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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O INCOMPARAVEL / Georgette Heyer
O INCOMPARAVEL / Georgette Heyer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Com quase 28 anos, Ancilla Trent já não espera uma proposta de casamento... mas o que pensar se o amor chega de forma tão inesperada, especialmente quando se trata de um perfeito dândi como Sir Waldo? Que também não pensa em se casar, mas... poderá ele resistir a esse amor?

 

 

 


 

 

 


Capítulo I

Os olhos do “Incomparável” piscaram enquanto examinou os rostos de seus parentes. O tom de sua voz era profundo, e parecia pedir desculpas. "Temo que seja absolutamente verdadeiro", falando a sua tia Sophia. Eu sou o herdeiro.

Dado que a questão colocada pela senhora Lindeth, com amostras de alguma indignação, parecia irrelevante, não é surpresa a resposta retumbante. Todo mundo já sabia que o velho primo Joseph Calver havia deixado sua fortuna para Waldo. O fato de Lady Lindeth pedir explicações foi um impulso repentino. Ninguém esperava que tal notícia fosse negada. Nem a senhora estava confiante de que Waldo Lindeth renunciasse a herança em benefício de seu único filho. Desde o início, ela sentiu que não havia melhor herdeiro do que Julian para o legado do excêntrico primo Joseph.

Anteriormente ela tinha feito todo o possível para apresentá-lo ao nobre. Mesmo que tivessem de suportar os rigores de uma semana em Harrogate, quando Julian era uma criança adorável, com calças de algodão e uma camisa com babados. Porém não consegui introduzir-se em Broom Hall para falar com seu primo Joseph. Por três vezes ela havia chegado a casa com a criança dócil e amigável. A primeira vez foi informada pelo administrador de seu mestre, não a queria ver, nem a o seu filho nem ninguém. Então, graças a suas investigações descobriu que o único visitante permitido na casa era o médico. A opinião do povo local foi dividida. As boas pessoas argumentaram que uma decepção sofrida pelo mestre em sua juventude era a causa do seu mau humor, outros afirmam que ele era um homem desprezível, que irrompia em lágrimas quando era forçado a gastar um tostão.

Quando Lady Lindeth teve a oportunidade de ver o abandono de Broom Hall, compartilhou a opinião do povo. A suspeita de que o saco do primo José não estava muito cheio, foi logo abandonada.

Broom Hall, apesar de ser muito inferior em estilo e dimensão da propriedade que o jovem senhor Lindeth tinha nos Midlands, era uma casa muito respeitável, com cerca de trinta quartos. Não estava em um parque, mas parecia ter extensos jardins e tinha sido informada que a maioria dos terrenos adjacentes pertencia à propriedade. Lady Lindeth tinha deixado Harrogate com a firme convicção de que a fortuna do primo Joseph era consideravelmente maior do que o implícito. Não lhe guardou rancor, mas se teria julgado uma péssima mãe se não tentasse consegui-la para seu filho. Por isso engoliu a raiva pelo tratamento recebido, e continuou, pelos anos seguintes, enviando a Joseph pequenos presentes de Natal e, periodicamente cartas lhe perguntado sobre sua saúde e informando-o sobre as virtudes e progressos escolares de Julian. E depois de todos estes cuidados, ele havia deixado todos os seus bens para Waldo, que não era seu parente mais próximo, nem sequer levava seu nome!

O mais velho dos três primos, reunidos no salão de lady Lindeth, era George Wingham, filho da irmã mais velha de sua Senhoria. Era um homem de certa importância, ainda que prosaico, não o estimava muito, porém ela lhe disse que se o primo Joseph o tivesse nomeado como herdeiro ela teria suportado melhor, e era obrigada a reconhecer que a sua idade lhe conferia certo direito a herança ainda que, é claro, não tanto quanto como Laurence Calver. Lady Lindeth sentia por este, o mais jovem dos sobrinhos, certo desprezo e aversão, entretanto se considerava uma mulher justa e, portanto, poderia suportar com tranqüilidade seu acesso a uma fortuna que não tardaria a dissipar.

Porém o primo Joseph, ignorando os merecimentos de George, Laurence e de seu amado Julian, havia designado como herdeiro a Waldo Hawkridge, era tão intolerável, tinha ficado nervosa, que ela acreditou sucumbir aos espasmos de irritação quando, pela primeira vez, ouviu a incrível notícia. Na verdade, tinha ficado sem falar durante um bom tempo; e quando pode falar apenas pronunciou o nome de Waldo, num tom de desprezo que Julian, o portador da notícia, se surpreendeu.

— Mas, mãe! — havia exclamado. — Mas você gosta de Waldo! Isto era verdade, mas estava fora de questão, como ela respondeu asperamente ao seu filho. Na verdade, sentia um grande apego por Waldo, mas nem a sua inclinação por ele, nem o seu agradecimento pela sua leal bondade em relação Julian a impediu de sentir-se mal cada vez que ela pensava sobre sua enorme fortuna.

Sabendo que a fazenda do primo José seria agregada a uma fortuna escandalosamente grande a fez sentir por alguns minutos que o detestava.

Em tom mal humorado declarou:

— Não posso entender o que induziu este desagradável ancião a fazer-te seu herdeiro!

— Não há explicação alguma, certamente — replicou Waldo com afabilidade.

— Nem creio sequer que o tenha visto mais de uma vez.

— Não, nunca o vi.

— Bem, devo reconhecer, disse George — que tudo isso é muito incomum. Teria acreditado... no entanto, nenhum de nós tem qualquer direito sobre este dinheiro, e penso que, se encontrava em liberdade absoluta de abandonar o seu dinheiro a quem ele quisesse.

Tendo escutado, Laurence Calver, que havia permanecido deitado sobre o sofá, deixou caiu os binóculos de teatro com que estava mexendo, e se levantou de modo brusco enquanto exclamava com raiva:

— Você não tem nenhum direito a ele, nem Waldo, nem Lindeth! Porém eu sou um Calver! Penso...

Penso que isto é uma vergonha!

— É verdade! — repicou secamente a tia — Porém rogo que não empregues esta linguagem na minha presença.

Laurence se ruborizou murmurado uma desculpa, mas a acusação não serviu para reduzir as sua ira, e embarcado em um longo e incoerente discurso, que abrangeu um leque de temas, misturando as causas, a realidade e as fantasias, de sua impressão de ter sido maltratado, com a malevolência de Joseph Calver e a suspeita de duplicidade de Waldo Hawkridge.

Embora não interviesse, George Wingham foi ouvido em um compreensível silêncio. As veladas alusões ao caráter de Sir Waldo causou uma relampejar de raiva nos olhos de lord Lindeth, mas cerrou os lábios para não dar resposta. Laurence foi sempre ciumento de Waldo: todos sabiam e foi divertido ver os esforços empreendidos por seu primo por vencê-lo. Era vários anos mais jovem que Waldo, e não tinha nenhum dos atributos que a natureza tinha dotado tão generosamente o

“Inigualável”. Ao fracassar em suas tentativas em se destacar em qualquer dos desportos que conferiram a Waldo o seu título, tinha se inclinado ao dandismo, Abandonara o trajes esportivos dos coríntios pelas extravagâncias da moda, popular entre os jovens dândis. Julian, que era três anos mais jovem do que ele pensava que ele era ridículo com qualquer tipo de vestuário e instintivamente, seus olhos voltaram-se para Waldo. Ele o olhou com afetuosidade, pois, para Julian, sir Waldo era um magnífico personagem em cuja companhia era uma honra de ser visto, o primo mais velho lhe havia ensinado a montar, conduzir, disparar, pescar e boxear; uma fonte de sabedoria e o mais seguro dos refúgios quando surgia algum problema. Até lhe havia ensinado como fixar as dobras do lenço engomado: que não era o intricado nó geométrico nem a gravata a oriental, mas de uma maneira elegante muito peculiar, nem um pouco chamativa e, por sua vez, de bom gosto. Julian pensava que Laurence tinha sido tentado imitar a simples correção dos trajes de Waldo, sem compreender que os lisos e ajustados casacos, que tão bem assentavam em Waldo, só poderiam ser utilizados adequadamente por homens de um físico esplêndido. Os aspirantes menos afortunados a alta costura deveriam adotar um estilo mais artificial, com acolchoados para disfarçar ombros caídos e amplas calças a fim de esconder pernas magras, e extensos ombros curvados a fim de esconder um peito estreito.

Ele olhou para Laurence, não só fechando a boca, mas apertando-a duramente, contendo a réplica que ele sabia que Waldo não queria. Devido aos caprichos e da injustiça do destino, Laurence, deixando-se levar pela paixão, fazia cada vez mais uma análise detalhada das suas queixas.

Qualquer estranho que o ouvisse teria pensado que Waldo era rico a sua custa, Julian pensou indignado: certamente Waldo sempre tinha procurado o ignorar. Bem, gostando ou não Waldo, ele não iria permanecer em silêncio por mais tempo.

Porém antes de falar, George interveio, exclamando em tom de advertência: — Tem cuidado, Se existe alguém com motivo para estar agradecido a Waldo, esse é você, esnobe mal humorado!

— Oh, George, não sejas bruto! Rogou sir Waldo.

Seu imperturbável primo não prestou atenção, e manteve seu olhar severo em Laurence.

— Quem pagou tuas dívidas em Oxford? — ele perguntou — Quem te livrou dos agiotas? Tal é a forma que te seduz este inferno que é Pall Mall! Não, não foi Waldo quem me disse, assim não é necessário que lances estas miradas de ódio! Os Sharps te derrubaram, não é certo? Senhor!, foi muito fácil para eles.Você é apenas um ingrato!

— Basta! Interrompeu Waldo.

— Sim, já é o bastante e mais do que o suficiente! — afirmou George.

— Diga-me Laurie — disse Waldo, não prestando atenção a interrupção — Queres a casa de Yorkshire?

— Não, porém ... porque a queres ...? Por que deves tê-la? Tens uma em Manifold, uma casa na cidade, o sítio em Leicestershire... e ... nens sequer és um Calver!

— E que diabos tens haver com isso? –interveio George — Que tens haver os Calver com Manifold? — Me diga por favor. Ou com a casa de Charles Street? Ou com ...?

— George, se não te calas terás de haver comigo!

— Oh, está bem — grunhiu George — Porém quando este raquítico jogador começou a falar com se pensasse que ele é quem devia possuir Manifold, propriedade da tua família desde Deus sabe quando ...!

— Não pensou em nada neste estilo. Simplesmente pensa que deve possuir Broom Hall. Mas o que faria se fosse sua Laurie? Não a vi, mas penso que é uma pequena fazenda, que subsiste da renda de várias granjas e arrendamentos. Talvez gostasse de se instalar como um agricultor?

— Não, eu não tenho esse propósito! Laurence retrucou irritado. Se ela tivesse me sido legada eu a teria vendido, o que não duvido que você vai fazer, como se já não estivesse nadando em abundância!

— Sim, a terias vendido e desperdiçado o dinheiro em menos de seis meses. Bem, eu vou dar-lhe um melhor uso do que isso.

O sorriso reapareceu nos seus olhos e tentou consolá-lo. Você ficaria consolado em saber esta ajuda não será adicionada à minha riqueza? Claro que não! Eu diria que é exatamente o oposto!

Wingham olhou-o muito desconfiado, mas foi Lady Lindeth quem falou:

— O quê? quer dizer que aquele homem detestável não estava afinal na posse de uma boa fortuna?

— Exclamou, com cepticismo.

— O pintas demasiado negro! disse Laurence, com uma careta que desfigurou seu rosto bonito.

— Eu não posso dizer ainda o que possuía, madame, mas eu não tenho tido razões para supor que me fez herdeiro de uma grande renda. E como você e George muitas vezes descreveram o estado deplorável de abandono do lugar, eu imagino que a tarefa de restaurá-lo vai engolir a renda e muito mais.

— É isso que pretendes fazer? — perguntou Julian com curiosidade — Restaurá-lo?

— Provavelmente. Não posso assegurar até que o tenha visto.

— Não, claro ... Waldo, você sabe que eu não quero aquilo, mas o que você vai fazer ... Oh! "Ele parou, rindo, acrescentando maliciosamente: — Eu juro que sei, mas não direi a George... palavra de Lindeth!

— Dizer-me o quê? George perguntou com um suspiro de desprezo. Me tomas por um tolo, jovem insolente? Claro que ele o quer para outro orfanato!

— Um orfanato? — Laurence levantou-se com um salto, olhando Sir Waldo com olhos fulminantes. O que é isso, é verdade? O que deveria ser meu, destinado a ser gasto na escória das favelas! Não a queres para si, mas você prefere beneficiar um número de pirralhos sujos e desprezíveis, e não aqueles de sua própria classe e status!-

Eu não acho que a minha classe e status te preocupe mais do que a você mesmo, Lesley — respondeu Waldo. E assim... sim, eu prefiro.

— Você ... você ... Por Deus, você me dá nojo! Laurence disse, tremendo de indignação.

— Bem, você pode deixar! — Julian recomendou, vermelho como Laurence estava pálido. — Você veio aqui só para espiar, e o que você fez! E se pensa que está livre para insultar Waldo sob o meu teto, preciso que você saiba que está muito enganado!

— Relaxe filhote! Eu estou saindo! Alfinetou Laurence — E você não precisa se dar ao trabalho de acompanhar-me até embaixo! — Senhora, seu servo obediente.

— Como é trágico! - Exclamou George, quando a porta bateu atrás do dândi indignado. — Bem feito, rapaz! - ele acrescentou com um sorriso que iluminou seu rosto bastante grave. — Você e seu telhado! Tente me dizer que eu vim para espionar ... e ver o que te faço!

Julian riu, descontraindo-se. — bem, você não faz por menos, mas é diferente! Você não reclama de Waldo e das propriedades do primo Joseph, nem eu!

— Não, mas isso não significa que eu concordo com esta casa de pirralhos! Disse George com sinceridade. Pessoalmente era um homem de boa posição, mas também era o pai de uma numerosa prole, e apesar de rejeitar com indignação a sugestão de que não era bem sucedido para contribuir para o bem estar de seus filhos, nunca tinha considerado o legado da fortuna de seu desconhecido e distante primo como uma possível e útil contribuição para as suas próprias finanças. Não era um homem pequeno ou avaro, e fazia justiça a caridade, mas considerava que Waldo levava as coisas longe demais. Isto, evidentemente era devido a sua educação, seu pai o falecido sir Thurstan Hawkridge, tinha sido um importante filantropo; mas George não podia esquecer que nunca chegou a absurdos e a extremos tais como socorrer e educar só Deus sabe quantos órfãos desconhecidos que enfestavam as cidades. Levantou a vista e descobriu que Waldo o observava, com uma aparente interrogação nos olhos. Se ruborizou e, e exclamou com brusquidão:

— Não. Não quero Broom Hall, e eu não iria perder meu tempo recomendando-te que não faça o mesmo mantendo um grupo de pobres que não lhe serão gratos e que nem serão, pode ter a certeza, respeitáveis cidadãos que o senhor acha que podem ser! Mas sim, preciso dizer que me intriga o que levou o velho miserável para deixar-te o seu dinheiro!

Sir Waldo poderia ter esclarecido o ponto, mas considerou que era mais aconselhável que não divulgasse o que continha no testamento de seu estranho parente como "o único membro da minha família que não me prestou maior atenção do que eu prestei a ele”.

— Bem, de minha parte, penso que é muito pouco satisfatório, disse Lady Lindeth. E de nenhuma maneira o que o primo pobre Joseph esperava!

— Você realmente pensa em fazer isso, Waldo? Questionou Julian.

— "Sim, eu penso assim, se eu achar que o local é adequado. Pode não ser e de qualquer forma não quero que se divulgue, por isso restringe a língua, rapaz!

— Bem, de todas a injustiças abomináveis ...! — Eu não falei sobre seus moleques horríveis! Foi George! Waldo, se você pretende ir para o norte, poderia ir com você?

— Sim, claro, se quiser, mas acho terrivelmente chato. Haverá uma série de questões para lidar com o notário do primo Joseph, que me manterão ocupado em Leeds, ele quer a minha decisão sobre Broom Hall, e em primeiro lugar devo inspecionar o local e, em seguida, dedicar-me a colocar as coisas em ordem. Trabalho aborrecido! E em plena temporada, também!

— Pois não me importo! Isso é o que eu considero mortalmente aborrecido: ir de um lugar horrivelmente apertado para outro, ser agradável para as pessoas que nunca iria preferir ver de novo; show no Grand Strut ...

— Você sabe Julian? Você está brincando! George interrompeu-o severamente.

— Não, eu não estou. Eu nunca gostei de ir a festas e nunca gostarei (pelo menos não as festas insípidas). Gosto de viver no campo. Waldo, pergunto-me se eu poderia ir pescar perto Broom Hall.

Ele viu sir Waldo observar lady Lindeth, e disse: — Oh, mamãe! Não se oponha! Você não se opõem, não é mãe?

— Não, disse ela. Você faz o que gosta, mas acho que é uma pena que você esteja longe da cidade agora. É a festa Avebury, e ... Entretanto, se você prefere ir para Yorkshire com Waldo, eu lhe asseguro que eu não tenho nada a acrescentar!

Havia uma boa dose de sarcasmo em sua voz que, pelo menos um dos seus ouvintes, tenha reconhecido e apreciado. Ele era uma mãe dedicada, mas nada boba, e enquanto uma mãe estava empenhada em empurrar seu filho para o coração do mundo, e (se possível) arranjar um casamento vantajoso para ele, por outro lado tinha bom senso suficiente para não tentar impedi-lo de seguir suas inclinações, ou colocar a menor objeção à sua aliança com seu primo Waldo. Dizia muito a seu favor o fato de que desde o primeiro momento que havia ficado viúva, tomou a decisão de não ter Julian grudado a suas saias. Mas, apesar de ter mantido-se rigorosamente em tal resolução, sofreu muitos desmaios, às vezes sentia desfalecer, temendo que sua disposição pudesse ser sua ruína. Ele era um belo rapaz que tinha vindo ao mundo 'calçado e vestido ", como diz o ditado, e ela temia que ele pudesse ser atraído por amigos como os frequentados por Laurence, com resultados desastrosos.

Com Waldo, Julian não somente estava seguro, mas também afortunado, pois aquele, levando-o para o seu próprio círculo, o apresentava a homens de primeira classe e caráter. Embora a maioria destes senhores gostassem do esportes perigosos, e do ponto de vista de Lady Lindeth, das formas mais degradantes de esportes, não permitia que isso a influenciasse. Ela considerava incompreensível que um homem colocasse em risco a sua pele em reservas de caça ou em uma pista de obstáculos, ou obter o mínimo de satisfação para implementar uma "direita" na face de alguém que conhecera na sala de boxe de Jackson mas, ao aceitar essas atividades especiais, consolava-se ao saber que a mulher não estava qualificada para ser juiz em tais assuntos, e que nada estava mais longe de sua ambição do que ver seu filho se juntar às fileiras daqueles que renunciavam a esportes violentos. Além disso, apesar dos muitos ataques de ciúmes que ela tinha sofrido, quando não tinha conseguido convencer Julian de algum erro adolescente e tinha visto Waldo consegui-lo com um levantar de sobrancelha, todavia se sentia agradecida. Suas idéias não correspondiam as suas, e apesar da sua forte influência sobre o seu amado filho, nenhuma preocupação materna a preocupava realmente.

Seus olhos se encontraram e ela pode ler em seu sorriso de compreensão.

— Eu sei, minha senhora ... mas onde está o problema? Vou cuidar dele!

A única coisa irritante é que Waldo sabia, mesmo que ela nunca lhe tenha confiado, que a sua ambição era ver que Julian alcançava o êxito social que lhe correspondia por nascimento, aparência e fortuna. Respondeu acidamente:

— És maior, está capacitado para cuidar de si mesmo! Deves ter um conceito muito equivocado de mim, querido Waldo, se pensas que estás obrigado a solicitar a minha permissão para qualquer coisa que deseje fazer!

Com um sorriso nos lábios, Waldo a elogiou:

— Não! O único conceito que tenho de você, madame, é que é uma mulher de um grande senso comum.

Julian, cuja atenção tinha sido desviada por uma observação do senhor Wingham, interrompeu alegremente:

— Estão contando segredos? Quando pensas ir a Yorkshire?

— Ainda não me decidi em qual dia, porém será em algum momento da próxima semana, Viajarei de diligência,

A expressão de decepção no rosto de Julian era tão engraçada, que até sua mãe não pôde reprimir um sorriso. Impulsivamente exclamou:

— Oh, não! Não irás se encerrar em uma cabine malcheirosa durante .... Não estás me enganando?

Waldo, és...és um....

— Trapaceiro — completou George com um sorriso.

Julian aceitou a qualificação alegremente.

— Sim, além disso um pedestre? Cabriolé, Waldo, ou faetonte?

— Não vejo como poderíamos ir com qualquer um deles, quando não tenho cavalos de troca na grande estrada do norte — objetou Waldo.-

Porém Julian não se deixou enganar pela segunda vez. Respondeu já que seu primo era bastante mesquinho para lamentar o fato de mandar antecipadamente seus cavalos, poderiam alugar cavalos de tração ou realizar a viagem em etapas curtas com os mesmos animais.

— Me agrada o jovem Lindeth — disse George, junto ao seu primo em direção a Bond Street — Um rapaz muito bom! Laurence, ao contrario...! Por minha honra Waldo, não sei como o suportas! Bem, pensava que era mais fanfarrão que tonto, porém depois de escutar as suas insolências creio que é o maior cabeça de vento que já vi na vida! Se há alguém que qualquer um, a não ser um insensato, iria querer um atrito, seria você! Bom Deus, onde pensa que ele estaria se decidisses abandoná-lo? — Não me digas que não te tenha custado uma fortuna, porque não sou tonto! Porém nunca compreenderei porque não perdeste os estribos e não disse que não lhe daria mais dinheiro!

Entenderás perfeitamente — respondeu sir Waldo com tranquilidade — Não estou zangado, porque justamente foi ele que o disse.

George se surpreendeu tanto que deteve seus passos.

— Lhe tinha dito? Não falas sério!

— Não, possivelmente não, porém a explosão dele demonstra que Laurie acredita nisso. Assim já sabes porque não tenho a menor intenção de zangar-me. Até quando pensas em ficar aí parado, chamando a atenção de toda a gente? Acorda, George!

Após esta advertência, o senhor Wingham voltou a caminhar junto a seu primo, dizendo com toda a seriedade:

— Jamais estive tão contente em toda a minha vida! Agora, não te arrependas, eu lhe rogo! Que me enforquem se não prefiro que gastes o teu dinheiro com uma matilha de moleques andrajosos, do que com este jovenzinho presunçoso!

— Oh, George, não! Exclamou sir Waldo — Exageras!

— Em absoluto! Disse George com obstinação — Quando penso nas coisas que disse a você e na gratidão que de deve ...

— Não me deve nada.

— Que? — exclamou George, voltando a parar.

A mão do primo, apertou-lhe o braço, e o empurrou para frente. — Não George, outra vez não! — disse sir Waldo com firmeza — Me portei muito mal com Laurie, se você não sabe, eu sim.

bem, pois eu não! Declarou George — Desde a época que estudou em Harrow não fez mais que dilapidar dinheiro! Nunca aconteceu isso com Julian!

— Oh, não fiz mais por Julian do que lhe mandar um guinéu pela correspondência quando era um aluno! Disse Waldo sorrindo.

— Isso eu sabia! É claro, podes dizer que ele tinha o suficiente, porém ...

— Não é isso, Eu não teria feito mais por ele em qualquer circunstância. Na época em que ele foi para Harrow eu não era inexperiente como quando Laurie era uma criança. Ele fez uma pausa, franzindo as sobrancelhas ligeiramente, e dizendo abruptamente — Você sabe, George, que quando meu pai morreu, eu era demasiado jovem para cuidar da minha herança.

Bem, devo reconhecer que todos pensamos. Estávamos seguros que brincaria de soldadinho com ela! Porém nunca o fizeste, e ....

— Não, fiz uma coisa pior, botei a perder o Laurie.

— Oh, vamos, Waldo ... protestou George, depois de um momento de reflexão: — Fez com que ele dependesse de ti, queres dizer. Suponho que sim, e que me condenem se sei por que, nunca te agradou muito, Não é verdade?

— É verdade. Porém eu estava ... como é a expressão? — nadando na abundancia, e meu tio não tinha mais que uma mesada — além disso era um pão duro tão grande com nosso primo Joseph que me pareceu muito duro não acudir e resgatar Laurie.

— Sim, eu entendo — disse George, com lentidão — E uma vez iniciada a ajuda já não podias parar.

— Podia fazê-lo, mas não o fiz. Além disso, o que significava para mim? Quando finalmente tive senso comum suficiente para saber o que significava para ele, o dano já estava feito.

— Oh! — George George refletiu sobre essas palavras e, em seguida, acrescentou: — É possível. Mas se você acha que a culpa é sua, tudo o que posso dizer é que não é próprio de você deixá-lo sair agora para nadar ou se afogar! Além disso: eu não acho que faça isso! — Não. Temo que também não acredite nisso, admitiu Sir Waldo —. No entanto, parece que não é tanto assim, o que me faz ter esperanças de que o dano não seja irreparável.George riu com ceticismo.

Ele vai se colocar em uma confusão dentro de uma semana! E não me diga o tenhas comprometido, porque ele não é tão estúpido para não saber que nunca o forçará a pagar a promessa.

— Não, mas eu pago as suas dívidas de jogo somente sob a promessa de que não incorrerá nesse vício.

— Sua promessa! Bom Deus, Waldo, não acreditas nele, não é?

— Sim! Laurie não retratará suas palavras: a indignação de hoje, só porque ele tinha a obrigação de respeitar, o atesta!

— Quem foi jogador uma vez, será para sempre!

— Meu caro George, Laurie não é mais jogador do que eu, respondeu Sir Waldo, com humor. Tudo que quer é fazer uma pose diante do mundo! Acredite, eu o conheço muito melhor do que você, e pare de franzir o cenho!

Pôs a mão no braço de seu primo, segurando-a ligeiramente."Mas diga-me, companheiro, você quer Broom Hall? Porque se você quiser — não precisa subir nas paredes! — Eu quero que você saiba que só ...

— Eu não quero! Interrompeu George, com violência fora do comum. Só porque disse que parecia estranho que seu primo Joseph a legasse a você ... Minha tia não gostou nada, não é?

— Oh, claro que não! Não mais do que eu! Bendito menino, nem mesmo entrou em sua cabeça! Você sabe, Waldo? Eu acho que Julian vai arruinar todas as suas esperanças! Desde que voltou de Oxford, não fez mais que empurrá-lo para viver na moda — e um bom casamento, e embora não haja uma festa que não seja convidado, não faz mais que lhe perguntar se permite que te acompanhe aos campos de Yorkshire? Eu juro que me custou não rir da expressão da tia Lindeth quando Julian disse que a temporada o estava entediando até a morte! Acredite em mim quando digo que ela faria todo o possível para ele não ir com você!

— Nem sequer o tentará. Aprecia-o muito para tentar levá-lo a qualquer caminho que ele não pretende seguir, e assim mostra ter muito bom senso. Pobre tia Lindeth! Sinceramente sinto muito por ela! Ela foi forçada a abandonar os seus esforços para trazer o marido à moda, porque não havia nada que ele desprezava mais e agora Julian, que tem tudo a seu favor para se tornar um personagem de destaque, se aborrece como seu finado pai, é um golpe muito duro.

— Penso o melhor dele por isso, disse George. Na verdade, eu sempre gostei de acompanhar os seus passos. Bem, se ela deixá-lo ir com você na próxima semana, procure não deixá-lo fazer nenhuma travessura, a menos que queira que arranquem seus olhos!

— De jeito nenhum! Você tem medo que ele se comprometa com uma leiteira? Ou ponha o campo de cabeça para baixo? Você me assusta, George!

— Não, não! George disse com uma risada. Será você que o fará! Bem, eu não digo que vai colocar de cabeça para baixo na verdade, mas, céus, que excitação vai ser quando eles descobrirem que o

"Incomparável" entre eles!

— Oh, pelo amor de Deus, George ...! Disse sir Waldo, afastando abruptamente o braço de seu primo

— Não diga tolices! — Se eu fosse um jogador, te daria uma vantagem contra a possibilidade de que ninguém em Oversett já tivesse ouvido falar de mim!

 

-

Capítulo II

 

 

Nenhuma das profecias acertou no alvo, porém de qualquer maneira, o senhor Wingham estava mais certo que sir Waldo, Broom Hall pertencia a uma freguesia rural, cujo centro era a cidade de Oversett, localizado em West Riding, perto de Leeds de Harrogate, e não mais de vinte quilômetros de York. E, embora a maioria dos paroquianos do Rev. John Chartley não soubesse nada sobre o senhor Waldo, e vários senhores idosos, tais como o escudeiro Mickleby não sentia qualquer interesse nos coríntios, entre os jovens senhores e senhoras havia uma grande expectativa.

Ninguém conhecia Sir Waldo, mas algumas senhoras, que em um momento ou outro tinham passado algumas semanas em Londres, tiveram a chance de vê-lo no parque, ou na ópera, e disseram que era uma das principais figuras do cenário social, e todos os jovens elegantes, que se orgulhavam de sua equitação, ficaram divididos entre o desejo de ver como Sir Waldo cavalgava e o medo de suas piadas, dos seus fracassados esforços para imitar a sua habilidade.

A primeira pessoa a saber da novidade foi o pastor, e sua filha que a levou até Staples, a maior mansão no condado, onde foi recebida das mais diversas maneiras. A senhora Underhill, que conhecia muito pouco de sir Waldo como o mais ignorante dos paroquianos, mas entendeu, pelo constrangimento de Miss Chartley, que a notícia era importante, se limitou a dizer com voz calma:

— Não podia imaginar.

Miss Charlotte, uma menina inquieta de quinze anos, aguardava o parecer de Miss Trent, a quem considerava, em seu culto de adolescente, como uma autoridade sobre qualquer assunto a discutir, e a sobrinha da Sra. Underhill, Miss Theophania Wield, olhou Miss Chartley com olhos brilhantes e exclamou, ofegante:

— É verdade? Vem a Broom Hall? Você zomba de mim, Patience, eu sei que você zomba!

Miss Trent, embora a notícia tê-la feito abandonar por um tempo o bordado, apenas levantou as sobrancelhas num gesto de surpresa, em seguida, retomou o trabalho, sem comentários, mas o Sr.

Courtenay Underhill, que estava no casa, a título de cortesia com os visitantes de sua mãe exclamou profundamente surpreendido:

— Sir Waldo Hawkridge! O herdeiro do velho Calver? Deus meu! — ouviu, mamãe? — Sir Waldo Hawkridge!

— Sim, querido. Bem, eu espero que ele encontre tudo ao seu gosto, embora isto seria surpreendente após a forma que o Sr. Calver deixou tudo se tornar ruínas. Não me lembro dele no momento, mas eu nunca fui boa em lembrar nomes. Não sei porque eu lembraria desse!

— Chamam-lhe “Incomparável”!, Disse Courtenay com reverência.

É assim, querido? Eu diria que é um apelido. Colocaram por algum motivo ridículo, como o seu avô, que costumava chamar de “bolo” a pobre tia Jane, só porque ...

— Oh! exclamou sua sobrinha, interrompendo com impaciência a conversa amigável. Como se alguém o chamasse assim por uma brincadeira estúpida! Isso significa ... significa a perfeição! Não é Ancilla?

Miss Trent, enquanto escolhia um fio de seda da meada, respondeu com sua voz bem educada

— Com certeza! Que é único.

— Bobagem! Significa ser o maior! O melhor dos melhores! Disse Courtenay. Especialmente na pista, apesar de dizer que o “Incomparável” também é excelente na caça à raposa. Gregory Ash — e ele sabe tudo sobre os homens de Melton! — Me disse que com uma montaria, ninguém pode fazer mais com um cavalo que o “Incomparável”. Bem, se vier por aqui, eu não quero que me veja cavalgando o castanho que comprei do velho Skeeby! Mamãe, o Sr. Badgworth tem um baio que estaria disposto a vender: grande trotador, boa cabeça e boa aparência! Bah! Como se alguém se importasse com tudo isso! Miss Wield interrompeu com desprezo. Sir Waldo é o primeiro em elegância do mundo social, além de que ele é muito bonito e imensamente rico!

— Elegante! Lindo! Riu Courtenay imitando seus gestos. O que você sabe de tudo isso!

— Eu sei! Ela disse. Quando eu estava na casa do meu tio em Portland Place ...

— Sim, você ficou de mãos dadas com ele, claro! Como dizes disparates! Creio que você nunca o viu!

— Eu vi! Eu vi! Muitas vezes! Bem, às vezes! E ele é bonito e elegante! Ancilla, não é mesmo?

Miss Chartley, que era muito gentil e educada, aproveitou a oportunidade para evitar o que prometia tornar-se uma luta afiada, e dirigiu-se a Miss Trent em sua voz suave e tímida:

— Eu esperava que você pudesse saber mais sobre Sir Waldo que qualquer um de nós, uma vez que você ocasionalmete vivia em Londres, não é? Talvez até mesmo conhecê-lo?

— Não, certamente não, disse Miss Trent. Pelo que eu sei, eu nunca o vi, e eu não sei mais sobre ele do que o resto do mundo. — E com um leve sorriso, acrescentou: — Suas relações etão muito acima do meu alcance!

— Eu ouso dizer que você não deseja conhecê-lo", disse Charlotte. Claro, que eu não. Eu odeio os presumidos! E se vier aqui para desprezar-nos, espero que ele sai logo.

— Eu espero que sim, respondeu Miss Trent, enfiando a agulha.

— Isso é o que o pai falou, — disse Miss Chartley. Ele acredita que só vem para conversar com os advogados e, talvez, vender Broom Hall, pois não pensa em viver ali, não é? O pai diz que ele tem uma bela mansão em Gloucestershire, que está em posse da sua família por gerações. E se é tão fino e dado a moda, achará tudo muito aborrecido, apesar de estar tão perto de Harrogate, é claro.

— Harrogate! Courtenay exclamou desdenhosamente. Isso não é um lugar da moda! Eu juro que não vai permanecer em Broom Hall mais de uma quinzena! Afinal não há nada para encorajá-lo a ficar.

— Não? Respondeu a sua prima, com um sorriso provocante.

— Não! Ela disse, irritada com a sua odiosa autoestima. E se você acha bastará vê-la para que se apaixone por você, você está completamente errada! Eu juro que ele encontrou muitas jovens mais atraente do que você!

— Oh, não! Ela replicou, acrescentando apenas: — De jeito nenhum!

Involuntariamente, Miss Chartley protestou:

— Tiffany! Como você pode ...? Eu lhe imploro que me perdoe, mas você não deve ...!

— É a pura verdade! Disse Miss Wield. Eu sou dona de mim mesma! Porque eu não posso dizer que sou bonita? Todo mundo reconhece isso!

O jovem Mr. Underhill começou uma disputa, mas Miss Chartley ficou em silêncio. Sendo uma jovem pouco orgulhosa, ficou profundamente chocada, mas, por muito que desprezasse tais vaidade, sua honestidade teve de admitir que Tiffany Wield era a criatura mais linda que já tinha visto ou imaginado. Tudo nela era perfeito. Miss Chartley sabia que nem os mais severos críticos teriam dito que era uma pena que ele não fosse tão alta ou tão baixa que o nariz estragava a sua beleza, ou não tinha um perfil agradável. Ela era linda de todos os pontos de vista. Mesmo seus cachos escuros em torno de sua testa lisa, eram naturais, e se a atenção era inicialmente atraída por sua intensos olhos azuis emoldurados por longos cílios, olhando mais de perto podia ser ver que o nariz pequeno e reto, os lábios charmosamente curvados, sua pele como uma penugem, também eram dignos de admiração. Tinha apenas dezessete anos de idade, mas sua figura era bem proporcionada e quando abria sua boca, seus dentes brilhavam como pérolas. Até o seu recente regresso à Staples, onde passou sua infância, tinha-se considerado que Patience Chartley era a menina mais bonita do condado, mas Tiffany a tinha eclipsado. Patience tinham sido educada na crença de que a aparência pessoal não era importante, mas quando seu pai, que lhe tinha instilado esta crença, afirmou que ele ficava satisfeito simplesmente em contemplar o rosto de Tiffany, era compreensível que se sentisse um pouco melancólica. Ninguém, pensava Patience observando-se no espelho enquanto penteava o macio cabelo marrom, a olhava duas vezes quando Tiffany estava presente. Então, humildemente aceitou a sua inferioridade, tão alheia ao ciúme, desejando que a Tiffany não dissesse coisas que provavelmente não agradaria nem mesmo a seus fãs mais dedicados.

— Obrigado Charlotte, é suficiente!

— Mas é verdade! — murmurou Charlotte com rebeldia.

Ignorando-a, miss Trent sorriu para a senhora Underhill, dizendo: — Não, madame, de nenhuma maneira é decoroso e claro, e pouco discreto.

— Por que não? Tiffany perguntou.

Miss Trent a olhou pensativa.

— Bem, é engraçado, mas percebi que cada vez que se envaidece da sua beleza parece perder alguma coisa. Eu espero que seja apenas uma mudança na expressão ...

Surpresa, Tiffany correu para se olhar no espelho que pendia sobre a lareira.

— É verdade? Ela perguntou inocentemente. Realmente, Ancilla, é verdade?

— Eu juro que sim, disse Miss Trent, mentindo com a maior calma. Além disso, quando uma mulher elogia a si mesma, as pessoas se afastam dela, e logo percebe que recebe muito menos comprimentos que qualquer das suas amigas. E nada é mais agradável que ouvir um fino elogio!

— Isso mesmo! Tiffany exclamou com surpresa. Riu voando pela sala, para ir dar um abraço rápido em Miss Trent.

— Eu te amo, o que é absurdo, porque por mais odiosa que eu seja nunca ficas ofendida. Eu a admiro muito mais. Perdão! — Ah, Patience, você tem certeza que sir Waldo virá?

— Sim. — Wedmore disse ao papai, ele recebeu instruções do advogado do Sr. Calver, para ter tudo pronto quando Sir Waldo chegar na próxima semana. Além disso, haverá um outro cavalheiro com ele, e vários criados. Pobres Wedmore! Papai fez todo o possível para tranqüilizá-los, mas estão em pânico! Parece que o senhor Smeeth lhes fez saber quão rico e importante é sir Waldo e, claro, teme que ele espere algumas das amenidades que não são capazes de fornecer.

— Isso — disse a Sra. Underhill de repente — lembrei-me que há algo que eu queria saber, querida.

Quando Matlock disse, não podia acreditar, embora ele tivesse dito que foi a senhora Wedmore que o disse. — É verdade que o Sr. Calver deixou-lhe não mais que vinte libras e seu relógio de ouro?

Paciência assentiu com tristeza.

— Sim, senhora, eu temo que sim. Eu sei que não deveria falar mal dos mortos, mas não se pode evitar, mas acho que era muito ruim e pouco generoso, após todos estes anos de serviço leal!

— Bem, de minha parte, eu nunca achei que estar morto o fizesse diferente do que era quando estava vivo, porque não é! disse Mrs. Underhill com energia incomum. — Ele era um grosseiro e desagradável mesquinho! e você pode ter certeza, continua sendo! E não no céu com certeza! Se você puder me dizer quem disse que devemos falar bem dos mortos, como você me disse, querida, Algo que não tenho ouvido dizer sempre.

Paciência foi obrigado a sorrir e disse:

— Não, claro, mas talvez não se deva julgar sem conhecer todas as circunstâncias. Devo admitir que a mãe pensa como a senhora, mas meu pai disse que nós não podemos saber o motivo do temperamento sombrio do senhor Calver, e que é melhor sentir pena dele. Deve ter sido muito infeliz!

— Bem, seu pai, como reverendo, é obrigado a ser devoto—, respondeu Mrs. Underhill em tom razoável. Pois eu sinto pena é dos pobres Wadmore. Eles deveriam ter deixado o infeliz anos atrás se tivessem um pouco de bom senso! Como irão encontrar um bom trabalho neste momento em sua vida? Diga-me como!

Mas Miss Chartley foi incapaz de responder, suspirou e sacudiu a cabeça, oferecendo uma oportunidade para a Tiffany orientar a conversa para um assunto que de seu ponto de vista, era muito mais importante. Ela perguntou a sua tia, quando ela planejava visitar Sir Waldo.

As origens da Sra. Underhill eram humildes, com a melhor boa vontade se comportou como uma dama de classe, mas nunca tinha conseguido entender a todos os tópicos do código social. Mas ela sabia perfeitamente alguns.

— Meu Deus, Tiffany! O que mais? — Ela exclamou. — Como se não pudesse fazer nada melhor do que ver um cavalheiro! Se o seu tio estivesse vivo, ele teria sido responsável por ir, seria considerado adequado, coisa que me atrevo a dizer, igual a mim, não teria feito, para que serve visitar sir Waldo se ele não pensa em permanecer em Broom Hall?

— Então você deve ir Courtenay! Tiffany respondeu, sem prestar atenção ao final do discurso de sua tia.

Mas Courtenay, irritado, se recusou a fazer qualquer coisa assim. A modéstia não era uma de suas melhores qualidades, nem suas maneiras em casa, se distinguiam pela sua correção, mas a sugestão de que ele, aos dezenove anos, teria ousadia suficiente para comparecer perante Sir Waldo, afetou-o tão profundamente que empalideceu, e disse a sua prima que ela estava tão louca quando ele achava que era insolente.

A veemência de Miss Wield na discussão que se seguiu, e a explosão de lágrimas que a terminou, fez a senhora Underhill sentir-se desconfortável. Mais tarde, ela confidenciou a Miss Trent sua esperanças de que sir Waldo não perturbasse a todos.

— Não sei por que alguém deveria fazer tanto alarido sobre isso, mas aí está Tiffany, muito irritada, somente porque Courtenay não considera adequado que seja ele a visitá-lo! Querida, não tenho dúvidas em admitir que eu não me sinto nada tranquila sabendo como ela é!

Miss Trent sabia. Ela devia sua posição atual a este conhecimento, que havia tornado possível, no passado, lidar com mais sucesso do que ninguém com Tiffany.

Miss Wield era a única filha viva do irmão da Sra. Underhill. O falecido Sr. Wield era um comerciante de lã de fortuna considerável. Sempre se considerou que ele tinha feito um mau casamento, pois se casou com o objetivo de ascensão social, e fracassou, uma vez que os irmãos da Sra. Wield mostraram pouco interesse nele, apenas tratando-o com cortesia, enquanto sua esposa era muito tímida e doente demais para ajudá-lo a subir na escada social. Havia morrido durante a infância de Tiffany, e o viúvo aceitou com prazer a oferta de sua irmã de educar a criança como sua própria filha.

O senhor Underhill havia se aposentado dos negócios com sorte, e comprou Staples, onde, com seus modos de um cavalheiro e gosto pelos esportes, foi rapidamente aceito por todos os seus vizinhos, exceto aqueles de maior nível social. Após rejeitar uma proposta tímida de seu irmão mais velho, que queria receber a pequena em sua casa em Londres, o Sr. Wield confiou-a aos cuidados de sua irmã, pensando que se ela e Courtenay, dois anos mais velho, decidissem formar um par, ele ficaria satisfeito.

Contra todas as hipóteses, não tinha voltado a casar e sobreviveu ao Senhor Underhill apenas um ano. Ele morreu quando Tiffany tinha quatorze anos, deixando sua fortuna, da qual ele era o herdeira exclusiva, nas mãos dos executores e de sua filha sob os cuidados comuns de seus dois tios maternos, o mais jovem devia agir como um substituto do defunto Mr. Underhill.

Naturalmente, Mrs. Underhill estava muito aborrecida por esse arranjo. Como seu irmão, teria visto com prazer o casamento de Tiffany com seu filho. Mr. Underhill havia deixado sua família bem provida, ninguém poderia dizer que se movia por interesse, mas como a senhora Lindeth queria a fortuna de Joseph Calver para Julian, ela queria que a fortuna de Tiffany para Courtenay. E quando conheceu as disposições do testamento do Sr. Wield, disse que sabia o que iria acontecer: que a tratariam como mentirosa, isso se os Budford não tentassem arrebatar a garota antes que um galo cantasse! Ela estava certa. Mr. James Budford, solteiro, sem filhos não tinha nenhuma intenção de ficar com a sua sobrinha; entretanto o Sr. Henry Budford, banqueiro, que vivia em grande estilo em Portland Place, não perdeu tempo em tirar Tiffany de Staples para instala-la junto às suas filhas.

Herdeira de uma fortuna considerável era uma questão muito diferente da órfã que o senhor Budford esperava ver colocada por um meio-irmão, além de suas duas filhas, tinha três filhos.

Mrs. Underhill era uma mulher de fácil trato, apesar de ter lutado para manter a herdeira não podia reprimir um suspiro de alívio com a perspectiva de se ver livre de uma moça considerada pelos membros mais simples de sua casa como uma verdadeira praga. Nem ela, nem uma legião de amas sabia como dominar Tiffany, que aos quatorze anos, era tão teimosa como determinada. Suas façanhas chocaram o condado, e produziu palpitações em sua tia, havia posto Courtenay e a pequena Charlotte em situações assustadoras e três das amas tinham deixado a casa, vítimas de crises nervosas. Muito bonita, Tiffany poderia tornar-se, num piscar de olhos,de uma criança encantadora em um verdadeiro demônio. Mrs. Underhill a entregou sem nenhum protesto, dizendo que a Sra. Budford não sabia o que a esperava.

Não demorou muito para a Sra. Budford saber. Disse, e não estava errada, que Tiffany foi estragada, porque eram muito leniente com ela e que não havia outra opção senão enviá-la para a escola.

Assim, Tiffany foi enviada ao seminário de Miss Climping em Bath, para a ser domesticada e transformada de uma jovem de comportamento masculino em uma perfeita senhorita.

