos atrasada. — Teddy fitou a sobrinha. — Ainda não é muito tarde para você. Pare de pensar no passado e concentre-se no futuro. Na próxima vez que encontrar Clay, diga-lhe o que ele precisa ouvir.

— Essa é a moral da história?

— Sim.

Clay deslizou em seus esquis para o topo da Montanha Suicida e olhou para baixo. Era uma descida íngreme e acidentada, cercada de rochas e árvores, e possuía cerca de seiscentos metros, com vários desníveis. O único modo de conseguir esquiá-la era sendo agressivo e saltando em queda livre em alguns pontos.

— Isa sabe o que está fazendo? — perguntara-lhe Harry. Todos os repórteres e os organizadores o observavam, enquanto Clay se concentrava.

Isa não sabia, e ele não gostaria de ver sua reação quando lhe contasse. Era provável que nem estivesse em casa quan­do Clay voltasse. Apesar de terem feito amor, Isa não re­velara o quanto estava apaixonada. E, depois do telefonema da noite anterior, concluiu que Isa não o amava e que era uma questão de tempo até que o abandonasse. Outra vez, por não ter a mulher amada, pouco se importava em arriscar sua própria vida. Mas estava sendo muito dramático; afinal, não tinha a menor intenção de morrer. Clay sabia que, se Isa tivesse admitido que o amava, ele teria embarcado no primeiro avião para casa.

Procurando equilibrar-se, Clay dobrou os joelhos, atingindo logo nos primeiros instantes uma alta velocidade. A neve espirrava em seu rosto. Podia ouvir os aplausos da platéia.

"Concentre-se. Mantenha o controle."

Saltou de um monte e caiu .em queda livre até atingir o solo outra vez. Adorava essa sensação, pois lembrava-lhe sua própria vida. Pensou em Isa, adormecida, quando a deixou.

"Não pense nela. Concentre-se."

Quando a pista se estreitou, Clay teve de fazer acrobacias mais ousadas. Ouviu o barulho da neve caindo atrás de si. Começava uma avalanche.

A neve atingiu-o pelas costas, arrancando-lhe os esquis. Clay saltou pelos ares.

"Tenho de me manter na superfície."

A neve entrou em sua boca e seus ouvidos. Em poucos segundos, estava soterrado e não podia se mexer.

"Isa, sinto muito!"

A neve era tão pesada que Clay não conseguia se mover. Tentou respirar, mas foi em vão. Entrou em pânico, o co­ração disparado.

"Meu Deus! Estou morrendo!"

Isa o odiaria. Ele prometeu que não esquiaria, e agora estava morrendo. Não haveria tempo para mostrar o quanto a amava. "Sinto muito, Isa. Estraguei tudo!"

 

Ele estava atrasado.

Isa olhou para o relógio outra vez. Marcava vinte horas e quarenta e sete minutos, e Clay ainda não voltara de Wolf Peak.

Abriu o forno e verificou a lasanha, o prato favorito de Clay. Se ele demorasse muito, o molho ficaria seco. Decidiu apagar as velas que enfeitavam a mesa.

Isa notou luzes na estrada. Ajeitou o vestido e os cabelos, preparando-se para receber o marido. Ouviu o barulho de chaves na porta dos fundos e, nervosa, esperou por Clay. Reconhecia o quanto fora idiota, e queria consertar a situa­ção. A promessa de Clay de que não esquiaria na Montanha Suicida era prova suficiente de seu amor.

Ouviu a porta se abrindo e se fechando. Depois de alguns segundos, percebeu os passos de alguém que se aproximava. Estranhou o silêncio, pois Clay costumava entrar em casa chamando-a. Assustada, recuou até encostar-se na pia.

Por fim, viu o marido. Estava pálido, abatido.

— Isa?

— Você parece surpreso ao me ver.

— Estou... feliz por você estar aqui.

— Estava preocupada. — Entregou-lhe um coração feito em cartolina, que retirou do bolso do vestido.

— O que é isso?

— Abra-o — sugeriu, sorrindo.

Clay leu a mensagem: "Eu te amo, Clay".

— Amo você, querido. — Os olhos de Isa estavam cheios de lágrimas.