Infelizmente, na escola de Miss Climping havia algumas alunas não internas, com as quais Tiffany, fez rapidamente amizade. Ela foi autorizada a visitá-las, e uma vez fora do seminário estendeu grandemente o seu círculo de conhecidos. Porém, bastou que um bilhete enviado a Tiffany por um enamorado, e introduzido na casa por um funcionário subornado, caiu nas mãos de Miss Climping, para que a boa mulher entendesse que as visitas às colegas escondia excursões muito indesejáveis, e que uma criança que ainda não tinha dezesseis anos, pudesse ter se envolvido em um caso clandestino. Tiffany era uma aluna muito valiosa e seus executores pagavam sem protestar, mas se não fosse por um acontecimento fortuito, Miss Climping teria pedido ao Sr. Budford para retirar do seu seleto estabelecimento alguém que ameaçava manchar sua reputação. O incidente foi a chegada, para assumir as funções de professora, de Ancilla Trent que tinha sido um aluna da escola. Cansada das críticas e sermões, do que ela chamava rudemente de velhas, Tiffany sentiu um súbito interesse na nova professora, que era apenas oito anos mais velha que ela e em cujos olhos cinza claro logo descobriu uma faísca de malícia. Não demorou muito para perceber que, independentemente das suas condições reais, Ancilla vinha de boa família e estava acostumada a se mover nos círculos sociais. Reconhecia, e sentia-se um pouco perturbada com isso, que Ancilla tinha uma elegância que não era devida aos vestidos simples e gastos, e pouco a pouco, ela aprendeu a ouvir os pequenos conselhos mundanos de Ancilla dava algumas vezes. Não fazia parte da tarefa de Ancilla alertar os alunos mais velhos, nem o fazia. Ela apreciava o humor de algumas das mais ultrajantes, mas conseguiu entender que a herdeira era, talvez, um pouco infantil, e quando soube do propósito de Tiffany de se casar com alguém da nobreza não só considerou como um ambição digna de louvor, mas considerou com entusiasmado os vários planos para obtê-lo. Dizendo que estes diziam respeito à preparação da futura noiva, Tiffany foi levada a participar de aulas de comportamento, música e até, ocasionalmente, ler um determinado livro, então quando ela saiu da escola, tinha deixado de ser um moleque, feito alguns progressos e ganhado um verniz de cultura.

Mas estava mais difícil do que nunca para controlá-la, e nada estava mais longe das suas intenções que se submeter aos planos de tia Budford. A Sra. Budford, que apresentava sua filha mais velha à sociedade, disse a Tiffany que era muito jovem para sair. Podia ser autorizada a participar em qualquer festa informal ou em um piquenique, mas ainda devia ser considerada como uma estudante.

Poderia assistir a concertos e aulas de dança, sob o cuidado de seu primo, e dedicando parte do seu tempo para estudar francês e aprender a harpa.

A Sra. Budford não contava com a opinião de sua hóspede. Tiffany não fez nenhuma dessas coisas, e três meses depois, a Sra. Budford informou ao marido que, se ele não queria se envolver em algum escândalo infeliz e ver a dona do seu coração na sepultura, devia enviar sua sobrinha de volta a Yorkshire. Não só ela tinha perdido todo o senso de decoro, escapando da casa, quando deveria estar deitada e dormindo, para assistir a um festival em Sydney Gardens, em companhia de um jovem perturbado que tinha encontrado Deus sabe quando e onde, como estava destruindo qualquer possibilidade de que sua prima, Bella, alcançar um candidato adequado. No instante em que o pretendente em potencial via a abominável prima de Bella, a Sra. Budford disse amargamente, não tinha olhos para mais ninguém. Quanto a seu casamento com Jack ou William, mesmo que estivesse disposta (que eu não era o caso), a Sra. Budford preferia ver qualquer dos seus filhos mendigando do que casado com uma moça tão deplorável.

Mr. Budford estava disposto a se livrar do fardo, mas tinha escrúpulos e não parecia certo entregar Tiffany aos cuidados da Sra. Underhill, que se mostrou incapaz de dominá-la. Foi a Sra. Budford que teve a feliz idéia de escrever a Miss Climping pedindo seus conselhos. E Miss Climping, vendo a oportunidade de servir os interesses de Ancilla Trent, por quem tinha um grande apreço, sugeriu a sra Budford a tentar persuadir Miss Trent para aceitar o cargo de dama de companhia da Sra. Underhill.

Miss Trent, além de ser uma mulher de grandes qualidades (a Sra. Budford certamente conhecia seu tio, General Air Mordaunt Trent), tinha a particularidade de ser a única pessoa que tinha alguma influência sobre Miss Wield.

Foi assim que Ancilla se tornou moradora de Staples e em um tempo muito curto, na principal confidente de Mrs. Underhill.

Mrs. Underhill, jamais havia confiado em nenhuma das damas que havia empregado anteriormente, porque apesar de ser uma mulher bondosa era muito zelosa da sua dignidade e na sua ânsia de não revelar suas origens, tendia a adotar com os seus empregados uma atitude arrogante. Estava tão feliz de receber sua sobrinha, que não se opôs ao pedido para Miss Trent acompanhar a Miss Tiffany, no entanto, estava muito incomodada com isso e decidiu tornar claro para Miss Trent que por mais generais que ela tivesse na família, qualquer tentativa de se tornar a primeira dama de Staples seria severamente reprimida. Mas Miss Trent não mostrou este propósito em nenhum momento, mas, pelo contrário, a tratava com tal deferência, que não recebia de seus próprios filhos, a má vontade da Sra.

Underhill desapareceu dentro de uma semana e não demorou muito para que ela declarasse aos seus amigos a ajuda significativa da nova dama.

Agora, continuando com o tema, a senhora Underhill disse: — Não é mais que uma menina, mas com essa cara e as coisas que dizem desses presumidos da cidade — Bem, estou muito preocupada, minha querida, e não o nego!

— Pois acho que não tem por que o estar, madame, certamente que não — respondeu-lhe miss Trent —. Pode ter posto seus olhos nele, quase me atrevo a assegurar que só o fez, para demonstrar que pode atrair qualquer homem, e talvez ele possa chegar a flertar com ela. Mas fazer-lhe algum dano, não, não, não deve se preocupar por isso. Tenha em conta, querida senhora, que não é uma probrezinha a quem ninguém protege.

— Não — assentiu com dúvida a senhora Underhill —. Isso é verdade, mas... ele poderia desejar casar com ela, e então sim haveria complicações.

— Se mostrar alguma disposição em tal sentido — disse miss Trent com o riso nos olhos—, teremos o cuidado de recordar a ela que ele não é um par do reino.

A senhora Underhill sorriu, mas também suspirou declarando que desejava que sir Waldo não viesse a Broom Hall.

Este desejo foi respaldado, dias depois, pelo Squire, que manifestou a miss Trent seu sincero desejo de que o “Incomparável” estivesse em Jericó.

Tinha-a encontrado quando regressava a Staples, e muito cortesmente tinha descido para andar junto com ela pelo caminho. Para muitos era um homem que infundia respeito ou medo, pois além de ser um pouco áspero, tinha modos bruscos e uma desconcertante maneira de fixar o olhar por baixo suas grossas sobrancelhas. A senhora Underhill sempre se inquietava em sua presença, mas não ocorria o mesmo a miss Trent. Respondeu ao seu olhar com serenidade e respondeu às perguntas que ele lhe formulava sem titubear, ganhando assim a sua aprovação. Pensou que era uma mulher de categoria e que não perdia seu tempo em tolices. E tinha desejado poder dizer o mesmo de algumas outras que conhecia.

Nesse mesmo instante, miss Trent respondeu-lhe com um ligeiro sorriso, que lhe fez exclamar com tom ameaçador:

— Não irá me dizer que também está extasiada por essa flor da sociedade!

Isto a obrigou a rir.

— Não. Por que teria que estar? Já passei a idade de cair em êxtase!

— Mentirosa! Se não é mais que uma menina! — grunhiu. — Vinte e seis anos! — Exatamente o que supunha! Mas também não teria importância se tivesse você cinquenta e seis! Olhe a minha esposa!

Morre de deleite porque vem aqui este cavalheiro! Por favor, se até pensa em dar uma festa em sua honra! Nada de uma vulgar recepção! Oh, não! Não estranharia que mandasse convites para uma festa de gala, e até um baile, para fazer as coisas com todo o estilo! Sim, você pode rir, senhorita!

Não a culpo por isso! Já rirei quando o cavalheiro dispensar a sua assistência, o que fará sem dúvida, se conheço algo sobre estes riquinhos da cidade! Certamente, eu terei que o visitar, não posso fazer menos, mas com que agrado eu o ignoraria!

— Não tem importância, senhor! — replicou miss Trent, animando-o —. Atrever-me-ia a dizer que partirá em menos de uma quinzena e em tão pouco tempo não poderá partir muitos corações.

— Partir corações? Oh, você está pensando nas senhoritas! Elas não me preocupam! São nossos rapazes. Desejaria mais que fosse um desses frívolos de Bond Street, assim não causaria tantos transtornos! O problema é que é um dos mais destacados corintios e; já vi o dano que podem fazer nesses cérebros de passarinho!

O rosto dela perdeu toda expressão de alegria e, depois de uma pausa, lhe respondeu:

— Sim, senhor. Eu também o sei. Em minha própria família... mas isso foi em Londres! Não posso achar que aqui, nesta vizinhança tão tranquila, o mais tonto dos cabeça de vento possa encontrar a maneira de ir pelo mau caminho.

— Também não temo que façam tal coisa! — exclamou ele com impaciência —. Simplesmente romperão a alma tentando superar o seu precioso “Incomparável”! Pode acreditar — Até meu Artur, apesar do torpe que é, destruiu o meu cabriolé, tentando passar a todo galope por um dos portões de minha granja. E o tolo do Banningham, galopando com seu tordilho, escadas acima, em Brent Lodge; e o seu Courtenay, perseguindo esquilos no caminho de Harrogate. Mas não falemos sobre isso! Não fez nenhum dano, e só levou uma boa reprimenda do velho Adstock, já que eram as rodas de sua carruajem o que o jovem tonto estava perseguindo. "Vá conduzir porcos", Disse-lhe Adstock. Mas não deve repeti-lo!

Prometeu que o obedeceria, e quando chegaram próximo a Staples, ele se despediu, dizendo sarcasticamente que podiam estar agradecidos de que Joseph Calver não tivesse morrido em plena temporada de caça, pois em tal caso todos os tontos do lugar, após ter abusado do crédito paterno para comprar botas enfeitadas, teriam espremido seus cavalos contra a cerca e terminado por ser devolvidos a suas casas em uma maca.

— Recorde minhas palavras — advertiu a miss Trent —. Você verá Underhill vestido com uma jaqueta com enfeites dourados e botões grandes como pratos, antes de que passe muito tempo. Já disse a Arthur que não o ajudarei a se converter num figurino, mas não duvido de que Courtenay conseguirá o que queira de sua mãe. Vocês mulheres são todas iguais!

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Capítulo III

 

 

Era talvez inevitável que a chegada do “Incomparável” a Broom Hall fosse muito menos espetacular do que se esperava. O jovem Mickleby, filho do Squire, pôde informar a seus colegas de que sir Waldo tinha mandado seus cavalos com antecedência, pois ele mesmo tinha visto que dois criados os levavam a Broom Hall. Mas tais cavalos eram de tiro e de bom aspecto, mas nada fora do comum.

Por outro lado, não eram mais que dois. Segui um coche onde, soube posteriormente, viajavam um par de serventes, sobriamente vestidos, que cuidavam de uma reduzida bagagem. Cedo correu a notícia de que sir Waldo vinha conduzindo seu próprio carro desde Londres, cobrindo etapas curtas, e, apesar disto estar mais de acordo com a forma em que, segundo os jovens cavalheiros, devia viajar um de sua classe, as etapas curtas não soaram muito bem em seus ouvidos, pois se esfumaçava as ilusões de ver um carro desportivo atravessando a vila a toda velocidade, no meio de uma nuvem de pó. Ninguém de maior importância que o encarregado da estalagem Crown foi testemunha da chegada de sir Waldo a Oversett, e seu relato de tão relevante acontecimento foi desencorajador. Em lugar de um cabriolé com quatro cavalos, que até os provincianos sabiam que era o último grito da moda, sir Waldo conduzia um cabriolé, e bem longe de entrar na vila a toda carreira, o fez a trote lento sofreando os cavalos em frente à estalagem para perguntar pelo caminho para Broom Hall. Não, tinha dito Tom Ostler, não era um cabriolé de pescante elevado apenas um vulgar cabriolé, puxado, isso sim, por quatro cavalos puro sangue. Tinha outro cavalheiro com sir Waldo, e um criado viajava na parte traseira. Sir Waldo expressava-se de um modo agradável e não era um pedante, como Tom Ostler esperava e não se vestia tão elegantemente como o senhor Ash, por exemplo, ou o senhor Underhill.

Isto era desalentador, e piores coisas se seguiram. O Squire, cumprindo com sua obrigação de visita, viu-se agradavelmente surpreendido ante sir Waldo; um fato que podia alegrar aos contemporâneos do Squire, mas que configurou, nas mentes dos senhores Underhill, Banningham e até em Arthur Mickleby, uma triste e aborrecida imagem. Nenhum cavalheiro divertido, supunham de mau humor, teria recebido a aprovação do Squire. Arthur atreveu-se a perguntar se era muito elegante. "Que queres que te diga!", respondeu-lhe em tom irascível seu pai. "Não é um homem refinado, se isso é o que queres perguntar." Ao observar o engomado pescoço da camisa de Arthur e a perfeição do nó de sua gravata, acrescentou com sarcasmo: "O humilharás! Céus, será como um lampião ao lado do sol!"

Com sua mulher foi um pouco mais explícito. A senhora Mickleby estava tão ansiosa como seu filho em saber como era sir Waldo mas era mais difícil lhe satisfazer. Incomodado, o Squire respondeu-lhe:

— Se está na vanguarda? Nada disso. Move-se com um estilo excelente e nota-se que é um cavalheiro, o que é bem mais do que consegue Arthur desde que pretende se distinguir!

— Não sejas tão provocador! — exclamou a senhora Mickleby —. Meu primo disse que está na vanguarda da moda, o ás do baralho. Tu já sabes, é sua maneira de falar.

— Bem, pois não é o ás da baralho! Não é a classe de homem que virá a armar uma revolução entre gente tranquila como nós, querida.

A senhora Mickleby dispôs-se a replicar, mas ao ver a malícia que reluzia nos olhos do Squire, optou por se calar.

Satisfeito com este triunfo, o Squire serenou.

— Não vale a pena que perguntes que tipo de jaqueta usa, ou como ata seu lenço ao pescoço, porque não me fixo nessas tolices. O que sei é que teria reparado se estivesse usando um casaco como o que usava esse fantasioso do Ash a última vez que o vi. Parece-me que ele estava tal como deve ser.

Nada fora do comum! — Fez uma pausa para refletir sobre o tema e depois acrescentou: — Tem verdadeiro ar de não sei o que. Não poderia dizer qual. Será melhor que o convides para cear e o aprecie por si mesma. Disse-lhe que esperava que viesse um dia para comer conosco.

— Disseste-lhe isso? Não pode ser! comer conosco! De todas as expressões vulgares e pouco gentis — E ele o que respondeu?

— Que estaria muito contente de fazê-lo — replicou o Squire, desfrutando seu triunfo.

— Muito correto por sua vez! Espero poder demonstrar-lhe, querido Ned, que apesar de sermos gente tranquila não pecamos pela grosseria. Quem é o jovem cavalheiro que veio com ele?

Mas o Squire, além de dizer-lhe que sir Waldo tinha mencionado que era seu primo, não pôde ser mais explícito. Não tinha visto ao jovem e, por outro lado, não lhe pareceu correto perguntar por sua identidade. É claro, como sua esposa confiou à senhora Chartley, com um pouco de enfado, também não lhe tinha parecido correto averiguar coisa alguma sobre sir Waldo. Além disso, ela era incapaz de adivinhar que temas podiam encontrar os dois homens para falar durante uma hora.

A próxima pessoa a ver sir Waldo foi Courtenay Underhill, e em circunstâncias que dissiparam todas as dúvidas. Por um afortunado golpe de sorte, Courtenay teve o privilégio de presenciar como o

“Incomparável” executava uma manobra com grande habilidade, o que o alegrou porque, ao relatá-la, tranquilizaria seus amigos. Estava cavalgando pela estrada, quando viu se acercar o cabriolé de sir Waldo. Soube de imediato que devia ser ele, porque os cavalos não eram da localidade.

— Que cavalos! Nunca vi coisa igual. Do mesmo pelo e magnificamente adestrados. Podia vê-lo muito bem, pois era nesse longo trecho que está a pouco mais de meia milha da curva da estrada de Leeds. Bem, o “Incomparável” vinha a trote ligeiro, acercando-se de uma carroça que eu acabava de passar. O criado que conduzia tentou deixar todo o espaço possível, mas vocês sabem como é estreito o caminho e ademais com mato nos costados; devo dizer que pensei que o “Incomparável”

fosse frear, mas seguiu adiante, pelo qual quando me ultrapassou, me detive e olhei para atrás — Bem, a dizer verdade, pensava que tinha rompido as rodas ou tinha virado nos costados!

— Ultrapassou a carroça? Nessa estrada tão estreita? — perguntou assombrado o senhor Banningham.

O jovem Mickleby sacudiu a cabeça.

— Eu não me teria atrevido a fazê-lo, e muito menos naquele lugar.

— Estou seguro disso! — exclamou o senhor Banningham com uma gargalhada.

A atenção pouco benevolente a seu último comentário fez com que Arthur corasse de raiva, mas antes que tivesse replicado, Courtenay interveio com impaciência.

— Um momento! Adiantou-se como se tivesse... como se tivesse espaço de sobra quando não tinha mais que umas polegadas. Não vi nada igual em minha vida. Dizer-lhes-ei ademais outra coisa: leva o chicote colocando-o nas axilas. Tenho o propósito de imitá-lo.

— Ah! — exclamou o senhor Banningham com tom de entendido —. Condutores experientes. Um primo meu sustenta que é a forma mais prática mas que não há muitas pessoas capazes de fazê-lo.

Não acho que tu possas. Vestia o “Incomparável” roupas da última moda.?

— Não, ou pelo menos não me dei conta. O que me lembro é que levava um casaco branco. Parecia tão ajustado como uma trincheira, mas nada fora do comum. Greg diz que quando vão para o campo dispõem de uma dúzia ou mais de capas que fazem jogo com seus casacos, mas não vi nada disso.

Também não levava insígnia alguma na lapela.

Enquanto, o “Incomparável”, ainda ignorante do interesse que tinha despertado, tinha encontrado mais o que fazer em Broom Hall o que o obrigava a ficar em Yorkshire bem mais tempo do que tinha calculado. A casa por outro lado encontrava-se em melhor estado do que tinha esperado, ainda que a parte principal precisasse ser consertada urgentemente, sobretudo se tratando, como Wedmore lhe tinha assegurado insistentemente, a parte mais habitável. Wedmore não tinha dito o mesmo do lado leste, onde tinha vários quartos vazios, ou das acomodações dos criados. Nos últimos anos, já tinha advertido o patrão, mas este não lhe fez o menor caso. Faltavam telhas nos tetos; tinha feito o que podia recolhendo com baldes, a água das piores goteiras, mas não se podia negar que essas partes da casa eram úmidas.

— Só desejo que não esteja podre — disse sir Waldo —. Devemos chamar a um arquiteto para que inspecione tudo isto de imediato. Seu patrão tinha um administrador?

— Não, senhor — replicou Wedmore, desculpando-se —. Costumava ter um, o senhor Hucking, um homem muito respeitável, mas... mas...

— Nos últimos anos? — sugeriu sir Waldo.

Nem os tetos defeituosos, nem a falta de um administrador era da incumbência do idoso mordomo, mas como era um homem tímido e nervoso, acostumado a toda classe de censuras, justificadas ou não, observou admirado que sir Waldo lhe estava sorrindo. Muito aliviado, respondeu ao sorriso e disse:

— O amo tinha-se tornado muito excêntrico, senhor, se perdoa-me a expressão. O senhor Hucking sabia que tinha muitas coisas por fazer, mas não pôde convencer ao amo para que dispusesse o dinheiro e se desalentou. Costumava dizer que maus donos de terra fazem maus arrendatários e sou obrigado a dizer... Bem, senhor, pode ver por si mesmo!

— Vi já o suficiente para saber que estarei muito ocupado durante as próximas semanas — disse sir Waldo com um pouco de aspereza —. Agora gostaria de falar com a senhora Wedmore sobre quais são as necessidades mais urgentes. Poderia chamá-la, por favor?

— Waldo, nunca tirarás o ónus de cima se desejas pôr esta casa em ordem — assinalou lord Lindeth quanto Wedmore saiu da casa —. Posso ser inexperiente mas não sou um indolente e só um indolente poderia deixar de apreciar que esse nosso avaro primo tenha permitido que a fazenda se convertesse numa ruína. É verdade que só tivemos o tempo necessário para dar uma olhadela, mas é suficiente para comprovar que o velho Joseph não quis destinar quantia alguma a esta terra. O que fez foi entregar as granjas a um grupo de renomados patifes que sacaram o que puderam, sem pagar nada. Não lhes culpo por isso! Porque... porque... se um de meus arrendatários tivesse que viver nessa espécie de ruína, eu, na verdade, morreria de vergonha.

— Muito verdadeiro! Enfim, com uma boa administração não vejo nenhum obstáculo para que a propriedade não seja rentável, bastante rentável, pelo menos, para cobrir os gastos.

— Não sem que tu equilibres a balança continuamente — replicou Julian.

— Não, diga isso! Imaginas-te que poderia vender esta propriedade nas condições em que se encontra? Que má opinião tens de mim!

— Sim! — respondeu Julian rindo —. Por pensar que podes me enganar, me fazendo achar que queres pôr isto em ordem para poder vendê-lo com um bom ganho. Conheço-te demasiado bem para que me confundas. Arranjá-lo-ás para que possa albergar a algum de teus infelizes órfãos e apostaria que isso também não devolverá o que tiver gasto.

— Se o velho Joseph soubesse o quão parecido que és com ele, Julian! — disse sir Waldo sacudindo a cabeça —. Não trates de enganar-me! Bem sabes que não poderias — e por outro lado teremos a senhora Wedmore conosco em qualquer momento! Consola-te em saber que ainda não decidi se este é o lugar que desejo para meus infelizes órfãos. O única coisa que resolvi é que vai contra meus princípios desfazer-me deste... presente!

— Presente? Uma obrigação, queres dizer! — exclamou Julian.

— Isso mesmo — assentiu sir Waldo, enquanto esquivava-se de um golpe —. Roçando o alvo, como sempre! Não, pretensioso criador de caso! De jeito nenhum!

Lord Lindeth, com seus ânimos acervados pela reprimenda, contestou-lhe animosamente:

— Não, mas, quase pude te dar um golpe apesar da tua guarda, não é verdade?

— Que medo! — brincou sir Waldo, soltando-lhe pulsos enquanto abria a porta —. Ah, senhora Wedmore! Entre!

— Sim, senhor — respondeu a governanta, enquanto fazia uma reverência —. E se refere-se ao lençol que sua senhoria rasgou com o pé a noite passada, sinto muito, senhor, mas estão tão gastos...

Estão no fio...

— isso e muitas outras coisas — interrompeu-a ele, lhe sorrindo para infundir-lhe ânimo —. Por que não ages como um homem, Lindeth? Sem dúvida tens medo que a senhora Wedmore te dê uma repreensão por isso! Vai-te e verei que posso fazer por ti!

— Oh, senhor! — protestou a senhora Wedmore muito agitada —. Como se eu pensasse fazer tal coisa! Só queria lhe explicar ...

— É claro que sim! Mas não é necessário. O que desejo é que me diga o que se deve comprar para fazer habitável a casa, e onde se pode conseguir, o mais cedo possível.

A senhora Wedmore não podia recordar quando tinham soado em suas ouvidos palavras mais agradáveis. Depois de uma exclamação de assombro, disse com voz afogada que não conseguia dissimular suas emoções:

— Sim, senhor! Gostaria muito se... se isso fosse sério, senhor! — Viu a confirmação em seu rosto, e depois de tomar alento lançou-se a expor as necessidades mais urgentes.

O pessoal de Manifold estava acostumado a que qualquer coisa que fizesse falta na casa fosse comprado imediatamente, e nenhum de seus moradores considerava, a não ser a instalação (por parte de sua mãe) do mais novo e revolucionário forno de cozinha, como digno de interesse. Por isso sir Waldo não podia supor que a carta branca outorgada aos Wedmore converter-se-ia rapidamente em tópico de admiração e também de discussão em todo o distrito.

Foi a senhora Underhill quem levou a nova a Staples, numa visita que efetuou à reitoria para falar um momento com a senhora Chartley. A senhora Wedmore, de Broom Hall, e a senhora Honeywick, da reitoria, eram velhas amigas, e a senhora Wedmore tinha falado nos atentos ouvidos de sua amiga todos os detalhes referente à orgia de gastos em Leeds.

— E deixando de lado todo os arranjos domésticos e coisas do mesmo estilo, mandou pedreiros a Broom Hall para que consertem os tetos e inspecionem cada viga de madeira da casa, então parece que está disposto a ficar. Não é assim, querida? — disse a senhora Underhill.

Miss Trent esteva de acordo com ela.

— Sim, mas por outro lado — argumentou a senhora Underhill — disse a Wedmore que não receberá hóspedes, por isso não deseja contratar lacaios. Bem, certamente é solteiro, mas é de esperar que convide a seus amigos. Você não acredita?

Miss Trent, que não tinha considerado o tema, não tinha opinião formada, mas voltou a concordar.

— Sim — assentiu a senhora Underhill. Seu rosto se ensombreceu —. Mas há algo que não me agrada, senhorita, não me agrada em absoluto. Tem um lord com ele!

— É verdade? — disse a senhorita Trent, tentando manter-se séria —. Que classe de..., quero dizer que lord, madame?

— Não sei dizer, pois a senhora Honeywick não recorda seu nome. Só sei que é primo de sir Waldo e que é muito bonito e elegante. A esposa do Squire deve estar contente — o que não ponho em dúvida pois se considera como a flor da gentileza—, mas, por minha parte, muito me agradaria que não tivéssemos jovens e elegantes lordes rondando pela vizinhança! Não que me importe estar em companhias distintas. Quando o senhor Underhill vivia, estávamos sempre fazendo lugar para novos convidados, sem contar que assistíamos às festas em Harrogate e às carreiras em York, e estou segura que não tenha estado apenas com um lord, mas com uma dúzia deles. O que sei, querida, por todos os ares que se dá, a senhora Mickleby não será capaz de igualar o jantar que oferecerei a ele, pode estar segura disso. Sim, e isto me faz recordar outra coisa. Ela enviou seus convites, e nem uma palavra a respeito de Tiffany. A senhora Chartley disse que sabia que eu desejava que não convidasse Tiffany a uma festa formal, por não estar ainda apresentada. Bem, se é isso o que pensa, nunca verá Tiffany numa de suas festas! Mas não é por essa razão; o que não deseja é ver Tiffany sobressaindo-se à suas filhas, e não posso dizer que a culpo por isso, porque um par de meninas mais insonsas é muito difícil de encontrar.

Era evidente que se debatia entre suas esperanças de assegurar à herdeira para seu filho, e o intenso desejo de superar à esposa do Squire. Não era muito inteligente, mas tinha uma verdadeira astúcia que lhe permitia saber que as gentis maneiras da senhora Mickleby não eram uma expressão de cortesia, senão de condescendência. De fato, a senhora Mickleby estava a converter-se na primeira dama, a suas custas, e isto (como uma vez tinha confiado a miss Trent) era algo que não estava disposta a consentir. A senhora Mickleby podia ser emparentada com pessoas importantes, e era a esposa do Squire, mas Staples era uma residência muito maior que Manor, e a senhora Underhill, apesar de ser inferior por nascimento, não tinha cometido o erro de contratar a uma mulher para que cozinhasse para ela e seus convidados.

Miss Trent não teve duvida alguma sobre a decisão, pelo qual não se surpreendeu quando a senhora Underhill pôs de imediato a discussão o número de pessoas que seriam convidadas para o jantar; quantos pratos seriam servidos, e se o jantar devia ser seguido ou não de um baile. A incógnita era a que se relacionava a sir Waldo — Que achava miss Trent?

— Acho que as preferências de sir Waldo não têm importância, madame — respondeu Ancilla com toda franqueza —. O que importa é o que prefere!

— Nunca teria esperado escutar de sua parte uma resposta tão sem sentido — exclamou a senhora Underhill —. Se a festa será em sua honra! Não compreendo por que devo ter em conta meus próprios gostos, pois não se dão festas para satisfação própria, pelo menos, eu não!

— Certamente que não, madame — assinalou Ancilla com afeto. O sorriso que a fazia aparecer mais jovem e picante brilhou em seus olhos —. Normalmente dá-as para satisfazer a Tiffany. Não deveria fazer tal coisa, você sabe.

— Sim, está muito bem falar dessa maneira, querida, mas estou segura de que é natural que ela deseje um pouco de alegria, apesar que sua tia não tenha considerado apropriado a apresentá-la neste ano. Além disso, querida (e não tenho escrúpulos de reconhecer para você, porque sei que posso confiar e não há nenhum mau em isso), se Tiffany achar isto muito aborrecido não vacilaria em pedir a seu tio que a mande chamar, o que ele fará sem deixar dúvidas, pois estou segura de que não lhe agradou sua partida. E a mim não me surpreenderia.

Ancilla duvidou por um momento. Depois dirigiu seus olhos para a senhora Underhill para dizer-lhe com tom deferente:

— Compreendo-a, madame, é claro, mas... acredita que o senhor Courtenay Underhill mostrou a menor intenção de... de unir seus interesses aos de seu prima? E... encontrar-se-ia você confortável de tê-la como nora?

— Não, mas esse não é o caso! Era o desejo de seus pais e ela é jovem ainda! Atrever-me-ia a dizer que, quando for um pouco mais velha, vai se conformar mais facilmente — contestou a senhora Underhill com otimismo. Depois sua atenção centrou-se no problema mais imediato. Após pensar intensamente durante um momento, disse:

— Vinte e quatro casais cabem no salão e muito possivelmente mais, mas o problema é que não há tantas pessoas jovens no distrito. Teria que convidar um grupo de acompanhantes, como os Butterlaws, o que por minha vida não farei. Pode ser que sir Waldo queira jogar umas mãos de whist, mas existe esse jovem lord. Não sei muito bem que pode ser o melhor.

— Que ocorreria, madame, se não tomasse decisão alguma e deixasse ao acaso? Se, chegado o momento, você considerar que seus convidados gostariam de dançar um par de danças, eu poderia interpretar a música.

Mas a senhora Underhill não estava disposta a isso.

— Se ofereço um baile, contratarei os músicos de Harrogate, como fiz no Natal — declarou —. Não há nada vulgar em minhas festas e nunca haverá. Além disso, não quero que você se desmereça, como se não tivesse mais valor que a criatura tola que tínhamos conosco antes de você chegar. Não. Você tomará seu lugar na mesa e me ajudará a atender os convidados, como se pertencesse à família, como muitas vezes a considero, dado como é bondosa e amável comigo. Ancilla se ruborizou vivamente, mas negou com a cabeça enquanto dizia:

— Muito obrigado! É muito boa, madame. Mas não é possível. Pense como olhar-me-ia a senhora Mickleby! Charlotte e eu faremos nosso jantar na sala de estudo e depois acompanhá-la-ei ao salão, tal como deve fazer uma boa ama.

— Por favor, não diga tolices — rogou a senhora Underhill —. Foi contratada como ama e dama de companhia de Tiffany, e isso é algo muito diferente, já que somente por sua bondade está ensinando a minha Charlotte. E lhe estou muito agradecida, confesso.

— Não acho que mereça sua gratidão — contestou Ancilla com tristeza —. Não tive muito sucesso na tarefa.

— Bom! — exclamou a senhora Underhill com tolerância —. Não sou partidária de ter as meninas encerradas num aula, e na minha maneira de pensar não é necessário que lhes encha a cabeça de conhecimentos. Ensine-lhe a se comportar corretamente, e não terá queixas de minha parte! E

quanto à esposa do Squire, deixe que se irrite! Ademais, não acho que o faça, pois sempre foi muito cortês com você, por ser seu tio um general. De fato não me teria surpreendido se a tivesse convidado a para sua festa. — Calou por uns momentos ao evocar com suas palavras um problema mais agoniante.

— Essa festa? Oh, céus! Que faremos, miss Trent? Tiffany ficará louca quando souber que não irá! Fará um escândalo! Tremo só do pensar!

— É muito possível que se aborreça — admitiu Ancilla —. No entanto, acho que serei capaz de tranquilizá-la. De uma maneira muito pouco correta, é claro, mas, que importa. É inútil apelar ao seu bom senso, já que acho que não o tem, como também não tem compaixão pela sensibilidade alheia.

A senhora Underhill tentou uma fugaz protesto, mas compreendeu que era impossível negar que Tiffany, apesar de seus modos carinhosos, não tinha demonstrado jamais a menor consideração por ninguém. Não perguntou a miss Trent sobre os métodos que pensava empregar para tranquilizar à volúvel jovem, e miss Trent não ofereceu explicação alguma. Seus métodos eram, na verdade, pouco ortodoxos, e teriam sido criticados por qualquer mãe ansiosa de ver a sua filha transformar-se numa mulher dócil, de caráter delicado e beleza pessoal. Mas miss Trent fazia tempo que tinha compreendido que sua adorável pupila era governada pelo próprio interesse. Talvez se em algum dia se apaixonasse profundamente, seu caráter mudasse, mas, por enquanto, o melhor que podia fazer a mais conscienciosa das preceptoras era conseguir convencê-la de que as maneiras elegantes eram tão essenciais para o triunfo em sociedade, como um rosto encantador; evitar que passasse dos limites, e conseguir que não levasse à loucura a todos os da casa, cada vez que se contrariava sua vontade.

Assim, quando Tiffany irrompeu furiosa na sala de estudo (como Ancilla estava segura que faria) para lhe falar da infame conduta da senhora Mickleby, a escutou com ares de total assombro e exclamou:

— Mas, valha-me Deus, Tiffany! Não quererás dizer que desejavas ir a essa festa? Não podes falar sério!

O peito de Tiffany agitou-se violentamente, mas uma dúvida surgiu em seus olhos.

— Que queres dizer?

Miss Trent levantou as sobrancelhas em sinal de incredulidade.

— Você, numa festa tão insípida? Oh, querida, que pouco correto é que eu precise dizer tal coisa!

Charlotte, não fiques aí sentada com a boca aberta! Se te atreves a repetir algo do que digo, te arrasto por um campo de urtigas!

Charlotte riu, mas Tiffany sapateou o solo com impaciência.

— É uma festa para sir Waldo e sua primo, e todo mundo estará ali!

— Exatamente! Bom, não me mordas por isso! Se realmente desejavas ir, sinto-o; mas devo reconhecer que não é o tipo de festa na que eu desejaria que fizesses tua apresentação. Serás a mais jovem das damas presentes, e podes crer quando digo que se a senhora Mickleby a tivesse convidado, ter-se-ia preocupado em te pôr na mesa o mais afastada possível de seus distintos convidados. Imagino que terias por colega a Humphrey Colebatch, totalmente mudo! Pobre garoto! E

outra coisa, que talvez não devesse mencionar, é claro, mas não poderias usar o vestido que mais te favorece. Refiro-me aquele com os laços de fitas e a faixa da mesma cor de teus olhos.

— Claro que posso!

— Não no salão da senhora Mickleby — replicou-lhe Ancilla —. Pensa somente em todas aquelas cortinas e cadeiras verdes! Estragar-se-ia o efeito!

Tiffany começou a ficar pensativa, mas disse com um ligeiro muxoxo:

— Sim, mas não vejo porque Mary Mickleby deve estar na festa, ou Sophia Banningham, e eu não!

Também elas foram apresentadas, ou, pelo menos, não passaram uma temporada em Londres.

— Não, e não apostaria um cêntimo contra a possibilidade de que, quando se levantarem da mesa, o senhor Mickleby não envie toda a gente jovem ao quarto de estar para jogar adivinhações, ou qualquer outra coisa tola. Sabes que não terá baile; só uma reunião para conversar, com umas partidas de whist para os cavalheiros.

— Oh, não! Que aborrecimento! Pensas que será assim? Como se aborrecerão sir Waldo e seu primo!

— Sem dúvida que sim. E como alegremente se surpreenderão quando vierem à festa de tua tia!

— Sim! É verdade! — exclamou Tiffany, alegrando-se.

— Sir Waldo! — disse Charlotte com desprezo —. Penso que é a coisa mais estúpida. Todos se voltando loucos por ele, a exceção de miss Trent e eu! Você não deseja conhecê-lo, não é verdade madame?

— Não, não particularmente, o que é uma circunstância afortunada, pois suponho que não me considerará mais interessante do que eu o considero — respondeu Ancilla alegremente.

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Capítulo IV

 

 

Por uma casualidade, as duas pessoas de Staples que menos interesse tinham foram as primeiras a conhecer sir Waldo. Charlotte e miss Trent tinham ido à villa num cabriolé de apenas um cavalo (que o defunto senhor Underhill tinha presenteado sua esposa na crença errónea de que esta desfrutaria passear nele pela cidade), com o propósito de levar à igreja um cesto de flores. Depois de deixar o veículo no estábulo da reitoria, levaram o cesto até o interior da igreja e encontravam-se arranjando os lilases e os gladíolos em dois vasos colocados sobre o altar quando foram surpreendidas por uma voz varonil:

— Mas que maravilha!

— Oh, nos assustou! — exclamou Charlotte involuntariamente.

— Deveras — Rogo-lhe que perdoe-me!

Miss Trent voltou a cabeça e viu a um desconhecido que tinha entrado na igreja acompanhado pelo pastor, quem lhe disse:

— Agradável encontro, miss Trent! Como estás, Charlotte? Encantador não é verdadeiro, sir Waldo?

É extraordinário. Temos que agradecer a miss Trent o acerto com que dispôs estas flores. Mas se ainda não foram vocês apresentados! Sir Waldo Hawkridge — as senhoritas Trent e Charlotte Underhill.

Charlotte fez uma reverência de colegial. Miss Trent, por sua vez, inclinou-se ligeiramente, enquanto observava com olho crítico o representante de um grupo social pelo qual tinha muita pouca estima.

Sir Waldo avançava com a galhardia de um atleta; era, certamente, bem parecido. Era obrigada a reconhecer que, apesar de nenhum alfaiate provinciano devia ter confeccionado sua jaqueta, nem por isso tinha adotado nenhuma das extravagancias da moda. Estava vestido com roupas de montar e calçava botas de cano alto. Levava o chapéu e o chicote numa mão; a outra, desprovida de anéis, estendeu-a enquanto dizia:

— Como está? Posso felicitá-la? Vi, não faz muito, salões e salas de festas decorados com esse estilo, mas nunca, creio, numa igreja. É realmente delicioso!

Seus olhares encontraram-se; ambos tinham olhos cinzas. Os dela muito frios e claros; os dele ligeiramente sorridentes. Ela apertou a mão que lhe oferecia e pôde apreciar sua força latente. Era uma mulher alta, mas teve que levantar a cabeça para o olhar e ao fazê-lo, sentiu que lhe acordava uma verdadeira atração por ele. Por um momento pensou que acabava de encontrar a seu ideal personificado, e ao soltar a mão comentou:

— É muito generoso, senhor. Não foi minha ideia. Na paroquia onde residia é costume desde muitos anos.

Seria muito dizer que o instintivo reconhecimento de seu ideal por parte de miss Trent tinha sido recíproco. Durante demasiado tempo o “Incomparável” tinha sido o alvo ao que muitas mulheres ambiciosas que tinham dirigido suas setas para que seguisse se impressionando por elas. Ademais, algumas dolorosas desilusões, sofridas em sua juventude, tinham endurecido seu coração ante os ardores femininos. Não era tão cínico como precavido e, na idade de trinta e cinco anos, achava que já tinha passado seu tempo de se apaixonar. O que via na senhorita Trent lhe agradava: seus belos olhos, que o olhavam diretamente, seu porte gracioso, o indefinido ar de distinção e a ausência de qualquer afetação em suas maneiras. Agradava-lhe também sua voz e a cortês indiferença com que tinha recebido seus elogios. Resultava tranquilizador encontrar a uma mulher em idade de casar-se que não se dedicasse a conquistá-lo; poderia ser agradável cultivar sua amizade, mas no caso de que não a voltasse a ver, também não o ia lamentar.

Ela se voltou para prestar atenção ao pastor, que estava falando com Charlotte.

— Vi seu cabriolé em meu estábulo e disse o bom de James que a senhorita Charlotte o conduzia.

Bem, não o vi. Estou muito decepcionado!

— Oh, senhor Chartley, você sabe...! — protestou Charlotte sussurrando —. Foi miss Trent!

O pastor riu e olhou a sir Waldo.

— Nem sequer miss Trent que, devo lhe dizer, é muito boa condutora, além de ser um inesgotável poço de paciência, conseguiu curar a esta menina de sua profunda aversão aos cavalos. Não é verdade, Charlotte?

— É verdade, não gosto dos cavalos! — replicou a menina com resolução. Deu uma olhada de desafio para sir Waldo e acrescentou: — E acrescentarei que os odeio. Nunca se sabe o que farão. E se lhe damos uma palmada — empinam.

Ante esta observação, o pastor e miss Trent não puderam deixar de sorrir; mas sir Waldo respondeu-lhe em tom sério:

— É verdade! E quando colocas a mão só para lhes acariciar o focinho levantam a cabeça como se achassem que vamos lhe fazer algum mal.

Com novos ânimo, Charlotte voltou ao assunto:

— É verdade! Ainda que meu irmão diga que há que os sujeitar primeiro com o freio. Mas se pensam que queremos machucá-los, quando na verdade é que sempre cuidamos bem deles, é que não devem ter cérebros.

— Temo que não sejam muito inteligentes — admitiu ele.

Charlotte, com os olhos abertos de assombro, perguntou-lhe:

— Eles lhe agradam, não é assim, senhor?

— Sim, mas já sabe que gostos não se discutem. — Sorriu a Ancilla e acrescentou: — É verdade que compartilhamos o mesmo gosto, madame?

— O senhor Chartley confundiu-se, senhor. Sou muito má condutora. Charlotte, devemos partir agora.

— Mas não deixará de visitar a reitoria antes de fazê-lo, não é verdade sir Waldo? — perguntou o pastor ao “Incomparável” —. Sir Waldo estava admirando nossa pequena igreja e prometi-lhe mostrar-lhe a pia do século XII, nosso maior orgulho. Não é assim?

Separou-se do grupo, e sir Waldo, depois de um sorriso e uma reverência, seguiu-lhe. Quando as flores ficaram arranjadas a sua gosto, Ancilla recolheu sua cesta e indicou a Charlotte que deviam partir. Nesse instante o pastor e seu acompanhante voltaram a reunir-se com elas, e os quatro saíram juntos da igreja. Ancilla encontrou-se caminhando junto a sir Waldo pelo caminho que conduzia à reitoria; depois de declinar sua oferta de levar-lhe a cesta, perguntou-lhe muito cortesmente sua opinião sobre a campina de Yorkshire.

— O que vi até agora gosto — replicou ele —. Claro que não é muito, pois passei a maior parte do tempo em Leeds. Espero poder percorrê-la um pouco mais. Meu primo, que foi de um lado para outro, está entusiasmado; diz que é melhor que seu próprio condado. Deve ser porque o Squire indicou-lhe um lugar onde há uma pesca excelente!

— Espero que a aprecie ainda que a minha modesta experiência me diga que o pescador não desfruta enquanto permanece imóvel com a vara na mão.

— Certamente! Mas perder o peixe é um assunto completamente diferente.

— Assim é! Até a pessoa mais alegre põe-se triste por isso. O peixe que escapa sempre é o maior.

— Imagino que é boa pescadora, madame; expressou-o maravilhosamente.

— Em absoluto! Costumava acompanhar meus irmãos quando era uma menina, mas cedo descobri que não era um desporto para mim. Quando não pescava nada, o que geralmente ocorria, me aborrecia terrivelmente, e quando finalmente o peixe mordia o anzol, me encontrava perdida pois não sabia que fazer. Não me agrada tocá-los. São tão escorregadios!

Ao chegar ao portal, ele abriu a porta para que passasse, dizendo com toda seriedade:

— Realmente, são muito viscosos. E quase tão desagradáveis como os cavalos empinadores da senhorita Charlotte.

Ela penetrou no jardim e aguardou a Charlotte e o pastor enquanto dizia:

— Pobre Charlotte! O senhor Chartley faz mau em burlar dela. Pôs muita vontade em tratar de superar seu medo aos cavalos e realmente envergonha-se muito disso. Rogo-lhe que não brinque também.

— Acredite que atenderei ao seu desejo. O mais provável é que lhe recomende que não se preocupe mais com o assunto. E agora, madame por que me olha surpreendida?

Ela se ruborizou ligeiramente.

— Fiz tal coisa? Talvez porque me surpreendeu escutar que dissesse isso quando, segundo me dizem, é um notável ginete.

Ele levantou as sobrancelhas:

— Então devo desprezar aqueles que não gostam dos cavalos?

— Não, mas com freqüência os cavalheiros que são aficionados a alguma classe de desporto desprezam os que não compartilham suas inclinações — e acrescentou com veemência: — Atrevo-me a dizer que isto é muito compreensível.

— Eu os consideraria intoleravelmente presunçosos — replicou ele. Olhou-a com malícia e acrescentou: — Por outro lado, madame, achava que era você quem desprezava os aficionados do esporte!

— Isso significa que sou intoleravelmente presunçosa — replicou ela com um sorriso —. Acho que mereço.

Foram interrompidos pelo pastor, que, nesse instante, chegou acompanhado por Charlotte. Sugeriu que sir Waldo voltasse à casa com elas, proposta que ele declinou. Sir Waldo, depois de desculpar-se ante as senhoras, partiu junto com o pastor para os estábulos.

Charlotte estava ansiosa para comentar o inesperado encontro, mas Ancilla a fez calar, rogando-lhe que guardasse seus comentários até que estivessem a uma distância suficiente para que sua aguda voz não fosse ouvida. Obedeceu a advertência docilmente, mas Ancilla sabia que não podia confiar em que mantivesse a boca fechada. Quando se excitava soltava a primeira coisa que lhe viesse à cabeça, incorrendo numa atitude que a senhora Chartley consideraria como uma falta grave. A senhora Chartley era uma mulher bondosa, mas seu sentido da correção era estrito. Ancilla suspirou aliviada quando viu a sua pupila se reunir com sua amiga, a senhorita Jane Chartley. Sem deixar dúvidas, o sala da reitoria ressoaria com as opiniões de Charlotte sobre o “Incomparável”, mas ao menos sua ama não teria que se envergonhar de sua linguagem e suas maneiras pouco recatadas.

Ao entrar na reitoria, Ancilla encontrou Patience numa sala. Estava cosendo a bainha de uma roupa branca com diminutos pontos, mas abandonou sua tarefa com agrado quando viu a Ancilla. Como Charlotte, ardia em desejos de falar do “Incomparável”, mas como era uma senhorita muito bem educada não deixou transparecer e falou por um momento sobre temas sem importância, até que por fim disse:

— Devo dizer-lhe que tivemos um visitante muito interessante esta manhã, miss Trent. Papai levou-o para ver a igreja. Pergunto-me se você o encontrou ali.

— Sir Waldo? Sim, estava ali. Inclusive na volta nós quatro andamos juntos e separamos-nos na entrada. Então seu pai foi com ele aos estábulos.

— Oh, sim! Veio visitar papai e então ele o apresentou a mamãe e a mim. Esteve conosco quase uma hora. Que pensa dele? A surpreendeu? — Devo reconhecer que a mim sim, o mesmo que mamãe, segundo parece. Todos os cavalheiros têm estado falando tanto — dizendo que é o mais destacado dos corintios — que eu tinha imaginado algo muito diferente, apesar de que eu nunca vi um corintio, é claro. Espero que você sim. São assim realmente? Acredita que ele é um deles?

— Não há dúvida alguma que o é, e muito famoso na verdade! Em quanto a se todos os corintios são como ele, não posso dizer, pois como disse, nunca conheci nenhum.

Patience disse timidamente:

— Imagino que não lhe interessa essa classe de gente e devo dizer que a mim também não, pois se ouve tanta coisas a respeito de eles! Mas sir Waldo não é em absoluto como tinha imaginado. Não é presunçoso; ao contrário, é muito simples, pouco afetado e bem informado. Medita quando fala de assuntos sérios; ele e papai estiveram conversando sobre as vicissitudes das pessoas pobres e pude ver o quão satisfeito se sentia papai com suas opiniões. Que pensa você dele, miss Trent?

— Que é um diamante de muitos quilates! — replicou Ancilla rapidamente —. Com sua presença tão varonil, suas maneiras tão corteses; sua forma de falar tão perfeita!

— Você não gosta dele? — disse Patience pensando que ela brincava.

— Pelo contrário! Acho que é muito correto.

— Ah, isso significa que você considera que seus modos são corretos, mas não seu caráter!

— Minha querida senhorita Chartley, não sei nada de seu caráter.

— Não, mas... Oh, acho que devo dizer a você. Não pode ter nada mau nisso! Sir Waldo não mencionou o assunto, nem sequer a papai, e achamos que agradar-lhe-ia que não o divulgasse.

Disse Wedmore que o senhor Calver lhe tinha pedido reservadamente que, quando se conhecesse exatamente a magnitude da herança, fixasse uma renda para seus velhos serventes. Nem sequer papai acha que o senhor Calver faria tal coisa! Os Wedmore terão uma pensão que lhes permitirá viver muito melhor do que nunca tinham sonhado. A senhora Wedmore veio ontem contar a Honeywick! Imagine você como estava tão surpreendida, quanto agradecida!

— É verdade? Compraz-me muito ouvir que sir Waldo fez o que é devido.

— Sim e é claro esperava-se que o fizesse. Você pode dizer que sendo ele tão rico isso não significa para ele mais que para mim dar um penny a um mendigo, mas o que chama a atenção é a maneira como o fez. Feito com uma delicadeza que demonstra que é um homem sensível, ao considerar os sentimentos de duas pessoas tão leais.

Ancilla reconheceu que era verdadeiro, mas afirmou com malícia:

— Vejo que ganhou o seu coração! Fala muito bem dele!

— Oh, não! — exclamou Patience muito surpreendida —. Como pode dizer tal coisa? Está brincando!

Espero que meu coração não seja conquistado tão facilmente!

— O mesmo espero eu e, certamente, não por um corintio! Não se preocupe! Só estava caçoando.

Não temo por você! — tranquilizou-a Ancilla com um sorriso.

Já mais tranquila, Patience disse:

— Nenhuma de nós teremos oportunidade de que nos parta o coração por culpa de sir Waldo. Não pensa se estabelecer em Broom Hall.

— Já o supunha; acharia muito aborrecido. Pensa em vender a fazenda?

— Não o sabemos. Não nos disse o que pensa em fazer e, naturalmente, não se deve ser curioso. —

Levantou a cabeça à entrada de sua mãe na sala, e sorriu enquanto dizia: — Estava contando a miss Trent o quão agradável nos pareceu sir Waldo. Fofocas, mamãe, como você diz!

— Suponho que todos fazemos o mesmo — replicou a senhora Chartley enquanto apertava a mão de Ancilla —. Como está você, miss Trent? Bem, devo reconhecer que estou muito satisfeita com sir Waldo. Após as histórias que escutamos sobre o “Incomparável”, não esperava senão encontrar um presunçoso mequetrefe. Considero que seus modos são excelentes; tem um ar de boa criação e não é nada pretensioso. E o que dizem de pôr a perder nossos filhos, tolices! Oxalá o imitassem! Lamento que Dick esteja na escola, pois lhe teria feito muito bem que o polissem um pouco.

— Lustre de cidade, senhora.

— Oh, não! — protestou Ancilla.

— Não me refiro à moda! Quero dizer que seria bom saber que um homem pode ser aficionado do esporte sem andar por aí apregoando seu gosto.

Não disse mais nada sobre sir Waldo, e Ancilla não fez nada para voltar a se referir a ele. Seu nome não voltou a ser mencionado até que Charlotte, sentada a seu lado no cabriolé, exclamou com acento temeroso:

— Bem! E pensar que fomos as primeiras a conhecer a sir Waldo e falar com ele! Oh, senhorita Trent, não foi uma loucura?

Ancilla pôs-se a rir, mas não deixou de protestar.

— Charlotte! Criança abominável! Achas que não tenho caráter? Uma loucura!

— A mamãe não se importará! Mas não foi? Tiffany ficará furiosa!

Ancilla sabia que era inútil esperar que Charlotte não se vangloriasse do episódio na frente de sua prima. Mas Tiffany escutou o episódio com indiferença, já que enquanto Charlotte tinha conhecido o

“Incomparável”, ela tinha encontrado e deslumbrado a lord Lindeth.

Se o encontro tinha sido casual ou premeditado foi um ponto que não aclarou. Tinha-se negado a acompanhar a seu prima e a sua ama essa manhã, dizendo que o objetivo do passeio era aborrecido já que ninguém obrigá-la-ia a viajar num carruajem, destinada a somente duas pessoas. Ao contrário, tinha feito encilhar sua égua para cavalgar sozinha, recusando a escolta do criado expressamente contratado para isso. Como isto ocorria com freqüência, o criado não tentou convencê-la que tal conduta era imprópria de sua idade e condição, e comentou com o criado de Courtenay que qualquer dia a senhorita seria trazida à casa com algo rompido, dada sua maneira de cavalgar como se fosse uma grande amazona, o que estava muito distante de ser.

A última parte da crítica teria alarmado Tiffany, mas pelo contrário comprazeu-a a acusação de que forçava a sua montaria, pois considerava que esse era o estilo próprio de quem se orgulhava de ser um experiente ginete. Acostumada como estava desde menina a cavalgar com seu pônei pelos arredores, não estava disposta a ser escoltada; e apesar de agradar-lhe cavalgar em companhia de Courtenay ou de Ancilla, desagradava-lhe a presença do criado e recusava-a sempre que podia.

Nesta ocasião tinha uma excelente razão para isso: o Squire tinha deixado escapar a informação de que o jovem lord Lindeth iria pescar no ribeiro que cruzava os terrenos do Manor, e Tiffany, que não encontrava justificativa para a sua exclusão do jantar da senhora Mickleby, estava disposta a conhecê-lo. Miss Trent podia estar certa ao dizer que a festa não era apropriada para ela, mas não permitiria que ela fosse a última pessoa de categoria em conhecer aos distintos recém chegados.

Tanto quanto a sua tia, estava convencida de que a exclusão de seu nome no convite enviado pela senhora Mickleby era motivada pelo seu temor de que suas próprias filhas passassem a um segundo plano ante o aparecimento de uma reputada beleza. Bem! A senhora Mickleby, sem dúvida tinha esperança de que Mary ou Caroline conseguissem chamar a atenção do nobre cavalheiro, ela descobriria que pelo menos um de seus convidados não estaria disposto a tomar a uma dessas senhoritas como objeto de seus galanteios. Lord Lindeth, se dependesse da encantadora miss Wield, ia achar a festa muito aborrecida, quando a procurasse em vão entre os convidados.

Não lhe foi difícil encontrar lord Lindeth. O ribeirão onde este pescava cruzava um campo aberto.

Tiffany divisou-o de longe, e foi trotando lentamente em sua direção, sem acercar-se muito para não fazer patente que desejava chamar sua atenção, mas também não tão longe para que ele não ouvisse o barulho das pisadas do seu cavalo. Desgraçadamente, lord Lindeth estava de costas a ela, mas estava segura que se voltaria quando se desse conta de que alguém se aproximava. Não tinha contado com sua pescaria: lord Lindeth lançou o anzol num remanso; percebeu a mordida e não deu o menor sinal de ter ouvido à égua. Por um momento pareceu que o elaborado plano fracassaria. No entanto, miss Wield era uma jovem de recursos, e logo que se deu conta de que ele estava distraído em sua tarefa, deixou cair o chicote enquanto dava um puxão nas rédeas lançando uma exclamação de desgosto.

Isto fez que ele se voltasse, mais interessado que zangado. Ia pedir ao intruso que fizesse menos ruído quando descobriu que a brusca interrupção tinha sido motivada por uma dama.

— Oh, rogo-lhe que me desculpe! — gritou-lhe Tiffany —. Seria tão amável, cavalheiro, para apanhar o meu chicote? Não sei como posso ser tão estúpida, mas o deixei cair.

— Sim, é claro. Será um prazer, madame! — replicou enquanto recolhia o anzol.

Ela esperou com tranquilidade. Lord Lindeth deixou sua vara no solo e aproximou-se. Uma ligeira impaciência pintava-se em seu rosto, mas tal expressão desapareceu de imediato quando chegou bastante perto para ver a adorável criatura que lhe tinha interrompido. Em lugar de recolher o chicote ficou olhando a Tiffany com franca admiração.

Miss Wield estava vestida com um longo traje azul zafira, uma gravata envolvia o pescoço e uma encaracolada pluma de avestruz roçava-lhe a face. Não ocorreu a Julian que tão atraentes vestimentas não eram próprias para o campo; somente pensava que nunca em toda sua vida tinha visto criatura mais encantadora.

Um sorriso adorável o fez pestanejar. Tiffany se desculpou:

— Sento muito ter-lhe interrompido — mas não podia voltar a montar sem ajuda, assim que...!

Ele recuperou o fala dizendo rapidamente:

— Não, não. Não tem importância, lhe asseguro!

— Mas sei muito bem que o fiz — assinalou ela com um brilho nos olhos.

Ele riu corando ligeiramente:

— Pois sim! Mas não tem por que se lamentar! Pelo menos eu não o lamento!

— Oh, parecia tão incomodado!

— Isso foi antes que visse quem me tinha interrompido — replicou ele audazmente.

— Mas se você não me conhece!

— Sim eu a conheço! É Diana!

— Em absoluto! — disse ela com inocência —. Sou Tiffany Wield!

— Tiffany! Que nome mais bonito! Mas faz-me recordar um velho poema: Rainha e caçadora, casta e loura, apesar de que imaginava que se referia à lua e não à deusa. Mas sei que o título é Para Diana e o estribilho ou como se chame é Deusa tão brilhante. Assim...!

— Acho que não o devo escutar — disse ela em tom sério —. Apesar de tudo, senhor, não fomos ainda apresentados!

— Não há ninguém aqui para que fazê-lo por nós — indicou-lhe ele —. Realmente preocupa-se você com essas coisas?

— Não, em absoluto, mas minha tia acha que deveria! E também não devo conversar com cavalheiros desconhecidos!

— Muito verdadeiro! — replicou ele de imediato —. Posso apresentar-lhe lord Lindeth, miss Wield?

Está muito ansioso de conhecê-la!

— Como está você? Que absurdo! — exclamou ela enquanto ria.

— Sei disso, mas que se deve fazer nestes casos? Temia que você desaparecesse de galope!

— É o que farei, se você for tão gentil de me der o meu chicote, senhor.

Ele o recolheu mas o reteve em sua mão.

— Estou tentado de não o devolver.

— Não, por favor! — disse ela estendendo a mão.

— Só estava brincando — contestou ele enquanto lha entregava. Pareceu-lhe estranho que uma jovem tão bela cavalgasse sozinha e por isso lhe perguntou enquanto olhava em torno um tanto preocupado:

— Não há ninguém com você, senhorita Wild? Seu criado ou...

— Ninguém! É tão aborrecido ter um criado colado aos seus passos. Você acha que é pouco correto?

— Claro que não! Mas se ocorresse algo... um acidente...

— Isso não me preocupa! — disse ela pegando as rédeas —. Devo ir-me. Obrigado por vir em meu auxilio.

— Oh, espere! — rogou ele —. Não me disse onde vive ou quando poderei voltar a vê-la.

— Vivo em Staples e quem sabe quando voltará a me ver — replicou ela com olhos brilhantes —. Eu não o sei!

— Staples — disse ele, confiando o nome a sua memória —. Acho que sei — oh, deveria ter-lhe dito que estou em Broom Hall com meu primo Waldo Hawkridge. Sim, e que fomos convidados a cear no Manor manhã. Vê-la-ei a ali?

— Talvez sim, talvez não! — respondeu-lhe ela com malícia. E antes que ele pudesse pedir uma resposta mais concreta já tinha se afastado.


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-

Capítulo V

 

 

Lord Lindeth, que tinha recebido com desagrado a notícia de que seria levado à força a um jantar, após seu encontro com miss Wield regressou a Broom Hall com um estado de ânimo muito diferente.

O primeira coisa que fez foi revisar os diferentes cartões de visita que seu primo guardava, a segunda, irromper na habitação onde sir Waldo examinava os livros de contas de seu defunto primo, para lhe perguntar:

— Waldo, conheces a alguém que se chama Wield?

— Não, acho que não — replicou sir Waldo, com ar ausente.

— Por favor, preste atenção! — rogou Julian —. Em Staples! Não é uma casa com umas grades de ferro, que se encontra à saída da vila? Devem ter-nos visitado, mas não encontro seu cartão.

— Então ainda não o fizeram.

— Não, mas... Talvez o nome bem pudesse não ser Wield. Ela falou de sua tia e suponho — Mas não há nenhum cartão com essa direção.

— Ah, ela? — disse sir Waldo com olhos risonhos.

— Oh, Waldo! Acabo de conhecer à jovem mais encantadora do mundo! — disse seu senhoria. — Agora trata de recordar quem vive em Staples...

— Suponho que miss Wield.

— Sim, mas... Oh, não sejas tão irritante! Seguramente sabes quem é o dono.

— Não sei por que tenho que o saber, e não o sei.

— Queira Deus que não tenhas perdido o cartão! É de supor que seu tio nos visitou. Não acreditas?

— Bem, a verdade é que isto não me preocupou — disse sir Waldo desculpando-se —. Talvez eu não seja de seu agrado.

— Tolices! Por que razão?

— Não posso mo imaginar.

— Nem tu nem ninguém. Deixa de dizer sandices e trata de ser sério.

— Eu o sou sempre — protestou sir Waldo —. Ademais, estou preocupado. Fui apresentado a alguém que, salvo que eu esteja muito equivocado, sente por mim verdadeiro desprezo.

— Quem? — perguntou Julian.

— Uma dama cujo nome não lembro e que, diga-se de passagem, é muito formosa — respondeu ele, pensativo —. E com maneiras muito pouco comuns!

— Deve de ser uma infeliz — disse Julian francamente —. Ainda que ache que estás a mentir-me. Por que tem de te desprezar?

— Temo que seja por minha fatal paixão pelo desporto.

— Mas que tonta! Waldo, faz favor, recorda! Estás completamente seguro que ninguém de Staples veio aqui?

— Não que eu saiba. O que nos deixa sem ação, não é assim?

— Bem, assim é — exceto que ela vai à reunião. Não disse precisamente isso, mas — Senhor! E se não tivéssemos nos detido para visitar aos Arkendales em nossa viagem! De outra maneira não teria trazido meus trajes de noite.

A ingênua observação fez que sir Waldo sorrisse, pois a acolhida que Julian tinha dado anteriormente à notícia de que, em sua viagem ao norte, deter-se-iam para fazer uma visita a uma das pessoas da mais alta estirpe do país, não teria permitido a ninguém supor que sentir-se-ia feliz de ter suportado uma estadia que tinha qualificado como intoleravelmente maçante. Da mesma maneira, quando se inteirou de que estava incluído no convite que a senhora Mickleby tinha enviado a Waldo, tinha dito que se tivesse adivinhado que abandonaria a vida social de Londres para se ver envolvido numa sucessão de festas rurais, não teria acompanhado o seu primo.

Mas todas estas idéias se tinham esfumaçado; agora era sir Waldo e não ele quem deplorava ter que assistir a um jantar numa noite chuvosa, pois Julian não tinha dúvidas que seria uma noite encantadora. Inclusive o desmantelado carro em qual se transladaram para Manor pareceu a Julian muito elegante e confortável, e assim disse a seu primo, que o olhava com incomodo.

Miss Wield teria se sentido satisfeita, ainda que não surpreendida, de ter sabido com quanto interesse sua senhoria a procurou em Manor e quão desiludido estava por não a encontrar entre os participantes da festa. Mas, se tivesse sido uma espectadora invisível, não teria adivinhado, por sua forma de se comportar, que estava desiludido. Era demasiado bem educado para revelar seu desencanto e além disso, seu ânimo alegre e amistoso lhe impediu de incorrer na menor descortesia.

Era uma pena que uma jovem tão encantadora estivesse ausente, mas tinha averiguado o nome da tia e elaborado vários planos para a encontrar.

Enquanto isso, existiam várias jovens senhoritas e estava disposto a atendê-las com toda galanteria.

Uma rápida olhada ao salão foi suficiente para que sir Waldo soubesse que a encantadora miss Wield não estava presente. As senhoritas Chartley e Colebatch eram as jovens mais elegantes, a primeira angelicalmente loura e a outra uma elegante ruiva, mas nenhuma correspondia à lírica descrição que Julian tinha feito da inigualável beleza de miss Wield. Olhou Julian e agradou-lhe ver que estava se relacionando com os mais jovens da festa. Nunca tinha tomado muito em sério as súbitas paixonites de Julian, que tinha começado a mostrar um verdadeiro interesse pelo o sexo oposto. Durante o ano passado tinha descoberto, pelo menos, meia dúzia de deusas dignas de sua entusiasta admiração.

Seu primo viu que não tinha nenhum motivo de preocupação: Julian divertia-se com os devaneios próprios de sua idade e estava ainda longe de se apaixonar seriamente.

Em quanto a ele, se tinha resignado a passar uma noite mergulhado no aborrecimento, pois nem sequer poderia conversar com a dama que o recusava. Tinha-a procurado inutilmente. Não podia recordar seu nome, mas sim que se tinha sentido atraído por sua distinção e pelo sorriso que de repente animava seu rosto. Era inteligente e além disso tinha senso de humor: uma coisa pouco comum entre as mulheres, pensou. Tinha desejado conhecê-la melhor e esperava encontrá-la novamente. Mas não estava presente à festa e se teve que conformar alternando com um grupo de pessoas de meia idade, tão bondosas como maçantes, e com um grupo de jovens de um e outro sexo. Entre as garotas quem levou a palma foi a senhorita Chartley, com quem trocou algumas palavras. Agradava-lhe tanto pela doçura de sua expressão como por seus modos pouco afetados, e porque, apesar de sua timidez, tinha respondido à sua saudação sem ruborizar-se, sem rir nervosamente ou adotar um ar mundano. E quanto aos rapazes, teria que ser muito tolo para não se dar conta que a maioria deles observavam cada detalhe de seu vestimenta e que, não obstante não se atrever a saudá-lo, esperavam poder alardear ter falado com o “Incomparável”. Estava acostumado a ser o objeto de admiração de qualquer aspirante a desportista, mas não procurava nem valorizava tal adulação.

Os senhores Underhill, Arthur Mickleby, Jack Banningham e Gregory Ash, que lhe tinham feito grandes reverências, exclamando solenemente à cada passo Senhor! e Ilustre!, teriam se surpreendido ao inteirar-se de que o único jovem cavalheiro que atraía o jovial interesse de sir Waldo era Humphrey Colebatch, um jovem ruivo (como sua irmã) que padecia de uma inquietante gagueira.

Apresentado por seu orgulhoso pai como este ridículo filho e acrescentado de que não é de seu estilo, lamento o dizer, o jovem Colebatch lhe tinha confessado, da maneira explosiva como o fazem aqueles que têm um defeito no fala, que não sentia o menor interesse pelos desportos.

— É aficionado por livros — explicou sir Ralph, debatendo-se entre o orgulho pelos sucessos universitários de seu filho e o terrível temor de que tinha engendrado um monstro —. O pior ginete da comarca! Mas que lhe vamos fazer! Sobre gostos não há nada escrito! Por outro lado, minha filha Lizzie — Nunca abriu um livro em sua vida mas cavalga de maneira estupenda!

— É verdade? — perguntou sir Waldo cortesmente, enquanto sorria a Humphrey —. Oxford?

— Cam... Cam... Cambridge! — respondeu —. M... Magdalene. Terceiro ano.

— Magdalene! Eu também estava em Magdalene, mas em Oxford. Que pensa você fazer agora?

— Passar para o quarto ano! — replicou Humphrey enquanto jogava um olhar desafiante a seu pai.

— Com uma bolsa?

— Sim, senhor. Assim o espero!

Mas neste ponto interveio sir Ralph para dizer a seu filho que não aborrecesse aos demais com seus próprios assuntos. Humphrey se desculpou ante sir Waldo, e deixou-os. Sir Ralph disse que se tivesse sabido que seu herdeiro ia correr como um louco atrás de uma bolsa, nunca ter-lhe-ia permitido ir a Cambridge. Mostrou-se disposto a afundar no tema, e perguntou a sir Waldo sua opinião sobre que fazer neste caso; mas este não se considerava capacitado para aconselhar a pais atribulados e tinha, ademais, muito pouco interesse em considerar a questão. Rapidamente mudou de assunto, e dizia muito a seu favor que conseguisse fazê-lo sem ofender a sir Ralph.

Enquanto, os colegas de Humphrey que tinham observado zelosamente seu encontro com o

“Incomparável”, se jogaram sobre ele para saber que tinha dito sir Waldo.

— Não tem... teria interesse para vocês — respondeu-lhes Humphrey com odiosa altivez —. Na... nada de desportos. Falamos de Cam... Cambridge.

A revelação assombrou ao auditório. O senhor Banningham foi o primeiro a recobrar o fala; expressou o sentimento de seus jovens parceiros dizendo: — Deve ter achado que és um retardado mental!

— De jeito nenhum! — replicou Humphrey —. A... além disso, não é tão ca... cabeça oca como qui... quisestes me... me fazer crer!

Em qualquer outro momento tal afirmação teria levado a seus colegas a uma ação corretiva. No entanto, agora o sentido da correção os deteve, permitindo que Humphrey se retirasse, não só sem ser molestado como também com a convicção de que, em breves segundos, tinha saldado todas as contas de sua curta existência.

Dado que a senhora Mickleby sentou o “Incomparável” entre ela e lady Colebatch, só muito depois que ele teve a ocasião de conhecer à senhora Underhill. No barulho das apresentações tinha sido incapaz de reconhecê-la entre tantas matronas; mas lord Lindeth estava alerta. Sem impressionar-lhe a túnica de cetim malva profusamente enfeitada com enfeites e diamantes, e um penteado que suportava um penacho de plumas unido por um resplandecente broche de grandes dimensões, tinha aproveitado a primeira oportunidade que teve para se acercar à senhora Underhill quando os cavalheiros se juntaram às senhoras após a ceia. E foi ele quem a apresentou a sir Waldo. Obediente as muitas chamadas de seu jovem primo, sir Waldo cruzou o salão e de imediato compreendeu o que se esperava dele.

— Oh, aqui está meu primo! — disse seu senhoria sem muita graça —. Waldo, acho que já foste apresentado à senhora Underhill!

— Claro que sim — respondeu sir Waldo fazendo frente, ao compromisso.

— Bem, fomos apresentados — concedeu a senhora Underhill—, mas não surpreender-me-ia que não recordasse do meu nome. Acho que não há nada que atordoe mais que ser apresentado de repente a um montão de desconhecidos. Muitas vezes vi-me em sérias dificuldades para recordar o nome das pessoas que me estavam a falar.

— Mas nesta ocasião, madame, algo favorece minha memória — disse sir Waldo, com admirável aplomb —. Talvez se não tivesse o prazer de conhecer a sua filha faz poucos dias — Miss... miss Charlotte Underhill. Estava ajudando a outra dama, uma dama alta, mais velha que ela, a arranjar as flores da igreja.

— Assim é! — exclamou a senhora Underhill satisfeita —. E muito orgulhosa está de que você lhe tenha falado tão bondosamente, como me disse que fez. Em quanto à dama alta, é miss Trent, sua ama. Bom, para falar com propriedade, é a dama de companhia de minha sobrinha e mulher de grande valia. Seu tio é o general sir Mordaunt Trent!

— Deveras — — murmurou sir Waldo.

— Waldo! — interrompeu Julian —. A senhora Underhill foi muito gentil ao convidar-nos à festa que oferecerá na próxima quarta-feira. Não acho que tenhamos outro compromisso.

— Nenhum que eu saiba. Estupendo! Estamos muito agradecidos, madame — disse sir Waldo com sua habitual cortesia.

Mas mais tarde, quando regressavam a Broom Hall no desconjuntado carro do finado senhor Calver, expressou a amarga esperança de que sua primo estivesse agradecido por ter aceitado o convite.

— Sim, muito agradecido — replicou Julian alegremente —. Sabia que aceitarias!

— Após pôr-me num compromisso inevitável, bem podias supô-lo.

— Mas — Waldo, ela é a tia dessa criatura encantadora! — disse Julian rindo.

— Não me digas! Agora só falta que descubras que tão encantadora criatura está comprometida com um desses selvagens locais e ficarás com um com cara de trouxa.

— Oh, não! Estou seguro de que não é assim — exclamou Julian confiadamente —. Seu primo tê-lo-ia mencionado — Ademais...

— Referes-te a Charlotte — Estava ela ali?

— Charlotte? Não — quem é Charlotte? Courtenay Underhill!

— Ah, um primo varão. Como é?

— Oh, muito agradável! — disse Julian. Duvidou uns instantes e depois acrescentou: — Sim, já sei o que estás a pensar. Suponho que é um pouco o que tu chamas um dândi, mas é muito jovem; mal deixou de ser um colegial.

— Ouçam ao velho! — comentou sir Waldo com negligência.

— Vamos, Waldo—! Só quis dizer que ainda não tem vinte e eu tenho vinte e três, apenas isso.

— É verdade — Pois devo dizer que os levas muito bem.

O riso contagioso de Julian voltou ao ouvi-lo. Replicou:

— De toda maneira é bastante velho para te imitar.

— É nisso que mestre Underhill dedica o seu tempo?

— A moda dos coríntios pelo menos. Tem estado a olhar-te com tal atenção que não apostaria um penny contra a possibilidade de que, no prazo de uma semana, não apareça com um traje igual ao teu. Ademais, fez-me toda classe de perguntas sobre você.

— Julian! — disse sir Waldo com tom de severa repreensão —. Diga-me que classe de histórias tens estado contando a esse azarado rapaz!

— Não fiz tal coisa! Disse-lhe que não sabia em que aventuras te tinhas metido. O qual é verdadeiro, ainda que agora saiba mais de você que antes. É verdade, Waldo, que uma vez ganhaste cinco guinéus por derrubar no segundo assalto a um boxeador de feira?

— Deus meu! Como diabos chegou essa história até Yorkshire? Conhecia-a, e se essa é a classe de loucuras que teu novo amigo admira, suponho que ter-lhe-ás dito que foi um embuste.

— Não. Como poderia fazê-lo? Disse-lhe que te perguntasse sobre que o tinha de verdadeiro nisso.

Preferiu não se acercar de você esta noite, mas acho que o fará na próxima semana, quando formos a Staples.

— Antes desse prazo — muito antes desse prazo — ter-te-ei jogado fora desta casa, insignificante do inferno!

— Não atrever-te-ás! Se o fizer instalar-me-ei na hospedaria! Espera até ver miss Wield. Então compreenderás!

Sir Waldo replicou-lhe sem dar-lhe muita importância, mas começava a sentir-se um pouco inquieto.

Tinha um tom na voz de Julian que era totalmente novo, e nunca antes tinha visto a seu jovem primo perseguir a uma jovem com tal determinação que não tinha em conta as óbvias desvantagens de uma tia vulgar e um primo que ele mesmo reconhecia como um dândi. Não temia pelas consequências, pois também não lhe tinha visto procurar a companhia daqueles que ele mesmo descrevia como impróprios e era muito pouco provável que tratasse de se comprometer com uma jovem, sem lhe importar o quão bela fosse, se provia das classes inferiores que instintivamente evitava. Ao mesmo tempo, não era próprio dele o mero flerte. Sir Waldo sabia que, apesar de seu caráter alegre, no fundo era um homem sério e de fortes princípios. Podia (ainda que seu experimentado primo duvidava-o) tratar-se de divertimento em companhia das jovens, mas era totalmente alheio a sua forma de ser despertar deliberadamente em qualquer peito virtuoso esperanças que não estava disposto a satisfazer. Num par de ocasiões tinha achado que estava apaixonado e inclusive galanteado a uma das raparigas, mas estes flertes foram extinguindo-se até cessar de morte natural. Nunca tinha galanteando a uma garota casadoura com o cínico espírito de um libertino; suas juvenis aventuras amorosas podiam ser transitórias mas eram totalmente sinceras.

— Agrada-me o Squire. A ti não? — perguntou Julian, de um modo irreflexivo.

— Bem mais que sua esposa!

— É uma pretensiosa, não é verdade? Ao contrario de suas filhas que são alegres e muito pouco afetadas, ainda que não sejam nada do outro mundo, é claro. Suponho que a mais formosa, au fait de beauté, como diria mamãe, é essa ruiva provocante, mas de minha parte prefiro o modo de ser de miss Chartley — e de seus pais. Não têm falsas pretensões, mas sim... não sei como expressá-lo!

— Um toque de qualidade — sugeriu sir Waldo.

— Sim, é isso — assentiu Julian bocejando para sumir-se depois num amodorrado silêncio.

A partir de então e durante os dias seguintes não falou mais de miss Wield. Longe de demonstrar qualquer sinal de paixão, dedicou-se à busca de um colega de caçada com a ajuda do senhor Gregory Ash; travou amizade com o irmão mais velho de Jack Banningham e participou com ele no tiro aos pombos; arrastou a seu primo a uma viagem de vinte milhas para ver um muito pouco interessante moinho; e, em geral, parecia mais interessado no desporto que em belezas espetaculares. Sir Waldo não se livrou totalmente de suas dúvidas sobre se estava mais interessado do que sua mãe tivesse querido, mas tratou do esquecer tudo pensando que bem podia estar equivocado. Na quarta-feira, quando viu a miss Wield na festa de Staples, compreendeu que não estava errado.

O vestíbulo de Staples era muito grande, com a escada principal elevando-se numa graciosa curva.

Justo no momento em que os primos acabavam de entregar a um criado seus abrigos e chapéus e se dispunham a seguir ao mordomo, miss Wield começou a descer lentamente as escadas, se detendo quando os viu, ao mesmo tempo em que exclamava:

— Oh, oh, não sabia que já tinham chegado os convidados! Atrasei-me e minha tia me repreenderá!

Como está você, lord Lindeth?

Como conduta apropriada de quem devia ser considerada como a filha da casa, o atraso deixava muito a desejar; mas como entrada em cena era soberba. Sir Waldo não se surpreendeu em absoluto vendo a seu primo prender o ar; até ele o conteve, pois nunca tinha encontrado com alguém tão adorável e ele não era impressionável nem tinha vinte e três anos. As fitas que enfeitavam o vestido de baile de Tifanny, de crepe azul céu e gaze prateada, eram de um azul intenso, mas não mais que o de seus olhos, aos quais pareciam realçar. Com uma mão enluvada sobre a balaustrada e seus bonitos lábios abertos num sorriso que mostrava seus brancos dentes, Tiffany oferecia um espetáculo que alegrava os corações masculinos.

"Deus meu! — pensou sir Waldo —. Nós estamos bem!"

Ela seguiu descendo as escadas enquanto Julian permanecia imóvel. Recompondo-se adiantou-se a seu encontro enquanto gaguejava:

— Miss Wield! Nos em...encontramos de novo — finalmente!

Umas encantadoras covinhas apareceram nas faces dela enquanto lhe estendia a mão.

— Finalmente — Mas se mal faz uma quinzena desde que o distraí de sua pesca! Estava tão aborrecido, tão terrivelmente aborrecido!

— De jeito nenhum! — declarou ele rindo —. Só quando a procurei em vão em Manor na semana passada e também não pode se dizer que estivesse aborrecido, apenas contrariado.

Atreveu-se a apertar-lhe a mão antes de soltá-la e virou-se para apresentá-la a seu primo.

Sir Waldo, que suspeitava (muito acertadamente) que Tiffany tinha estado aguardando no andar superior para calcular o momento certo para fazer sua entrada em cena, fez uma reverência e pronunciou o habitual "Como está você?" com modos que eram uma mistura de cortesia e indiferença. Tiffany, acostumada a ser acolhida com fervente admiração, incomodou-se. Não tinha estado muito tempo na casa de seu tio Budford em Portland Place, mas também não tinha desperdiçado a estadia e sabia perfeitamente que, sem levar em conta a sua posição, lord Lindeth era uma nada comparado com sua esplêndido primo. Atrair o “Incomparável”, ainda que fosse temporariamente, era suficiente para conferir distinção a qualquer dama, e inspirar-lhe uma paixão duradoura um ressonante triunfo. Pois apesar de que se dizia que tinha tido muitos flertes, aparentemente sempre tinha sido com mulheres casadas, e as claras preferências que tinha mostrado de tempo em tempo não tinham promovido nenhum escândalo ou dado razão para achar que seus afetos tinham estado seriamente comprometidos.

Tiffany, fazendo uma reverência, levantou seus olhos, dedicando-lhe um olhar tímido e inocente.

Dava-se conta de que era muito bem parecido e bem mais elegante do que tinha suposto. Mas em lugar de expressar admiração, o que fazia era caçoar, e isto lhe desagradava muito.

Sorriu-lhe enquanto dizia: — Se parecer bem acompanhar-lhe-ei para ver a minha tia. Espero que ela não me repreenda.

A senhora Underhill não se mostrou disposta a repreender a ninguém, ainda que se sentisse surpreendida ao ver os dois visitantes tão distinguidos entrando no salão sem ser anunciados.

Quando, depois, se inteirou por seu ofendido mordomo que miss Tiffany o tinha afastado como se fosse um fardo, ficou pasma exclamando: "O que pensaram!"

Ao reprovar a sua descortesia, Tiffany riu e disse, com a autoridade de quem viveu três meses no centro do mundo social londrino, que uma falta no cerimonial era justamente o que atraía a pessoas como lord Lindeth e o “Incomparável”.

Lord Lindeth, se não estivesse tão deslumbrado para fixar sua atenção na conduta de Tiffany quando impulsivamente o tomou pela mão para o apresentar a sua anfitriã, seguramente teria corroborado tais palavras; sir Waldo, que os acompanhava, teria achado divertida a falta de tato se qualquer outro jovem que não fosse Julian estivesse envolvido por ela. De jeito nenhum era responsável por Julian, mas tinha-lhe em grande apreço e sabia muito bem que sua tia confiava implicitamente nele para manter a seu querido filho afastado de qualquer problema. A tarefa não tinha sido até o momento um ônus para ele, mas Tiffany teria se sentido orgulhosa se tivesse sabido que um olhar tinha bastado para que sir Waldo compreendesse que ela representava o primeiro perigo real que Julian devia enfrentar.

Um rápido olhar permitiu a sir Waldo dar-se conta de que estavam presentes as mesmas pessoas que tinha encontrado no jantar do Squire, e se resignou ante a idéia de que ia passar outra noite de aborrecimento, como sua anfitriã tinha antecipado. "Porque não se pode convidar a uma classe de pessoas que não existe, nem com a melhor boa vontade do mundo — tinha dito a miss Trent —. A senhora Mickleby encarregou-se de convidar às famílias notáveis que conhecia. — “Atrever-me-ia a dizer, se estiver segura, que pensou que completaria minha lista com os Shilbottles, os Tumbys e os Wrangles, e se é assim estava totalmente equivocada." Miss Trent tinha-lhe sugerido timidamente que os Shilbottles eram pessoas muito agradáveis, mas foi sem resultado. "Agradáveis pode ser, mas não são distintos — tinha dito a senhora Underhill —. O senhor Shilbottle vai todos os dias a sua fábrica em Leeds e acho que seria um erro convidá-lo para que conheça a um lord. Só faltava que me dissesse que convidasse aos Badgers! Não! Sua senhoria e sir Waldo poderão aborrecer-se, mas não ficarão insultados." Depois, com o semblante risonho, tinha dito: "De uma coisa podem estar seguros: não encontrariam a faltar nada no jantar!"

Os pratos oferecidos a seus convidados eram tão extraordinários como abundantes. Serviram-se dois pratos fortes, com quatro mudanças de serviço, e uma série de acompanhamentos que iam desde a tenra vitela à Mantua, camarão e lagostas, até soufflés de laranja, aspargos e umas "Delícias do paladar", um prato que tinha tornado famoso o seu cozinheiro.

Miss Trent não participou do jantar, mas a seu termo acompanhou a Charlotte ao salão. Sir Waldo viu-a em seguida, quando entrou com os outros cavalheiros. Ia vestida com um vestido de crepe, com fitas lilás, mangas longas e um corpinho alto, como devia um ama, ainda que ele pensasse que era a mais distinta das damas presentes e logo abriu caminho até ela.

O salão tinha sido esvaziado para o baile e os músicos de Harrogate afinavam seus instrumentos. A senhora Underhill, ao dizer que a gente jovem se dispunha a dançar, rogou a sir Waldo que não se sentisse na obrigação do fazer, o que permitiu a este permanecer com as pessoas mais velhas. Podia ser famoso por sua cortesia, mas não estava disposto a suportar a uma dúzia de meninas provincianas através de uma sucessão de danças camponesas. Mas quando estavam formando a primeira quadrilha se acercou a miss Trent e lhe pediu que lhe concedesse a honra de dançar com ela. Ancilla declinou o oferecimento, mas não pôde deixar de se sentir orgulhosa.

— Que decepção! — exclamou sir Waldo —. Não irá me dizer, madame, que não sabe dançar?

A inesperado reprovação surpreendeu Ancilla, o que a fez perder sua calma habitual:

— Não, obrigado. Bom, sim, é claro que danço, mas...

— Continue — disse ele a animando, quando ela, zangada consigo mesma, se calou —. Você dança, mas não com... cavalheiros que são aficionados às façanhas desportivas. Entendi-o bem...

— Eu disse isso? — disse ela o olhando fugazmente.

— Sim, e com um tom de severa desaprovação. Você não disse que não desejava dançar comigo, certamente; a ocasião não se tinha apresentado.

— Não disse tal coisa, senhor — replicou ela vivamente —. Disse-lhe, acho que cortesmente, que não danço em absoluto.

— Disse que sim dançava, mas—! Depois suponho que a cortesia a fez calar! Praticamente emudecê-la! Desejaria que me explicasse que fiz para merecer sua desaprovação.

— Está muito equivocado, senhor. Que eu saiba não fez nada. Asseguro-lhe que eu não o desaprovo.

— Foi então coisa de minha imaginação, miss Trent — Não o creio, mas estou muito disposto a me convencer disso. Unamo-nos à quadrilha...

— Sir Waldo, acho que você está num erro. Seria incorreto que dançasse com você ou com qualquer outro. Eu não sou uma convidada. Sou uma ama!

— Sim, e uma mulher de grandes qualidades — murmurou ele.

Ela o olhou surpreendida enquanto dizia:

— Sabia-o então? E pediu-me que dance com você? Bem, devo reconhecer que lhe estou muito agradecida, mas acho que é uma falta um pouco estranha em você! Convidar ao ama em lugar de miss Wield?!

— Meu primo se adiantou. Por favor, não me enumere a lista de senhoritas que poderia acompanhar.

Não duvido de que devem ser muito amáveis e que um algumas delas são realmente bonitas, mas sei que encontrá-las-ia a todas terrivelmente aborrecidas. Prefiro que você não dance; assim podemos seguir conversando.

— Impossível — disse ela com resolução —. Estou muito por abaixo de seu nível, senhor!

— Não, não, por favor, você se expressa em termos muito fortes! — replicou ele —. Quando sei de boa informação que seu tio é um general!

Por um momento suspeitou que se estava a burlar dela; então, ao olhar-lhe aos olhos convenceu-se de que sorria por uma travessura que supunha que compreenderia.

Com lábios trêmulos perguntou:

— A senhora Underhill disse tal coisa — Não irá supor que o sabe por que eu lho tenha dito!

— Outra de meus enganos. Supunha que você o mencionava em todas as conversas e me

perguntava como era possível que não o tivesse feito a primeira vez que nos vimos.

— Desejaria que não tentasse me fazer rir! — disse ela reprimindo uma gargalhada —. Por favor, sir Waldo, vá conversar com a senhora Mickleby ou lady Colebatch ou qualquer outra. Posso ter vinte generais em minha família mas continuo sendo o ama, e você sabe que as amas devem permanecer discretamente afastada.

— Isso soa como altivez — exclamou ele.

— Bom, não o é! É uma questão de princípios sociais. Seria muito mau visto que eu tratasse de me destacar. E pode ocorrer que a senhora Banningham me pergunte como é possível que você esteja falando comigo. Justo o que as pessoas precisam para começar a murmurar. Você pode estar muito acima da opinião alheia, mas posso lhe assegurar que eu não.

— Não sou tão arrogante como você pensa! — assegurou-lhe ele —. Dar pábulo a fofocas é o que menos desejo. Mas é difícil achar que até a mais altiva das matronas possa surpreender-se pelo fato de que esteja a conversar com a sobrinha de um de meus conhecidos. Inclino-me a pensar que, pelo contrário, consideraria que estava sendo descortês se deixasse de fazê-lo.

— Conhece meu tio? — perguntou ela.

— Certamente que sim; somos membros do mesmo clube. Não quero ser presunçoso. Ele é um homem mais distinto e mais velho que eu, e todo o que posso pretender é figurar entre seus conhecidos.

Ela sorriu mas o olhou um tanto inquieta.

— Também conhece a seu filho, senhor? Meu primo, o senhor Bernard Trent?

— Não que eu recorde. Deveria?

— Oh, não! É muito jovem, mas tem numerosos amigos entre os coríntios. Pensei que talvez o tivesse visto alguma vez.

Ele negou com a cabeça; e como sir Ralph Colebatch se acercava, ela se desculpou para ir a busca de Charlotte. Logo descobriu dançando com Arthur Mickleby e deu-se conta que, enquanto ela estava a conversar com o “Incomparável”, sua atrevida pupila tinha conseguido para que Arthur a guiasse na quadrilha. Algumas das matronas, pensou, a censurariam severamente por não manter uma estrita vigilância sobre a menina, que só deveria ter estado no salão por um momento olhando aos bailarinos antes de ir para a cama, mas não se surpreendeu quando viu que a senhora Underhill olhava sua filha com ar de satisfação e soube que lhe tinha dado permissão para que ela dançasse.

— Bem, talvez devia ter negado — admitiu a senhora Underhill —. Mas agrada-me ver gente jovem divertir-se, que é o que estão fazendo, Deus a abençoe! Estou segura que não há nada de mau em lhe permitir que participe de um par de danças camponesas. Outra coisa muito diferente seria se fossem valsas! Ou que fosse uma festa formal! — Deixou de olhar Charlotte e acrescentou bondosamente: — E se algum cavalheiro pedir para você dançar com ele, querida, espero que o faça.

Ninguém surpreender-se-ia após ter visto a sir Waldo ir diretamente para você como se fossem velhos amigos.