Clay a abraçou, radiante.

— Fui tão estúpida. Você pode me perdoar...

— Quietinha... — Beijou-a, emocionado.

Isa o enlaçou pela cintura, abraçando-o. As mãos de Clay a apalpavam em todos os lugares. Acariciava-a com desespero, como se temesse que Isa pudesse desaparecer num segundo. Passou as mãos por suas nádegas, percebendo que Isa não usava nada sob a roupa. Excitado, agarrou-a com paixão. Dei­taram-se no chão da cozinha e se amaram como se fosse a primeira vez. Isa o segurou com força, sentindo os espasmos de prazer. Aos poucos, acalmaram-se e se beijaram com ternura.

— Sinto muito, Isa.

— Por quê?

— Preciso lhe contar algo. — Vestiu-se e ajudou-a a se levantar.

Isa reparou que ele estava pálido.

— Fiz uma coisa que não deveria. Cometi um erro e tenho medo de que você não me perdoe.

Isa achou que Clay tinha saído com outra mulher. Afas­tou-se dele, magoada.

— Esquiei. Borg quebrou a perna, e eu...

Isa demorou a compreender o que ele dizia. Sentiu-se traída, e a dor em seu peito era alucinante.

— Você prometeu...

— Eu sei.

— Disse que eu era mais importante...

— Eu sei — repetiu, desolado. — Você é muito importante.

— Então, por que esquiou?

— Seria fácil dizer que foi por causa da publicidade. Con­tudo, é mais complicado do que isso. Para ser franco, é um pouco "embaraçoso... Esqueça. Fui um idiota.

— Odeio sua revista. Odeio o que faz por ela. Você poderia ter morrido. Poderia ter tido uma avalanche.

Clay respirou fundo.

— Teve uma avalanche.

— Enquanto você estava esquiando?

— Eles viram onde fiquei soterrado.

— Soterrado?!

—Estavam preparados e me tiraram de lá em dois minutos. Colocaram-me numa ambulância e fui para o hospital.

Isa começou a chorar e correu para os braços de Clay.

— Oh, Clay! Você poderia ter morrido. E por quê? Pela revista?

— Isa...

— A revista significa tudo para você. E um dia desses vai morrer por ela.

— Isa, eu fui um idiota. Estou pedindo desculpas.

— Poderia perdoar-lhe dessa vez, Clay. Entretanto, o que farei da próxima vez? Terei de fingir que não fico preocupada quando você se arrisca?

— Você acreditaria em mim se lhe dissesse que não ha­verá próxima vez? Se prometer nunca mais...

— Acreditaria uma hora atrás. Agora não acredito mais... Em especial, com a revista sob ameaça. Se for preciso, fará qualquer coisa para salvá-la. Só vai parar quando sua sorte mudar e você não voltar para casa.

— Isa, eu prometo...

— Estou indo embora, Clay. Esta noite. Nada que possa dizer me deterá.

— Sei que estraguei tudo — afirmou, desconsolado. — Faça-me apenas um favor; ou melhor, dois.

— O que quer?

— Não me deixe esta noite. Espere até amanhã. Durma comigo, por favor.

— Está bem. E o que mais?

— Você me ama, certo?

— Oh, Clay, se não o amasse, seria muito mais fácil.

— Então não se divorcie de mim. Dê-me uma chance.

— Clay...

— Encontrarei um meio de provar que a revista não in­terferirá em nosso relacionamento.

— Não creio que seja possível.

— Se eu conseguir, você me aceitará de volta? — per­guntou, esperançoso.

— Basta telefonar.

 

A campainha tocou.

— Quem é? — Teddy perguntou.

— Nosso convidado — explicou Isa, colocando mais um prato na mesa.

— Não convidei ninguém para o jantar.

— Eu, sim. — Isa dirigiu-se à porta e abriu-a: — Olá, Rory. Fico feliz por você ter vindo.

Rory 0'Dwyer parecia muito nervoso.

— Obrigado pelo convite. — Olhou para Teddy e cum­primentou-a:— Teodora...

— Rory, entre.

Depois do jantar, Isa serviu a torta de limão.