— Falava-me de meu tio, senhora — disse miss Trent utilizando a mesma desculpa que lhe deu o “Incomparável”, mas ruborizando-se um pouco —. Sabe, são conhecidos.

— Sim, isso é justamente o que disse à senhora Banningham — assentiu a senhora Underhill. — Disse-lhe que podia estar segura que sir Waldo conhece o general e que estão conversando sobre ele a sobre todos os seus amigos de Londres. Não acho que tenha nada mais natural, pois miss Trent está muito bem relacionada. Posso dizer-lhe que se pôs verde. Bem, espero que ninguém pense que sou rancorosa, mas tinha uma conta a saldar com a senhora Banningham desde que na festa do Lord Lieutenant se comportou de forma tão altaneira comigo. — Franziu o cenho e acrescentou: — No entanto, sempre há algo para que o prazer não seja completo e não tenho escrúpulos em reconhecer perante você, miss Trent, que a forma com que sua senhoria olha para Tiffany me põe muito inquieta.

Acho que já o tem rendido a seus pés. Qualquer um pode ver que está louco por ela!

Não podia se pôr em dúvida. Miss Trent pensou que teria sido maravilhoso se ele não a estivesse olhando com tanta admiração. Porque Tiffany, sempre disposta à adulação, estava radiante: um delicado rubor nas faces, os olhos brilhantes como safiras e um adorável e provocativo sorriso nos lábios. Meia dúzia de jovens cavalheiros tinham-lhe solicitado a honra de guiá-la na primeira dança; tinha feito promessas a todos e depois estendeu a mão a lord Lindeth, ocupando seu lugar na quadrilha enquanto três senhoritas menos afortunadas ficavam sem par. Mas isto era algo que pouco importava a Tiffany. — Miss Trent, se esse jovem pensa que dançará mais de duas danças seguidas com ela, está enganado — disse a senhora Underhill repentinamente —. Diga a Tiffany que não o deve fazer, pois a mim não prestará atenção. Além disso, seu tio colocou-a sob os seus cuidados.

— Não a envergonhará publicamente, madame — disse Ancilla sorrindo —. Ocupar-me-ei de seu desejo, é claro, mas acho que lord Lindeth não lhe pedirá uma terceira dança.

— Mas querida, se o que ele quisesse é ser seu único par!

— Sim, mas sabe que não deve fazê-lo e tem demasiado conhecimento da etiqueta para nem sequer o tentar. E, em honra à verdade, madame, acho que a pesar dos seus modos,Tiffany também não permitirá.

— Tiffany? — exclamou a senhora Underhill com incredulidade —. Mas se tem menos sentido da correção que um gato de rua!

— Efetivamente. Mas é uma perfeita coquete, madame — replicou-lhe Ancilla sem poder evitar o riso que lhe produzia a cara de espanto da senhora Underhill —. Rogo-lhe perdoe-me! Certamente não está correto o que faz, sobretudo na sua idade. Mas deve reconhecer que uma simples faceirice com Lindeth não justifica seus temores.

— Sim, mas ele é um lord — objetou a senhora Underhill —. Você sabe que ela diz que quer se casar com um.

— Devemos então convencê-la de que está desperdiçando a ocasião ao eleger um de menor posição que um visconde — respondeu-lhe Ancilla com ligeireza.

A dança terminou e Ancilla teve a satisfação de ver que tinha acertado. Tiffany dançou a seguinte com Arthur Mickleby e depois com Jack Banningham. Lord Lindeth, por sua vez, dançou com as senhoritas Colebatch e Chartley, e miss Trent conseguiu separar Charlotte de um grupo de jovenzinhos ruidosos e levou-a ao seu quarto. Charlotte protestou por ter que se retirar antes dos refrescos, pois esperava tomar seu primeira copo de champanhe. Miss Trent, que a duras penas conseguiu reprimir um estremecimento, a confiou à idosa babá e voltou ao salão.

Quando entrou, os músicos estavam fazendo uma pausa. Não viu a senhora Underhill e supôs que se encontrava no salão vizinho, onde alguns dos convidados de mais idade estavam jogando whist.

Também não viu Tiffany, fato que a encheu de inquietude. No preciso momento em que se dava conta que Lindeth era outro dos ausentes e duvidava a qual dos dois procurar primeiro, uma voz falou a seu lado.

— Procurando a sua outra pupila, miss Trent?

Voltou rapidamente a cabeça. Sir Waldo olhava-a com certa ironia, enquanto abria sua caixa de rapé e tomava delicadamente uma pitada.

— No terraço — disse.

— Oh, não! — exclamou ela involuntariamente.

— Bem, certamente podem ter caído na tentação de irem passear pelos jardins — concedeu ele —. No entanto, o objetivo declarado foi o terraço.

— Suponho que foi lord Lindeth quem a levou ali.

— Você pode acreditá-lo — Do meu ponto de vista devo dizer-lhe que foi ela quem tomou a iniciativa.

— É muito jovem, mal acaba de sair da escola — respondeu-lhe ela mordendo os lábios.

— Uma reflexão que seguramente causa a seus parentes grandes preocupações — replicou sir Waldo com tom afável.

Ancilla não pôde deixar de concordar com ele que era muito difícil encontrar uma desculpa para a conduta de Tiffany.

— Ela... ela é muito decidida e muito ignorante... de... E já que seu primo foi quem agiu incorretamente, acompanhando-a, acho que você deveria ter intervindo.

— Minha querida miss Trent, eu não sou o guardião de Lindeth, muito menos de miss Wield. Graças a Deus!

— Poderia tê-los impedido! — contestou ela. Depois, vendo pela expressão de seu rosto que estava se divertindo com o episódio, acrescentou: — Sim, pode rir, senhor. Mas sou eu que está cuidando de miss Wield, ou pelo menos sou a responsável, e não me parece que seja coisa para rir. Devo fazer algo!

Olhou a seu ao redor enquanto franzia o cenho. Era uma cálida noite de junho e no salão fazia calor.

Mais de uma jovem se abanava, com o rosto suado, e muitos pescoços de camisa começavam a afrouxar-se. A frente de miss Trent se abriu. Dirigiu-se a um pequeno grupo formado por miss Chartley, a resplandecente senhorita Colebatch, a mais nova das filhas do Squire e seus acompanhantes, e lhes disse com seu encantador sorriso:

— Terrivelmente quente, não é verdade? — Não me atrevo a abrir as janelas, pois vocês já sabem os protestos que teria. Não gostariam de sair um momento? Faz uma noite tão esplêndida que me aventurei a dizer aos criados que levassem limonada ao terraço. Mas devem pôr os xales!

A sugestão foi aceita com agradecimento pelos cavalheiros. Alegremente a filha do Squire exclamou:

— Oh! Que divertido!

Miss Chartley, por sua vez, pensou por um momento no que diria sua mãe, olhou a miss Trent, com verdadeiro titubeio, mas se depois dissesse que tal iniciativa tinha partido da senhorita Trent não podia ter nada de mau em isso. E em poucos minutos a hábil dama tinha reunido meia dúzia de casais, dando ordens ao assombrado mordomo para que trouxesse a limonada, enquanto informava a várias matronas, com um franco sorriso, que tinha acedido aos desejos dos jovens de permanecer no terraço antes de retomarem para dançar, mas sob sua vigilância. Ela encarregar-se-ia de que nenhuma das jovens sofresse um resfriado e, na verdade, devia se apressar para comprovar que todas levavam seus xales.

Sir Waldo foi o alegre espectador da inteligente atuação. E quando a senhorita Trent, depois de ter levado a seu rebanho ao terraço, se dispunha a entrar de novo, descobriu-o outra vez junto a ela, lhe sorrindo de maneira perturbadora.

— Muito bem feito! — Disse-lhe ele, enquanto afastava a pesada cortina que dava ao terraço.

— Muito obrigado. Espero que dê resultado, ainda que me temo que irão considerá-la como uma conduta fora do comum para um ama respeitável — disse ela.

— De jeito nenhum. Você a fez admiravelmente — respondeu-lhe ele escoltando-a. Colocou os impertinentes no seu devido lugar.

— Dou-me conta, é claro, que esses tratantes podem ter ido bem longe, será tarefa minha ir procurá-los e — Não, não foram tão imprudentes! Que sorte! Agora ambos podemos ficar tranqüilos!

— Sim, é verdade! — respondeu ela com a maior tranquilidade —. Estou surpreendida de vê-lo tão preocupado, senhor.

Ele riu, mas antes que lhe pudesse responder, ela se tinha afastado para pôr um xale sobre os ombros de Tiffany. Courtenay, que tinha estado aguardando seu momento, aproveitou a oportunidade de que o “Incomparável” estava só pela primeira vez na noite para se acercar e lhe perguntar muito respeitosamente se desejava um copo de champanhe. Depois acrescentou, temendo que o grande homem lhe repreendesse por se atrever a lhe dirigir a palavra:

— Sabe, senhor, eu sou Underhill.

Sir Waldo recusou o champanhe, mas o fez cortesmente, desmentindo o senhor Jack Banningham, quem tinha dito que qualquer tentativa por parte de Courtenay de travar conversa com o

“Incomparável” seria objeto de censura.

— Encontramo-nos em Manor, não é verdade? — E acho que o vi, dias atrás, na estrada de Harrogate cavalgando um baio de muito boa estampa.

Não precisava animá-lo mais. Em poucos minutos Courtenay tinha-o submetido a um exaustivo interrogatório sobre todas as façanhas, verídicas ou não, que se eram atribuídas. Sir Waldo suportou-o o melhor que pôde, até que finalmente disse:

— Você irá me jogar na cara todas minhas loucuras de juventude? Achava que tinham sido esquecidas de uma vez por todas!

Courtenay ficou aborrecido, mas miss Trent, que não estava longe, convenceu-se ao escutá-lo que sua favorável primeira impressão do “Incomparável” não tinha sido equivocada.


Capítulo VI

 

 

A senhora Mickleby tinha sido a primeira em ter a honra de receber o “Incomparável” e a seu primo.

Mas todos reconheciam que o acontecimento que marcou o início da série de festejos que fizeram esse verão memorável, foi a festa informal da senhora Underhill. Anfitriãs que até então só tinham ligeiramente competido entre si, de repente se sentiram presas de um furioso espírito de concorrência, e os convites choveram sobre toda a comarca, prometendo festejos que iam desde a mais estrita etiqueta a cafés da manhã de venezianos. Reuniões e excursões campestres eram compromissos de todos os dias, e até a senhora Chartley sucumbiu ao fervor reinante convocando um grupo escolhido para participar de um piquenique ao ar livre, junto às ruínas da abadia de Kirkstall. A modesta expedição conseguiu um sucesso que não tiveram muitas das outras festas; pois não só reinou o bom tempo, como o “Incomparável” participou dela. A senhora Banningham, cujo audaz cotillón tinha resultado num fracasso, foi incapaz, durante vários dias, de tratar a esposa do pastor com certa cordialidade; e não lhe servia de consolo saber que ela era a única responsável pelo fracasso em que tinha terminado sua festa, organizada para superar a todas as demais. Tinha sido bastante imprudente para excluir dela à família de Staples, dizendo a sua querida amiga, a senhora Syston (na mais estrita das confidencias), que não tinha porque dar uma oportunidade a Tiffany Wield para flertar com lord Lindeth sob o teto de sua casa. A senhora Syston não revelou a ninguém seu segredo, com a exceção da senhora Winkleigh, quem era incapaz de o divulgar; mas, por algum caminho misterioso, a senhora Underhill inteirou-se daquela intenção, e apressou-se a mandar seus próprios convites antes dos elaborados cartões da senhora Banningham fossem trazidos de Leeds.

Mandou um de seus criados com uma nota para sir Waldo Hawkridge, convidando a ele e a seu primo para cear em Staples no dia fatal; e, quando recebeu sua aceitação, os Chartleys e os Colebatch também foram convidados. Não se tratava de uma festa, explicava a senhora Underhill a todos eles: somente uma reunião entre amigos.

— E se com isto não me ponho à frente da senhora Banningham, pode acusar-me de que não sei o que faço! — disse a miss Trent —. Ficará com uma cara! Ela e suas festas de cotillón!

A decepção da senhora Banningham quando recebeu as gentis desculpas de sir Waldo foi enorme, mas pior foi a sua raiva quando se inteirou de que todos os que tinham declinado seu convite tinham estado em Staples, ceando no terraço e, ao anoitecer conversando no salão e participando de jogos infantis como adivinhações e as figuras de palha. Sua própria festa tinha sido um exemplo de falta de interesse. Todos tinham se sentido decepcionados pela ausência do “Incomparável”; e a pesar da jovem participação feminina não ocultasse sua satisfação pela ausência de Tiffany, a maioria dos cavalheiros, incluindo a seu filho Jack, consideravam qualquer festa onde ela não estivesse presente como intoleravelmente cacete. A senhora Banningham nem sequer pôde ter o consolo de que o

“Incomparável”se tivesse se aborrecido em Staples, pois Courtenay tinha contado a Jack que a festa tinha durado até mais de meia-noite e que, quando chegou o momento de jogar as figuras de palha, o

“Incomparável”os tinha superado a todos, incluindo miss Trent, que tinha umas mãos muito hábeis.

Aparentemente, a tinha desafiado quando descobriu quão bem jogava. Tinha ficado tão entretido que sir Ralph Colebatch tinha apostado em favor de miss Trent e até o pastor tinha tomado partido. A senhora Banningham não podia convencer a ninguém, e muito menos a si mesma, de que o

“Incomparável” se tinha aborrecido. Isto não tinha ocorrido, nem também custou grande trabalho a Julian o persuadir para que aceitasse o convite da senhora Underhill. O “Incomparável”, que tinha decidido não permanecer mais tempo em Yorkshire que o necessário para pôr em marcha alguns arranjos em Broom Hall, adiava sua partida, suportando inclusive algumas incômodos, pois os pedreiros já estavam trabalhando na casa. Tinha suas próprias razões para ficar, mas se tivesse albergado a menor esperança de que Julian regressaria com ele a Londres, as tivesse superado (ainda que só temporariamente) à conveniência de pôr fora de perigo o jovem apaixonado. Mas quando tinha sondado a Julian sobre este particular, este lhe tinha contestado com estudada indiferença:

— Sabes — Acho que ficarei em Harrogate por uma temporada, se tu pensas regressar a Londres.

Agrada-me Yorkshire e contraí certos compromissos, e quase prometi a Edward Banningham que acompanhar-lhe-ia às carreiras no mês próximo.

Por isso sir Waldo permanecia em Broom Hall, mantendo um difícil equilíbrio entre seus próprios interesses e os de Julian. Seu crédulo primo teria se surpreendido, e ao mesmo tempo ficado zangado, se soubesse que a despreocupada complacência de sir Waldo ocultava uma firme intenção de pôr a perder o seu romance. O apego a seu primo era demasiado forte para que tivesse dúvidas; em nenhum momento desejou que se fosse, mas com freqüência sentia certa inquietude, e apesar de que Waldo não tivesse pronunciado nem uma palavra contra Tiffany, não podia se livrar da suspeita de que não a apreciava, e que muitas vezes a tratava como se fosse uma menina importuna que devia ser tolerada, mas que de vez em quando tinha que receber uma boa reprimenda. E então, após fazê-la enraivecer, ganhava-a com seu encantador sorriso e lhe fazia passar a zanga com suas palavras ditas em tom de admiração. Nem sequer Julian podia dizer se era sincero ou se estava a enganar; só sabia que Tiffany não era a mesma quando sir Waldo estava presente. Pensou que talvez ela achasse que não era do agrado de Waldo, e isto a punha nervosa. E quando se é muito jovem e tímido, e se está ansioso por causar uma boa impressão em alguém a quem se considera com respeito, é muito fácil se comportar de maneira impertinente ao se esforçar por ocultar a timidez.

Não ocorreu a Julian que não tinha nem uma pitada de timidez em Tiffany, e menos ainda que Waldo a estava provocando deliberadamente para que mostrasse seus defeitos.

Sir Waldo, com quinze anos de experiência em suas costas, só tinha precisado de uma breve olhada para qualificar Tiffany. Não era seu costume jogar com os sentimentos das jovenzinhas, mas uma semana após ter conhecido Tiffany se tinha dedicado a planejar para que a jovem o preferisse e não a Julian. Tinha conhecido demasiados ardis para não reconhecer as iscas de uma dama desejosa de o atrair, e sabia que, por alguma razão além de seu entendimento, possuía o muito pouco desejável dom de inspirar nas debutantes uma romântica mas errada atração. Mantinha-se em guarda desde que em outra ocasião tinha sido (como ele supunha) paternalmente bondoso com a sobrinha de um velho amigo. Ela se tinha apaixonado por ele; e da embaraçosa experiência tinha aprendido a reconhecer os sintomas de uma jovem disposta a entregar-lhe seu coração. Dado que não sentia mais que desprezo pelos homens mundanos que se divertiam a custa da sensibilidade das jovens bonitas, tinha sido seu costume, desde então, desencorajá-las.

Se tivesse descoberto em Tiffany a menor mostra de inclinação romântica por ele, teria seguido sua regra, ao contrário, lhe pareceu entrever sua decisão de agregar seu nome à lista de conquistas, e pôs em dúvida que ela tivesse um coração para perder. Se estava equivocado, pensou cinicamente, não far-lhe-ia mal algum experimentar a mesma pena de amor que afligia a seus numerosos pretendentes. Achava que era tão egoísta como convencida; e se talvez pudesse melhorar com os anos, estava persuadido de que nem por seu caráter nem por seu berço poderia ser a esposa adequada para o jovem lord Lindeth.

Tinha dito a miss Trent que ele não era o guardião de Julian e isto, no mais estrito dos sentidos, era verdadeiro. O pai de Julian tinha confiado a sua custódia a sua mãe e tinha designado dois advogados como seus guardiães; mas sir Waldo suspeitava que a tia Sophia lhe tinha atribuído a tarefa de educar o nobre órfão desde uma idade muito tenra, e assim tinha passado, de maneira imperceptível, de ser o esplêndido primo que iniciava a seu protegido nos viris costumes desportivos (além de lhe enviar guinéus com suas cartas ocasionais e, de quando em quando, aparecer de forma deslumbrante em Eton, guiando uma quadrilha de velozes corcéis para agradá-lo e a meia dúzia de seus colegas, com uma magnificência que era a inveja de todos) a ser o mentor social que introduzia Julian nos círculos seletos e o conduzia através dos labirintos sociais onde mais de um tinha fracassado. Tinha dedicado a Julian um cuidado especial, e ainda o fazia. Lady Lindeth não o poderia culpá-lo mais do que culpar-se-ia a si mesmo se permitisse que Julian se encontrasse enredado a um casamento desastroso, sem que ele movesse um dedo para o evitar.

Mimada quase desde o momento de seu nascimento, favorecida não só com uma grande beleza com por uma considerável fortuna, Tiffany via qualquer homem solteiro como sua presa. Sir Waldo tinha observado no baile de Staples como falava com Humphrey Colebatch para o conquistar, e estava seguro de que só o tinha feito porque o pouco agraciado universitário era indiferente a seus encantos.

Também sabia que para ela significaria um grande triunfo conquistar sir Waldo, ainda que a seus olhos estivesse, devido a sua idade, para além da época do flerte. Tinha especulado, e até tivera uma sombra de dúvida em seu olhar, a primeira vez que se encontraram. Tiffany tinha posto seus olhos nele, mas sir Waldo sabia que podia deter seus impulsos com a maior facilidade. E o teria feito se não tivesse visto a admiração refletida no rosto de Julian, totalmente embasbacado ante a resplandecente beleza da jovem.

Sir Waldo nem estava embasbacado, nem era tão estúpido para supor que serviria de algo indicar a Julian os defeitos de sua adorável criatura, tão evidentes para ele. Mas Julian, sob sua aparente complacência, tinha uma aguda sensibilidade e uma delicadeza de princípios, qualidades que sir Waldo considerava que eram alheias à Tiffany. Também sabia que nada acalmaria mais eficazmente seu ardor que descobrir que ela era uma vaidosa e que carecia de qualquer respeito para com os demais. Julian poderia ignorar e até ofender-se por qualquer advertência sobre o assunto, ainda que viesse de seu ilustre primo, mas não negaria a evidência quando se pusesse aparente. Assim, o

“Incomparável”, longe de se negar às pretensões da formosa miss Wield, num dia a alentava e no outro a desiludia. A envolvia com alguns elogios e depois cometia um ligeiro descaso; e quando se pôs a flertar com ela, o fez de tal maneira que Tiffany não podia adivinhar se estaria realmente envolvendo-o ou não. Nunca tinha encontrado ninguém como ele, pois seus admiradores sempre tinham sido jovenzinhos que careciam de sutileza. Ou bem languesciam de amor por ela ou (como Humphrey Colebatch) a ignoravam totalmente. Mas o “Incomparável”, às vezes fascinante e outras detestável, resultava indefinível; além disso, longe de consumir-se por ela, se mostrava disposto a se rir de seus elogios dizendo que estava fazendo-o de tolo. Tiffany tomou como um insulto. Ele viu o brilho de ira em seus olhos e lhe sorriu dizendo:

— Não, não! você ficaria boquiaberta.

— Não sei o que quer dizer!

— Pois você está considerando se poderá conseguir que eu faça tolices. Eu se for o caso não deve tentá-lo. Nunca faço tolices, nem sequer em relação a uma garota bastante bonita.

— Bastante bonita? — exclamou ela —. Eu?

— Claro que sim — respondeu-lhe em tom sério —. Ou pelo menos assim o penso. Claro que não tenho preconceitos contra as garotas feias, ainda que atrever-me-ia a dizer que há outros que não estão de acordo comigo.

— Assim é! — assegurou-lhe ela, vermelha de indignação —. Eles dizem... todos dizem que sou formosa!

Ele conseguiu se manter sério, mas seus lábios tremeram.

— Sim, certamente — replicou —. É sabido que todas as herdeiras são formosas!

— Mas... não acredita que sou Formosa? — perguntou ela o olhando com incredulidade.

— Muito!

— Bem, sei que o sou — disse ela candidamente —. Ancilla acha que não deveria dizê-lo, e não desejo fazê-lo pelo risco de perder algo de minha beleza quando o faço. Ao menos isso é o que diz Ancilla, ainda que não sei como pode ocorrer tal coisa.

— Claro que não! É absurdo! Faz você muito bem em não dizê-lo.

Ela meditou sobre o significado de suas palavras suspeitando que brincava e finalmente perguntou:

— Por quê?

— As pessoas são é tão pouco observadoras! — ele respondeu-lhe com tom doce.

Tiffany jogou-se a rir, enquanto exclamava:

— Você é abominável. A mais horrível das criaturas. Não quero saber nada mais de você!

Sir Waldo pensou que quando se esquecia de sua afetação e se ria, acusando uma indireta, era realmente encantadora.

Miss Trent que se tinha acercado a tempo para escutar esta última troca de palavras, disse com voz desapaixonada:

— Muito abominável!

Ele lhe sorriu com expressão afetuosa. Estava sempre muito singelamente vestida, mas brilhava com as suas musselinas e as roupas que ela mesma confeccionava com elegância e nunca a tinha visto, nem sequer nos dias mais quentes, com outro aspecto que não fosse de frescura e tranquilidade.

Sir Waldo, depois de aclarar um ligeiro mal-entendido, estava em excelentes termos com miss Trent.

Tinha captado o tom forçado de sua voz quando ela lhe tinha perguntado se conhecia o seu primo; pensou que tinha se alegrado de que não o conhecesse, e procurou a ajuda de Julian para que lhe aclarasse a questão.

— Bernard Trent? — disse Julian —. Acho que não — oh, sim claro que o conheço! Referes ao filho do general Trent não é assim? Só o vi em algumas ocasiões: é o tipo de tonto que sempre alardeia e que está louco pelos cavalos —. Interrompeu-se quando um pensamento cruzou por sua mente e depois exclamou: — Santo Deus! É aparentado com miss Trent?

— Disse-me que é seu primo.

— Senhor! Bem, é o maior perdulário que conheci — disse Julian com franqueza —. Colega de Mountsorrel — acho que estiveram juntos em Harrow—, e tu sabes que classe de tipo é, Waldo.

Sempre com uma mentira nos lábios e achando que cai bem, o que Deus sabe que não é verdadeiro, e freqüentando os piores patifes.

— Sim, conheço o jovem Mountsorrel: um dos novos Tulips (grupo de alta sociedade londrinense) .

— Tulips! — exclamou Julian com todo o desprezo de quem, desde o primeiro momento, tinha sido aceito pelo melhor do grupo dos coríntios —. São de uma vulgaridade que assusta! Um grupo de patifes que se consideram valentes somente pelo fato de ir ver a mudança de guarda ou que se esborracham como porcos no Field of Blood. E, quanto a ser um coríntio, nem sequer sabem por onde começar.

— És muito severo — disse sir Waldo rindo.

— Bem, foste tu quem me ensinou ao ser! — replicou-lhe Julian —. Mountsorrel, reconheço-o, não é mais que um cabeça oca, mas pensa na classe de gente que o acompanha. Por exemplo, aí tens Watchett, com mais capas que você em seu traje de montar, mas nenhum de vocês admiti-lo-ia no Four Horse Clube. Depois, Stone. Sua noção do desporto é perseguir novilhas e fazer correrias em Tothill Fields. Depois temos Elstead: troca mais de cavalos numa temporada que tu em toda tua vida e dispara em qualquer coisa que voa. Acha-se um grande caçador. Além disso, quando você andou de braço com um grupo de bandidos gregos por esses antros de Pall Mall?

— É o que faz o jovem Trent? — perguntou sir Waldo.

— Não sei; não é amigo meu. Não o vi com frequência ultimamente; atrever-me-ia a dizer que o enviaram ao campo.

Provido com esta informação, sir Waldo cedo encontrou a ocasião para esclarecer as coisas com miss Trent. Sem perder o tempo em sutilezas, Disse-lhe alegremente que o tinha julgado mal.

Cavalgavam juntos enquanto Julian e Tiffany faziam-no um pouco mais adiante. A senhora Underhill não tinha encontrado maneira de impedir os passeios quase diários do casal, mas tinha feito questão de que Ancilla os acompanhasse, e algumas vezes tinha conseguido que seu filho se unisse à partida. Ocasionalmente Patience Chartley ia com eles e, muito frequentemente, sir Waldo.

— Por que razão, senhor? — perguntou Ancilla olhando-o.

— Por ter me culpado das loucuras de sua primo. — Ele sorriu ante seu olhar de surpresa e o rubor de suas faces: — O que fez? Lindeth me disse que estava com o jovem Mountsorrel e seu grupo.

— Assim é. Ele e lord Mountsorrel são parceiros de colégio, mas tenho a esperança de que isso tenha terminado. Sua amizade com ele foi desastrosa.

— Tomou o mau caminho, não é assim? Não trato muito com jovens, mas com frequência chegou a meus ouvidos a afirmação de que Mountsorrel tinha mais dinheiro que inteligência, o que faz que sua companhia resulte perigosa para qualquer rapaz crédulo. Demasiados boas-vidas rodeiam-lhe, sem mencionar aos Bloods, os Dashers e outros

— Sim. Meu tio disse algo neste sentido. Mas acredite que eu não lhe culpei de nada.

— Não o fez — Me desaprova. Acreditava ter resolvido o enigma da antipatia que me tem.

— Você não me desagrada. Se acha que fui pouco afetuosa quando nos vimos na vez primeira, é porque não gosto do grupo que você representa.

— Acho que não sabe você nada do grupo que eu represento — respondeu ele com frieza —. Permita-me assegurar-lhe que está bem longe do que representa Mountsorrel, madame.

— Certamente — mas você é... o “Incomparável” — comentou ela com um ligeiro sorriso —. Mountsorrel e seus amigos imitam-lhe em tudo o que podem...

— Rogo-lhe que perdoe-me — disse ele a interrompendo —. Não o fazem, porque não podem! Deus meu! Falo como a encantadora miss Wield, não é verdade? Alguns deles imitam as vestimentas dos coríntios, de uma forma exagerada que não é a minha; ademais, meu grupo, miss Trent, está composto por homens que nasceram com uma aptidão natural para o desporto. Nós o praticamos; Mountsorrel e os de sua classe são apenas espectadores. Ademais, não sei por que copiam nossas maneiras, pois não há nada mais desagradável para eles que os desportos que praticamos. Mas você pode acreditar que um jovem que deseje praticar o desporto, está mais seguro entre os coríntios que entre os presumidos de Bond Street.

— Sim, mas... não os conduzirá para coisas mais perigosas? Por exemplo, o jogo.

— O jogo, miss Trent, não está limitado a uma classe social — contestou secamente —. Não o levará às tabernas de Tothill Fields, a serenatas noturnas ou a perseguir as garotas do West End, até ficar arruinado. — De repente, pôs-se a rir: — Tolices! Não você que se dedicassem a isso não poderiam ficar de pé nem cinco minutos no ringue de Jackson?

— Devo reconhecer que nunca tinha considerado o tema — confessou ela —. Creio recordar, no entanto, que a cada vez que meu irmão Harry estava comprometido para uma partida de cricket, ou coisas do estilo, se preocupava muito em se manter em forma, como costumava dizer.

— Um jovem sensato! Não será um futuro coríntio?

— Oh, não! É militar.

— Como seu tio?

— Sim e também como meu pai.

— É verdade? Conte-me sobre ele! Combateu em Waterloo?

— Sim — quero dizer, meu irmão, mas não meu pai. Ele morreu em Cidade Rodrigo.

— Lamento-o — disse sir Waldo em tom grave sem prosseguir no assunto; em troca perguntou-lhe se seu irmão fazia parte do exército de ocupação. Ela agradeceu sua reserva e lhe respondeu com mais entusiasmo do que o esperado. Poucas vezes falava de sua família, pois a senhora Underhill só se interessava pelo general e conquanto a senhora Chartley algumas vezes lhe perguntava bondosamente por sua mãe e seus irmãos, poucas vezes dava a chance de que ela respondesse algo além de uma resposta breve e cortês, considerando que a senhora Chartley teria muito pouco interesse em pessoas que não conhecia.

Sir Waldo teve mais sucesso em vencer seu reticência e não demorou em saber mais sobre a família Trent do que a senhora Chartley, preocupada por sua própria família e a de seu marido, teria imaginado. Sabia que Will — o melhor de todos os filhos e irmãos — era o titular de uma paróquia em Derbyshire e pai de uma promissora família. Tinha-se casado com a filha de um dos mais antigos amigos de seu pai, uma boa jovem, querida por todos eles. Mamãe e Sally viviam com ele e Mary em grande harmonia. Sally era a mais jovem da família: ainda em idade escolar mas prometia muito.

Muito possivelmente chegaria a ser uma jovem muito bonita. Christopher tinha passado com eles as férias, excetuando o tempo em que seu tio o convidou à Londres, onde se divertiu com tudo: desde o tiro aos pombos em Regent's Park ou a patinação no Serpentine, até as representações no anfiteatro de Astley e as noites pugilísticas em Fives Court. O tio Mordaunt tinha tomado a cargo a educação de Kit em Harrow. Nada podia superar a bondade e generosidade do tio Mordaunt que, apesar de contar com uma fortuna relativamente modesta, quase tinha ofendido para que todos fossem viver sob o teto de sua casa. Mas com Harry tão bem situado, Will em condições para contribuir nos gastos familiares, agora que tinha seu paróquia e com mamãe educando ela mesma à Sally, para o que estava muito qualificada, pois era a filha de um professor de grego, teria sido surpreendente que se sujeitassem a que os mantivessem.

— E a mais velhas das senhoritas Trent, suponho, não deseja em modo algum que a

mantenham?disse sir Waldo.

— Não eu não preciso. Mas não deve achar que não estou muito agradecida a meus tios. Minha tia foi muito bondosa ao fazer todo tipo de esforços para que me destacasse. Também não descansou para conseguir-me um bom pretendente — replicou ela rindo —. Está convencida de que, mesmo que eu não tenha fortuna, poderia conseguir um bom casamento se me propusesse. Céus! Não posso rir dela, pois me suportou com muita paciência, mas é uma senhora tão engraçada!

— Pobre senhora. E você, nunca ficou tentada a querer se destacar, sobressair-se? — perguntou sir Waldo seriamente mas com o riso nos lábios.

— Não, sempre fui uma gata velha em seu rincão — replicou-lhe alegremente.

— Você é? Permaneceu com seus tios somente uma temporada?

— Sim, mas não ache que não poderia ter ficado mais se o tivesse desejado — afirmou ela —. Mas teria sido um abuso, pois têm que cuidar de três filhas solteiras. Eu pensei... especialmente quando Bernard se endividou tanto...

— E então decidiu empregar-se como ama. Suponho que não sem oposição.

— Will e Harry armaram um escândalo, e até Mary disse que não era correto que eu me negasse a que me mantivessem. Imaginavam que teria uma vida miserável e trabalharia como uma escrava. O

que os tranqüilizou foi pensar que se me encontrasse numa situação intolerável voltaria para o seu lado.

— Você fez isso alguma vez? — — perguntou-lhe, olhando-a atenciosamente.

— Não, nunca. Não duvido que poderia tê-lo feito, mas fui muito afortunada. A senhorita Climping, à quem tanto quero, me tratou mais como sobrinha que como patroa; e foi ela quem me recomendou à senhora Budford para cuidar de Tiffany.

— Santo céu! Chama a isso boa fortuna?

— Certamente que sim! Meu caro senhor, se eu lhe dissesse a enorme soma que me pagam você assombrar-se-ia.

— Entendo muito pouco destas coisas, mas acho que um bom camareiro consegue uma paga superior à de um ama.

— Mas eu sou um ama excepcional! — disse ela, fingindo se dar grande importância —. Imagine você!

Além de ensinar coisas tão comuns como pintar à aquarela, aritmética, geografia, etc., posso instruir a minhas alunas em música — tanto no piano como na harpa—, e conheço o francês e o italiano.

— Não duvido que cobrem de você a cada penny que lhe pagam — respondeu ele sorrindo.

— A verdade é que não é assim — replicou ela com uma gargalhada —. Minha consciência muitas vezes atormenta-me, asseguro-lhe, pois Charlotte não tem nem aptidão nem disposição; e Tiffany não vai além de aprender de cor as palavras de uma canção italiana. Convencia de que aprender a tocar o piano é algo indispensável para uma dama com ambições sociais; mas não há maneira de que toque harpa. Queixa-se de que lhe rompe as unhas e diz que é melhor ter umas unhas bonitas que tocar o harpa.

— De qualquer jeito faço questão de que você ganhe o seu pagamento, madame.

Ele recordava esta conversa quando ela se uniu a ele no terraço exclamando: Muito abominável!

Agora se dava perfeita conta que seu trabalho era mais de instrutora que de ama, e como a considerava demasiadamente inteligente para não ver o jogo que fazia com Tiffany, esperava o dia em que lhe chamasse a ordem. Parecia-lhe que a senhora Underhill aceitava complacentemente a paixão de Julian. Longe de mostrar desgosto por suas frequentes visitas, tinha rogado a ambos que considerassem Staples como sua própria casa, sem nenhum tipo de elogios. "Muito pouco habitável deve estar Broom Hall, com os pedreiros trabalhando e pó por todas partes — tinha dito ao

“Incomparável” —. "Traga sua bagagem quando quiser, sir Waldo, e tenha a certeza de que será bem-vindo.

Enquanto acompanhava a miss Trent até um dos rústicos cadeirões do terraço, lhe disse:

— Muito verdadeiro! Mas você acha que fará algum dano ao seu encantador ônus suportar alguns desapontamentos?

— Oh, não! — replicou ela com voz calma —. Mas temo que também não lhe faça nenhum bem. A pesar de tudo, esse não é seu objetivo, não o verdadeiro, não é senhor?

Sir Waldo deteve-a quando ia se sentar exclamando:

— Um momento. Você terá o sol de frente. Permita-me que mude o seu assento. Ela lhe permitiu, dizendo, ao mesmo tempo em que sorria:

— Tratando de mudar de assunto, senhor?

— Não, não, simplesmente tomando fôlego, madame!

— Imagino que será alguma horrível expressão de boxe — observou ela —. Espero que você não me considere tão tola como para não saber qual é seu propósito.

— Não o creio — confessou ele —. Devo reconhecer que me debatia entre a esperança de que você sabê-lo-ia e o medo de que me arranque a pele.

Se ela se sorriu o fez tão ligeiramente que ele não se deu conta. Miss Trent respondeu-lhe ignorando a primeira parte da confissão:

— Não era minha intenção lhe fazer nenhuma reprovação.

— Agora sim que você me surpreendeu!

— Suponho que em determinadas circunstâncias ter-lhe-ia feito alguma censura — manifestou ela. —

Mas minha situação é um tanto delicada. Na verdade é que a senhora Underhill não deseja, como você, que Tiffany se case com seu primo.

— Nesse caso, é um tanto surpreendente que anime a Julian para que venha aqui — disse ele com ceticismo.

— Atrever-me-ia a dizer que assim lhe parece porque não conhece a Tiffany tão bem como nós.

Posso-lhe assegurar que se tem seus olhos postos em algo, contrariá-la irá incitá-la para que chegue a qualquer extremo para o conseguir por escandaloso que seja. E geralmente é escandaloso — disse candidamente —. Deve você reconhecer que um coquetismo insignificante, realizado em minha presença ou a na de sua tia, é muito menos perigoso que um encontro clandestino. Por um lado é menos romântico e pelo outro, tais encontros necessariamente são infreqüentes e breves; e isso, você sabe, a levará a se cansar de lord Lindeth.

Sir Waldo não pôde evitar sorrir ante seu raciocínio, mas insistiu:

— Sim, dou-lhe a razão até certo ponto. Posso aceitar que a garota seja capaz de levar Lindeth por esse caminho. Mas quando você diz que ela se cansará dele, acho que você se equivoca. Poderia ser..., mas Lindeth é um prêmio demasiado importante.

— Bem, é natural que você pense assim, mas não ela. Pensa em casar-se com um marquês.

— Pensa? que marquês?

— Qualquer marquês — replicou Ancilla.

— De todas as coisas absurdas...!

— Eu não o consideraria assim. Quando se pensa que, além da beleza, dispõe de uma considerável fortuna, você deve reconhecer que um casamento brilhante não é de jeito nenhum impossível. De qualquer jeito, rogo-lhe que não jogue por terra essa ilusão. Muito trabalho custou-me convencê-la de que se comprometer com um simples barão, sem ter sido ainda apresentada, é uma perfeita tolice.

— Você o fez, madame? — Disse-lhe sir Waldo olhando-a com um sorriso. Você é uma ama muito singular!

— Sim e você não imagina as preocupações que tive, tratando de decidir que devia fazer em tão complicada situação — contestou miss Trent com seriedade —. Por um lado acho que faço bem em tratar de frustrar o romance, pelo outro, os Budford poderiam ser partidários do compromisso; a senhora Underhill não iria aceitá-lo e Tiffany é demasiadamente jovem para se comprometer com alguém.

— Por que a senhora Underhill teria recusado o compromisso?

— Pela singela razão de que deseja que Tiffany se case com seu primo.

— Céus! Deve advertir que o rapaz só sente desgosto e desprezo por ela.

— A senhora Underhill pensa que aprenderão a se querer.

— Uma suposição mais que otimista! Ele não está atrás da bonita ruiva?

— Sim, e acho que não demorarão em anunciar seu compromisso — assentiu Ancilla —. O que será algo magnífico, pois fazem um belo casal. E quando Tiffany abandonar Staples, o que fará no próximo ano, pois sua tia Budford a deve apresentar, a senhora Underhill vai se conformar facilmente.

Enquanto isso, acho que minha tarefa é fazer todo o possível para manter Tiffany livre de todo compromisso. — Sorriu-lhe com gratidão e acrescentou: — Estou-lhe muito reconhecida por sua ajuda, sir Waldo!

— No entanto, se a pequena maliciosa está decidida a casar-se com um marquês, não deve-se preocupar.

— Oh, não! Não podemos predizer o que pode acontecer. Tiffany é apenas uma menina precoce e apesar de ter sonhos de grandeza, é incapaz de intrigar. Atrever-se-ia você a dizer que ela não se imagina estar apaixonada por lord Lindeth? Asseguro-lhe que eu não. Ele é tão guapo e tem uns modos tão encantadores! Se até eu mesma estou meio apaixonada por ele.

— Proíbo-lhe terminantemente — declarou ele.

— Sabia que se oporia — disse ela rindo —. Devo ser vários anos mais velha que ele. Mas, falando seriamente, um casamento entre Tiffany e ele seria um fracasso.

— Tenho perfeita consciência disso.

— Ainda se fossem iguais por nascimento... — afirmou Ancilla —. Deve ser horrível falar desta maneira, mas seria uma ingrata se não o puser de sobreaviso.

— Você acredita ser necessário?

— Não o sei. Vi como Tiffany maneja a todos, e sei quanto encantadora pode ser quando lhe convém.

Mas não tem nem uma pitada da doçura de caráter que tem seu primo Julian, e nada que não seja um desastre poderia ser o resultado deste casamento.

— Permita-me assegurar-lhe, madame, já que você pensa que posso sucumbir a seus encantos, que meus gostos se inclinam por outra classe de mulheres.

— Alegro-me por isso — respondeu-lhe, pensando, no entanto, que podia estar brincando com fogo.

— É a coisa mais cortês que me disse até o presente — murmurou sir Waldo.

Ela o olhou com estranheza. Seus olhares encontraram-se e viu nos dele um sorriso de malícia; e pensou por um momento que estava flertando com ela. A idéia foi seguida pela surpreendente revelação que estava disposta a aceitá-lo, mas pensou que não daria resultado. Em tom despreocupado disse:

— Lamentaria qualquer um que caísse em suas garras. Há uma coisa que desejo lhe perguntar. Diga-me, sir Waldo, o que pensa da projetada excursão a Knaresborough?

— Demasiado longe e o calor é sufocante — respondeu ele, aceitando tacitamente a censura. Pensou que tinha suspirado desiludida e acrescentou: — Agradar-lhe-ia ir?

— Devo reconhecer que gostaria, se fosse de possível. A descrição de sua primo a respeito do Dripping Well fez-me desejar conhecê-lo. A Tiffany também. Desde que lord Lindeth descreveu-nos o lugar e a caverna que em certa ocasião foi refúgio de bandidos, Tiffany está louca para a visitar.

— Os mistérios de Udolpho? — comentou ele sorrindo.

— Certamente! E reconheço que soa muito romântico. É curioso que tenha sido lord Lindeth, forasteiro neste distrito, quem nos contasse.

— Oh, não! Os habitantes de um lugar poucas vezes estão muito interessados em seus arredores. A grande familiaridade leva ao desprezo você não o sabe?

— É verdade. Desejaria que não fosse tão longe o que dificulta a excursão, mas são quase dezesseis milhas.

— O que significa cavalgar trinta e duas milhas.

— De jeito nenhum! Duas etapas de dezesseis com um intervalo para comer e refrescar-se. É muito diferente!

— Outra vez equivoca-se, miss Trent! Comer, certamente, mas em lugar de refrescar-se terá você que trepar pelos precipícios e explorar cavernas. Já que deseja ir, por que não vai em um carro?

— Pela singela razão que não há maneira de convencer a Tiffany de que viaje comigo comodamente, quando pode ir cavalgando e desfrutar correndo pelos prados. Para ser sincera devo dizer que a mim isto também não me atrai. Imagine como estaríamos esgotadas — Conheço minhas forças. Enquanto a Tiffany, é infatigável. No entanto, faz tanto calor que não insistirei.

— Você não insistirá, mas se a bela senhorita se empenha em ir...

— Sir Waldo, você foi demasiado longe — replicou-lhe Ancilla —. Ademais, basta uma palavra sua para que seu primo desista, o que poria fim ao assunto.

— Minha querida miss Trent, se você deseja ir não porei objeções. E mais, eu o acompanharei.

Não podia negar que resultava muito agradável que lhe falassem desse modo. Miss Trent não enganava a si mesma, mas parecia que estava correndo o risco de se deixar atrair demasiadamente pelo “Incomparável”. O senso comum dizia-lhe que ele procurava distrair seu enfado com um devaneio sem importância, pensando provavelmente (pois estava convencida de que não era capaz de jogar com as emoções femininas) que ela já tinha passado da idade de levar a sério seus elogios; mas, apesar de que com freqüência surgia o riso em seus olhos, tinha ocasiões em que expressavam certa cordialidade e em sua voz tinha um tom de sinceridade que era difícil ignorar. Recordou que sua tia tinha lhe dito, num momento de irritação, que era demasiadamente exigente, e pensou, amargamente, que a pobre lady Trent tinha dito uma grande verdade, e que ter-se-ia surpreendido em saber que sua provocadora sobrinha, depois de recusar a dois magníficos pretendentes, tinha descoberto que só uma personagem como o “Incomparável” poderia satisfazê-la.

Seria fatal seguir a corrente com ele e a melhor atitude a adotar era a de evitar sua companhia; mas, como isto, dadas as circunstâncias, era impossível, o mais adequado era manter uma amizade distante. Por isso, com toda a compostura possível disse:

— Sim, seria prudente de sua parte. Sua presença animaria a Tiffany bem mais do que eu possa fazer.

— Tenho outra razão para ir — assinalou ele.

— Deveras? — perguntou Ancilla com frieza.

— Quatro é um número mais adequado que três — respondeu sir Waldo com um sorriso encantador.

Com lábios trêmulos ela manifestou seu conformidade. Sir Waldo, continuou dando explicações sobre as vantagens de que outro cavalheiro participasse da excursão, inventando algumas tão descabeladas que foi impossível a miss Trent manter a seriedade. Sir Waldo foi interrompido em seu pouco cavalheiresco assalto a suas defesas pela entrada em cena de Tiffany, que entrou no terraço escoltada por Julian e Courtenay, para anunciar que o grupo de quatro tinha aumentado para seis.

— Pusemo-nos de acordo para ir a Knaresborough na sexta-feira — disse com regozijo —. Será uma cavalgada em regra e nos divertiremos muito. Lizzie Colebatch virá conosco e Courtenay também, é claro. E você, sir Waldo? se deseja-o.

Expressou-o tão bem, e com um sorriso tão comovente, que o “Incomparável”pensou que não era estranho que Julian a olhasse com arrebatamento. Ele lhe respondeu:

— Obrigado, irei!

— A senhorita Colebatch! — exclamou Ancilla surpreendida —. Tiffany, não acho que lady Colebatch lhe permita ir!

— Sim, sim, permite-lhe — assegurou-lhe Tiffany enquanto ria —. Lindeth e Courtenay convenceram-na, prometendo-lhe que você estará conosco, meu querido dragão.

— Sim, mas não é isso o que quero dizer — replicou Ancilla —. À senhorita Colebatch incomoda-se tanto com o calor que achei que sua mãe a impediria de ir. Ela entendeu perfeitamente onde se pretende ir?

Deram-lhe a certeza disso mas, apesar da autorização de lady Colebatch, não se sentia tranquila.

Lady Colebatch era uma mulher de bom coração, mas indolente e permitia a que seus filhos a convencessem de tudo. Ancilla sabia que Elizabeth desmaiava facilmente pelo calor, e desejou que a excursão não tivesse sido projetada. Courtenay confiava que tudo iria bem, pois pensavam sair bem cedo para chegar a Knaresborough muito antes do meio dia, e Tiffany disse alegremente que a Lizzie lhe desagradava o calor só porque lhe bronzeava a pele.

Os três mais jovens do grupo começaram a discutir sobre a rota a seguir, a hora de partida e as condições das diferentes hospedarias de Knaresborough. Julian insistia que o grupo devia almoçar no Crown and Bell, enquanto Courtenay afirmava que a Bay Horse era superior.

— Bem, como queiras — disse Julian —. Tu deves saber melhor que eu! convidaremos a senhorita Chartley a que nos acompanhe? Gostaria de ir?

— Patience! Deus meu, não! — exclamou Tiffany —. De onde tirou tal idéia?

— Não acha que gostaria de ir conosco? É uma excelente amazona e sei que lhe apaixona explorar os lugares antigos, pois ela mesma me disse.

— Disse-lhe? Quando? — perguntou Tiffany.

— Em Kirkstall, quando estávamos passeando entre as ruínas. Sabe quase tanto como seu pai.

Convidemo-la a para que venha conosco!

Miss Trent percebeu que tinha fincado suas unhas nas palmas das mãos. Era irracional, mas ainda que não desejasse que Tiffany cativasse a Lindeth, não podia deixar de temer uma explosão de raiva.

Dado que Courtenay era o único solteiro cuja devoção não interessava a Tiffany, estava feliz de incluir no grupo a senhorita Colebatch, mas que qualquer um de seus admiradores manifestasse o menor interesse por outra dama acordava invariavelmente nela o demônio do ciúme. Agora, com um brilhante sorriso que sua família conhecia muito bem, lhe perguntou:

— Por quê? Agrada-lhe?

— Sim, quero dizer, certamente me agrada,. E mais, acho que agrada a todos — contestou Julian olhando-a um pouco surpreendido.

— Bom, se lhe agradam as garotas insípidas... — replicou-lhe Tiffany encolhendo os ombros.

— Acha que é insípida? — perguntou Julian —. A mim não mo parece. É muito gentil e fácil de convencer, reconheço-o, mas de jeito nenhum insípida!

— Assim possui todas as virtudes e todas as qualidades! Por minha parte considero sua prosaica correção como mortalmente aborrecida — mas isso não tem importância. Por favor, convide-a você.

Atrever-me-ia a dizer que lhe recitará toda a história de Dripping Well!

Nem sequer Julian podia ignorar o rancor que se ocultava por trás de seu sorriso. Miss Trent viu a ligeira expressão de desgosto, em seu rosto, e decidiu que não podia permitir que Tiffany seguisse se rebaixando dessa maneira.

Com tom tranquilo disse:

— Temo que seja totalmente inútil convidar a miss Chartley, senhor. Sei que a senhora Chartley não permitir-lhe-ia participar de uma excursão tão longa e fatigosa. Na verdade estou começando a duvidar se nós a devemos realizar.

Esta alarmante declaração levantou uma revolução. A senhorita Chartley foi esquecida pela mais urgente necessidade de convencer a miss Trent de que mudasse de opinião. Mas antes que Julian abandonasse Staples, tinha recebido de Tiffany uma explicação por sua vergonhosa explosão, que afastou a sua preocupação. Reconheceu sua falta com tal constrição que desejou tomá-la em seus braços e beijá-la até que se esquecesse do assunto. Compreendeu perfeitamente quão provocador resultava ter Patience Chartley sempre como um modelo a seguir, e a viu tão cândida e humilde que quando se foi não só lhe tinha dito que não a podia culpar pela explosão, como que pouco lhe importava se Patience ia ou não com eles na excursão. Mais tarde, Julian tratou de afastar da mente de seu primo qualquer pensamento injusto que pudesse albergar sobre Tiffany; não porque Waldo fizesse alusão ao tema como parecia evitá-lo cuidadosamente. Com um pouco de vacilação comentou:

— Atrever-me-ia a dizer que te deve ter parecido um pouco estranho que miss Wield se... que não desejasse que miss Chartley nos acompanhasse.

— Que? Após o erro que cometeste? — disse sir Waldo, rindo —. Não me estranha em absoluto.

Deste um passo em falso, não é verdade? Não posso achar que sejas tão novato.

— Não compreendo o que queres dizer — contestou-lhe Julian corando —. Se achas que miss Wield se enfadou porque eu desejava convidar a miss Chartley... estás equivocado. Não foi por isso.

— Não foi por isso? — perguntou o “Incomparável”, com o riso assomando através de sua forçada gravidade —. Bem, aceita meu conselho, jovem inexperiente, e nunca fales de uma mulher em presença de outra.

— Estás completamente equivocado — replicou-lhe Julian, mais sério que nunca.

— Sim, sim, certamente que o estou — e eu mesmo sou inexperiente — assentiu sir Waldo acalmando-o —. Assim que, por amor de Deus, não sigas tentando me convencer disso. Estou convencido — completamente! — e detesto as brigas.

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Capítulo VII

 

 

O propósito otimista do senhor Underhill de partir a primeira hora da manhã da sexta-feira, não chegaria a se realizar. É verdade que se levantou muito cedo e tivesse chegado à porta da habitação de sua prima, lhe rogando que se apressasse, pois o dia prometia ser muito quente, enquanto os demais membros da casa, incluindo sir Waldo e lord Lindeth, tinham terminado seu café da manhã antes que Tiffany aparecesse finalmente, perguntando ingenuamente se chegava tarde.

— Assim é — resmungou Courtenay —. Temos-te estado esperando durante horas! Que demônios estavas a fazer? Tiveste tempo para provar uma dúzia de vestidos!

— Isso é justamente o que fez — falou Charlotte —. Primeiro põem um vestido depois decide que não lhe fica bem, e prova outro. Não é verdadeiro, prima?

— Bem, acho que estás muito bonita com esse vestido, querida — interrompeu a senhora Underhill apressadamente —. Mas eu, com o calor que está a fazer, não teria escolhido o veludo.

Quando finalmente Tiffany terminou seu café da manhã, e pôs o chapéu, e percebeu que estava faltando várias coisas, como suas luvas e o chicote. Tinha-se feito bastante tarde e Courtenay, fervendo de impaciência, sustentava que, no ínterim, Lizzie estaria pensando que se tinham esquecido dela. No entanto, quando chegaram a Colby Place, Lizzie se estava arrumando e em conseqüência se produziu uma nova demora. Quando tinha terminado correu escadas acima para completar seu penteado, acompanhada por suas duas irmãs menores, a quem podia se ouvir perguntando a gritos onde estavam os sapatos de miss Lizzie.

Durante este tempo, Lindeth e Tiffany flertavam discretamente; sir Ralph expunha ao “Incomparável”

um longo e detalhado relato a respeito de seu triunfo sobre alguém que tratou de sobrepujá-lo num negócio; Courtenay passeava impaciente pelo salão, e lady Colebatch conversava com miss Trent com a placidez de quem não lhe importa o tempo.

— Só duas horas mais tarde do planejado — disse sir Waldo, quando a comitiva se pôs finalmente em marcha —. Não está mau!

Miss Trent, que não deixava de lamentar ter manifestado seu desejo de visitar Dripping Well, replicou em voz alta:

— Suponho que devíamos tê-lo esperado.

— Efetivamente, já o sabia — indicou ele alegremente.

— Pergunto-me então por que aceitou ir conosco.

— Quando se está acostumado à falta de pontualidade das mulheres — respondeu-lhe.

— Devo informar-lhe, senhor, de que eu não fiz esperar a ninguém.

— Mas você é uma dama excepcional.

— Asseguro-lhe que isso não é verdadeiro.

— Não permitirei que seja você juiz disso. Oh, não!Não me olhe com tanta repreensão! Que disse para que esteja tão zangada?

— Peço-lhe desculpas. Nada, certamente. Simplesmente não estou de humor para falar destas amenidades, sir Waldo.

— Essa não é razão para que franza o cenho — objetou ele —. Não creio lhe ter importunado durante a última meia hora. É claro que posso causar seu enfado antes que o dia termine, mas não será lhe dizendo insípidas frases feitas, lhe prometo.

— Tenha cuidado — advertiu-lhe ela, olhando significativamente para miss Colebatch, que cavalgava na frente deles em companhia de Courtenay.

— Nenhum dos dois nos presta a menor atenção. Sempre monta este cavalo?

— Sim, a senhora Underhill comprou-o para mim.

— Desejaria levar seu arreio. Você caça?

— Não. Quando Tiffany sai com os cães isto é responsabilidade de seu primo, não minha.

— Graças a Deus por isso. Lamentá-lo-ia se o tentasse com esse cavalo. Espero que não se enjoe antes que cheguemos a Knaresborough.

— Também eu o espero. Não sei por que crê que sou tão débil!

— Não é isso. O que creio é que seu cavalo não é mais que um vulgar pangaré!

— Oh, não! Asseguro-lhe — ela se interrompeu ao ver que ele franzia as sobrancelhas —. Bom, talvez não seja um bom trotador. De qualquer maneira não desejo discutir com você por isso porque seria uma estupidez.

— Sim seria — assentiu ele —. Devo supor que a sua amável pupila não ocorreu lhe emprestar seu outro cavalo. É verdade que a fez renunciar no outro dia...

Ancilla não se fez a desentendida e respondeu com franqueza:

— Não podia permitir que se desmascarasse tão facilmente.

— Não podia? Não tem importância! — disse ele sorrindo —. Acho que conseguiu convencer a Lindeth, mas a imagem deteriorou-se um pouco. Eu agreguei meu grão de areia — e essa é a razão pela qual sou tratado com certa reserva.

— É verdade? Que horrível! Quisera saber qual é meu dever. Odeio estar intrigando contra essa menina!

— É isso o que está você fazendo... Não me tinha dado conta. Pensava que todas as intrigas estavam a meu cargo.

— Não quero dizer exatamente intrigar, mas... desconhecendo-me ao permitir que você a confunda.

— Minha querida menina, como imagina você que poderia me impedir?

A senhorita Trent considerou a possibilidade de censurar sua maneira de falar, mas decidiu que era melhor a ignorar e disse:

— Não o sei, mas...

— Nem ninguém. Não sofra sem motivos. Encontra-se muito indefesa ante esta situação.

— Não tem remorsos, sir Waldo? — perguntou-lhe Ancilla olhando-o com muita seriedade.

— Nenhum. Tê-los-ia se não fizesse todo o possível para evitar que Lindeth seja vítima dessa garota vaidosa e sem coração, que tivemos a má fortuna de encontrar. Você crê que sou um vilão?

Asseguro-lhe que não!

— Não, não. Mas faz com que você mostre seus piores aspectos.

— É verdadeiro. Mas ocorreu a você pensar que se eu tivesse usado as mesmas táticas com miss Chartley, ou miss Colebatch, e até com você mesma, estaria completamente errado? Nenhuma de vocês poderiam mostrar algo que não têm. O tem mais, madame, eu não procuro fazer com que essa vaidosa flerte comigo, ou alardeio que sua beleza e suas conquistas me impressionam; simplesmente, dou-lhe a oportunidade para que o faça. Tudo o que conseguiria, se jogasse a mesma isca à uma garota de caráter, seria uma boa reprimenda.

Ela não podia negá-lo e cavalgou em silêncio. Sir Waldo, vendo que ainda parecia preocupada, lhe disse:

— Vamos, anime-se! Posso incitá-la para que mostre seu mau gênio e seu egoísmo, mas não farei nada para criar uma situação para que essas faltas apareçam, você pode ter certeza. — Riu-se acrescentando: — Se é capaz de armar tal confusão só porque Julian expressou seu desejo de incluir miss Chartley neste grupo, não faltarão ocasiões. Quem sabe? Talvez ele acredite oportuno prestar um pouco de atenção à miss Colebatch, e neste caso nos encontraremos no centro do furacão.

Ancilla não pôde deixar de rir mas também estremeceu, lhe rogando que não pensasse em coisas tão horríveis.

— Acho que não há motivos de apreensão por esse lado — disse miss Trent —. Miss Colebatch é a única rapariga com quem Tiffany tem amizade.

— Sim, tenho visto que a ruivinha lhe professa verdadeira admiração.

— Atrever-me-ia a dizer, sir Waldo — replicou Ancilla com severidade—, que não deveria fazer tal comentário.

— Não tê-lo-ia feito se estivesse falando com alguma outra pessoa que não fosse você.

Felizmente, já que ela não podia pensar numa resposta para o que ele tinha dito, nesse momento.

Courtenay acercou-se deles para lhes informar de uma pequena mudança de planos. Disse-lhes que rodeando o milharal que estava depois da cerca a sua direita podiam cortar caminho e chegar antes, a campo aberto. O único problema era que não tinha portão do outro lado do campo: atrever-se-ia miss Trent a saltar a cerca?

— Com esse cavalo? Certamente que não — disse sir Waldo.

Courtenay sorriu, mas replicou:

— Eu sei, mas não é nada difícil, senhor. Saltará facilmente, ou pode, se desejar, arrastá-lo através da cerca.

— Pode? — disse miss Trent, com os olhos brilhantes —. Bem, ela pode mas não o deseja. Saiamos de uma vez por todas desta estrada poeirenta.

— Sabia que iria fazê-lo — exclamou Courtenay —. Há um portão desse lado, onde nos aguardam, e eu abri-lo-ei num instante.

Fez girar a seu cavalgadura e afastou-se trotando. Miss Trent fulminou ao “Incomparável” com seu olhar, mas este levantou suas mãos com o gesto de um espadachim que assinala uma estocada dizendo rapidamente:

— Não, não se zangue comigo. Só queria lhe advertir.

— Espero que essa tenha sido sua intenção, senhor — Disse-lhe enquanto seguia Courtenay. Com uma expressão maliciosa gritou-lhe —. Espero que esse seu precioso cavalo não o faça ficar mau se negando a saltar!

— Você deseja que o faça, mas estarei prevenido e esperarei que você me ensine o caminho —

respondeu o “Incomparável”.

A cerca, no entanto, tal como Courtenay tinha dito, não apresentava nenhuma dificuldade, nem para o pior pangaré; mas Tiffany, que encabeçava o grupo, pôs seu égua a todo galope e saltou o obstáculo quase roçando-o. A senhorita Colebatch exclamou:

— Oh! Poder-se-ia dizer que essa égua tem asas! Oxalá pudesse eu cavalgar assim.

— Alegro-me que não o faça — disse Courtenay —. O que acontecerá é que terminará com uma perna rompida. — Afastou seu cavalo, ao mesmo tempo em que dirigindo-se a sir Waldo perguntou-lhe: — Irá agora, senhor?

— Sim, se deseja-o, mas com um pouco mais de cuidado. Seu prima é uma amazona intrépida e pode chegar a ser muito boa, mas deve lhe ensinar a não se acercar tanto da cerca, como se do outro lado tivesse um trecho de água. Um destes dias terminará caindo.

— Senhor, tenho-lho dito varias vezes. Rápido quando há água e devagar se há árvores, mas não há forma de que preste atenção. Devo reconhecer que é uma exibicionista e pouco lhe importa se cair.

— E cavalga com desenvoltura — disse Julian com uma mirada de enfado dirigida a sir Waldo.

— Sim, e oferece uma visão tão esplêndida! — acrescentou a senhorita Colebatch.

Miss Trent, que seguiu a sir Waldo no salto, lhe disse enquanto se punha a seu lado, que pelo menos isso era verdadeiro. Ele encolheu os ombros sem replicar. O resto do grupo uniu-se a eles e já em campo aberto cavalgaram todos juntos e a oportunidade de conversar sozinhos desapareceu.

Tinham coberto quase a metade do caminho a Knaresborough quando miss Trent, que estava muito acalorada, notou que miss Colebatch, que tinha iniciado a excursão cheia de entusiasmo, estava silenciosa. Ao olhá-la, viu que se balançava sobre o arreio, fazendo esforços para recobrar o equilíbrio; acercou seu cavalo até o dela e lhe perguntou baixinho:

— Está enjoada, miss Colebatch?

— Oh, sim! Quero dizer, me dói um pouco a cabeça, mas não se preocupe — replicou-lhe Elizabeth com um sorriso que dava lástima —. Por-me-ei bem em seguida e não é nada demais — É só o calor!

— Não me estranha — exclamou miss Trent ao ver que sob os raios do ardente sol parecia cada vez mais indisposta —. Eu mesma sinto um calor terrível, e considerar-me-ia muito feliz se pudéssemos descansar um momento.

— Oh, não, não — implorou-lhe Elizabeth —. Não diga nada, lhe rogo. — Mas arquejou e torceu a boca enquanto conseguia dizer com os olhos cheios de lágrimas: — Miss Trent, sinto-me muito mau.

Ancilla tomou as rédeas do cavalo de Elizabeth detendo às duas cavalgaduras. Estava preparada para a emergência e de um de seus bolsos sacou um frasco de sais. Naquele momento o resto do grupo tinha notado que algo tinha ocorrido, e todos se reuniram a seu ao redor. Miss Trent soltou as rédeas, e suportando o peso de Elizabeth com um braço, pôs o frasco sob seu nariz enquanto dizia:

— Miss Colebatch sofreu um desmaio pelo calor. Desça-a, senhor Underhill.

Courtenay desmontou rapidamente, muito preocupado, e com um pouco de ajuda por parte de Lindeth, conseguiu baixar Elizabeth. Miss Trent, que por sua vez tinha desmontado, lhes indicou que estendessem o corpo da jovem sobre a erva e que se afastassem um pouco.

Elizabeth não estava doente mas vomitou; sentia-se tão débil e mareada, que obedeceu a miss Trent quando esta lhe disse que ficasse quieta e com os olhos fechados. Ancilla permaneceu junto a ela tratando de a proteger o quanto fosse possível do sol e abaná-la com seu próprio chapéu.

Enquanto, os cavalheiros mantinham uma pequena conferência entre eles e Tiffany, que não deixava de olhar a sua amiga, e perguntava a Ancilla à cada momento se pensava que iria se recuperar rapidamente.

Ao cabo de alguns minutos, o “Incomparável” afastou-se do grupo masculino e acercou-se a Ancilla.

Fez-lhe um sinal indicando-lhe que desejava falar com ela e miss Trent, depois de deixar Tiffany cuidando da doente, foi a seu encontro.

— Tal como você o tinha antecipado — disse sir Waldo —. Como se encontra?

— Melhor, mas não há como prosseguir, pobre menina. Tenho-me estado espremendo os meu cérebro tratando de procurar uma solução, mas inutilmente. Acho que se pudéssemos afastá-la do sol melhoraria rapidamente, mas não há árvores, nem sequer um arbusto para a pôr à sombra.

— Acredita que poderá cavalgar outra meia milha — Underhill diz que há um vilarejo com uma pousada; pouco mais que uma taberna, mas diz que a encarregada é uma mulher respeitável e a necessidade mais urgente é, como você diz, afastar do sol a miss Colebatch. Que acha você?

— Uma sugestão excelente — replicou ela com decisão —. Por todos os meios devemos levá-la até ali, pois não pode permanecer em campo aberto. Acho que se puder descansar na sombra e lhe dermos água, recobra-se logo, mas não pode continuar a viagem, sir Waldo.

— Não há nenhuma dúvida sobre isso — assentiu ele —. Vamos levá-la até a pousada e ali decidiremos sobre a melhor forma de levá-la a sua casa.

Ela estava de acordo, e voltou ao lado de Lizzie, que se tinha recobrado o suficiente para pensar que podia retomar a viagem. Tiffany, que a alentava, recebeu a miss Trent com a notícia de que Lizzie se encontrava muito melhor, e que só precisava um pouco mais de descanso antes de prosseguir a marcha. Quando se inteirou de que iriam a uma posada, declarou com entusiasmo que era uma grande idéia.

— Ali poderemos descansar um momento e refrescar-nos — disse Tiffany —. Seria bom, Lizzie, não é verdade?

Miss Colebatch esteve de acordo, dizendo com bom ânimo que sabia que cedo estaria tão bem como os demais. Mas, quando se levantou, a cabeça lhe deu voltadas de tal maneira, que cambaleou, e teria caído se miss Trent não a tivesse sustentado pela cintura. Colocaram-na na sela e Courtenay Disse-lhe, dando-lhe ânimos, que não tinha nada mais que fazer que se agarrar-se à sela e cheirar os sais se achava que ia desmaiar.

— Não, não precisará das rédeas: eu a guiarei até White Star — explicou-lhe —. E não tenha medo de se cair, pois eu impedi-lo-ei.

— Muito obrigado. Sinto muito — sou tão estúpida — Lizzie conseguiu dizer.

— De jeito nenhum! Tiffany, tu conheces o caminho a Moor Cross. Lindeth se adiantará para avisar à senhora Rowsely, assim será melhor que vás com ele. Tiffany aceitou encantada, e partiu a galope junto a Lindeth. Quando o resto do grupo chegou ao vilarejo, saiu dançando da pequena hospedaria enquanto exclamava:

— É um lugar encantador. Apressem-se: venham à bodega. Nunca tinha estado numa bodega, mas como não há salão, me vi obrigada à visitar. É tão divertido — Gostarás, Lizzie!

Miss Colebatch, vencida por uma forte dor de cabeça, mal entendeu o que lhe diziam e nem sequer abriu a boca. Courtenay soltou-lhe o braço e ela caiu nos do “Incomparável”, que a estava a esperar.

Sir Waldo levou-a ao interior da posada, onde uma senhora idosa, impressionada pela presença de tanta gente lhe fez uma nervosa reverência e indicou que colocasse a senhorita sobre um banco de madeira que tinha sido coberto com uma manta e tinha uma almofada de plumas: duas coisas que Tiffany segundo disse, tinha encarregado à senhora Rowsely que procurasse.

— E enquanto Lizzie descansa, sentaremos nos bancos do lado de fora como se fôssemos uns camponeses — disse, rindo a sir Waldo —. Lindeth pediu cerveja caseira para você, mas eu beberei um copo de leite porque a senhora Rowsely não tem limão para o chá. Não é que goste do leite, mas não posso me queixar. Venha para fora. Ancilla cuidará da pobre Lizzie.

Voltou a sair, mas ele ficou, enquanto miss Trent pedia à encarregada que lhe trouxesse uma tigela com água e um pouco de vinagre. A porta da taberna dava diretamente à bodega e não tinha muita ventilação, pois sir Waldo, a pesar de seus esforços, não pôde abrir as janelas. O quarto estava quente e cheirava a umidade e a bebidas alcoólicas. Sir Waldo dirigiu-se a Ancilla:

— Isto não serve. Acho que não há outro quarto nesta andar além da cozinha, mas acima deve ter um dormitório. Quer que a levemos para ali?

— Se pudesse estar segura de que ninguém vá entrar, seria preferível não a mover de onde está — contestou ela baixinho —. Seguramente fará mais calor lá encima devido ao teto ser baixo.

— Bem, ocupar-me-ei de que ninguém entre.

Meia hora depois, Ancilla saiu da taberna. Três jarras vazias e um vaso com manchas de leite estavam sobre um dos bancos: não tinha sinais de Tiffany nem de sir Waldo, mas Lindeth e Courtenay caminhavam rua abaixo. Apressaram-se quanto a viram e perguntaram ansiosamente como se encontrava Elizabeth.

— Dorme — respondeu-lhes —. Onde está Tiffany?

— Foi a visitar a igreja com sir Waldo — disse Courtenay —. Lindeth e eu procuramos um carro, mas não há nenhum, e decidimos, se você está de acordo, é claro, que será melhor que eu vá até Bardsey ver o que encontro. Você acredita, madame, que Lizzie estará bastante refeita quando acordar para voltar para casa?

— Assim o espero. Se reanimará em quanto beber um pouco de chá. — sorriu a Julian enquanto acrescentava: — A pobre menina está muito preocupada por ter feito fracassar a excursão. Rogou-me que peça desculpas a você e até sugeriu que continuemos a viagem sem ela.

— E abandoná-la numa vulgar taberna? Nem pensá-lo! — exclamou Courtenay.

— Certamente que não — disse Julian —. Só lamento que se sinta tão mau. Oxalá pudéssemos encontrar um médico.

Miss Trent assegurou-lhe que não tinha necessidade disso, e disse a Courtenay que se apressasse a partir. Este se dirigiu ao pequeno estábulo para encilhar seu cavalo no preciso momento em que Tiffany e o “Incomparável” regressavam de seu passeio.

Tiffany levava a ponta de sua saia de veludo recolhida sobre o braço, e a julgar por sua radiante expressão, sir Waldo tinha-lhe feito passar um momento de agradável entretenimento.

— Lizzie está melhor? — perguntou Tiffany, acercando-se pressurosa de Ancilla —. Encontra-se preparada para seguir viagem?

— Neste momento dorme mas não acho que esteja em condições para andar a cavalo.

— Que faremos então? — exclamou Tiffany —. Como pode dizer que não está em condições? Estou convencida de que deseja seguir.

— Ainda que deseje-o, seria uma imprudência — contestou Ancilla —. Certamente que não o permitirei Não desejarás que se ponha doente para valer.

— Não, é claro que não — disse Tiffany com impaciência —. Mas quanto barulho por uma simples dor de cabeça! Achei que seria mais razoável.

— Minha querida, ela foi muito razoável, e não porque desejasse seguir cavalgando, mas pelo fato de que se preocupar tanto ante a possibilidade de que a excursão fosse cancelada. Disse-lhe que todos reconhecemos que está muito fatigante.

— Não diga que a devemos abandonar! — gritou Tiffany olhando alternativamente para Ancilla e Lindeth.

Foi este quem lhe contestou amavelmente:

— Estou seguro que a você não gostaria de ir sem ela. A nenhum de nós agradar-nos-ia. Em outro dia a faremos, quando fizer menos calor.

— Oh, não! — implorou Tiffany —. Detesto as fraquezas. Já sei o que sucederá: nunca iremos a Dripping Well e eu quero ir.

— Sim, iremos, prometo-lhe — disse Julian —. É uma pena que não possamos fazê-lo hoje, mas...

— Podemos ir hoje — insistiu ela —. Lizzie não, se não quer, mas sim o resto de nós.

Por um momento Lindeth pareceu surpreendido, depois sorriu e disse:

— Sei que não fala sério. De qualquer modo não podemos partir, pois seu primo irá a Bardsey para ver se pode conseguir um carro.

— Assim Lizzie poderá seguir viagem. É uma idéia excelente! — exclamou Tiffany com alegria.

— Assim poderá voltar a sua casa — corrigiu-lhe ele.

— Oh, bom, sim, talvez seja o melhor. Atrever-me-ia a dizer que ele preferirá acompanhá-la e que Lizzie ficará muito melhor, se souber que não malogrou nossos planos. Estará tranquila ao lado de Courtenay, e nós também estaremos. Por favor, Ancilla, diga que irás! Sir Waldo...

Ancilla negou com a cabeça, e sir Waldo, que olhava através dos binóculos a uma grande borboleta branca, simulou não a ter ouvido. Foi Courtenay, que saía do estábulo conduzindo seu cavalo, que lhe replicou:

— Ir onde? A Knaresborough? Certamente que não! Nenhum de nós irá ali. De onde tiraste essa idéia?

— Por que não se me pode ocorrer? Não digo que você vá, pois deves levar a Lizzie para casa. Mas o resto de nós não temos por que a acompanhar. — Miss Trent deve ir! Madame, não deixará a Lizzie...

— Claro que não — replicou ela —. Nem uma palavra mais, Tiffany. Sabes que não podes ir sem mim, e eu não posso, sob nenhuma circunstância, abandonar a miss Colebatch.

— Poderia ir, se Courtenay fosse — insistiu Tiffany.

— Pois eu não vou — exclamou Courtenay —. Tratarei de conseguir um carro em Bardsey. Como não está numa estrada importante, é muito difícil que consiga algo mais que uma caleça. Serviria uma caleça, madame?

— Não, claro que não — interrompeu-lhe Tiffany —. Receberia o sol de cheio. Não acho que deva se arriscar a viajar antes do entardecer. Não pensas assim, Ancilla? Pobre Lizzie, estou segura de que preferiria ficar nesta encantadora taberna. Então poderíamos voltar todos juntos para casa quando regressarmos de Knaresborough. Ela já terá se recuperado e Ancilla não se importará de lhe fazer companhia, não é verdade?

Lindeth, que parecia visivelmente preocupado, disse: — Não acho que você considere correto que duas damas passem o dia numa bodega.

— Tolices! A mim não importar-me-ia, e por que a Lizzie? Ademais, terá a Ancilla para fazer-lhe companhia.

— Mas não poderia você desfrutar da excursão sabendo que estarão desconfortáveis — sugeriu Julian.

— Não poderia? — interrompeu-lhe Courtenay com uma gargalhada —. Não a conhece. Tiffany, só direi que deixes de intrigar, porque não me convencerá para ir a Knaresborough. E essa é minha última palavra.

O rubor tingiu as faces de miss Wield e seus olhos jogavam chispas enquanto exclamava:

— Acho que és a mais horrenda e desagradável dos patifes. Quero ir a Knaresborough e eu o farei.

— Tiffany! — exclamou miss Trent — Valha-me Deus!

— Sim e acho que você é tão desagradável como ele — assinalou Tiffany —. Ancilla, você deve fazer o que eu quero, e não o que Lizzie deseja. Não deveria ter vindo se pensava adoecer.

— Cala-te — ordenou-lhe Courtenay olhando para a porta da taberna —. Olá Lizzie! Encontra-se melhor?

A senhorita Colebatch, apoiando-se com uma mão no marco da porta, sorriu tremulamente enquanto dizia:

— Sim, muito obrigado. Estou muito melhor. Lamento muito ter sido a causa de tantas preocupações.

— Estás muito melhor! Posso ver que sim. Sabia que por-te-ias bem — exclamou Tiffany correndo para ela —. Não queres te ir a casa, não é verdade? Pensa como seria aborrecido.

— Miss Colebatch, por favor, não saia ao sol — assinalou miss Trent, tomando da mão a Lizzie. — Pedirei à encarregada que prepare um pouco de chá, assim, por favor, volte a entrar e se sente.

— Sim, um pouco de chá te fará bem — afirmou Tiffany —. Estarás fresca como uma rosa.

— Oh, sim! Só que acredito...tenho medo de que se volto a montar...

— Mas não terá que montar, miss Colebatch — disse Julian —. Underhill irá procurar um carro para você, e nenhum de nós irá a Knaresborough. Faz demasiado calor.

— É verdade, Lizzie — afirmou Courtenay —. Saía agora, e direi o que farei. Conseguirei uma sombrinha para cobrir-lhe do sol, ainda que tenha que a roubar. Assim permaneça tranquila na bodega com miss Trent. Estarei de volta numa hora.

— Uma hora! — protestou Tiffany —. E o que farei enquanto isso? Não pensarás que vou passar uma hora inteira nesta fedorenta bodega. Nem sonhando!

— Assim que agora é fedorenta — replicou-lhe Courtenay —. Creio ter escutado que não se importaria de passar o resto do dia nela. Sim, já podes me olhar como queiras, mas sei que não és mais que uma malcriada egoísta. Nunca te importaram um pouquinho que seja com os outros e acho que nunca importarão.

Tiffany rompeu a chorar e miss Colebatch, com lágrimas nos olhos disse:

— Oh, Courtenay, não! Não deves... foi culpa minha, por ser tão estúpida. Tiffany, rogo-te que me desculpes.

— E você ainda lhe pede perdão! — gritou Courtenay, indignado.

— Senhor Underhill, por favor, modere suas palavras — disse miss Trent com tom autoritário —. E você, Tiffany, deixa de chorar. Se não desejas ficar, sugiro que vás com teu primo a Bardsey. Assim poderão retomar a sua briga, sem nos incomodar.

Courtenay abriu a boca para lançar uma réplica mas, ante o olhar de Ancilla, ficou calado.

— Não irei — retorquiu Tiffany —. Odeio a Courtenay e não quero ir a Bardsey.

Miss Trent, conhecedora da facilidade com que Tiffany podia sofrer um ataque de histeria, olhou ao seu redor procurando apoio. Lindeth, com os lábios apertados e olhar baixo, nem moveu-se nem falou; mas o “Incomparável”, com uma expressão divertida no rosto, acercou-se a Tiffany dizendo-lhe:

— Vamos, vamos, criança. A formosa miss Wield, com os olhos inchados e manchados pelo pranto!

Por favor, não o posso suportar.

Involuntariamente ela lhe olhou choramingando, mas controlando as lágrimas.

— Inchados? oh, não. É sério? não estão..., sir Waldo?

Ele lhe levantou o rosto com uma mão, a observando-com um olhar que muitas mulheres consideravam fascinante.

— Sou obrigado a dizer que não. Simplesmente parecem prímulas molhadas pelo orvalho.

— O são? Que bonito! — exclamou Tiffany tranquilizando-se como por arte de magia.

— Encantadores, asseguro-lhe.

— Quero dizer, que bem expressado — replicou Tiffany com uma risadinha de satisfação.

— Sim, não é verdade? — assentiu sir Waldo, enquanto secava-lhe as lágrimas com seu próprio lenço —. Que cílios tão longos tem! Nunca se embaraçam?

— Não! Claro que não! Como pode dizer tais tolices? Você trata de enganar-me!

— Impossível! Talvez não deseja ir a Bardsey?

— Com Courtenay? Não, muito obrigado.

— E comigo?

— Com você? Mas você irá ou não?

— Não, a não ser que você me acompanhe.

Um sorriso provocativo apareceu nos lábios de Tiffany.

— Ancilla não permiti-lo-ia? disse com um olhar desafiante.

— Por que não? Talvez se Courtenay vier conosco? — Sir Waldo voltou-se para miss Trent, interrogando-a com expressão divertida: — Que diz você, madame? Ancilla tinha estado escutando a conversa, debatendo-se entre a gratidão por ele por ter evitado a tormenta, e a indignação pelos métodos pouco escrupulosos que empregava. Seu olhar refletia estes sentimentos, mas todo o que disse em resposta à pergunta de sir Waldo foi:

— Estou convencida que a senhora Underhill não protestará, já que seu primo a acompanha.

— Então irei a encilhar os cavalos — manifestou o “Incomparável” —. Julian, tu encarregar-te-ás de atender e acompanhar as damas.

— É claro — replicou Julian baixinho.

— A não ser que deseje nos acompanhar — sugeriu Tiffany, esquecendo-se por completo que não podiam ficar duas mulheres indefesas na bodega.

— Não, muito obrigado — respondeu-lhe Lindeth, enquanto voltava-se para rogar a miss Colebatch, com a mais doce dos sorrisos, que voltasse ao interior da pousada.

Miss Trent tinha visto a desilusão pintada em seu rosto, quando repentinamente tinha descoberto que sua deusa tinha os pés de barro, e seu coração se encheu de piedade. Podia tratar de convencer-se de que os que queriam a Julian ficariam felizes com sua desilusão, mas ela estava consciente de seu irracional impulso de procurar desculpas para Tiffany. No entanto, reprimiu-se ao ver a descarada olhada que sua pupila dirigiu a Julian, antes de seguir a sir Waldo. Estava claro para ela que Tiffany não via na negativa de Julian de acompanhá-los mais que um ataque de ciúmes, que de modo algum lhe desagradava. A Tiffany encantava fazer sofrer a seus admiradores, e nunca se preocupava pela dor que causava, e, se alguém lhe tivesse dito que Julian estava doído tanto pelo comportamento de seu primo como pelo dela, não tê-lo-ia acreditado, como também não teria se importado. Mas o coração de miss Trent tinha-se doído já várias vezes ante as inquisitivas olhadas que Julian dirigia a sir Waldo a cada vez que este flertava com Tiffany, e não podia deixar de sentir o desejo de o consolar.

Esperou até que os ginetes se afastassem, para voltar à bodega onde miss Colebatch e Julian conversavam em frente a um bule de chá. Elizabeth, reclinada no banco, parecia mais alegre e Lindeth, aparentemente, já não precisava que lhe consolassem. Miss Trent agradeceu silenciosamente os bons modos dele, que lhe permitiam aparecer muito satisfeito com sua situação, e de imediato secundou seus esforços para divertir Elizabeth. A pobre rapariga, além de sofrer forte dor de cabeça, estava mortificada por saber que, por sua causa, se tinha suspendido a excursão e porque tinha feito chorar a sua querida amiga. Não podia deixar de rir com os planos de Julian para evitar que alguém entrasse na bodega, tal como o de pedir um avental à encarregada e servir bebidas aos sedentos clientes da taberna; mas, um momento depois, preocupava-se por saber se Tiffany perdoá-la-ia e repetia que não podia saber que lhe tinha passado ou por que se tinha comportado de uma maneira tão tonta.

— Bem, por minha parte estou contente de que algo tenha ocorrido — disse miss Trent —. Oxalá nunca tivesse dito que queria visitar Dripping Well. Jamais me senti mais satisfeita que quando se decidiu-se abandonar o plano.

— É muito bondosa, miss Trent. Mas Tiffany estava tão desejosa em ir!

— Minha querida miss Colebatch, se todas as desilusões de Tiffany forem como as de hoje, poderá se considerar uma mulher afortunada — replicou-lhe Ancilla sem dar-lhe muita importância —. Não deve se preocupar porque ela tenha tido uma de seus habituais explosões. Deve saber que é uma menina muito malcriada.

— Isso é. Não é verdade? — perguntou Julian com ansiedade —. Somente uma criança. É tão adorável e encantadora, que não é surpreendente que seja malcriada.

— Certamente que não — exclamou Ancilla, com o que considerou uma duplicidade odiosa —. No entanto, não deve culpar à senhora Underhill. Atrever-me-ia a dizer que poderia ter sido um pouco mais rígida, mas seu caráter é tão gentil e bondoso, que não pode enfrentar Tiffany. Além disso, teme tanto seus ataques! Devo reconhecer que eu também. Ninguém pode ser mais encantadora que Tiffany, mas também não há ninguém que eu conheça que possa pôr tão rapidamente uma casa de pernas para o ar. Não sabe, senhor, como estou agradecida a seu primo por nos ajudar como o fez.

Ele lhe respondeu com um leve sorriso, e ela não disse mais nada, na esperança de que lhe tivesse dado assunto suficiente para ocupar seus pensamentos, e talvez para compreender que a conduta de sir Waldo devia ser atribuída a seu desejo de evitar um escândalo, e não a fazer uma desfeita a seu jovem primo.

 

-

Capítulo VIII

 

 

Não nego que lhe estou agradecida por nos ter evitado uma cena de histerismo — disse a senhorita Trent ao “Incomparável”, quando, ao cabo de tão memorável dia, miss Colebatch tinha sido devolvida a seus pais sã e salva —. E não duvido que reconhecerá, senhor, que sua conduta não foi escrupulosa.

— Não, eu o nego — replicou ele friamente —. Não fiz nada por suscitar a situação. Abstive-me de jogar lenha na fogueira; e, quando intervi, o fiz por razões de cavalheirismo.

— De que? — balbuciou ela.

— Motivos de cavalheirismo — repetiu ele, enfrentando o seu olhar de assombro com semblante sério, mas com um brilho de malícia nos olhos, de maneira que ela não pôde evitar de rir —. Você me dirigiu um olhar de tanta súplica que...

— Não — protestou a senhorita Trent —. De forma alguma de súplica.

— Súplica — disse o “Incomparável”implacavelmente —. Seus olhos, madame — como você bem sabe — gritavam Socorro! Que podia fazer senão responder ao pedido?

— Seguramente dirá também que ia contra seus princípios.

— Nenhum serviço que possa lhe prestar a você, madame, iria contra meus princípios!

— Deveria ter adivinhado que você tem resposta para tudo — disse Ancilla ruborizando-se.

— Também poderia ter adivinhado que o digo seriamente.

Miss Trent encontrou-se sem saber o que dizer e pela primeira vez desejou ter mais experiência nas artes dialéticas. Tinha um tom sincero em sua voz, mas sabia que não devia se deixar enganar por um homem do mundo que o considerava como experiente na arte do flerte. Só soube lhe dizer com certa vacilação:

— Muito bem expressado, sir Waldo. Devo reconhecer o seu mérito de ter devolvido a Tiffany o bom humor. Um verdadeiro triunfo!

— Medindo-se comigo, miss Trent?

Ela permaneceu em silêncio por um momento, e quando falou o fez com muita circunspecção:

— Creio, senhor, que se esquece de qual é minha posição.

— Pelo contrário: sua posição irrita-me demasiado para esquecê-la.

— Irrita-lhe! — exclamou ela olhando-o com assombro.

— Mais do que posso suportar! Olha-me assombrada. Parece-lhe estranho que me desagrada vê-la nela.

— Santo Deus! — replicou Ancilla —. Qualquer um poderia supor que não sou mais que uma dessas infortunadas educadoras que só ganham vinte e quatro libras ao ano. De jeito nenhum. De fato sou um ama muito bem paga.

— Assim me disse você certa vez.

— É verdade. Não me agrada presumir, mas não posso permitir que você ache que suporto uma existência miserável sem nenhum recurso. Recebo cento cinqüenta libras ao ano.

— Minha querida senhorita, não teria diferença alguma ainda que lhe pagassem dez vezes mais.

— Isso demonstra o pouco que você sabe ao respeito. Asseguro-lhe que há uma grande diferença. As mulheres que cobram tanto, nunca são consideradas como umas infelizes.

— Está você submetida à vontade de uma mulher que mais facilmente parece sua governanta que sua senhora, e você deve suportar as impertinências de uma fedelha a cada vez que se irrita e aos caprichos dos ricaços como...

— Tolices! — interrompeu ela —. A senhora Underhill me trata como se eu fosse um membro de sua família, e não permitirei que a critique. Considero-me muito afortunada com meu emprego, de maneira que não há razão para que ninguém se aborreça.

— Oh, existe sim — replicou ele.

Tinham chegado muito próximo de Staples, onde os demais lhes aguardavam. Miss Trent não sabia se devia estar contente ou penalizada pelo fato de que seu tête-à-tête com o “Incomparável”

tivesse terminado tão bruscamente; e quando ele e Lindeth se foram, ela foi cavalgando pelo caminho para a casa e tão ensimesmada em seus pensamentos, que Courtenay teve que chamá-la duas vezes antes que o ouvisse. Supôs que estivesse cansada; e Tiffany em seguida prestou-lhe toda classe de atenções. Miss Trent reprovou a si mesma por albergar a suspeita de que o interesse de Tiffany só obedecia ao desejo de evitar uma reprimenda por sua conduta.

A senhora Underhill comoveu-se ao inteirar-se da indisposição da pobre Lizzie, mas não se surpreendeu. Charlotte e ela tinham estado ocupadas no jardim, o que tinha sido muito cansativo devido ao calor reinante. Miss Trent não fez menção a explosão de Tiffany, mas não foi assim com Courtenay, que ofereceu à senhora Underhill um detalhado e indignado relato do sucedido, qualificando a sua querida prima como uma filha do diabo, e que inclusive, até este a recusaria e acrescentou que era preferível que deixasse de perseguir Lindeth, já que até o maior tolo pôde ver o quão escandaloso ele tinha considerado o seu comportamento.

Tudo isto era muito penoso, mas, como a senhora Underhill confiou a miss Trent, sempre existe o lado bom das coisas.

— Pelo que Courtenay disse, querida, sua senhoria se desagradou muito, e não estranharia que começasse a desinteressar-se. Estou quase segura disso, já que não há nada que desagrade mais a um cavalheiro como as coisas que Tiffany diz quando tem um ataque. Você não acredita?

Miss Trent estava de acordo, ainda que evitou de dizer que considerava que Courtenay parecia mais desagradado que Lindeth.

— E foi sir Waldo que a acalmou e a levou a Bardsey, com o qual você deve ter se sentido feliz, ainda que não acho que ele desejasse partir.

O tom malicioso da voz da boa senhora era evidente, e miss Trent interrogou-a com o olhar.

— Céus, querida, como se eu fosse tão tola para não saber que ele prefere a você — disse a senhora Underhill com uma risadinha —. A dizer verdade, ao princípio achei que ia atrás de Tiffany, mas ainda que não seja muito culta sei o bastante para me dar conta de que está tentando despertar o seu interesse.

— Está equivocada, madame — gaguejou Ancilla.