— Então, Isa, você está trabalhando?

— Sim, Rory. Tenho feito alguns trabalhos como free lan­ce, mas procuro algo mais estável. Preciso de dinheiro para alugar um apartamento, pois Teddy já deve estar farta de mim. Já estou aqui há seis semanas.

Durante o jantar, os dois conversaram amigavelmente. Isa observava os olhares que trocavam, ignorando sua presença.

Ao vê-los flertando, pensou em Clay. Ele ainda não lhe telefonara.

— Isa, você me ouviu? — perguntou Teddy. — Quero saber se se candidatou ao emprego naquela revista sobre esquiadores.

— Parece interessante — comentou Rory.

— Já disse isso, mas Isa recusa-se a mandar o currículo.

— Disse? Na verdade, você não parou de me pressionar.

— É um bom trabalho. — Teddy voltou-se para Rory: — O cargo é de diretora artística.

— Tia Teddy, a competição é muito grande. Além do mais, a revista pertence à Mercer-Hest.

— E daí?

— A Mercer-Hest é o grupo que tentava acabar com a revista de Clay, criando uma nova publicação sobre esportes. Eu me sentiria como uma traidora se aceitasse trabalhar com eles.

— Clay entende que a competição existe no mundo dos negócios. Eles são apenas donos de outra revista. E uma grande oportunidade. Você deveria tentar.

— Farei um acordo, tia Teddy. Vou me candidatar ao emprego na Mercer-Hest...

— Ótimo.

— ... se você for ao encontro dos voluntários, amanhã à noite, com Rory.

Teddy olhou para a sobrinha, e Rory sorriu.

— Boa idéia. — Rory segurou a mão de Teddy. — Aceite, Teodora. Eu preciso de você.

— Está bem, mas terá de pedir o emprego amanhã.

— Concordo. — Isa se levantou e tirou os pratos. Recusou a ajuda dos dois e demorou mais de trinta minutos na co­zinha. Quando voltou à sala, não encontrou Teddy e Rory. Vislumbrou o vulto dos dois na varanda. Estavam de mãos dadas, conversando. Depois de alguns segundos, Rory se inclinou e beijou Teddy.

Isa ficou emocionada e pensou em Clay. Voltou para a cozinha e, com o rosto entre as mãos, chorou copiosamente.

Isa saiu do metrô e andou pelas ruas de Manhattan ten­tando ignorar o barulho, a multidão e a poluição. Teve von­tade de ir embora, mas controlou-se e continuou andando, com sua pasta debaixo do braço. Trazia alguns esboços para serem apresentados.

O endereço que Isa trazia revelou-se um enorme edifício com vidros espelhados. Olhou para o relógio e constatou que estava dois minutos adiantada.

A recepção era quatro vezes maior do que o apartamento de Teddy, decorada com móveis de couro preto. Sobre a mesa da secretária havia uma plaqueta com a seguinte ins­crição: "Mercer-Hest Publicações".

— Você está aqui para a vaga na revista Esquiar? — perguntou a moça.

— Isso mesmo.

— Sente-se, por favor. Será atendida em um minuto. — Usou o interfone, anunciando-a.

Isa preferiu ficar de pé, observando os quadros na parede.

— Srta. Fabrioni? — indagou uma jovem de óculos. — Sou Sandra. Poderia me acompanhar?

Isa a seguiu por um longo corredor. Sandra a deixou em uma das salas de reuniões.

— Estarão aqui dentro de alguns minutos — explicou a moça. Isa deixou sua pasta sobre a mesa e aproximou-se da janela. Na Park Avenue, o trânsito era intenso.

"Não sei se agüentarei esta cidade maluca. Preciso do em­prego. Sou uma idiota. Deveria estar em Stanfield, com Clay."

— Ei, grãozinho de café.

Isa prendeu a respiração, surpresa ao ouvir a voz de Clay. Virou-se devagar e encontrou-o em pé na porta, usando um terno azul-marinho, parecendo um príncipe.

— Você não vai dizer nada? — brincou ele. Alguém entrou atrás de Clay, cumprimentando-a.

— Isa! Você está aqui! — Harry abraçou-a.