— Bem, isso é o que eu falei para mim mesma quando me ocorreu — concordou a senhora Underhill —. Não, não pelo fato de que você não seja da nobreza, pois nem preciso que lhe diga que qualquer um a tomaria por uma dama de categoria, com seus modos tão distintos, o que até a senhora Mickleby comentou alguma vez. E também não há que negar que se supõe que um homem como sir Waldo deveria fixar seus olhos num nível mais elevado, se é que está procurando esposa, pois, pelo que diz a senhora Mickleby, é um cavalheiro muito estimado, além de ser imensamente rico, e vá se saber quantas mulheres há ao seu redor tentado pescá-lo.

— Madame — interrompeu Ancilla com voz apagada—, nem sou uma dama refinada, nem vou pescar sir Waldo.

— Não, querida, o sei muito bem. Não estranhar-me-ia que foi por isso que chamou sua atenção. Se pergunta-me, lhe direi que não há nada que espante mais a um cavalheiro que se dar conta de que estão tentando pescá-lo. Céus! As mulheres que iam atrás do senhor Underhill! É claro que não era tão elegante como sir Waldo, mas o consideravam como muito bom partido e teria podido eleger entre as melhores garotas de Huddersfield. E daí foi isso que o fez se fixar em mim — Que não lhe prestasse mais atenção que a qualquer outro de meus admiradores.

Miss Trent, disposta a animá-la em seu devaneio, disse:

— Não acho que tenha sido por isso somente, mas sim porque tinha um grande número de admiradores.

— Sim, tinha-os — admitiu lisonjeada a senhora Underhill —. Não creio que acredite me vendo como sou agora, mas, ainda que não seja correto dizê-lo, era uma jovem muito bonita e sempre me faziam muitos elogios — Mas não é isso o que eu desejava lhe dizer.

Miss Trent que sabia por experiência que a senhora Underhill, por mais que se afastasse de um tema raramente o abandonava, se resignou.

— Não deve você zangar-se quando lhe digo, querida, que ao ver os olhares que sir Waldo lhe dirige, fico trêmula pensando que está a ponto de se declarar.

— Madame, estou-lhe... estou-lhe muito reconhecida por seu interesse, mas não deve se preocupar dessa maneira.

— Isso é o que digo a mim mesma — reconheceu a senhora Underhill —. Adverti-a por você ser tão jovem, apesar de tentar nos convencer de que é uma dama mais velha. Não, disse para mim, pode ser um libertino — ainda que não tenho razões para acreditá-lo—, mas não tentará atrair miss Trent a nada que não seja formal, sendo o seu tio o general sir Mordaunt Trent. É lógico, não é verdade? —

Fez uma pausa, olhando assombrada para Ancilla, para depois acrescentar: — Bem, o que disse para que se ria?

— Oh, peço-lhe desculpas, madame — replicou Ancilla, secando as lágrimas produzidas pelo riso. —

Mas é tão... tão absurdo!

— Exatamente! Mas não você não negará que está tentando conquistá-la, porque não sou tão cega para não ver o que está passando debaixo do meu nariz.

Ancilla deixou de rir-se. Estava um pouco corada e disse vacilando:

— Creio, madame—, acho que você deu muita importância à galanteria de sir Waldo. Estou convencida de que não tem outro propósito além de se divertir com um ligeiro devaneio.

O rosto da senhora Underhill se ensombreceu por um instante, mas depois voltou a sorrir enquanto dizia:

— Está equivocada, querida. Flerta com Tiffany, o que certamente não deveria fazer, mas, todos o fazem, até o Squire, e não os podemos culpar sendo ela tão formosa como descarada. Mas não a olha da mesma forma que a olha para você, e também não fala com você como faz com ela. E mais, quando ela não está no salão não levanta a cabeça a cada vez que se abre a porta, esperando que entre.

Quase perdendo sua pose de indiferença, Ancilla exclamou involuntariamente:

— Oh, senhora Underhill, quando fez isso? Oh, não! Seguro que não!

— Deus a abençoe, querida, claro que o fez — replicou a senhora Underhill com um sorriso indulgente —. E se eu fosse você... Bom, com muita freqüência pensei que se me sorrissem da maneira que ele lhe sorri, sentir-me-ia agitada, mesmo velha como sou.

Miss Trent cobriu com as mãos suas faces afogueadas exclamando:

— Tem... tem um sorriso muito encantador. Reconheço-o!

— Estou segura que o sabe — disse a senhora Underhill —. Chame-me de embusteira se não o virmos se declarando antes que nos darmos conta. E direi isto, querida: não poderia ser mais feliz, se você fosse minha própria filha. Claro que ele não interessar-se-ia por Charlotte, ainda que fosse mais velha, pois, pelo que pude saber, ele é louco pelos cavalos e ela não os pode suportar.

A senhorita Trent riu tremulamente e disse:

— Sim, sei-o. Mas... querida senhora Underhill! rogo-lhe que não diga nada mais. Não deve me alentar para que alimente ilusões ridículas. Sir Waldo sabe como se fazer agradável às mulheres e atrever-me-ia a dizer que rompeu muitos corações. E eu estou disposta a que não rompa o meu.

Supor que ele — um candidato ao casamento tão cobiçado — possa pensar sequer por um momento num casamento tão desigual? — Sua voz partiu-se, mas depois tentando um sorriso acrescentou: — Sei que não falará disto com ninguém mais!

— Certamente que não — admitiu a senhora Underhill —. Mas não se faça muito sensível, querida, e não comece a recusá-lo só porque pensa que não o merece. Isso ele deve decidir, e um homem de trinta e cinco ou trinta e seis anos, sabe bem o que lhe convém. Seria maravilhoso para você, além de que a esposa do Squire e a senhora Banningham ficariam como loucas.

Com esta declaração a senhora Underhill abandonou a sala, deixando miss Trent perdida em seus pensamentos.

A Ancilla custou-lhe muito dormir essa noite. As claras palavras da senhora Underhill tinham-na forçado a enfrentar-se com uma verdade que se tinha negado a reconhecer: que, há várias semanas, estava apaixonada pelo “Incomparável”.

Como uma tola colegial romântica, estava fascinada pelo aura de magnificência que emanava do mais importante dos coríntios, e tão exaltada que lhe atribuía as qualidades de herói, só porque tinha um rosto formoso e uma figura esplêndida e porque cavalgava seus puro sangue com tanta maestria, e se movia com uma despreocupada segurança, o que fazia que tolas como ela o considerassem como um semideus. Não podia deixar de admirar sua postura, mas não se tinha apaixonado pelo seu rosto, ou pela sua figura; nem sequer pelo seu porte elegante. Era verdade que tinha maneiras encantadoras, mas decidiu que também não era por isso. Pensou que podia ser o humor sempre presente nos seus olhos, ou talvez por seu sorriso. Mas Lindeth também tinha um sorriso encantador e não se tinha apaixonado por ele. De fato não sabia por que amava o “Incomparável”, mas desde o momento em que o viu sentiu por ele uma atração inexplicável, já que ele pertencia, de forma clara, a um grupo de pessoas que ela detestava.

A cautela advertiu-a de que não devia depositar muita confiança nas palavras da senhora Underhill.

Muito melhor que ela, sabia que um homem como sir Waldo, que podia eleger à mulher ao mais alto patamar que se lhe ocorresse, e que tinha ultrapassado a idade de contrair um casamento apressado, tivesse a menor intenção de pedir em casamento uma mulher que não era de sua plana, ou que nem sequer era extraordinariamente bela. Por outro lado, as coisas que ele tinha dito nesse dia, quando se separaram diante a entrada de Staples, pareciam indicar que tinha outras coisas na mente que flertar.

Se só tivesse sido isso, não teria dito que sua posição de inferioridade o irritava, ou por que, se não era sincero, o tinha dito. Ao considerá-lo, reconheceu que sabia muito pouco da arte do flerte e de repente compreendeu que também sabia muito pouco sobre sir Waldo. Tinha-se mostrado sempre como o mais correto dos cavalheiros, sem parecer superior aos demais, sem demonstrar seu aborrecimento, nem tentado impressionar a seus vizinhos fazendo o papel de extraordinário. E em relação a exercer uma má influência sobre seus jovens admiradores, sabia pelo Squire que sua presença em Broom Hall lhes tinha feito muito bem. Junto com os extravagantes casacos e os monstruosos lenços de pescoço, tinham abandonado travessuras tais como a caça aos esquilos ou subir a cavalo pelas escadas de suas casas: o “Incomparável” nunca usava vestimentas chamativas e tinha deixado entrever que copiar os “Dashes e os Neckor — Nothing” (Grupos de jovens da alta sociedade londrina) não significava estar na última moda. Assim, em lugar de se dedicarem a novos excessos como resultado de sua presença, os jovens aspirantes a coríntios (tinha dito o Squire com uma risada) estavam tentando como loucos ganhar a aprovação de seu herói.

Era possível, no entanto, que em seu próprio círculo sir Waldo mostrasse outra face de seu caráter.

Nem por um momento Ancilla achou que levasse os novatos pelo caminho da perdição, mas sim que seu caminho podia estar cheio de corações destroçados.

Não duvidava de que era um maestro na arte do flerte; e conhecia, por experiência própria, sua fatal fascinação. Decidiu que o melhor que podia fazer era esquecer-se dele. Após chegar a tal conclusão, ficou pensando nele até que dormiu.

Na manhã seguinte conduziu-se no novo cabriolé da senhora Underhill até Colby Place para interessar-se pela saúde de Elizabeth. Charlotte devia ir com ela, mas quando Tiffany se inteirou, disse que era precisamente o que pensava fazer e solicitou, muito carinhosamente, que lhe permitisse acompanhá-la. Charlotte protestou e disse que nesse caso preferia aborrecer-se em casa acompanhando a mãe, ao invés de viajar no assento da frente do cabriolé. Assim, Tiffany foi com a senhorita Trent, oferecendo uma imagem da mais pura inocência, com sua túnica de musselina floreada e um encantador chapéu de palha, preso baixo ao queixo por fitas azuis. Uma sombrinha protegia-a do sol: e no assento da frente colocou um cesto repleto de uvas. Era um presente da senhora Underhill, cuja qualidade era a inveja de suas amizades, mas miss Trent não teria apostado nem um penny na possibilidade de que Tiffany oferecesse o presente como fruto de sua própria iniciativa. Se tinha alguma dúvida sobre o assunto, foi dissipada pela ingênua explicação oferecida pela jovem:

— Assim ninguém poderá dizer que não sou bondosa com a pobre Lizzie, não é verdade? Ademais, Ancilla, convidei Patience para que venha conosco a Leeds na sexta-feira próxima. Como eu, quer comprar umas luvas e sandálias para a festa dos senhores Colebatch, que terá lugar na próxima semana. Está muito preocupada, pois sua mãe não poderá acompanhá-la, porque sofre de um transtorno intestinal.

— Muito bondoso de tua parte — exclamou miss Trent com admiração.

— Acho que o é — replicou Tiffany —. Não há nada mais incômodo que levar a uma terceira pessoa no carro. Claro que você deverá ir sentada na frente... Mas sei que não se importa...

— Certamente — assentiu miss Trent com grande cordialidade —. Estou muito contente de acrescentar me grão de areia a tua generosidade.

— Sim — disse Tiffany, sem perceber o sarcasmo —. Estava convencida de que você aprovaria o que fiz.

Quando chegaram a Colby Place viram que não eram os únicos visitantes. Um reluzente cabriolé preso a um par de cavalos do melhor puro sangue, como em certa ocasião afirmou Courtenay, estava estacionado sob a sombra de um olmo gigantesco. Um criado vestido com roupas singelas, que cuidava dos cavalos, tocou seu chapéu em sinal de saudação às damas, e Tiffany exclamou:

— Oh! Sir Waldo está aqui!

Mas não se tratava de sir Waldo, como puderam comprovar ao entrar na casa e encontrar lord Lindeth conversando com lady Colebatch na sala de estar. Julian levantou-se quando entraram e ao ver Tiffany seus olhos expressaram sua satisfação, e enquanto ela saudava à dona de casa lhe estendeu a mão e lhe disse:

— Isto me parece muito bom. Sabia que você viria.

— É claro — exclamou ela, aparentando surpresa —. Pobre Lizzie, encontra-se já recomposta? Lady Colebatch, trouxe-lhe umas uvas.

Lady Colebatch agradeceu pelo presente e replicou, placidamente, que não Lizzie não tinha nada que não se pudesse remediar com um dia de descanso, e convidou Tiffany a que subisse a seu quarto, onde também se encontrava a senhorita Chartley.

— Patience? Está aqui? — perguntou Tiffany, assombrada, e também aborrecida ao descobrir que a filha do pastor tinha chegado antes dela para apresentar suas saudações.

Desagradou-se ainda mais ao saber que Patience, depois de se ter inteirado da indisposição de sua amiga através dos misteriosos mas inevitáveis canais informativos da vila, tinha saído de sua casa para cobrir a pé as três milhas que a separavam de Colby Place, mas se tinha encontrado com lord Lindeth, que viajava no cabriolé de seu primo com o mesmo propósito. Julian como é de supor, a tinha convidado para subir, e sentar-se a seu lado, explicou lady Colebatch com grande parcimônia, o que muito a alegrá-la, pois apesar de Patience ser uma grande andarilha, teria lamentado que ela tivesse andado tanto tempo sob o sol ardente. Lindeth não tinha perdido tempo durante a curta viagem. Miss Chartley tinha dito que iriam de compras a Leeds, e ele, imediatamente, tinha proposto um plano, que agora explicava a miss Trent.

— Sei que meu primo tem assuntos a tratar em Leeds no mesmo dia, pelo qual desejo convidá-las para que almocemos no King's Head — disse alegremente —. Diga que virá, madame. Consegui arrancar de miss Chartley a promessa de que iria, se sua mãe não puser objeções.

— Já compreendo — respondeu Ancilla brincando, mas com candura —. Ela porá objeções se eu não estiver presente. Meu querido lord Lindeth, como posso encontrar palavras para lhe agradecer tão encantador convite! Estou confusa.

— Não, não, não quero dizer isso — exclamou Julian, ruborizando-se —. Você sabe que não é assim.

Miss Wield, que diz? Sorriu-lhe acrescentando suavemente: — A mudança do almoço que não fizemos em Knaresborough. Não será tão cruel para se negar.

Molestou-lhe ser a última a receber o convite, mas como estava tentando se comportar o melhor possível, replicou em seguida:

— Oh, sim! É uma idéia deliciosa. Justo o que precisaremos para recuperar forças, após um dia de compras.

Com mostras de alegria, Tiffany foi ver a Elizabeth, e lady Colebatch comentou que não sabia que Lizzie tivesse tão bons amigos.

Tiffany voltou do quarto de Lizzie em companhia de miss Chartley, e o grupo partiu junto. Miss Trent perguntou-se se, em sua paixão, Lindeth oferecer-se-ia a levar Tiffany em lugar de Patience; mas depois não sabia se devia ficar triste ou contente quando ele não fez a sugestão. Foi Patience a quem convidou, enquanto ele aguardava para ajudá-la a subir. Olhando para Tiffany, Patience Disse-lhe de maneira muito gentil:

— Preferirias ir no cabriolé?

Tiffany o teria preferido, e se Julian a tivesse convidado teria aceitado após dar a entender que não o desejava. Mas Julian não a convidou nem secundou a pergunta de Patience. Nunca teria passado pela mente de Tiffany que teria sido muito pouco cortês da parte dele se o tivesse feito. Se alguém o tivesse dito, tê-lo-ia negado: ele tinha preferido ser cortês com Patience, a suas custas, e isto, a seus olhos, era uma ofensa imperdoável. E em relação a aceitar um lugar no cabriolé, como lhe tinha oferecido Patience, antes teria preferido ir a pé até Staples.

— Não, muito obrigado — respondeu com um riso forçado —. Detesto viajar em cabriolé e estou em constante temor, a não ser que seja conduzido por alguém que eu saiba que não o fará virar.

Miss Trent, que tinha estado acariciando um dos cavalos, disse com um tom de voz que mais de uma vez tinha acalmado uma aluna rebelde:

— Minha querida Tiffany, estou segura de que és capaz de distinguir entre um cabriolé de pescante baixo e outro de pescante alto. — Não prestou mais atenção a Tiffany e sorrindo a Lindeth lhe disse — : O fato de que conduza os cavalos de seu primo me faz pensar que não é um aficionado, lord Lindeth. Ou os pegou sem seu conhecimento?

— Não me teria atrevido — contestou ele se rindo —. Waldo sempre me permite conduzir seus cavalos.

Devo fazê-lo, por outro lado, porque foi ele quem me ensinou a manejar as rédeas. Pense o quanto sofreria seu orgulho se não pudesse confiar a seu pupilo seus próprios cavalos. Não tenha medo, miss Chartley, não serei um magnífico condutor, mas não viraremos.

— Não tenho nenhum medo de que isto ocorra — replicou ela, enquanto o olhava timidamente. — Viemos até aqui tão comodamente!

— Muito obrigado. — Lindeth viu que Tiffany se preparava para subir ao seu cabriolé e se acercou para ajudá-la —. Um destes dias você deverá retirar essas palavras. Uma verdadeira injustiça. É uma pena que devamos nos separar tão cedo: só pudemos falar uns minutos. Você encontrou miss Colebatch bem? Sua mamãe assegurou-me que não postergará o baile. Dançará a valsa comigo?

— Que? — exclamou ela se esquecendo de seu mau humor —. Lindeth, quer dizer que dançaremos valsas? Está brincando.

— Não brinco com você. Atrevido, não é verdade?

— Oh sim, e tão divertido! — gritou Tiffany enquanto apertava as mãos —. Estou mudando minha opinião sobre lady Colebatch. Como pôde ser tão ousada? Pense no que dirá a senhora Mickleby.

— Conta com sua aprovação — quase poderíamos dizer, com sua bênção.

— Impossível!

— Asseguro-lhe — disse Julian com malícia nos olhos —. Lady Colebatch pediu seu conselho e ela — naturalmente — escreveu a seus elegantes primos de Londres. Estes lhe informaram que a valsa é a última moda e que até se permite em Almack's. Só os provincianos, lhe escreveram, se escandalizam. Assim...

— Divertidíssimo, divertidíssimo — riu Tiffany —. A grande senhora Mickleby uma provinciana!

Agora compreendo.

— E dançará você comigo?-

— Se minha tia permitir — replicou ela com coqueteria.

Ele lhe sorriu, lhe apertou a mão suavemente, e voltou ao seu cabriolé. Tiffany estava tão encantada com a notícia que não só não disse nada sobre ele e Patience, como conversou alegremente com miss Trent sobre as compras em Leeds durante todo o trajeto até Staples.

 

 


Capítulo IX

 

 

Enquanto, lord Lindeth, que levava a miss Chartley de regresso a sua casa a trote lento, contou a esta que na festa de Colby Place dançar-se-ia a valsa. Ela se surpreendeu tanto como Tiffany, mas recebeu a notícia de modo muito diferente.

— Nunca aprendi a dançar a valsa — disse muito séria—, mas a desfrutarei vendo-o dançar.

— Poderia aprender os passos num instante — assegurou-lhe ele —. Sei que você dança muito bem, miss Chartley. Qualquer dançarino poderia lhe ensinar numa única lição. Vamos, se até eu mesmo poderia e isso que não sou conhecedor! Permita-me que o faça!

Ela sorriu agradecida, mas lhe respondeu com franqueza: — Não acho que mamãe o permita.

— Por que não? Mesmo que saiba que a senhora Mickleby a aprova?

Ela negou com a cabeça, ficando calada. Uma dama de qualidade, dizia sua mãe, não se rebaixava.

Mamãe nunca mencionava o assunto, mas tinha uma linhagem muito superior a da esposa do Squire, e Patience sabia muito bem que ofender-se-ia muitíssimo ante qualquer sugestão de que devia aceitar à senhora Mickleby como modelo.

— Considera-a uma dança pouco apropriada? — perguntou Lindeth —. Também minha mãe falava assim, até que viu que não tinha motivos para isso. Verei se posso convencer à senhora Chartley para que conceda sua permissão. Seria muito lamentável que você tivesse que se conformar só de olhar.

— Temo que você não terá sucesso — replicou ela, achando que não levaria seu propósito à prática.

Estava equivocada. Quando chegaram à reitoria, Lindeth se dispôs em seguida a tratar de que a senhora Chartley, que se recuperava de sua indisposição num sofá da sala de estar, mudasse de opinião com relação a dança alemã que estava fazendo furor em Londres.

A boa senhora não era imune aos seus encantos, mas seu sentido da correção era estrito, e Julian não a teria convencido se não tivesse recebido um inesperado apoio. O pastor, que acabava de entrar na sala, ao se inteirar do tema em discussão, disse que, desde que o mundo era mundo, cada geração condenava os usos e costumes da seguinte. E acrescentou que não podia julgar uma dança que não conhecia. Sorriu bondosamente a Julian e convidou-o a que lhes mostrasse os passos. — Senhor Chartley! — protestou sua esposa, meio risonha.

— Sempre gostei de dançar quando era jovem — recordou o pastor —. Que atrevidos éramos!

Terminávamos exaustos de tanto dançar, como dizem os jovens de hoje.

Todos se puseram a rir; e quando disse a sua esposa que, a pesar de esperar que nenhum filho seu passasse dos limites, também não desejava que sua filha fosse uma chata, a senhora Chartley levantou as mãos em sinal de derrota e consentiu em adiar o seu veredicto. Julian foi o encarregado de dar a Patience sua primeira lição, ajudado por Jane Chartley, que não só incentivou a sua irmã mais velha a que o fizesse, como se ofereceu para interpretar a música. O fez com grande autoconfiança, marcando fortemente o ritmo, de uma maneira tal que sua surpreendida mãe se perguntava quem lhe tinha ensinado a executar valsas. Certamente que não tinha sido sua bem educada ama.

Patience (como seu pai) desfrutava muito com a dança, e quando superou seu nervosismo, se mostrou uma boa aluna, um pouco rígida quando Lindeth a tomou da cintura, mas dominando-se rapidamente os passos e ao ritmo da dança.

— Bravo! — aplaudiu seu pai —. Muito bom, muito bom, para valer!

— Pensa assim, papai? — perguntou Patience com ansiedade —. Fui muito desajeitada e

continuamente perdia o passo. Mas se não a consideras indecorosa, gostaria de aprendê-la corretamente. É tão excitante!

Esta impulsiva afirmação fez que a senhora Chartley comentasse depois a seu marido:

— Meu querido John, assombro-me ante tua impassividade frente a uma dança tão pouco decorosa.

Quando davam voltadas pelo salão, enquanto com sua mão esquerda sustentava a dela por sobre sua cabeça, a envolvia sua cintura com a direita.

— Para guiá-la, meu amor - disse o pastor —. Lindeth não tem intenções amorosas. Não vi nada incorreto. O que é mais, teria desejado que Patience se mostrasse mais solta. Atrever-me-ia a dizer que se mostrou algo desajeitada.

— Creio — disse a senhora Chartley com severidade — que agradar-te-ia dançar valsas.

— Não. Não a minha idade — replicou o pastor desculpando-se. Um sorriso apareceu em seus olhos e acrescentou: — Mas se tivesse estado na moda quando eu era jovem e, é claro, antes de tomar os hábitos, tê-la-ia dançado contigo, meu amor. Ter-te-ia desagrado?

Apesar do fugaz sorriso que floresceu em seus lábios, ela contestou:

— Minha mãe nunca tê-lo-ia consentido. Com toda sinceridade esperas que autorize Patience a que dê voltas pelo salão, abraçada por um homem? Porque não se pode descrever de outra forma.

— Tu és o melhor juiz para decidir o que ela deve fazer, querida, e a deixo em tuas mãos. No entanto, gostaria de dizer que não me agradaria ver Patience sentada em sua cadeira enquanto suas amigas, como tu dizes, dão voltas pelo salão.

— Não — assentiu a senhora Chartley ao considerar esse aspecto —. Claro que não!

— Longe de mim o desejo de que brilhe acima de suas amigas — acrescentou o pastor de maneira pouco convincente—, mas muitas vezes pensei que a pesar de não pode equiparar-se à beleza da pequena Tiffany, é muito melhor bailarina que ela.

Estas palavras fizeram refletir a sua esposa. Não se reconciliava com a idéia, mas sua resolução começava a fraquejar. A referência à Tiffany tinha influído poderosamente sobre ela. Esperava não ser considerada como uma mulher mundana, mas também não era tão santarrona ou desinteressada para não se comover ante o espetáculo de ver sua filha rebaixada por uma odiosa fedelha, que era tão vaidosa como bela e totalmente carente de caráter e correção. A senhora Chartley não gostava de Tiffany Wield e tinha pensado em várias ocasiões que era uma pena que um homem jovem, tão encantador como Lindeth, tivesse caído em suas redes. O céu sabia que não era uma mãe casamenteira. Diferente de algumas paroquianas de seu marido, não tinha tentado pôr a sua filha no caminho de seu senhoria; mas quando o tinha visto dançar com Patience, tinha pensado que formavam um excelente casal. Lindeth era a classe de jovem que ela teria elegido para Patience.

Uma coisa era não fazer esforços para atraí-lo para sua filha, e outra muito diferente se interpor em seu caminho.

Ainda não se tinha decidido, quando o problema se resolveu com um convite para Patience, de parte da senhora Underhill, para que assistisse a algumas danças que oferecer-se-iam de manhã em Staples para praticar a valsa.

— Bailes matutinos! — exclamou a senhora Chartley —. Santo Deus! Que farão depois!

Patience, com os olhos brilhantes e as faces coradas, disse:

— Foi uma idéia de Tiffany, mamãe, e miss Trent diz que é verdade que estão na moda em Londres.

Só para que possamos praticar a valsa e as quadrilhas. Ela tocará piano e dirá como dançar corretamente. Mamãe, irão todos os meus amigos. E até Courtenay Underhill, os Banningham e Arthur Mickleby estão dispostos a aprender. Lord Lindeth e o senhor Ash prometeram estar presentes para ensinar-nos. E a senhora Underhill assistirá e...

— Minha querida minha, como estás afobada...

— Peço tuas desculpas. Mas posso ir? Gostaria tanto!

A senhora Chartley não podia suportar uma súplica semelhante.

— Bem, meu amor, já que teu papai não vê nenhum mal nisso, e o baile será uma festa privada e não uma reunião pública...

— Oh, muito obrigado, mamãe! — exclamou Patience —. Agora sim que almejo ir, o que não tinha feito até agora ao pensar que teria que ficar sentada enquanto os demais dançavam.

— Não, não o teria permitido — assentiu sua mãe, imaginando a cena com profundo desgosto.

— Será uma festa magnífica — confiou-lhe Patience —. Terá lustres de cores no jardim e ...este é um grande segredo, mamãe, que Lizzie me confiou — fogos de artifício a meia-noite.

— É de esperar que não chova — disse a senhora Chartley.

— Por favor, não penses tal coisa — rogou-lhe Patience —. Mamãe, considerarias que é uma extravagância se comprasse uma bolsa nova para a festa? A que tenho já usei tantas vezes que está muito gasta.

— Certamente que não. Sabes, querida, tenho estado pensando que poderias comprar uma peça de cetim em Leeds e assim poderíamos fazer um novo forro para teu vestido de gaze. Nunca me agradou o verde que escolhemos. Um rosa pálido sentar-te-ia melhor! E se pudesses encontrar algumas fitas vermelhas que façam jogo — Que lástima é que não te possa acompanhar! Mas o doutor Wibsey disse que poderia ter más consequências, se não faço repouso até o fim de semana pelo menos, assim como desejo te acompanhar ao baile devo fazer o que ele diz. Bem, terás a miss Trent para que te aconselhe. Deixa-te guiar por ela: tem um gosto excelente.

Depois da perspectivas de danças matutinas em Staples e a perspectiva de compras em Leeds arrematadas com um almoço, Patience estava radiante, enquanto aguardava o grupo de Staples para iniciar a viagem. Tinha-se vestido para a ocasião com sua melhor roupa e sair, de musselina estampada, com mangas longas e uma dupla fileira de rendas ao redor do decote; na cabeça brilhava um boné de palha, enfeitado com flores; sandálias de camurça marrom nos pés; numa mão uma pequena sombrinha e na outra (fortemente apertada) uma bolsinha contendo o dinheiro que lhe tinha dado sua mãe para as compras. Parecia-lhe quase um destino gastar tanto dinheiro com sua pessoa, pois, ainda que o pastor tivesse dinheiro suficiente para viver de maneira folgada, tinha educado seus filhos no hábito da poupança e na crença de que a aparência pessoal não era o mais importante.

"Não desperdiceis vosso dinheiro em tolices", lhes tinha dito com um sorriso.

"Meu querido senhor — tinha-lhe respondido a mãe —, espero que não queira que sua filha vá com as sandálias rompidas e as luvas sujas."

Depois tinha-lhe explicado num tom confidencial que não lhe tinha falado do cetim rosa e as fitas vermelhas, porque era melhor não mencionar aos homens sobre roupas, pela singela razão de que não entendiam nada dessas coisas, e sentiam-se incomodados só de ouvir falar delas.

Miss Trent pensou que poucas vezes tinha visto Patience com tão boa aparência, e que nada assentava tão bem a uma jovem como uma excitação agradável. Como não podia ser de outra forma, foi diminuída por Tiffany, que brilhava em todo seu esplendor num atrevido boné de copa muito alta e asas muito largas que lhe emolduravam o rosto; mas tinha algo muito atraente na figura e nos olhos de Patience que, sem ter o brilho dos de Tiffany, tinham uma doce expressão.

A viagem até Leeds, depois que Patience ganhou na discussão com miss Trent sobre qual delas devia ir de costas aos cavalos, se realizou com toda harmonia. Tiffany não tomou parte na discussão, pois considerava que não lhe concernia, mas sim estava pronta para conversar com suas companheiras sobre as diversas compras que pensava fazer na cidade e só mostrou um cortês interesse nas modestas pretensões de Patience. Como era uma rica herdeira, sempre tinha muito dinheiro disponível e, diferente de Patience, não tinha o menor sentido da poupança; bastava que visse uma coisa para que de imediato a comprasse. Suas gavetas estavam repletas dos mais caros objetos adquiridos caprichosamente em Leeds e Harrogate, para depois decidir que não se ajustavam a seus gostos ou que não eram tão bonitos como tinha pensado. Variavam desde inumeráveis pares de rosetas para sapatilhas de dança, a um ornamento de cabeça que disse a fazia parecer como uma bruxa, e incluía objetos tão diferentes como um xale de angorá, adequado para uma viúva, um par de sapatilhas espanholas de camurça verde, três regalos de arminho, chinchila e penas de cisne, rolos de fita listradas e todo um jogo de adornos para o cabelo com filigranas de prata. Agora se via obrigada a pedir autorização à senhora Underhill para dispor do dinheiro de sua mesada. O que faria quando entrasse em plena posse de sua fortuna era tema de pesadelo para um ama consciente; e miss Trent tinha feito todos os esforços possíveis para inculcar-lhe um verdadeiro sentido do valor do dinheiro. Não tinha tido sucesso, e como não gostava de perder o tempo em tarefas impossíveis, apelou a diversas estratagemas para reduzir seus gastos, enquanto se consolava pensando que o controle da fortuna da volátil jovem passaria às mãos de seu desconhecido, mas inevitável, marido.

Quando chegaram a Leeds desceram da carruagem em frente ao King's Arms entulhado de produtos na principal rua comercial. Leeds era uma cidade laboriosa e em plena expansão, e entre seus edifícios públicos contava com dois grandes armazéns (um deles de dimensões impressionantes, com seis galerias); cinco igrejas; a prefeitura; o Correio (um belo edifício de desenho octogonal); um dispensário; um estabelecimento para convalescentes de doenças infecciosas; uma escola de caridade, onde se vestia e educava a quase uma centena de meninos e onde (o que ignoravam) sir Waldo Hawkridge estava fazendo uma visita, em companhia de vários dos diretores; uma série de fábricas têxteis e de tapetes; fundições, inúmeras hospedarias e um bom número de excelentes casas residenciais. A maioria dos edifícios eram de tijolo vermelho, que começava a enegrecer-se pela fumaça das indústrias; e ainda que não podiam se qualificar de magníficos, tinha vários parques e praças onde também se erguiam residências particulares de considerável elegância. Tinha armazéns de tecidos de seda e lojas muito reputadas, e não passou muito tempo para que a engenhosidade de miss Trent fosse posta a prova. Tiffany apaixonou-se de umas fivelas francesas de ouro ornamentadas, e depois de um inovador leque de crepe muito enfeitado com púrpura e ouro.

Miss Trent disse que não tinha visto nada tão extraordinário nas presilhas, e que lamentava que a mudança da moda conferisse um aspecto rude a quem se atrevesse as usar. E quanto ao leque, reconhecia que era algo muito impressionante e precisamente o que ela teria comprado se não fosse tão feio.

Depois de jogar estes empecilhos, Ancilla conduziu a suas pupilas até um estabelecimento de grande categoria, onde as jovens damas compraram luvas e fitas, e Tiffany vários pares de meias de seda, que acordaram tal inveja em miss Chartley que fez com que destinasse doze xelins do dinheiro que tinha na bolsinha para comprar um par, que pensava usar no baile dos Colebatch.

Depois foram ao armazém de sedas que gozava das preferências da senhora Chartley; enquanto Tiffany, que cedo perdeu todo interesse na escolha do cetim, passeava olhando sedas e veludos, escoltada por um jovem vendedor totalmente abobado, miss Trent pôs todo seu gosto e experiência a serviço de sua jovem amiga. Descobriram uma peça do tom adequado por um preço muito razoável e só dispunham do tempo justo para comprar as novas sapatilhas de dança, antes de se reunir a lord Lindeth. Não demoraram muito, a pesar de terem que dissuadir Tiffany de que comprasse umas sandálias de seda azul pálido, e chegaram à hospedaria antes que o hoteleiro começasse a temer que lhes tivesse ocorrido um acidente grave.

Julian esperava-as num salão privado e era evidente, pelo variedade de comida, que tinha tido muito interesse em agradá-las. Só faltava uma coisa na opinião de miss Trent. Por nada do mundo teria demonstrado o menor interesse em saber o paradeiro do “Incomparável” ; mas quando Tiffany perguntou por que sir Waldo não estava presente, sentiu desejos de reprovar sua desfaçatez.

— Aparecerá a qualquer momento — respondeu Lindeth —. No entanto, não esperaremos, me disse que... que apresentasse suas desculpas se não pudesse vir. Acho que deve estar falando com os capatazes, reunidos pelo seu administrador.

— Oh! — disse Tiffany com um muxoxo —. Que tarefa mais ingrata!

— Bem — — replicou Lindeth duvidando uns instantes —. Sim, claro que é... para uma dama, quero dizer.

— Suponho que deve ser muito difícil — interveio Patience —. Em particular se prefere-se deixar a administração em mãos de uma só pessoa. Ouvem-se tantas histórias de abusos e negligencias — apesar de que meu pai sustenta que a culpa costuma ser do proprietário...

— Muito verdadeiro — assentiu ele —. Avaros como o velho Joseph Calver, entesourando cada penny que podem arrancar da terra, e alugando suas granjas por prazos curtos a pessoas miseráveis...Interrompeu-se ao ver que Tiffany franzia o cenho e acrescentou: — Não sei por que estamos falando destas coisas, aborrecendo a miss Wield.

— Também não o sei — respondeu Tiffany com toda malícia —. Diga-me você...

— Por nada do mundo — exclamou Julian com um sorriso —. Permitam-me convidá-las à mesa.

Espero que tenham apetite. Miss Trent, quer você se sentar aqui? Deseja que lhe trinche um pedaço de frango?

— A expressão é incorreta, Lindeth: cortar é a palavra — disse sir Waldo, que entrou no salão nesse momento —. Como está você, madame? Miss Chartley, seu mais fiel servidor; miss Wield, igualmente seu. Peço-lhes a todos perdão. Chego tarde.

— Bem, isso me faz recordar uma observação que alguém fez — comentou miss Trent, simulando que se recordava —. Algo a respeito de ser impontual por costume — Quem pode tê-lo dito? Tenho tão má memória...

— Então não tente citá-lo, madame — replicou sir Waldo, com olhos risonhos —. Referia-me à falta de pontualidade do seu sexo.

— Oh, não! Ele disse, madame? — exclamou Julian —. Assombroso! Pego na rede!

— Por favor, o que quer dizer? — perguntou Tiffany.

— Não deve perguntar a mim — respondeu sir Waldo, com um olhar de reprovação —. Lindeth, não deverias dizer coisas assim em presença das damas.

— Oh!, é inapropriado? — interrogou Tiffany com ar inocente.

— Muito inapropriado! — afirmou sir Waldo, imperturbável.

Tiffany viu que os demais se riam e levantou o queixo, enrijecendo um pouco. Mas sir Waldo, que tomou assento a seu lado, lhe pediu que contasse como tinham sido suas compras, mostrando profundo interesse por seu relato; logo Tiffany tinha recobrado seu bom humor e continuou conversando com ele durante todo o almoço.

Uma nova bolsa para Patience e a fita vermelha que fizesse jogo com o cetim rosa não tinham sido comprados ainda. Quando se levantaram da mesa, sir Waldo se escusou e se foi para prosseguir suas reuniões com os futuros capatazes, enquanto Lindeth, dizendo que tinha muito bom olho para as cores, se ofereceu para acompanhar as damas. Dado que o “Incomparável” tinha-se dedicado exclusivamente a entreter Tiffany, Julian, surpreendido pela singular conduta de seu primo, fez todo o possível para divertir as outras duas convidadas. Mas miss Trent, que secundou seus esforços, estava um pouco preocupada. A ligeira suspeita de que miss Chartley se sentia muito atraída por Lindeth tinha sido confirmada. A bem educada filha do pastor se comportava como era devido, mas o brilho de seus olhos cada vez que olhava o rosto de seu senhoria era, segundo pensava miss Trent, pura ternura. Como a senhora Chartley, não podia deixar de pensar que formavam um casal admirável, mas ainda que soubesse, pelo que escreviam cronistas e poetas, que não era nada estranho que um cavalheiro mudasse o objeto de seus afetos num abrir e fechar de olhos (como depoimento bastava citar a brusca paixão do jovem senhor Montesco quando, pela primeira vez, viu a senhorita Capuleto), não sabia se o “Incomparável” trataria de se aproximar de Patience. A senhorita Trent não duvidava que, em caso de fazê-lo, não vacilaria em intervir. Essa certeza, pensou, devia ser suficiente para a pôr em guarda contra um homem que demonstrava ter tão poucos escrúpulos. O problema era que a pesar de admitir essa possibilidade longe de sua presença, bastava que o olhasse nos olhos quando se encontravam para se convencer de sua integridade.

Ele tinha encontrado a oportunidade de trocar umas palavras com ela, antes de abandonar a hospedaria, e de maneira brusca lhe tinha perguntado:

— Irá ao baile dos Colebatch?

— Sim. Convidaram-me e minha bondosa senhora disse que posso — ou, melhor dito, fez questão de que vá.

— Como dama de companhia?

— Não, ela também assistirá, por isso estarei livre.

— Então aceitarei o convite.

Não tinha esperado resposta, e com um breve aperto de mãos e um sorriso de despedida se tinha ido.

As horas seguintes decorreram muito agradavelmente para o resto do grupo. Visitaram diferentes lojas, onde não só encontraram a bolsa e as fitas que faziam jogo com o cetim, como Tiffany comprou um par de aros de prata, e miss Trent um ramalhete de flores artificiais para seu único vestido de baile. A presença de Lindeth deu grande alegria à expedição. Demonstrou um profundo interesse pelas diferentes compras, mas como sabia muito pouco sobre modas femininas, cometeu alguns erros enormes que foram a hilaridade de suas companheiras. Também descobriu uma pastelaria onde vendiam gelados e, como as damas se sentiam acaloradas, e um pouco cansadas, aceitaram com agrado seu convite. Tiffany, fazendo demonstração de seus conhecimentos, disse que se parecia muito a Gunter's; uma afirmação inexata, mas que demonstrou que estava de excelente humor. Miss Trent não podia recordar que tivesse passado um dia mais agradável em sua companhia.

Após tomar um gelado de limão, abandonaram a pastelaria e empreenderam o regresso para a hospedaria. Tinha muita gente na rua, e para não serem espremidas, as duas jovens se adiantaram, conversando sobre modas, enquanto Lindeth, de braço com miss Trent, as seguia. Um quadro pendurado na vitrine de uma loja chamou a atenção de Julian; tratava-se de um quadro sobre Dripping Well e assim o disse a Ancilla. Enquanto contemplavam-no, a harmonia de tão delicioso dia foi repentina e violentamente rompida. Um alvoroço produzia-se rua acima. Escutaram-se gritos de:

"O ladrão! O ladrão!" e quando voltaram a cabeça, viram a um esfarrapado rapazinho que corria para eles, com uma maçã na mão e uma profunda expressão de terror no rosto. Corria esquiando-se dos transeuntes e quase tinha chegado até Patience e Tiffany, quando um senhor de meia idade meteu sua bengala entre as pernas do menino, que rodou por terra, indo dar no meio da rua. Um grito de protesto brotou da garganta de Patience que, arrojando sua bolsa, a sombrinha e os pacotes, saltou à rua, sob o horrorizado olhar de miss Trent, para tirar o rapaz debaixo dos cascos de um brioso alazão, atrelado a um tílburi. Por um momento pareceu que os dois seriam atropelados; mas o alazão empinou, relinchando, e foi desviado por seu condutor para um costado. O cocheiro, um elegante cavalheiro vestido com roupas que indicavam, tão claramente como sua habilidade com as rédeas, que era um condutor de categoria, uniu sua voz às demais, numa furiosa discussão.

No instante seguinte, Lindeth correu a socorrê-la e, empurrando a Tiffany sem consideração, inclinou-se sobre Patience.

— Santo Deus, miss Chartley — Você está ferida?

Ela tinha caído ao levantar o rapazinho para o arrebatar do perigo e estava ajoelhada, tendo-o em seus braços, enquanto olhava com espanto sua cara coberta pelo sangue que brotava de uma profunda ferida na fronte. Levantou o rosto para exclamar:

— Oh, não, não! Mas este pobre menino—! Preciso de algo para deter a hemorragia... um lenço... qualquer coisa! — Por favor, um de vocês — !

— Tome o meu — disse Lindeth —. Pobre menino. Desmaiou. — Olhou o condutor do tílburi e acrescentou seguidamente —. Sinto muito, senhor. Devo agradecer-lhe por ter atuado tão eficazmente. Espero que seu cavalo não se tenha machucado.

Naquele momento o elegante cavalheiro deu-se conta de que a mulher ajoelhada no chão era uma jovem muito bonita e de boa presença. Ruborizado, gaguejou:

— Não, não, não tem importância. Rogo-lhe que aceite minhas desculpas, madame. Foi a agitação do momento. Perdi a cabeça! Por Júpiter! Poderia estar morta. A coisa mais valente que vi em toda minha vida! Por Júpiter, que sim!

— Oh, não! Estou-lhe muito agradecida. Não me espanto que se tenha zangado, pois era uma coisa natural.

Miss Trent, que tinha conseguido abrir espaço entre os numerosos curiosos, se acercou dela e lhe perguntou:

— Está ferido de gravidade?

— Não o sei. Sua cabeça bateu contra as pedras da calçada. Devemos levá-lo ao hospital.

— Será o melhor, pois temo que precisará que lhe dêem uns pontos — replicou miss Trent, dobrando seu próprio lenço como uma compressa e a pondo sobre a ferida —. Sustente-lhe a cabeça, assim posso estancá-la com o lenço de lord Lindeth.

Nesse momento ouviram uma nova voz. O proprietário da maçã, um robusto vendeiro, tinha-se acercado ao lugar e estava a anunciar, ao berros, sua intenção de chamar a um policial para que detivesse o pequeno ladrão. Estava furioso e um pouco grosseiramente disse a Patience que o cárcere era o lugar indicado para os delinqüentes, e não o hospital.

— Por favor, não o entregue ao policial! — implorou Patience —. É muito ruim que lhe tenha roubado, mas compreenda que é muito pequeno e tão desvalido! Ademais, está muito ferido.

— Não, senhor! — replicou o vendeiro —. Teria sido melhor que partisse o pescoço. É uma vergonha e um escândalo a maneira com que ele e outros do seu bando andam rondando para tratar de roubar algo. Como há Deus que tratarei de que este ladrãozinho tenha um castigo exemplar!

— Ouça você, idiota, essa não é maneira de falar com uma dama! — exclamou com indignação o cavalheiro do tílburi —. Além disso, apostaria que o pequeno não é nem a metade de ladrão que você é. Conheço aos de sua classe. São todos iguais: Enganam no peso e em tudo o que podem!

O resultado desta intervenção foi pouco feliz. O vendeiro injuriado apelou aos curiosos e ainda que uma ou duas pessoas recomendasse que perdoasse ao ladrão, muitos outros se puseram do seu lado. O ar tinha-se acalorado com a discussão: mas Lindeth, que nunca tinha se encontrado numa situação semelhante, se armou de coragem e com voz de firme e tranquila autoridade pediu ao vendeiro que lhe indicasse o preço da fruta roubada.

O homem, a princípio, pareceu persistir em seu desejo de vingar-se, mas após uma nova discussão, na qual participaram uma meia dúzia de espectadores, aceitou a moeda que lhe oferecia e se retirou acompanhado por vários de seus partidários. A multidão começou a dispersar-se; o ladrãozinho saiu de seu desmaio e começou a chorar pedindo que o levassem para sua casa com sua mãezinha. E enquanto Patience o serenava assegurando-lhe que o levaria de volta a casa, e que ninguém o ia deter, ou o entregar ao policial (um servidor público ao qual parecia ter um profundo terror), miss Trent, lord Lindeth e o cavalheiro em traje desportivo, que tinha descido do tílburi para se somar à discussão, mantinham uma apressada discussão.