— Alguém pode me explicar o que está acontecendo? Clay fez menção de falar, mas Harry adiantou-se:

— Depois da avalanche em Wolf Peak, decidi que não trabalharia mais para Clay se ele continuasse arriscando sua vida pela revista.

— Você largou tudo e veio trabalhar para Mercer-Hest? — indagou, incrédula.

— Não foi preciso. — Clay aproximou-se.

Harry sentou-se em uma das cadeiras, colocando os pés sobre a mesa, antes de continuar:

— Fui ao escritório na segunda-feira decidido a falar com ele, porém Clay não apareceu. Telefonei para sua casa de tarde, e ele atendeu. Não disse "alô", e sim "Isa?"

Ela olhou para Clay.

— Clay me contou que você havia partido. Então, corri para lá para apoiá-lo.

— Corte essa parte, Harry.

— Você precisava tê-lo visto. Ainda estava de roupão, à uma hora da tarde. Não tinha feito a barba, os cabelos estavam desalinhados. A princípio, pensei que estivesse bê­bado. Clay me contou que acabara de falar com Jack Mercer.

— Pensei que Jack Mercer tivesse parado de lhe procurar.

— Eu telefonei para ele. — Clay sorriu e se aproximou devagar, como se tivesse medo da reação de Isa. — Perguntei a ele se ainda queria comprar a Sem Limites. Ele respondeu que sim. Acertamos pela última oferta que tinha sido feita.

— Então... você vendeu a revista?

— Agora a Sem Limites pertence a Jack. Comecei outra revista.

— A Esquiar?

— Certo. Não haverá loucuras. É dirigida a esquiadores iniciantes. Eu já não gostava mais dos esportes radicais, e você me ajudou a ver isso.

— Espere um minuto. Esquiar também pertence à Mercer-Hest?

— Não. Você pensa assim porque a entrevista está sendo feita em suas dependências. Essa foi uma condição que impus quando fechamos o negócio. Pedi para usar este lugar para recrutar minha nova equipe.

— Esse não é o único motivo de estarmos aqui. Clay tinha medo de que você não se candidatasse a um emprego se soubesse que a revista pertencia a ele. Um endereço em Stanfield revelaria seu segredo.

— Não sabia se você queria me ver — explicou Clay.

— Por que tiveram tanta certeza de que eu veria o anún­cio? Ou que me interessaria?

— Pedi a Teddy que se encarregasse disso.

— Claro. Por isso ela insistiu tanto...

— Bem, vejamos seus desenhos. — Clay abriu a pasta. — Estão ótimos. Está contratada.

Isa olhou para os dois, balançando a cabeça.

— Então, aceita o emprego? — quis saber Clay, ansioso.

— Por que vendeu a Sem Limites e começou outra revista?

— Essa é sua deixa para desaparecer, companheiro — sugeriu Clay a Harry.

— Adoro essa parte. — Ele se levantou, abraçou Isa e deu um tapinha nas costas de Clay.

Clay acariciou o rosto de Isa assim que ficaram sozinhos.

—É tão bom ver você...

— Pensei que fosse me telefonar.

— Achei que só quisesse falar comigo quando pudesse lhe garantir que não correria mais riscos.

— Foi por isso que vendeu a revista?

— Claro.

— Mas você a adorava.

— Eu te amo, Isa. — Clay a abraçou, demonstrando toda a sua saudade. Beijou-a. Sem poder controlar seu desejo, ergueu-lhe a blusa.

— O que há com você, Clay? Você parece...

— É a adrenalina. Nunca estive tão ansioso. Diga que me aceita de volta e que não fui um idiota em vender a revista por você.

Os dois se beijaram, o desejo tomando conta de seus corpos.

— Prometa-me que faremos amor todas as noites. — Clay beijou-lhe o seio, causando-lhe arrepios de prazer.

— Prometo o que quiser.

— Faremos amor pela manhã também e, algumas ve­zes, na hora do almoço. Teremos o nosso filho assim que estiver pronta.

— Sabe de uma coisa? — Isa sorriu, feliz.

— O quê?

— É melhor irmos para casa agora mesmo.

 

 

                                                                  Patricia Ryan

 

 

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