Durante toda esta cena, Tiffany tinha ficado sozinha e abandonada, rígida de mortificação, empurrada por pessoas de baixa categoria e de pé junto a calçada; apartada bruscamente de seu caminho por lord Lindeth; severamente repreendida por miss Trent para que não ficasse tesa como um pau e recolhesse os objetos que pertenciam a Patience; e deixada sem dama de companhia, ou proteção masculina, por parte daqueles que deviam ter como única missão tentar que estivesse cômoda e segura. Nem sequer o desportivo cavalheiro do tílburi tinha-lhe prestado atenção. Patience...

Patience... ajoelhada na rua, com seu vestido manchado de sangue, e com um sujo e esfarrapado rapazinho nos braços, era a heroína da cena, repugnante cena, enquanto a formosa miss Wield devia arranjar-se como melhor podia com duas sombrinhas, duas carteiras e uma montanha de pacotes.

Escutou com crescente fúria os planos que faziam. O desportivo cavalheiro tinha dito que seu nome era Baldock e se tinha posto a sua disposição, se oferecendo a conduzir Patience e ao sujo moleque à enfermaria; Lindeth assegurava que ele mesmo conduziria os dois até a casa do menino (sem dúvida uma favela dos bairros baixos da cidade) e miss Trent prometia que iria a pé até a enfermaria para prestar a Patience toda a ajuda que fosse necessária. Nem um só deles tinha pensado um momento nela. Estava cansada; desejava ir-se para casa; de pura bondade de coração tinha aceitado que Patience (que nunca tinha gostado) a acompanhasse a Leeds; tinha-se submetido, sem uma palavra de protesto, que a arrastassem por toda a cidade à busca de um ridículo cetim rosado; sua própria acompanhante — contratada para que cuidasse dela — em lugar de afastá-la do degradante episódio, estava só preocupada pelo bem-estar de Patience; e agora ela e Lindeth falavam de levar o asqueroso menino a sua casa, em seu carro.

— Acho que vou desmaiar — anunciou Tiffany com voz aguda.

Lindeth, que estava tomando o menino dos braços de Patience, não lhe prestou atenção; miss Trent, que ajudava a Patience a se levantar, se limitou a olhá-la enquanto dizia:

— Não posso te atender agora, Tiffany.

Por sua vez, o senhor Baldock dedicando-lhe uma rápida mirada exclamou:

— Não vejo os motivos pelos quais deva você desmaiar, madame. Ao contrário, não estranharia se esta dama o fizesse, coisa que não fez. Não ouvi seu nome, madame, mas tomarei a licença de lhe dizer que é uma excelente pessoa. Talvez não devesse dizer tal coisa. Rogo-lhe que perdoe-me; nunca soube tratar às mulheres. O que quero dizer é que você é... você é uma...

— Heroína — ajudou Lindeth rindo.

— Sim isso é o que é. Uma intrépida heroína.

— Oh, por favor! — protestou Patience —. Estou-lhe muito reconhecida, mas não sou nada disso. Se você é tão gentil de nos levar à enfermaria, vamos agora mesmo. Sangra ainda e temo que esteja ferido numa perna. Pode ver como está inchada e como se queixa quando lhe tocam. — Olhou em torno e acrescentou: — Não sei o que fiz com meus pacotes e meus... Oh, Tiffany, você os têm. Muito obrigado. Sinto muito — é tão desagradável para você.

— Por favor, não diga nada — interrompeu-a Tiffany tremendo de fúria —. Gosto de recolher pacotes e sombrinhas de outras pessoas; gosto de ser atropelada por pessoas vulgares. Por favor, não se preocupe comigo. Ou de pedir minha permissão para levar em meu carro a esse odioso e perverso moleque.

— Bom, de todas as mulheres resmungonas... — exclamou o senhor Baldock.

Lindeth, que olhava a Tiffany com uma estranha expressão em seus olhos e os lábios apertados, lhe deu as costas e disse baixinho ao senhor Baldock:

— Ajude miss Chartley a subir. Eu lhe entregarei o menino e poderemos partir.

— Sim, mas iremos muito apertados — respondeu este.

— Não. Eu sentar-me-ei na parte traseira. — Esperou a que Patience subisse ao tílburi e depois lhe entregou o pequeno que chorava, dizendo com gentileza: — Não se preocupe. Não há necessidade, lhe asseguro.

Ela estava a ponto de desmaiar e murmurou:

— Nunca pensei... eu não sabia... lord Lindeth, vá com ela. Posso arranjar-me sozinha. Talvez possa alugar um carro para mim... Sim, isso é o que deveria fazer. Se você dissesse ao cocheiro que me levasse à enfermaria...

— Deixe de afligir-se — pediu-lhe com um sorriso —. Já discutiremos que é o melhor que podemos fazer. Enquanto, a senhorita Trent cuidará da senhorita Wield e eu irei com você. — Voltou-se quando Ancilla se acercou para entregar à Patience sua carteira, e lhe explicou brevemente o que pensava fazer, acrescentando em voz muito baixa: — Virá à enfermaria, madame? Acho que deveria fazê-lo.

— Claro que irei — replicou miss Trent —. Tão logo leve a miss Wield de volta ao King's Arms.

— Sim, por favor — disse Lindeth, aliviado —. Depois procurarei Waldo. Ele é o homem que precisamos nesta emergência.

Ela tinha estado pensando o mesmo, e apesar de que se surpreendeu que ele o dissesse, assentiu cordialmente. Foi então seu senhoria quem surpreendeu-se. Tinha falado mais para si mesmo e (dado que Waldo detestava que se falasse de sua filantropia), não deixou de lamentar. Antes que se dessem conta de que estavam falando de coisas diferentes, Tiffany, quase fora de si por seu contínuo abandono, se acercou deles para perguntar com voz vibrante de raiva quanto tempo mais pensava miss Trent a manter esperando.

— Nem um instante mais — replicou sua ama alegremente, tomando de suas mãos a sombrinha e os pacotes que ainda carregava. Por sobre o ombro sorriu a Patience enquanto dizia: — Reunir-me-ei com você na enfermaria, miss Chartley. Vamos, Tiffany!

— Não fará nada disso — exclamou Tiffany —. Desejo ir para casa e sua obrigação é permanecer comigo e, se não o fizer assim, direi a minha tia e farei com que a despeça.

— Sem dúvida alguma — assentiu a senhorita Trent, sujeitando-a de um braço enquanto conduzia-a firmemente pela calçada —. E se te acompanhasse para casa, deixando abandonada miss Chartley, sua mamãe pediria que me despedissem de imediato, logo, faça o que fizer, estarei em má situação.

Estou tremendo de medo. Mas em teu caso, Tiffany, teria mais cuidado ao fazer as coisas.

— Ao fazer as coisas! — assombrou-se Tiffany —. Se foi essa odiosa Patience Chartley com suas maneiras insinuantes, comportando-se como uma possessa, só para que todo mundo pensasse que é uma heroína...

— Tiffany, trata de comportar-te como é devido — interrompeu miss Trent —. Não discutirei contigo diante de todos, de maneira que te cala.

A irada beleza estava demasiado zangada para obedecer-lhe, e durante todo o trajeto até a hospedaria largou uma longa discussão que era tão incompreensível como absurda. Miss Trent evitou contestar-lhe, mas de boa vontade teria lhe dado um bofetão. Ao contrário, indicou-lhe que estava chamando a atenção dos transeuntes. Tiffany baixou a voz mas não se calou.

Era de esperar que a violência de suas emoções deixá-la-iam exausta quando chegasse a King's Arms, mas era feita de fibra resistente e o recital de maldades e condenações para todos seus companheiros era somente o prelúdio de uma tormenta que, como miss Trent sabia por experiência, enchê-la-ia de vergonha, alarmaria todos que a escutassem, e culminaria com um ataque de histeria.

Sabia que era inútil conversar com Tiffany e quando chegaram à hospedaria, quase a arrastou até o salão que Lindeth tinha alugado para todo o dia, e a deixou ali dizendo, com voz de comando, que ia procurar uns sais. Tiffany tinha começado a chorar em abundância, mas miss Trent não achava que se entregaria à histeria, se não tinha ninguém presente que se comovesse ou se preocupasse por ela. Era muito capaz, é claro, de fazer algo escandaloso quando tinha uns destes ataques, mas miss Trent, depois de uma rápida análise da situação, supôs que o pior que poderia fazer em Leeds era ordenar ao cocheiro de sua tia que a levasse de volta a Staples. Quando o cocheiro se negasse a obedecer a ordem, coisa que certamente faria, só ocorrer-se-lhe-ia se dedicar a romper as porcelanas que estavam sobre o console da lareira.

Miss Trent podia considerar a situação sob um ponto de vista prático, mas estava bem mais preocupada do que aparentava. Sua primeira obrigação era para com a intransigente jovem, e por muita boa vontade que se pusesse, não incluía o levá-la aos bairros baixos da cidade; mas quando a senhora Chartley lhe permitiu que a sua filha as acompanhasse, o fez na crença de que estaria bem cuidada. Nem ela, nem miss Trent, certamente, podiam ter previsto o acidente que fazia sua dupla tarefa tão difícil; mas estava fora de toda dúvida ou censura (na opinião de miss Trent) que consideraria incorreto, por parte de Ancilla, deixar a Patience sob a única proteção e custodia de lord Lindeth. De alguma maneira devia reconciliar os dois deveres. E por mais que o tentasse, não achou melhor solução do que procurar a ajuda de sir Waldo tal como Lindeth tinha sugerido. Se pudesse convencê-lo de que se ocupasse em entreter a Tiffany, até que o protegido de Patience tivesse sido devolvido a seus pais, o infortunado episódio ainda podia ter um final feliz.

Não foi para ir em procura das sais para Tiffany que miss Trent abandonou o salão apressadamente, mas para ir o mais rapidamente possível à enfermaria, para pedir a Lindeth que procurasse seu primo.

No momento em que se dispunha a sair à rua, sir Waldo entrou na hospedaria. Nunca se tinha sentido mais aliviada e exclamou impulsivamente:

— Oh, quanto me alegro de o ver! Sir Waldo, é a única pessoa que pode me ajudar neste aperto e lhe rogo que o faça.

— Pode estar segura disso — replicou-lhe, um pouco surpreendido mas mantendo a calma —. Em que aperto se encontra e que devo fazer para a tirar dele?

— Céus! Deve parecer-lhe que estou metida numa confusão — disse com riso vacilante —. Rogo-lhe que perdoe-me. Não sou eu exatamente que está num aperto, mas...

— Um momento — interrompeu sir Waldo —. Sabe que há sangue em seu vestido?

— Sério? — perguntou Ancilla olhando o vestido apressadamente —. Oh, sim! Já vejo — mas não tem importância.

— Bem, como não parece estar ferida, aceitarei sua palavra — respondeu-lhe —. De quem é esse sangue?

— Não o sei — quero dizer, não sei seu nome. É um menino pequeno — mas devo contar-lhe o que ocorreu.

— Faça-o — convidou ele.

Tão concisamente como pôde, Ancilla lhe relatou os fatos, sem tentar ocultar que não tinha sido o acidente, mas a conduta de Tiffany a que a tinha posto em apuros.

— Sei que parece incrível que lhe ocorra ter um ataque de raiva em tais momentos — disse ela seriamente — mas já sabe como é.

— Certamente que o sei. Era exatamente o que esperava dela. Como podia ser de outra maneira quando lhe foi arrebatado o papel de heroína neste comovedor drama, e teve que se contentar em ser uma simples espectadora. Onde se encontra agora?

— Lá encima, no salão onde comemos. Essa foi a causa, é claro, e não sei o que a enfureceu mais: seu primo ao não lhe prestar atenção, ou esse absurdo senhor Baldock ao dizer que não sabia o motivo porque ela ia desmaiar. Sei, você já pode rir. Devo reconhecer que eu também riria se não me afetasse tanto. Compreende agora na classe de aperto em que me encontro? Não posso deixar Tiffany sozinha, não sei por quanto tempo, nem posso abandonar a miss Chartley. Nunca me vi tão apertada! Mas seu primo disse que você era o homem indicado para esta situação e ainda que me surpreendesse um pouco que o dissesse, compreendi que tinha toda a razão. Sir Waldo seria você tão amável de ficar com Tiffany? você sabe como entretê-la — enquanto eu acompanho Patience ao lugar onde vive o menino...

— Não acho que Lindeth tenha querido dizer exatamente isso — disse ele com seriedade—, mas ficarei a cargo de Tiffany. Encontrá-la-ei desfrutando com um ataque de histerismo?

— Não, já que saí antes. Não tem motivo para se pôr histérica quando está sozinha.

Ele sorriu, mas replicou:

— Espero que ela não deseje me oferecer um para meu deleite, pois não saberia o que fazer.

— Não o fará — disse a senhorita Trent confiadamente —. Só falar-lhe da maneira que você sabe fazer.

— Acho que o melhor serviço que posso prestar a você é levar a Tiffany de volta a Staples — assinalou —. Desta maneira não terá que se preocupar com ela.

O franzir de seu cenho dissipou-se. E com agradecimento respondeu-lhe:

— Certamente que sim. Você sabe que sim. Ademais, não há objeções — num carro aberto e com seu criado detrás.-

— Efetivamente. Tais circunstâncias obrigar-me-iam a refrear qualquer arrebatamento amoroso, não é assim? — perguntou ele, afavelmente.

— Sim, se fosse isso o que eu tivesse querido dizer, mas não é isso — contestou-lhe rindo —. Sei muito bem que não tem tais intenções.

— Imaginei-o então. Bem, há uma coisa que quero lhe dizer antes que nos separemos, madame. Pelo que me disse, o rapazinho vive nos bairros baixos: seria na parte leste da cidade onde estão as tecelagens e a maior parte das fábricas ou na orla sul do rio.

— Temo que sim. Seguramente dirá que não devo permitir a miss Chartley que vá a esses bairros.

Sei-o, mas não sei como poderei evitá-lo.

— Não. Não ia dizer isso. Mas deve prometer-me que não sairá do carro. Pelo que sei, não há epidemias neste momento, mas a maioria das moradias parecem choças, e há tal grau de imundice que seria muito imprudente que você, ou miss Chartley entrem nelas.

— Nunca estive nos bairros pobres da cidade. Você sim? — perguntou Ancilla com curiosidade.

— Sim e pode crer no que digo. Conto com sua palavra?

— Certamente. Não quero expor miss Chartley a nenhum perigo, por nada do mundo.


— Boa garota — exclamou ele lhe sorrindo —. Diga a Julian que a deixei a seu cargo, e que lhe tirei de em cima o maior de seus estorvos.

Estendeu sua mão e quando ela ofereceu a sua, a levou até seus lábios, beijando-lhe suavemente os dedos.


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-

Capítulo X

 

Tiffany não recebeu sir Waldo com uma crise de histerismo; mas este a encontrou chorando de maneira tão louca e descontrolada, que mostrou que a tarefa que tinha pela frente era mais difícil do que tinha esperado. Como uma menina que sofre de demasiada excitação, Tiffany se sentia tão triste como zangada, e, ao menor convite, se teria arrojado aos braços de sir Waldo para desafogar suas mágoas. Com muita amabilidade, ele conseguiu evitá-lo sem que se sentisse mais azarada. Mas sir Waldo cedo comprovou que era tão inútil como perigoso fazer com que ficasse mais racional. A história que lhe contou guardava pouca relação com o relato que lhe tinha feito miss Trent. Tiffany não se afastava conscientemente da verdade, mas como só via o que lhe afetava, os fatos resultavam deformados. Qualquer um teria suposto, através de sua versão do incidente, que Patience, com incrível egoísmo, depois de arrastar suas companheiras por toda a cidade para satisfazer seus desejos, tinha posto o olho em Lindeth, de uma maneira que seria divertida se não tivesse sido tão descarada, e que, finalmente, em seu desejo de atrair sua atenção, tinha montado uma cena ridícula ao se arrojar à rua para realizar uma espetacular mas desnecessária salvação.

Segundo ela, estava convencida de que o asqueroso menino não tinha corrido perigo algum. Mas Patience, é claro, tinha adotado os ares de uma heroína, enganando Lindeth como também ao senhor Baldock; o qual, na verdade, era uma pessoa vulgaríssima e com os modos mais desagradáveis que Tiffany já tinha visto.

Disse muitas mais coisas do mesmo estilo e culminou acusando a todos de ter cometido a iniqüidade de se apropriar, sem sequer pedir permissão, de seu carro (que, a pesar de pertencer a sua tia, lhe tinha sido entregue e não a Patience) para o transporte de um sujo fedelho que melhor tivesse sido entregue às autoridades. Este tinha sido o ultraje final, e os olhos de Tiffany expediam chispas ao o recordar. Não negava que se tinha zangado. Tinha suportado tudo sem se queixar, mas isso era demasiado.

O “Incomparável” aproveitou a oportunidade, e disse que tal conduta ultrapassava qualquer limite.

Estava assombrado de que Lindeth e miss Trent tivessem perdido o sentido da correção até o ponto de supor que Tiffany podia ficar enfadada na hospedaria, enquanto eles passeavam pela cidade com um sujo vagabundo num carro que não era seu. Disse que seria muito bem feito se, quando regressassem finalmente ao King's Arms, percebessem que o pássaro tinha voado.

— Sim — assentiu Tiffany soluçando —. Só que se ordenar ao cocheiro que traga o carro, não o fará, pois é um velho detestável, e me trata como a uma menina.

— Eu levá-la-ei a casa — disse o “Incomparável” com um sorriso afetuoso.

— Você? Em seu cabriolé? Agora? — exclamou ela.

Ele assentiu e ela se levantou-se de um salto, acrescentando entusiasmada:

— Oh, sim! Gostaria muitíssimo. E não deixaremos nota alguma.

— Isso seria totalmente desnecessário! — respondeu ele seriamente.

As lágrimas dela cessaram de repente; e se a afronta que tinha sofrido ainda estava presente no seu pensamento a esqueceu momentaneamente ante o júbilo que experimentava pela promessa do

“Incomparável”.

A senhora Underhill surpreendeu-se muito quando se inteirou do ocorrido em Leeds, mas apesar de sir Waldo deixar que Tiffany contasse a história a sua maneira, a reação da boa senhora não foi a esperada ou desejada por sua sobrinha. Disse que não teria desejado que tal coisa sucedesse por nada do mundo.

— A senhora Chartley deixou que Patience fosse contigo — o que me surpreendeu muito, já que eu pensava que não o permitiria — só porque ia miss Trent e assim cuidaria dela. E o que dirá quando se inteire de tudo? E não porque miss Trent tivesse podido o evitar; pois, pelo que sei, ninguém podia o prever — Bem, devemos agradecer que miss Trent teve o bom sentido de permanecer com Patience.

Ao menos a senhora Chartley não poderá dizer que não fizemos todo o possível, ou que deixamos que sua senhoria a trouxesse a casa, o que não teria gostado nada. Não quero dizer que não se teria comportado corretamente — o que não preciso lhe explicar, sir Waldo — pois nunca vi a um cavalheiro mais correto — excetuando certamente o presente—, mas a senhora Chartley, bom..., é muito correta e muito estrita em seus princípios.

O discurso resultou muito desagradável para Tiffany. Seus olhos denotaram perigo, e sua tia olhou-a com apreensão. A senhora Underhill desejava evitar-lhe outro ataque, e disse debilmente:

— Vamos, Tiffany, minha querida, não tens por que te aborrecer. Estou segura de que foi muito molesto para ti ter que esperar, quando desejavas voltar para casa, mas tu não terias querido que a pobre miss Chartley ficasse sem carro. Teria sido um gesto censurável. Ademais, sir Waldo trouxe-te para casa em seu cabriolé, o que sem dúvida te agradou muito.

— Teriam que ter perguntado — disse Tiffany com obstinação —. Se tivessem feito...

— Já sei o que houve! — anunciou subitamente Charlotte, que tinha estado olhando fixamente a prima —. Ninguém te prestou a menor atenção. E tu poderias ter resgatado o menino tão facilmente como Patience. Só que não o fizeste, e então não foste tu a valente e nobre, mas ela, e isso é o que te põe tão furiosa.

— Como te atreves? — exclamou Tiffany, olhando-a com ira.

— Charlotte, faz favor — rogou a senhora Underhill, muito agitada.

— E — continuou Charlotte com agudo, mas inoportuno entendimento — acho que o homem do tílburi também não fez-te caso, por isso dizes que é rude e vulgar.

— Basta! — disse a senhora Underhill com acento autoritário —. Que pensará sir Waldo de ti? Nunca me tinha sentido tão mortificada. Por favor, milord, deve perdoá-la.

— Perdoarei as duas, madame, e deixarei que desfrutem da sua briga — respondeu ele, com semblante divertido.

— Oh céus! E eu que lhe ia pedir que ceasse conosco! — exclamou a senhora Underhill, preocupada.

— Muito obrigado, é muito gentil, madame, mas não devo ficar — replicou ele lhe sorrindo de uma maneira que, como ela lhe confessou mais tarde a miss Trent, fez que se inquietasse.

Quando sir Waldo chegou a Broom Hall anoitecia.

Abriu a porta da biblioteca e surgiu uma pessoa elegantemente vestida, que exclamou com desenvoltura:

— Olá, Waldo!

À vista do inesperado visitante, sir Waldo deteve-se enquanto tirava uma luva e mostrava-se algo desconcertado. Permaneceu imóvel um instante mas em seguida desapareceu tal gesto. Deixou a luva sobre a mesa, e disse num tom afetuoso:

— Caramba! Que te traz por aqui, Laurie?

O senhor Calver, recordando o último encontro com seu primo, sentiu-se aliviado por sua cordialidade. Não esperava ser recebido com uma explosão de ira, já que Waldo nunca reagia assim, mas temia que o fizesse com frieza. Adiantou-se, vacilante:

— Tenho estado visitando uns amigos em York. E pensei chegar até aqui para saber como estavas.

— É muito amável de tua parte — disse sir Waldo, com seu habitual cortesia.

— Bem... eu... bem... Não queria perder tua amizade. A última vez que te vi... Bem, estava de muito mau humor, e disse coisas sem pensar. Não quero que penses...

— Já é suficiente, Laurie — interrompeu-lhe sir Waldo com um sorriso que apagou a severidade de seu rosto —. Tolo! Achas que tinha me ofendido? Que sou um ogro?

— Não, mas... Bom, pensei que era melhor vir te ver — pedir-te desculpas, já sabes...

— Estou agradecido. Passa à biblioteca. Fez Wedmore as honras da casa?

— Oh, sim! Bom, estou aqui a meia hora, mais ou menos, mas me serviu xerez e se tomo conta de minha bagagem com a ajuda de Blytt. — Olhou de relance a seu primo e aventurou uma piada: — Estava seguro de que não me jogaria na rua, ainda que estivesses zangado.

— É verdadeiro — assentiu sir Waldo enquanto acercava-se a uma mesinha para servir-se um copo de xerez. Bebeu um pouco e olhou pensativamente a Laurence.

Este, evitando, não pela primeira vez em sua agitada vida, enfrentar o olhar firme de seu primo, se sentou num cadeirão, com ar tranquilo, e levantando seu copo de uma mesa que estava a seu lado, disse despreocupadamente: — Não pensava que tivesses intenção de ficar aqui mais que quinze dias. Todo mundo se pergunta que sucedeu contigo. Está Lindeth ainda aqui? Não achas isso aqui terrivelmente aborrecido?

— Aparentemente, não. Diga-me, quem são esses amigos teus que vivem em York?

— Oh! Ninguém que tu conheças...

— Por certo. — Com a garrafa de xerez na mão, cruzou a sala para servir a Laurence —. Que é o que queres Laurie?

— Já te disse. Quase chegamos às vias de fato...

— Vamos, não finjas. Não viajaste desde Londres até aqui só para desculpar-te.

— Vim desde York — disse Laurence enrubescendo —. Se não me acreditas podes perguntar no Black Horse, onde aluguei um carro que me trouxe até aqui.

— Creio-te. Mas também acho que foste a York no carro de correio de Edinburgo. Ou estás sem dinheiro e viajaste em uma diligência — Não trates de me enganar. Descobrir-te-ia. Que ocorre? Estás nas últimas?

— Não, não o estou — replicou Laurence —. Não tenho a carteira repleta, mas não vim te pedir que pagues nenhuma dívida de jogo.

— Não te mostres tão suspicaz. Não acho que sejam dívidas de jogo. Mas pode tratar-se de outras dívidas que não mencionaste a última vez.

— Pois não as há — rosnou Laurence —. Bom, há, mas não têm importância, quero dizer. E se a tivesse não iria a ti. Não, após o que disseste faz um mês. Atrever-me-ia a pensar que achas que sou um bala perdida, mas isso não é verdadeiro.

— Desejaria que deixasses de te mostrar tão difícil. Não acho que sejas um bala perdida; se falasse seriamente o que penso que és, teu furor não teria limites. Se não tenho de te pagar essas dívidas, que é o que queres então?

— Talvez te interesse saber, primo, que tudo foi duro para mim, desde que deixaste Londres — disse Laurence com amargura —. E quando penso nos apuros que passei — Bom,está bem que suspeites que só vim para que cubras meus gastos. Mas não é assim. Ao menos desta vez não se trata de dívidas. Se queres sabê-lo, encontrei uma oportunidade magnífica, caso consiga reunir o dinheiro necessário. Certamente, que se tu não quiser me financiar... apesar de que não é o mesmo me financiar que investir tua fortuna—, não há nada mais que dizer. Mas considerando as vezes que ofereceste me instalar um escritório...

— A oferta segue de pé, Laurie.

— Sei, mas não é isso o que desejo. Não saberia que fazer com ele. Ademais não gosto a advocacia.

Não o pensei então, mas se me tivesses sugerido o sacerdócio quando estava em Oxford, talvez teria sido mais adequado. Atrever-me-ia a dizer que também não teria gostado muito, mas ante o teu interesse em me meter em qualquer profissão me pergunto como não pensaste em isso. Agora, no entanto, já é demasiado tarde.

— Nunca vi a uma pessoa menos adequada para o sacerdócio.

— É verdade, muito possivelmente teria achado mortalmente monótono. Ainda que uma boa paróquia — Mas não tem importância. Acho que achei o negócio certo, Waldo. E ainda mais, se me saio bem, poderia ganhar uma fortuna.

Sir Waldo, ocultando suas dúvidas, convidou-lhe a que se explicasse.

— Bem, não pensava em te contar tão cedo — disse Laurie ingenuamente —. Mas como me

perguntas... e não há razão pela qual não te interesse o plano. De fato estou convencido de que acharás que é magnífico...

— Estás me pondo em brasas, Laurie. Livra-me logo das dúvidas.

— É claro, se pensas opor-te desde um princípio melhor é que me cale — replicou Laurence mal humorado.

— Ainda não começaste. Fala de uma vez — ordenou-lhe seu primo.

Laurence pareceu por um momento ofendido, mas soube ocultá-lo.

— Se... Bem... bem... Conheces Kearney, Waldo?

— Não.

— Desmond Kearney!

Sir Waldo negou com a cabeça.

— Oh! Atrever-me-ia a dizer que pode ser que não tenhas topado nunca com ele, mas achava que talvez lhe conhecesse. É um ás em matéria de galgos e um grande ginete. Claro que vocês são tão arrogantes —! — Interrompeu-se, e acrescentou apressadamente: — Não tem importância. O caso é que Kearney é amigo meu. Não tem um centavo, mas é um homem de primeira categoria e toda uma autoridade em matéria de cavalos. Seremos sócios.

— Sócios em que? — perguntou sir Waldo, confuso.

— Cavalos de caça! Quero dizer, sócios para sua venda.

— Santo Deus!

— Deveria ter suposto que tu... Por favor, escuta-me, Waldo — rogou Laurie, alterando de repente o tom de sua voz —. Pensa no dinheiro que alguns dos homens de Melton gastam em seus cavalos de caça. Bom, tu és um deles, assim deverias sabê-lo. Dizem que lord Alvanley pagou setecentos guinéus por uma das éguas que comprou no ano passado, e te posso dar uma lista de pessoas que gastam quinhentas ou seiscentas guinéus por cavalo, cujo preço original não era mais de oitenta ou cem guinéus. Vamos, se tu pusesse a leilão teus estábulos — só os cavalos de caça e os pôneis, sem incluir, certamente, os cavalos de tiro — pagariam pelo menos cinco mil guinéus. Atrever-me-ia a dizer que achas que o plano fracassará mas...

— Fracassará — interrompeu sir Waldo —. Encontrar-vos-ia na ruína antes de um ano.

— Não, não. Não será assim. Temos tudo planejado, e aposto que teremos sucesso. Certamente, no princípio teríamos que gastar muito dinheiro; não é preciso que o diga... Mas...

— Não é preciso.

— Bem, não há nada que fazer se não se tem algum capital. A coisa é...

— Muito obrigado, sei de que se trata — disse sir Waldo, com aspereza —. Santo Deus! Não trates de me enganar mais. Na minha vida nunca escutei algo tão absurdo. Acreditas-me tão tonto para destinar meu dinheiro a uma aventura tão louca — Entrar em sociedade com um homem que não tem nem um penny — Oh, não, Laurie, te arriscas demasiado!

— Se quisesses escutar-me — Kearney não tem a carteira mais cheia que eu, mas acaba de herdar umas propriedades. Foi esta circunstância a que deu origem ao plano. Herdou de um tio uma fazenda na Irlanda, acho que em Galway. Muito parecido com este lugar, abandonado, e com a casa quase em ruínas. Pareceu-lhe mais um ônus que um presente do céu, pois não há forma de se desfazer dela em seu estado atual.

— Também me parece.

— Bem, aí é onde estás equivocado. Vamos dar-lhe um bom emprego. Kearney foi inspecioná-la e diz que há muitos acres de terreno disponíveis e estábulos que só precisam ser consertados para cobrir nossas necessidades. Waldo, tu sabes que a Irlanda é o lugar adequado para comprar cavalos de primeira classe, por não mais de oitenta libras. Nada de cavalos mestiços ou de tiro. Num ano de treinamento e os venderemos aqui por duzentas libras no mínimo.

— Se achas que ajudar-te-ei a converter-te em especulador em matéria de cavalos...

— De jeito nenhum! — exclamou Laurence indignado —. Mas por isso serão cavalos de primeira classe.

— Não se tu os escolher.

Laurence lutou consigo mesmo e novamente conseguiu reprimir sua raiva.

— Kearney será o encarregado desse aspecto do negócio. Conhece o país e sabe quais são as melhores feiras, e não estranhar-me-ia que soubesse valorizar um cavalo tão bem como você; minha missão será vendê-los aqui.

— Laurie, estás seriamente decidido a converter-te num negociante?

— Não, certamente que não. Quero dizer que não terei uma cocheira ou algo pelo estilo. Tenho uma idéia muito melhor: vendê-los-ei nos cotos.

— Que? — exclamou sir Waldo com desalento.

— Céus! Sabes o que quero dizer. Tu levas um cavalo de boa estampa numa das caçadas — por exemplo a Quorn — e daí ocorre...

— Que terminas em Whissendine.

— Oh, vai-te ao diabo! Não é isso o que quero dizer. Alguém se fixa em teu cavalo, te perguntam se desejas vendê-lo, e antes que te dês conta...

— Não, se virem a ti cavalgando o cavalo — interrompeu-lhe sir Waldo brutalmente.

Laurence enrijeceu vivamente.

— Muito obrigado! Por minha honra, primo, de todas as coisas absurdas que se podem dizer—! Devo supor que sou um tonto — um iludido... um...

— Não, não. Não queria dizer nada disso — disse sir Waldo apaziguando-o —. Tens muito ânimo, mas enfocas mau as coisas, e não acho que possas tirar o melhor partido de teus cavalos. Ademais...

Bom, não importa. Sinto-o, mas não te ajudarei nesse projeto.

— Waldo, não te peço que me dês o dinheiro — rogou Laurence, começando a desesperar —. Só que me empreste, e não são mais de cinco mil libras. Juro que te devolverei.

— Duvido-o, ainda que pensas que fazê-lo. Do que estou seguro é que em lugar de recuperar esse dinheiro teria que contribuir mais para te tirar da ruína. Não, não fá-lo-ei.

Teve um prolongado silêncio. Laurence levantou-se nervoso e pôs-se a olhar através de uma janela.

Finalmente disse:

— Sei que disseste, quando no mês passado, pagaste minhas dívidas, que seria a última vez; mas não achei que negar-te-ias a me ajudar quando... quando estou tratando de fazer o que sempre desejaste.

Sir Waldo não pôde evitar sorrir ao lhe escutar.

— Meu querido Laurie, não acho que eu te tenha alentado para que te dedicasses à venda de cavalos.

— Querias que tivesse alguma ocupação. E agora, quando estou disposto a não vadiar, a não seguir dependendo de ti, o impedes.

— Procura uma ocupação respeitável e volta a ver-me. Achas que sou um sovina, mas o que me pedes é que te ajude a te afundar.

Laurence voltou-se para olhá-lo, forçando um sorriso.

— Não, não é verdade. Sempre foste generoso comigo. Só... Oh, bom! acho que não há nada mais que dizer. O melhor que posso fazer é regressar amanhã mesmo a Londres. Sei que não desejas que fique.

— Estás equivocado. Queres ficar?

— Bom, eu pensava... Quero dizer que todo mundo está fora da cidade, e tu sabes o que custa viver em Brighton durante o mês de julho. Tu mesmo me recomendaste que não esbanjasse o dinheiro.

— Assim que me pedes para alojar-te. Deixa teus truques, incorrigível trapaceiro! Não tenho nenhuma objeção a que fiques, ainda que não ache que te agrade. Os pedreiros estão trabalhando, já sabes.

— Oh, isso não me preocupa! — assegurou-lhe Laurence — — Já vejo que estás a arranjar tudo isso...

suponho que para teus condenados moleques.

— Assim é — replicou sir Waldo alegremente —. Devo advertir a Wedmore que não esperaremos Julian para o jantar. Está em Leeds, e é muito possível que se demore — Este é um dos inconvenientes: a única campainha que funciona está no dormitório de nosso defunto primo. Há outros inconvenientes: Munslow já informa. Espero que não parta. Eu vivo no constante temor de me levantar uma manhã e descobrir que Munslow me abandonou.

Laurence pareceu um pouco surpreendido e disse:

— Blyth não me faria uma coisa assim. E quanto a Munslow, gostaria que te abandonasse. A que hora jantas? Devo mudar de roupa?

— Não, por mim não faz falta. Ceamos na pouco distinta seis hora.

— Oh, sim! Horário campestre — replicou Laurence com indiferença —. Alegro-me porque, a dizer a verdade, estou um pouco esgotado. Pensei que chegou o momento de descansar.

Manteve-se afável até as nove da noite, em que, após tratar em vão de reprimir alguns bocejos, se foi dormir. Sir Waldo não se enganara. Assim como não achava que tivesse visitado a seus amigos de York, também não achava que desejasse permanecer em Broom Hall, ou que se tivesse resignado ao abandono de seu despropositado plano. Recordou, com sorriso malicioso, que em várias ocasiões anteriores, após ter recusado alguma petição de Laurie, ao final tinha cedido, se deixando ganhar pelas mesmas tácticas que Laurie estava empregando agora.

Laurie seguramente também o recordava, e possivelmente contava com a oposição inicial, mas não a considerava definitiva: e daí sua docilidade. Ao contrário, quando Laurie sabia que não podia convencer a seu primo, rapidamente caía num estado de furor, ciúmes-cola e auto piedade que transtornavam seu julgamento, e o levavam a crer realmente em ofensas imaginárias.

"Deveria ter-lhe dito que partisse", pensou sir Waldo, sabendo que ao ceder a um impulso compassivo estava a alimentando falsas esperanças em Laurie. Mas não podia fazê-lo, como também não o teria deixado numa cela para devedores. Sentia muito pouco carinho por Laurie, e sabia que isto era recíproco; mas quando tinha dito a George Wingham que ele tinha posto Laurie a perder, tinha falado com toda sinceridade. Fazia-se responsável da vagabundagem de Laurie, suas loucuras e suas originalidades. Com sua generosidade tinha limitado sua independência, sem impedir suas loucuras, ao contrário a crença de que não passaria por nada, já que seu primo milionário sempre o salvaria do desastre final. "Após tudo, não significa nada para ti", lhe tinha dito Laurie quando estava no primeiro ano de Oxford.

Sir Waldo, ao recordá-lo, reprovou-se a si mesmo. Laurie tinha afirmado, amargamente, que era muito fácil para quem nadava em ouro pregar a poupança, e o jovem Waldo, imensamente rico, imbuído de princípios filantrópicos que ainda não tinha muito claros, desesperadamente ansioso de não se converter num avaro, e disposto a crer como Laurie que a diferença entre suas situações era uma das grandes injustiças do destino, abriu sua carteira para que o jovem depredador tomasse o que precisasse.

Não foi apenas uma vez, mas muitas que Laurie começou a vê-lo como alguém de quem tinha direito de depender. Só quando começou a jogar forte sir Waldo fechou os cordões da carteira. Pensava mantê-la fechada, fortalecido em sua decisão pelo ressentimento acordado em Laurie. Mas ainda no mais forte de sua exasperação, sua consciência o fazia responsável pelo sucedido. Muitas vezes tinha sentido piedade por Laurie; mas sempre tinha estado misturada com o desprezo, e como nunca lhe tivesse querido, tinha optado por lhe dar dinheiro, coisa que era fácil de fazer, em lugar de lhe prestar outros serviços, tal como tinha sucedido com Julian.

Os casos, certamente, não eram similares. Laurence era uns anos mais velho que Julian, e não tinha ficado órfão de pai, quando ainda era um menino. Mas o pai de Laurie tinha sido um homem de coração duro, desprezado por seus filhos, e que lamentava a cada penny que tinha que gastar com eles.

Talvez teria sido melhor não lhe deixar permanecer em Broom Hall, mas sir Waldo não podia lhe tratar mal. Ademais, Julian estava com ele, e esta circunstância fazia que também tivesse que aceitar a Laurie. Sem dúvida este estava zeloso; não porque sentisse algum carinho por Julian; apenas porque obstinava-se em sua crença de que jogava o seu dinheiro nele.

— Se tivesse sido Lindeth que te tivesse pedido, não negar-te-ias — tinha-lhe alfinetado uma vez Laurie.

— Lindeth não me pede — tinha contestado.

— Não, não precisa fazê-lo! Qualquer coisa que deseja de ti, o consegue com apenas um levantar de sobrancelhas. Todos o sabemos!

— Pois então estão todos equivocados — tinha replicado sir Waldo.

Mas Laurie não se equivocava ao achar que Julian era seu primo favorito; e só por isto não podia fechar as portas a Laurie, enquanto Julian estava em liberdade de ficar quanto quisesse.

Pensava nas ciumeiras de Laurie e perguntava-se quanto tempo passaria antes que ele e Julian chegassem às vias de fato, quando ouviu o ruído de um carro e a voz de Julian dando as boas noites.

Pouco depois este entrava no salão dizendo:

— Waldo — Oh, estás aqui. Tinhas-me dado por perdido? Rogo-te que me desculpe, mas sabia que não estarias preocupado.

— Não estaria preocupado! Quando tenho estado passeando por este salão durante horas, preso da maior agitação?

— No entanto, pareces muito tranquilo — replicou Julian, rindo.

— Somente esgotado. Já ceias-te?

— Sim, na reitoria. Estavam iniciando a ceia quando chegamos, e a senhora Chartley fez questão de que ficasse. Miss Trent declinou o convite, mas o pastor disse que não era necessário que voltasse a casa andando se eu ficasse, pois sua cocheiro me traria. Assim fiquei. Não pensava ficar até tão tarde, mas ficamos falando de mil coisas — já sabes como é isso — e não me dei conta da hora. Não ter-me-ás esperado, suponho?

— Claro que não. Devolveste o teu pequeno demônio a seus pais?

— Sim, mas chamar-lhe o pobrezinho de pequeno demônio? Santo Deus, se só tem seis anos, e tudo o que roubou foi uma maçã! Miss Trent contou-te o ocorrido, não é verdade? Foi um momento muito difícil.

— Deve tê-lo sido. Acho que miss Charley demonstrou grande presença de espírito.

— Sim, e muito valor! No entanto não lhe deu importância; sua única preocupação era o menino.

Pareceu-me muito estranho, pois é tão calada e tímida que nunca teria esperado que se comportasse tão destemidamente, ou que, depois, permanecesse tão tranquila. Se o perigo que correu não foi suficiente para a perturbar, caberia pensar que fá-lo-ia o povo que se aglomerou ao seu redor. Não lhes prestou atenção, nem sequer lhe assustou o homem que a ameaçou dizendo que entregaria o garoto às autoridades. Céus, Waldo! Nunca desejei tanto tua presença.

— Por quê? Não podias enfrentar os cidadãos sedentos de sangue, sem minha ajuda?

— Claro que podia! O que não sabia é que diabos fazer com o moleque. No entanto, miss Chartley sim o sabia... Sim, e também o que tinha que dizer a seus pais. A única coisa que a perturbou... por uns instantes. — Interrompeu-se bruscamente.

— É fácil de adivinhar — disse sir Waldo, ajudando-o.

— Suponho, já que levaste-a de regresso a Staples. Na verdade estou muito agradecido por isso.

Deve ter te contado... deve ter contado o ocorrido.

— Oh, sim! As mulheres que por sua beleza têm certa fama, já sabes que raramente podem suportar ser eclipsadas. É claro que era mina obrigação a retirar da cena, mas reconheço que sempre lamentarei não ter tido o privilégio de conhecer o vulgar e pouco gentil cavalheiro do tílburi.

Esta declaração fez que Julian se risse.

— Baldock! Primeiro disse que não via motivos para que desmaiasse, e depois a chamou de harpia.

Não sei por que me rio, pois o céu sabe que não tinha vontade de rir naquele momento. Mas que cabeça dura! — Permaneceu calado um momento e depois acrescentou com dificuldade: — Achas que eu também sou um cabeça dura, não é verdade? Já o sabia, desde aquela azarada excursão a Knaresborough — No princípio achei que só... que só era por ser tão jovem e tão malcriada, mas...

mas não há sentimentos por trás daquele rosto bonito, Waldo. Nada senão... Oh, bom! Que classe de sujeito sou para dizer tais coisas, nem mesmo a ti... Mas atrever-me-ia a dizer que tu suspeitavas que... que me tinha apaixonado por ela na primeira vez que a vi.

— Ter-me-ia assombrado se não tivesse sido assim — replicou sir Waldo, com tom indiferente —. Não recordo ter visto uma mulher mais bela. É uma pena que não tenha nem a inteligência nem o caráter que merece tanta beleza; mas não duvido que se arranjará sem eles. Se sua fortuna é bastante grande, até poderá conseguir seu marquês.

— Conseguir seu marquês? — exclamou Julian sem entender —. Que marquês?

— O que deseja. Sim, sei que soa absurdo, mas parece estar decidida a se converter, no mínimo, em marquesa. Não surpreender-me-ia que conseguisse realizar suas ambições. Na verdade, que disseram os Chartley desta emocionante aventura?

— Ela, certamente, estava visivelmente comovida — replicou Julian — mas o pastor disse que Patience, miss Chartley quero dizer, tinha feito o que devia. Naturalmente, a senhora Chartley não podia senão desejar que não tivesse sucedido, e não culpou a ninguém. De fato, nem ela nem o pastor lhe deram mais importância que miss Chartley. Podes estar seguro de que lhes convenci de que ela não tinha entrado na miserável pocilga que é o lar do menino. Miss Chartley disse que há muitas piores, mas te juro, Waldo, que meus porcos vivem melhor; mas a senhora Chartley disse que a filha de um pastor está habituada a estar entre os pobres. Achei que molestar-se-ia muitíssimo, mas não foi assim. Desfrutamos de uma noite muito agradável. Sim — E além disso, imagina minha surpresa quando descobri que era uma Yateley. Não sei como chegamos a falar de Timperley, e a senhora Chartley disse que tinha nascido não longe de ali. Bom, em Warwick, o condado vizinho, e quando disse seu nome de solteira, imagina quanto me surpreendi!

— Perdoa-me — se desculpou sir Waldo —. Ou bem estou perturbado, ou me encontro muito esquecido, mas não tenho a menor idéia. Quem são os Yateleys?

— Oh! Uma família de Warwick. Não sei muito a respeito deles, mas deves ter ouvido a mamãe falar de sua grande amiga, Maria Yateley. Ela é agora lady Stone, uma personagem notável, mas como mamãe a conheceu toda a vida, sempre que fala dela a chama de Maria Yateley. Bom, podes crê-lo — A senhora Chartley é sua prima irmã.

Não pareceu a sir Waldo que houvesse tantos motivos de satisfação na descoberta, mas respondeu amavelmente, e Julian seguiu falando feliz e contente, esquecendo suas desilusões, enquanto explicava a seu primo tudo sobre a noite e tratando de o persuadir de que o protegido de miss Chartley, que vivia atualmente com seus pais e uma de suas avós, era um candidato apto para ingressar no orfanato de Broom Hall. Se isto não podia se conseguir, trataria do assunto com o pastor; talvez o garoto poderia ser admitido na escola de caridade.

— Acho que dever-se-ia fazer algo — disse mostrando certa preocupação —. Após miss Chartley o salvar de ser atropelado, é uma pena que deva ir trabalhar numa dessas fábricas. Atrever-me-ia a dizer que se tu falasses com as autoridades, por exemplo ao alcaide, ou como se chame...

— Não; falas ao pastor — disse sir Waldo.

— Fá-lo-ei. — Respondeu-lhe bocejando —. Deus meu, que sono tenho! Vou para cama. Se não desejas nada mais de mim...

— Não, claro. Oh! É verdade, Laurie está aqui. Também ele se foi a deitar mais cedo.

Julian encontrava-se já na porta, mas se voltou ao escutá-lo, exclamando:

— Laurie? Que diabos lhe traz por aqui?

— Diz que tem estado visitando a uns amigos em York, e que veio até aqui para saber como estávamos.

— Mentira — disse Julian com desprezo —. O que quer?

Sir Waldo arqueou as sobrancelhas e replicou-lhe com frieza:

— É melhor que lhe perguntes.

— Não tinha este propósito...disse Julian corando —. Sei muito bem que esta é tua casa e que não é assunto meu saber a quem convidas a ficar, mas... valha-me Deus!, que aborrecimento! Tu não o tinhas convidado, não é verdade?

— Não, não o fiz — admitiu sir Waldo, com um sorriso um pouco forçado —. Sinto-o, Julian, mas não podia lhe dizer que partisse.

— Não, certamente. Oh, bom! Enquanto não abuse de tua benevolência...

— Não acho que o faça. Mas, se o fizer, por o favor tenha presente duas circunstâncias: que ele não está sob o teto de uma de tuas habitações e que eu estou capacitado para lutar minhas próprias batalhas.

— Como se não o soubesse! — replicou Julian —. E de dar corretivos tremendos! Muito bem.

Comportar-me-ei com toda a correção do mundo — se puder. — Abriu a porta, mas antes de sair do salão sorriu a sir Waldo dizendo-lhe:

— Por Júpiter! Que revolução causará na vizinhança o leviano de Bond Street!

 

-

Capítulo XI

 

 

A conduta de Julian, quando se encontrou com seu primo Laurence na manhã seguinte, fez recordar a sir Waldo a figura de um terrier que não parece disposto a atacar, mas que mostra os dentes advertindo que está pronto para responder a qualquer ataque; no entanto, esta hostilidade cedo se desfez. Laurence saudou-o muito amigavelmente, sem recordar, aparentemente, seu último encontro, pelo qual Julian, sempre de bom humor, respondeu da mesma maneira. Laurence, cheio de vivacidade e talento, ofereceu-lhes um divertido relato do espanto de seu valet ante as duras condições de vida em Broom Hall, e descreveu suas próprias experiências.

— Não é que queira me queixar, primo — assegurou-lhe a sir Waldo —. Após tudo, já sei onde está a taboa podre, e se o teto caísse não surpreender-me-ia na cama. Ademais, não acho que uns poucos pedaços de gesso caindo sobre mim sejam motivo de queixa. E pensar que me enfureci tanto porque o velho Joseph o deixou para você! Waldo, cedo-te com muito gosto.

Disse-o com um tom tão bem intencionado que Julian não encontrou reparos em lhe contar suas experiências da primeira noite na casa, quando atravessou o lençol com o pé. Não passou muito tempo para que os dois jovens se unissem para zombar de sir Waldo.

— Fanfarrões! — disse ele —. Segui falando e se encontrarão em pleno campo. Laurie, se queres cavalgar posso dar-te um arreio, mas se queres conduzir o assunto complica-se. Tem meu cabriolé e uma caleça, e também uma espécie de carruagem que suponho foi do avô do velho Joseph.

Utilizamos para ir a bailes e reuniões. Julian, diz que é o mais adequado. Tu suponho que opinarás o contrário, como eu. Podes usar o cabriolé quando eu não o precise, mas...

— Oh, céus, não! — interrompeu-lhe Laurence —. Não penso conduzir teus cavalos. Arranjar-me-ei com a caleça se quiser ir a algum lugar.

— Não. Direi o que faremos, Waldo — interveio Julian —. O prefeito de Crown tem uma carruagem para alugar; esse é o tipo de carro para Laurie. Não gostará da caleça.

— Sei muito bem que tens medo de que ele a use quando tu precisares — disse sir Waldo. —

Acompanha-o à vila e alugue a carruagem.

— Fá-lo-ei. Penso ir à reitoria para ver como se encontra miss Chartley, após a aventura de ontem.

Precisas esta manhã do cabriolé? — perguntou Julian esperançoso.

— Não, podes usá-lo.

— Muito agradecido. Conduziste os baios de Waldo alguma vez, Laurie?

— Oh, deixo-os em tuas mãos! Não sou um pupilo do grande “Incomparável” — respondeu Laurence rindo entre dentes.

— No entanto, atrever-me-ia a dizer que és melhor condutor que eu — replicou Julian com certa cortesia.

— Waldo diria que não.

— Tolices! Que acha você, Waldo?

Sir Waldo, que estava lendo uma carta, disse sem levantar a vista:

— Dizer sobre o que?

— De nosso manejo das rédeas. Qual de nós é melhor condutor? Tu deves decidir.

— Impossível. São ambos ruins.

— De todas as coisas descorteses que se podem dizer! — exclamou Julian indignado.

— Se é isso o que pensas, me pergunto por que deixas teus preciosos baios a nosso alcance.

— Eu também me pergunto — assentiu sir Waldo, levantando-se da mesa —. Agradar-te-ia assistir a um baile, Laurie?

— Santo Deus, primo! Têm bailes neste fim de mundo? Que é que dançam? Minuetos?

— Danças campestres, mas neste dançarão valsas. Não é assim, Julian?

— Pelo menos tentamos — disse Julian rindo —. Ficarias surpresa, Laurie, de saber o quanto nos divertimos.

— Acho que seria conveniente que o levasses para visitar lady Colebatch — indicou sir Waldo.

— Que vá conhecendo os vizinhos... Muito bem...

Laurence não estava muito seguro de desejar conhecer aos novos amigos de seus primos. Era muito aficionado aos saraus, onde todos os convidados iam à última moda, mas considerava os entretenimentos rurais como mortalmente aborrecidos. No entanto, ao saber que seus primos estavam comprometidos, praticamente cada noite, decidiu que, a não ser que desejasse permanecer sozinho, devia se unir a eles nestas festas. Em conseqüência acedeu a isso, e se retirou para mudar a camisa bordada, que tinha elegido para o café da manhã, por um traje mais adequado para realizar visitas matutinas no campo.

Julian, que almejava ver o efeito que os habituais trajes do dândi produziriam na vizinhança, se desiludiu ao ver, quando Laurence entrou no estábulo, que não levava a roupa de um elegante de Bond Street, mas que tinha mudado suas calças delicadamente coloridas, e suas reluzentes botas alemãs, por calças de cor amarela pálido e botas com ribetes brancos, e sua jaqueta de bordas exageradamente longas, por uma casaca. No entanto, esta roupa era fora do comum, por suas grandes ombreiras e enormes lapelas; e tanto o "nó geométrico" que abrilhantava Laurence e o alto do pescoço da camisa não deixavam nada que desejar. Ademais, o casaco que arrojou negligentemente sobre o cabriolé não tinha menos que doze capas. Julian recomendou-lhe insistentemente que o pusesse, advertindo-o que as estradas eram muito poeirentas.

— Afogar-te-ás com o pó — profetizou —. E seria uma pena, já que estás elegantíssimo.

— Lamento não poder te devolver o elogio, primo — disse Laurence olhando-o com o monóculo —. Se não te importas que o diga, tuas roupas são mais próprias de um camponês que de um

“Incomparável”.

— Oh! Deixei de copiar as roupas de Waldo quando descobri que não podia imitar suas habilidades —

replicou Julian, com a mais terno dos sorrisos. Felizmente para a paz do dia, Laurence decidiu que uma briga com Julian não ajudaria a seus planos, e calando uma observação mordaz, simplesmente se riu, dizendo:

— Muito justo.

Recusou cortesmente o oferecimento para levar as rédeas e subiu ao cabriolé. Não conversaram durante um momento; mas após ter observado com olho crítico a maneira como Julian guiava a nervosa parelha atrelada ao carro, Laurence disse:

— Estás a mostrar que és um condutor excelente. São muito nervosos, não é verdade? Que é o que retém a Waldo neste lugar?

— Como? Se já o sabes! Está transformando Broom Hall em outro orfanato.

— Oh, sim, isso o sei! Fez o mesmo naquele lugar que comprou em Surrey, mas se chegou a passar uma noite ali, é que não o conheço.

— Isso era diferente — objetou Julian —. Aqui há muita coisa em que se ocupar, e te posso assegurar que está num estado lamentável. Nem sequer tem administrador. Waldo está decidido a pôr tudo em ordem antes de partir, e isso significa muitíssimo trabalho.

— Céus! Deve precisar pelo menos uma dúzia de homens para levar a cabo essa tarefa — disse Laurence com impaciência.

— Em fim, ele o quis assim. Atenção, aí vem o Squire. Um homem muito bom; sua mulher é muito pretensiosa; um filho e duas filhas — explicou-lhe Julian apressadamente baixinho. E enquanto detinha os cavalos exclamou em voz alta:

— Bons dia, senhor. Não faz muito calor, não é verdade? Posso apresentar-lhe a meu primo? O

senhor Calver — O senhor Mickleby.

O Squire correspondeu à graciosa reverência de Laurence com uma inclinação de cabeça e exclamou:

— Ah! Calver! Sim, você é muito parecido com o velho Joseph.

Laurence não tinha conhecido Joseph Calver, mas se incomodou com o comentário; e disse a Julian, quando o Squire os deixou, que se suas maneiras eram uma mostra do que devia esperar em tal selvagem distrito, preferia não ser apresentado a ninguém. No entanto, após alugarem a carruagem, aceitou acompanhar a Julian até a reitoria. Deixaram o cabriolé na hospedagem e caminharam pela rua principal da vila. Chegaram à reitoria no preciso instante em que a senhora Underhill subia em seu cabriolé, que estava junto à entrada.

A senhora Underhill tinha-se deslocado desde Staples para saber de Patience e dizer à senhora Chartley quanto lamentava que tivesse tido uma aventura tão desagradável enquanto estava sob o cuidado de miss Trent. Tinha chegado à reitoria reprimindo sua agitação, apesar de ser uma pessoa de temperamento calmo, e isso devido a que a cabeça dura de sua sobrinha se tinha negado à acompanhá-la. Ela podia saber muito pouco sobre maneiras refinadas, tinha dito, mas uma coisa sim ela sabia, era que Tiffany se tinha portado muito mal com Patience e lhe devia uma desculpa. Pelo contrário, Tiffany afirmou, com palavras cheias de ira, que era Patience que devia desculpar-se com ela por pô-la numa situação tão vergonhosa. E depois de abandonar o salão batendo a porta, tinha-se encerrado em seu dormitório. Daí a agitação da senhora Underhill, quem via-se na obrigação de escusar sua presença ante a senhora Chartley. Disse-lhe que estava sob uma forte dor de cabeça; mas quando Patience exclamou que o sentia muito, porque devia ter sido terrível para a pobre Tiffany se ver empurrada por uma multidão, abandonou qualquer dissimulação e disse com toda franqueza:

— Está bem que diga isso, minha querida, mas, pelo que pude saber, ela se comportou de maneira muito pouco correta, e estou mortificada como nunca fiquei antes. E se ela não pedir perdão, o que não fará, pois é preciso que reconheça uma falta, e para isso podemos esperar até o julgamento final, eu devo fazê-lo.

Ao perceber que a senhora Underhill estava tão incomodada, a senhora Chartley fez um aceno a Patience para que as deixasse sozinhas, e se dispôs a acalmar os agitados nervos da pobre senhora.

Suas palavras surtiram efeito, até o ponto de que a senhora Underhill não demorou em lhe confiar todas as dificuldades e os desgostos que lhe ocasionava a custodia da bela malcriada, que não sentia por ela nem uma pitada de afeto. A senhora Chartley escutou-a com simpatia, e esteve de acordo em que teria sido diferente se seu tio não a tivesse mandado à escola. Alentou além disso o desejo manifestado pela senhora Underhill de que seus ataques não eram senão coisas de menina, e opinou que melhoraria quando fosse um pouco mais velha.

A senhora Underhill sentiu-se mais aliviada, depois de ter descarregado suas aflições. Um copo de refresco e um momento de amável fofoca com sua anfitriã tranquilizaram-na ainda mais. Quando as duas damas a acompanharam até o cabriolé, tinha recuperado seu ânimo habitual e pôde saudar a lord Lindeth sem se sentir mortificada.

Este realizou as apresentações, e enquanto Laurence trocava cortesias com os Chartleys, lhe perguntou cortesmente por Tiffany, manifestando sua pena pelo fato de que o incidente do dia anterior tivesse sido demasiado violento para seus nervos.

— Nervos! — exclamou a senhora Underhill, recusando a gentil desculpa —. Não se trata de nervos, milord. O que tem é um temperamento detestável e vingativo, que resulta insuportável. Não é que não seja doce e bondosa quando quer, mas se as coisas não sucedem como ela deseja, começam os ataques —. Baixou os olhos e disse, com uma olhada significativa para Laurence: — Disse você que é seu primo?

— Sim, madame, meu primo Calver.

— Bem — disse ela —. Estou segura de que todos pensávamos que não tinha ninguém tão elegante como sir Waldo, mas não é nada comparado com o senhor Calver. Não é assim? Vamos, se reluz como uma estrela! Estou segura de que é um dos elegantes de Londres.

— Verdade que o é — disse Julian com um sorriso e os olhos reluzentes —. A estrela dos saraus!

— Desejo apreciá-lo eu mesma — assentiu ela muito impressionada —. Espero que venha com você na próxima sexta-feira a meu jantar, se não considera que será um aborrecimento.

— Ficará muito agradecido, madame — respondeu Julian. E dirigindo-se a seu primo acrescentou: — Laurie, a senhora Underhill foi muito gentil em convidar-te para cear em sua casa, na sexta-feira próxima.

Laurence, fazendo uma de suas extraordinárias reverências, disse tudo o que era apropriado, como se orgulhava de contar com seu trato social, mas nem sequer a evidente admiração da senhora Underhill o reconciliava com a idéia de ter que cear em sua casa. Considerou-a como uma vulgar provinciana, e estranhou de que seus primos não a mantivessem à distância.

— Não somos tão exigentes como você — ou, é claro, de tanta linhagem.

Laurence corou, e disse mal humorado:

— Não é preciso que te ponhas sarcástico porque não me agradem as companhias vulgares. Quem é essa senhora?

— É uma viúva rica, com um filho, uma filha e uma sobrinha muito formosa. É dona da maior propriedade da vizinhança, e podes estar seguro de que oferecerá um jantar excelente. Não tem linhagem, mas sim muito bom caráter, e foi muito bondosa por nos ter convidado de forma permanente a cear em Staples quando quisermos, ou enquanto os pedreiros estiverem tornando Broom Hall intolerável. Nos acostumamos a ir ali com frequência, e se não queres receber uma reprimenda de Waldo, te aconselho que não lhe fales da senhora Underhill como de uma vulgar provinciana.

— Suponho que é outra das excentricidades de Waldo. Ou talvez esteja mantendo um namoro com a formosa sobrinha — É isso o que o retém em Yorkshire?

— Já te disse o que o retém. E no que se refere a miss Wield, não tem mais que dezessete anos. Se pensas que Waldo...

— Ofendido! — interrompeu-lhe Laurence, ao avivar-se sua curiosidade —. És tu quem tem interesse por ela!

Julian corou e contestou-lhe secamente:

— Não. Admiro-a como todos os demais, mas não sou um de seus pretendentes. Tem dúzias deles.

— E acrescentou com um tom mais suave: — Asseguro-te que é um diamante de muitos quilates. Mas há outras garotas bonitas — miss Colebatch é uma delas. Espero que esteja em casa quando cheguemos a Colby Place.

— Não se preocupe comigo — disse Laurence, bocejando —. Não sou mulherengo.

Isto era verdade, estava tão enamorado de si mesmo que nunca tinha sentido a menor paixão por uma dama; mas desde que não se esperasse nada dele, ou simplesmente como parceiro de dança, podia se dizer que lhe agradava a companhia feminina. Ademais, não era indiferente as adulações, e recebeu muitas em Colby Place. Não só estava miss Colebatch em casa, mas, junto a suas duas irmãs, fazia companhia a sua mãe quando foram anunciados os visitantes; e, desde o momento que entraram no salão, pareciam incapazes de apartar a vista do elegante senhor Calver. A admiração estava refletida em seus rostos juvenis, e quando ele foi tão cortês para lhes dirigir a palavra, mostraram com seus rubores, risinhos nervosos e vacilantes respostas, quanto apreciavam sua condescendência. Miss Colebatch, apesar de que não o demonstrava, estava muito impressionada por seu ar mundano; e sua mãe, não contente em apenas o convidar para o baile, o envaideceu ao solicitar seu conselho sobre alguns detalhes, pois disse que estava convencida de que ele conhecia como a palma da mão os últimos gritos da moda.

Mas isso não foi tudo. A notícia de que o “Incomparável” albergava em sua casa outro primo, e de que se tratava de um reputado dândi, se divulgou rapidamente. Cedo chegaram notas dirigidas a sir Waldo por várias de suas anfitriãs, expressando sua esperança de que Laurence Calver fosse incluído nos convites já enviados.

Laurence aparentava indiferença, mas em seu íntimo estava tão satisfeito como surpreendido por sua súbita e inesperada importância. Em Londres, entre homens mais refinados e carteiras mais repletas, era quase impossível sobressair-se; especialmente — como muitas vezes tinha pensado com ressentimento — se um tinha a desgraça de ser suplantado por um primo tão magnífico como o

“Incomparável”, que, além de estar no topo, despertava tanto respeito como admiração.

Com muita freqüência, Laurence tinha sido apresentado como o primo de sir Waldo Hawkridge, e, apesar de que não ter escrúpulos em usar o parentesco para se introduzir em círculos exclusivos, lhe molestava saber que era aceito somente pelo respeito que tinham a sir Waldo. Teria recusado com desprezo qualquer sugestão de que devia procurar a fama num distrito rural, apartado do centro da moda; mas, vendo-se obrigado pelas circunstâncias a visitar o seu primo, não achava desagradável ser a estrela num mundo menor. Os cavalheiros podiam olhar-lhe com desagrado e seus filhos podiam seguir tomando a Waldo como modelo, mas ser admirado ou desprezado por escolares não lhe fazia nenhum cuidado, enquanto fosse cortejado pelas damas e pudesse desfrutar da satisfação de saber que seu corte de cabelo, suas gravatas e muitos de seus modos eram copiados por vários aspirantes ao dandismo. Seu triunfo permitiu-lhe suportar a tácita negativa de seu primo de ressuscitar a discussão que o tinha trazido à Yorkshire. Só o tinha tentado uma vez. Tinha sido recusado, e achou que talvez tivesse agido precipitadamente e que devia dar a Waldo mais tempo para reconsiderar. Pensava voltar sobre o tema após um discreto intervalo: enquanto desfrutaria com qualquer entretenimento que lhe oferecessem.

Seu aparecimento no baile dos Colebatch superou todas as expectativas, eclipsando por completo aos elegantes locais. O delicado arranjo de seus cabelos lustrosos, o alto colarinho de sua camisa, as intrincadas pregas de seu lenço de bolso, o engomado laço que assomava entre as lapelas de sua apertada jaqueta com a parte da frente curta e suas abas extravagantemente longas, a corrente do relógio pendurada de sua faixa e até a proclamavam com um Tulip de primeira ordem. Suas reverências foram muito admiradas, e, se não era precisamente bonito, era bem parecido. Quando acompanhou Tiffany Wield na primeira valsa, até o mais hostil de seus críticos teve que reconhecer que era um excelente bailarino. O Squire foi além, fazendo que sir Ralph Colebatch se afogasse num acesso de riso ao rosnar em seu ouvido:

— Maldito saltimbanco!

Toda a atenção se teria mantido em torno de Laurie, se não fosse por um fato menos agradável, mas bem mais surpreendente.

— Olhe! — exclamou a senhora Banningham com acento de indignação, dirigindo-se à senhora Mickleby.

O grupo de Broom Hall tinha chegado no preciso momento em que a primeira parte do baile, reservado a danças campestres, terminava. Após saudar a sua anfitriã, sir Waldo foi trocando saudações com vários conhecidos, sem pressa, mas observando todo o salão enquanto se movia de um grupo a outro. Sua altura permitia-lhe olhar acima das cabeças, e, finalmente, pôde descobrir miss Trent, que estava sentada junto à senhora Underhill. Luzia em um vestido de baile de crepe italiano de cor laranja pálido, bordado com rendas e com corpete baixo; e em lugar das apertadas tranças que considerava apropriadas para uma dama de companhia, tinha deixado soltos seus cachos naturais. Parecia bem mais jovem e, aos olhos de sir Waldo, muito formosa.

Abriu caminho até ela, chegando a seu lado no momento em que os músicos se dispunham a tocar. Saudou à senhora Underhill, e fazendo uma reverência a miss Trent, Disse-lhe:

— Posso ter a honra, madame?

Ele lhe tinha dito que pedir-lhe-ia a primeira valsa, mas ela esperava que a convidasse para dançar em outro momento da noite. Vacilou ao achar que não era correto que ela fosse a primeira dama que dançasse com ele.

— Muito obrigado, mas... A senhorita Colebatch. Não deveria você...

— Certamente que não — replicou ele —. Esse é um privilégio de Lindeth.

— Oh, sim, claro. Mas há outras damas que...

— Não — interrompeu-a, enquanto sorria tomando-a da mão —. Com você ou com ninguém. Vamos!

— Assim que se faz, sir Waldo — disse a senhora Underhill com aprovação —. Aconselho-o que não aceite uma negativa. E quanto a você, querida, diga muito obrigado, senhor, e basta de tolices.

Ancilla não podia resistir. Levantou-se, dando uma mão a sir Waldo. Seus olhares cruzaram-se rindo.

— Muito obrigado, senhor — repetiu obedientemente.

Mantendo-se à direita de sir Waldo sujeitou-a ligeiramente pela cintura, e enquanto levava-a pelo salão, confessou-lhe:

— Essa mulher é muito jovial.

— Deveras? — replicou ela caçoando —. Como muda rapidamente de opinião! Creio recordar que a última vez falou dela em termos muito diferentes.

— Cometi uma injustiça. Reconheço que é uma mulher de grande senso. Como você dança bem!

Era verdade, mas muito poucos dos presentes tiveram prazer com o espetáculo. As matronas que tinham trazido a suas filhas ao baile se sentiam ofendidas ao contemplar à dama de companhia de Tiffany Wield, — ou como queira que a chamassem — deslizando pelo salão nos braços do

“Incomparável”, sem ter necessidade de fixar-se nos passos, mas dançando uma valsa com toda facilidade e, aparentemente, desfrutando de uma divertida conversa enquanto o fazia. O pastor era um dos poucos que olhava com aprovação, dizendo a sua esposa:

— Bem, querida, esta novo dança não tem nada de mal, ao contrário, é encantadora, realmente encantadora.

— Bom, não consegue me convencer, mas reconheço que é muito bonita quando se dança bem —

replicou ela —. Tenho entendido que o senhor Calver é o melhor bailarino dos presentes, mas, de minha parte, prefiro o estilo mais recatado de sir Waldo. Miss Trent, além disso, dança como deve fazer uma dama, mas podes acreditar que, apesar de conhecerem bem os passos, Tiffany Wield, Lizzie Colebatch e as senhoritas Mickleby, farão disso um jogo. Mas lamentaria ver que uma filha minha participasse em algo tão pouco correto.

— Daria uma má impressão, não é verdade? — assinalou ele rindo gentilmente —. Acho que não devemos nos preocupar. Ela está dançando muito bem. Talvez seja parcial, mas sou da opinião que, a exceção de miss Trent, dança melhor a valsa que qualquer das outras damas presentes.

A senhora Chartley viu que a senhora Underhill estava sozinha e se acercou a ela, sentando a seu lado, enquanto perguntava:

— Que acha da valsa, senhora Underhill? Meu marido está entusiasmado e acredita que sou antiquada porque não gosto tanto quanto ele.

— Bem, também não gostaria que me vissem dançá-la — respondeu a senhora Underhill—, mas estou convencida de que não há nada mais agradável que a forma tão elegante com que sir Waldo e miss Trent deslizam e dão voltas. O que me intriga é como ela sabe o momento em que ele deseja deslizar ou começar a dar voltas e mais voltas, pois não parece empurrá-la ou conduzi-la, que é o que acho que teria que fazer, e seguramente faria, se tivesse a mim por par.

— Na verdade formam um excelente par de dança — disse a senhora Chartley sorrindo.

— Verdade que sim... — assentiu a senhora Underhill enquanto olhava-os satisfeita —. A senhorita Trent, tão esbelta, e os dois tão encantadores. Quando a vi descer as escadas esta tarde, com o cabelo arranjado da maneira que você pode ver, e com esse vestido que me disse que tinha guardado desde que deixou a casa do general, ainda que ninguém o suspeitaria ao vê-lo, "Bem —

Disse-lhe — devo reconhecer que nunca a tinha visto tão bela."

Fez uma pausa, e depois acrescentou, em tom reservado:

— Além disso, senhora Chartley, não fui eu a única pessoa a maravilhar-se. Oh, não! "Com você ou com nenhuma", disse ele quando ela lhe disse que tinha que pedir a outra dama que o acompanhasse.

— Sir Waldo? — perguntou a senhora Chartley, surpreendida.

— Sir Waldo — afirmou a senhora Underhill com grande satisfação —. Devo dizer que não me pegou de surpresa. Posso ser uma boba, como costumava me chamar o senhor Underhill, quando caçoava, é claro, como você compreende; mas tenho olhos na cara e não preciso de óculos. Nem também sou tão tola para supor que sir Waldo vem a Staples com tanta freqüência unicamente pelo prazer da minha companhia. Em princípio achei que ia atrás de Tiffany, mas não é assim. Não posso negar que flerte com ela, mas a meu modo de ver, só é um jogo. É miss Trent que o traz a Staples.

A senhora Chartley inquietou-se ante tal confidencia e, depois de um momento de vacilação, disse:

— É muito compreensível que tenha uma verdadeira preferência por ela. Até certo ponto pertencem ao mesmo mundo, o mundo de Londres, e sem dúvida terão conhecidos comuns. Além disso, já não é uma menina mas uma mulher de vinte e cinco ou vinte e seis anos. Também não falta-lhe senso comum, mas quando um homem como sir Waldo, com sua facilidade de palavra e sua experiência, faz a uma mulher o objeto de seu galanteria...

— Céus, madame, em que pensa você! — interrompeu-a a senhora Underhill —. Não é um caso passageiro o que ele tem em mente. Não, sendo o tio dela um general.

— Perdoe-me, querida senhora, mas acho que você deveria ficar mais atenta.

— Bem — respondeu-lhe a senhora Underhill profeticamente, enquanto sorria com indulgência—, Vamos ver!

 

-

Capítulo XII

 

 

Bem como tinha esperado o dance com sentimentos contraditórios, Ancilla refletia agora sobre o ocorrido. Tinha aceitado com verdadeiro receio o convite de lady Colebatch, pois achava que ao fazê-

lo estava transgredindo as normas que ela mesma se tinha fixado quando, deliberadamente, abandonou seu círculo social para se converter em dama de companhia.

Tinha sido uma decisão muito difícil de tomar, pois, a pesar de sua família não ter dinheiro, nem por isso deixava de ser respeitável e durante sua vida tinha freqüentado os melhores círculos de Hertforshire. A morte de seu pai, unida a uns investimentos desafortunados, tinha deixado à família, senão na penúria, pelo menos em circunstâncias de grande pobreza, e não tinha dúvida, entre os que conheciam aos Trent, que era da incumbência de Ancilla retirar de seu irmão mais velho o ônus da sua manutenção, contraindo casamento. Assim mesmo, era opinião geral que, a pesar de que já tinha vinte e quatro anos e carecia de fortuna, seu caso não era desesperado. Era muito bonita e tinha um ar distinto que chamava a atenção. Seu caráter era encantador, e conquanto não fosse muito vivaz, seus gracejos eram muito engenhosos. Ainda que fosse muito reservada, e seu comportamento a fizesse parecer distante, seus graciosos modos faziam que sempre fora bem acolhida em qualquer reunião social. O lamentável é que não tinha gostado de nenhum de seus pretendentes, mas se esperava que, após estar fora de sua casa durante quatro anos, e ante o temor de se converter numa solteirona, não recusaria uma proposta respeitável.

Essas eram as ilusões de sua tia quando a convidou a passar uma temporada em Londres. Lady Trent, que sentia por ela um grande carinho, tinha feito todo o possível por ela, a levando aos saraus, ao Almack's e até a apresentando nos salões reais, mas não tinha servido de nada. Ancilla não queria se casar com quem não amasse, e até que encontrou com o “Incomparável” não tinha sentido inclinação por nenhum homem.

Pouco desejosa de casar-se, e resolvida a não continuar sendo um ônus para seu irmão ou dependendo de seu tio, tomou a difícil decisão, a pesar da aberta oposição de sua família, e plenamente consciente de que se convertendo em dama de companhia teria que renunciar a qualquer pretensão social. Tinha sido uma dura determinação, mas considerava-a inevitável, e quando aceitou o emprego oferecido por miss Climping, tinha abandonado o estilo de vida do que tanto tinha desfrutado, para se transformar num ama. Decorrido um tempo desde que tinha mudado seu destino em Bath pelo que tinha agora, achava que se tinha habituado às desvantagens de sua posição. Não teve que esperar muito para que essa posição melhorasse além do que tinha acreditado; mas, por muito que sua bondosa patroa fizesse questão da a tratar como um membro a mais da família, sua discrição e um forte sentido da correção lhe tinham impedido cruzar o limite que ela mesma se tinha imposto. Seu lugar estava num segundo plano, dentro da lista de nomes para satisfazer um requerimento social, mas nunca se destacando. Se a senhora Underhill ficava indisposta, ela devia estar preparada para escoltar Tiffany a uma festa, onde ocupava seu lugar entre as damas de companhia; mas quando a convidava, o que ocorria ocasionalmente, sempre se tinha escusado.

Isto foi assim até o aparecimento em cena do “Incomparável”. Num par de semanas, a contar desde seu primeiro encontro — ou tinha sido num instante? — ele tinha alterado seu sossego, minado sua firmeza e demolido totalmente sua tranquilidade de espírito. Tinha-se considerado uma mulher racional, com uma mente clara e caráter moderado; mas desde sua chegada a Yorkshire, tinha-se debatido entre a alegria e o abatimento. Seu coração nunca se tinha oposto a sua mente; agora ao contrario, estavam em perpétuo desacordo. Por um lado, seu coração dizia-lhe para abandonar-se a seus impulsos; por outro, seu julgamento lhe incitava a estar com pés no chão.

Seu julgamento tinha sofrido uma séria derrota com o convite ao baile de lady Colebatch. A correta miss Trent, que acreditava ter deixado atrás sua predileção a dança, desejava desesperadamente estar presente.

"Só este — rogou seu coração —. Que mal pode ter nisso, quando a senhora Underhill faz questão de que vá — Tenho senso suficiente para não perder a cabeça."

Seu julgamento tinha respondido de modo sensato:

"Não o tens. Desejas ir ao baile porque sir Waldo estará ali e se tivesses uma pitada de senso comum o afastaria de ti antes que ponha a perder tua paz."

O coração tinha ganhado. Tinha ido ao baile, disposta a comportar-se com a maior circunspeção: mas, mal penteava seus cabelos no estilo que costumava usar, tal circunspeção se esvaiu. Voltou a sentir-se jovem, tão excitada como uma menina assistindo a sua primeira festa e um pouquinho temerária.

Tal temeridade, estimulada pelas luzes, os risos e a música, tinha aumentado. Tinha sido bastante prudente para mostrar-se recatada quando sir Waldo lhe pediu dançar a primeiro valsa com ele, mas não depois. Tinha sentido a imensa alegria de saber-se preferida pelo homem de sua eleição; e quando ele lhe pediu pela segunda vez, não tinha negado. Também a tinha acompanhado no jantar, e, quando saíram ao jardim para presenciar os fogos de artifício, foi ele quem procurou seu xale e o colocou sobre os ombros. Tinha estado tão despreocupada, tão fascinada, que não pensou nem um momento na opinião das matronas que a olhavam zelosamente, e se surpreendeu quando um ácido comentário da senhora Banningham lhe fez compreender que essa senhora, e várias mais, consideravam que tentava atrair o “Incomparável”. Sabia que falavam por despeito, mas desejava que a terra a engolisse; e quando lady Colebatch comentou rindo: "Todo esse perigoso flerte com sir Waldo — Que atrevido, miss Trent!", se esvaiu sua alegria e voltaram-na a assaltar seus medos e suas dúvidas.

Sabia que não tinha experiência nas coisas do amor, e que não ocorria o mesmo com sir Waldo. Não tinha dúvida de que ele se sentia fortemente atraído para ela, mas não podia dizer se ele pretendia ir além de um namoro. Quando seus olhares se cruzavam e ele sorria, achava que ele não podia a olhar e lhe sorrir dessa maneira se não sentisse por ela sentimentos mais profundos que um capricho passageiro. Então recordou que não era a única mulher atraída por seu sorriso, e pensou se não estava enganando a si mesma ao achar que esse sorriso era só para ela. Dizia-se que ele tinha muitos amores, e supunha que um Dom Juan necessariamente sabia como convencer às mulheres de que as amava profundamente.

Tão doloroso como essas dúvidas era pensar que, ao permitir ao “Incomparável” que a cortejasse, tinha acordado as fofocas de toda a redondeza. Seu comportamento deveria ter sido quase escandaloso, pois até Courtenay tinha-lhe feito notar dizendo-lhe com um sorriso:

— Céus, madame! Tiffany deve ter ficado furiosa ao ver que o “Incomparável” lhe estava fazendo a corte!

Mas não tinha passado pela cabeça de Tiffany que nenhum homem, e muito menos um da categoria de sir Waldo, pudesse sentir o menor interesse por um ama. Em seus comentários sobre o baile tinha falado por alto sobre o fato de que sir Waldo dançasse duas valses com miss Trent, e revelou, como se fosse algo muito divertido, que algumas das matronas se tinham ofendido por isso, pois supunham que ele a cotejasse.

— Tu e sir Waldo, Ancilla? — disse rindo —. Quase morri de rir, como poderás imaginar. De todas as coisas absurdas...

— Não acho que seja absurdo — interveio Charlotte com tom beligerante —. É muito menos absurdo que supor que vá atrás de ti. Suponho que estarás zelosa por não ter sido a primeira a dançar com ele.

— Oh, não teria podido — exclamou Tiffany com descaso —. O senhor Calver estava primeiro. Teve que aguardar o segundo turno. E o pobre Lindeth o terceiro.

Miss Trent olhou-a pensativamente por uns instantes, antes de baixar a vista ao lenço que estava a bordar. Não tinha estado tão ocupada em seus próprios assuntos para não se fixar no comportamento de Tiffany durante o baile. Como conhecia os métodos que Tiffany que gostava de castigar e escravizar a qualquer membro de sua corte que a tivesse desagradado, não se tinha surpreendido quando a tinha visto dedicar suas melhores atenções aqueles que antes tinha recusado por lord Lindeth. Agora olhava de maneira cativante ao senhor Calver e, em por outro lado, tratava a sua senhoria com descuidada indiferença. Miss Trent divertia-se, mais que surpreendia-se, com estas táticas que denunciavam o caráter infantil de Tiffany. Podiam ser úteis com os jovens inexperientes mas em Lindeth não inspirariam mais que desgosto. Esperava que assim fosse, mas também desejava que não fossem tão óbvias para os demais como o eram para ela.

Para uma pessoa estavam totalmente claras. O intelecto de Laurence Calver não era grande coisa, mas tinha rapidez de percepção e uma clara faculdade para descobrir escândalos e defeitos. Foi ao baile com a suspeita de que seu primo Lindeth tinha considerável interesse na bela desconhecida e não lhe custou muito se convencer disto, ou que alguma briga tinha surgido o que, sem dúvida, era um prometedor affaire. A garota era uma malandra; muito formosa é claro, mas de nenhum modo adequada para Lindeth. Waldo devia sabê-lo, e então estava fazendo de tudo para evitar a desagradável aliança — Ou esperava — E se assim fosse sentir-se-ia agradecido se seu outro primo interviesse — Sim, pensou Laurence, se a coisa for sério, posso fazê-lo. Seria muito divertido e nada difícil: a bela tinha-lhe lançado vários chamarizes e estava disposto a aceitá-los. Sem dúvida ela queria conquistar Lindeth; e também apreciava tentar envolvê-lo. Possivelmente conseguiria pô-lo zeloso — e isso também seria divertido — mas, se ela achava que, por flertar descaradamente com outro homem, conseguiria que Lindeth a pedisse em casamento, devia ter menos senso que um pássaro. Ela era demasiado vulgar para o jovem Julian.

Tudo isto era deliciosamente intrigante. Também era satisfatório ter descoberto por que Waldo permanecia neste lugar tão apartado: tinha iniciado um novo namoro. Não era muito próprio dele eleger como objeto de seus galanteios a uma mulher que parecia ser uma espécie de ama, mas as raparigas que sempre estavam disponíveis não lhe atraíam, e fora elas, as únicas mulheres que ficavam eram as problemáticas como lady Colebatch, ou verdadeiros papagaios tais como a senhora Banningham ou a mulher do Squire.

Ao olhar com olho crítico a miss Trent, Laurence duvidou de que resultasse agradável ter um namoro com ela. Não era uma beleza, e demasiadamente magra para seu gosto, mas era sim uma mulher distinta; nenhuma vulgaridade a ensombrecia. Se Waldo não tivesse cuidado podia terminar capturado e então o que resultaria! O último dos Hawkridge unido a uma joão ninguém que ganhava o pão ensinando a meninas provincianas as primeiras letras, a somar e a bordar lenços! Seria tremendamente divertido. Mas era raro que Waldo acordasse falsas ilusões. Todos seus namoros tinham sido com mulheres casadas de grande linhagem; e tinha idéias bastante antiquadas com respeito a compromissos com mulheres que iam à pesca de maridos. Ainda era mais estranho que não se tivesse dado conta de que a magrela estava muito apaixonada por ele.

Depois da pista de uma fofoca tão suculenta, Laurence procurou informação em sua primo Lindeth, dizendo-lhe com tom despreocupado:

— Não me disseste que Waldo tem um novo romance. Quem é ela?

— Um novo romance? Waldo? — respondeu Julian olhando-o assombrado.

— Escondes o pacote não é assim? — protestou Laurie —. Uma mulher alta — acho que ama de alguém. Céus, Julian! Tomas-me por tonto?

— Miss Trent! Santo Deus! Como podes pensar... Não há nenhum romance. É a dama de companhia de miss Wield: uma mulher muito agradável, mas daí a ser a nova conquista de Waldo... Deverias conhecê-lo melhor!

— Não é necessário que te zangues! Tudo o que sei é que o que existe entre os dois têm perturbado a todas as comadres.

— Essas se alimentam de escândalos!

— Mas quem é ela? — insistiu Laurence —. Ou é uma das perguntas que não se devem formular...

— Em absoluto. É muito possível que conheças a seu primo, Bernard Trent. Seu pai morreu no assalto a Cidade Rodrigo, e acho que deixou à família quase na miséria. O general Trent é seu tio.

— Sério? — disse Laurence abrindo os olhos, surpreendido.

Não fez mais perguntas, pois não desejava que Waldo pensasse que estava espiando os seus assuntos, e Julian era tão tagarela que nunca se podia estar seguro de que não falaria mais do que era prudente. Por outro lado, era muito possível que Julian não soubesse de nada. O que tinha averiguado era suficiente para alterar todo o quadro: parecia que finalmente Waldo estava disposto a abandonar a condição de solteiro. Não tinha nada de estranho nisso: alguma dia tinha de casar-se. O estranho era que, podendo escolher entre o melhor da sociedade, tivesse optado por uma simples miss Trent, que podia ser de bom berço, mas que era praticamente uma desconhecida e carecia de posição, fortuna ou grande beleza que a fizessem recomendável. Céus! Que sensação causaria!

Laurence conhecia várias brilhantes belezas que, furiosas, por-se-iam lívidas quando se inteirassem, especialmente uma que o tinha recusado por causa dele. Seria agradável sussurrar a novidade em seus ouvidos.

É claro, podia não ser verdade: poderia julgar melhor na próxima vez que os visse juntos. Esperava que miss Trent estivesse presente à festa da senhora Underhill: era muito provável que assistisse; e, se o fizesse, tinha o propósito de tratar de ganhar a suas simpatia. Se tinha a mais remota possibilidade de converter-se na esposa de Waldo, era assunto de grande importância relacionar-se com ela. Na verdade, tinha sido muito afortunado ao vir para Yorkshire.

Miss Trent assistiu ao jantar, mas se tivesse podido escusar-se, sem desorganizar a localização dos convidados na mesa da senhora Underhill, tê-lo-ia feito. Tinha sugerido que, já que Charlotte sofria de dor de cabeça, por causa disso não descera ao salão, era melhor que ficasse com ela; mas a senhora Underhill não a quis escutar. Onde, lhe perguntou, conseguiria uma dama para ocupar o lugar de miss Trent?

— Pensei que, talvez, já que os Mickleby vêm, madame, poderia convidar a mais velha de suas filhas

— disse Ancilla sem muita convicção.

— Não diga tolices — rogou-lhe a senhora Underhill —. Como se você não soubesse tão bem como eu que a senhora Mickleby considera uma afronta que se convide a uma de suas filhas e não à outra! E, além disso, se convidasse a qualquer uma delas no último minuto, como seria o caso, não poderia desculpar-me, já que seria um ato muito pouco cortês.

Assim miss Trent teve que resignar-se e ninguém teria suspeitado, vendo sua tranquila compostura, que estava profundamente incomodada. Para uma mulher orgulhosa de sua criação, a reputação de que queria conquistar o “Incomparável” era tão desagradável que sentia náuseas a cada vez que pensava nela. Como uma criatura vulgar e intrigante, sem delicadeza nem conduta, jogando iscas para pescar um marido! Pior ainda! Um marido tão rico e distinto que podia ser considerado como o melhor partido do mundo! E ela, a pobre filha de um oficial de infantaria! Não podia acusar a si mesma de lhe jogar iscas, mas ao recordar os fatos passados só via uma sucessão de passeio à cavalo com o “Incomparável”, noites em sua companhia, passeios com ele pelos jardins de Staples, tête-à-tête com ele, brincadeiras compartilhadas com ele, culminando tudo no desastroso baile ao qual jamais deveria ter assistido. Que indiscreta tinha sido! Devia parecer a todo mundo que tinha ido ao baile, rompendo suas próprias normas, com o único propósito de dançar com o “Incomparável”. E

a horrível verdade é que o tinha feito. E quem, a vendo dançar duas vezes a valsa com ele, entrar na sala de jantar pelo seu braço e permitir que procurasse seu xale, teria achado que tinha cometido estas imprudências sem o pensar — Porque ela o amava, e tinha se sentido tão feliz em sua companhia, que não levou em conta o delicado de sua posição, nem sequer a mais elementar correção.

Foi uma dura prova aparecer no jantar da senhora Underhill, sabendo que as agudas miradas da senhora Mickleby estariam destinadas a ela; talvez até as da senhora Chartley. Elegeu entre seu escasso guarda-roupa o mais modesto e sombrio de seus vestidos de tarde, e pôs uma touca sobre suas apertadas tranças. A senhora Underhill ao vê-la exclamou:

— Por que se vestiu como se fosse uma velha de quarenta anos? Santo Deus! Vá e tire esta touca em seguida! Já terá tempo para quando se casar.

— Não espero me casar, madame, e sabe que é o habitual para uma ama...

— Não, não vai se casar se não se arrumar um pouco! — interrompeu-a a senhora Underhill, asperamente —. E também não está bem esse velho vestido marrom que me provoca arrepios. Acho que você é tão irritante como Tiffany, miss Trent.

Em conseqüência, miss Trent tirou a touca mas não mudou o vestido, e não desceu ao salão até que chegassem todos os convidados, aproveitando então para entrar discretamente, respondendo as saudações com sorrisos e pequenas reverências, e tomando assento o mais longe possível de sir Waldo.

Durante o jantar esteve entre o Squire e o pastor, e com estes dois bons amigos pôde conversar tão tranquilamente como sempre. Foi mais difícil no salão, antes que os cavalheiros se reunissem com as damas. A senhora Mickleby não fez outra coisa que falar sobre o baile e conseguiu, com seu sorriso malévolo, fincar vários dardos na trêmula carne de miss Trent. Ancilla respondeu ao seu sorriso com outro, e falou com uma tranquila cortesia que fazia enfurecer à senhora Mickleby. A senhora Chartley aproveitou uma ligeira trégua nas hostilidades para sentar-se ao lado de Ancilla e dizer-lhe:

— Alegra-me que se tenha apresentado a oportunidade de conversar com você, miss Trent. Faz semanas que desejo lhe perguntar, se é que você o recorda, a forma de preparar os cogumelos como me ensinou já uma vez. Sempre que encontramo-nos vem-me à memória.

Ancilla sentiu-se muito satisfeita pelo tom tão amável com que a senhora Chartley tinha feito a pergunta, mas corou ante os dardos da senhora Mickleby. Prometeu escrever a receita e levá-la à reitoria; e desejou intimamente poder retirar-se antes que entrassem os cavalheiros. No entanto, isto era impossível: a senhora Underhill esperava que ela se encarregasse de servir o chá.

Uma diversão — muito mal recebida na verdade — foi proposta por Tiffany, quem exclamou de repente:

— Oh. Tenho uma idéia excelente! Joguemos outra vez aos espantalhos.

Dado que tinha interrompido não só a Patience, que lhe estava falando, mas à senhora Mickleby, que conversava com a senhora Underhill, esta falta de educação fez que miss Trent desejasse que a terra a engolisse, sabendo que a senhora Mickleby culparia a ela. Mas ainda faltava o pior.

— Tive a impressão que a senhorita Chartley cantaria para nós — disse a senhora Underhill. — Atrever-me-ia a dizer que é o que todos gostaríamos, pois, tem de você, querida, uma voz excelente.

— Oh, não! Joguemos aos espantalhos!

— Tiffany! — exclamou miss Trent com voz tranquila mas autoritária.

Ela a olhou e ao ver a severidade de seus olhos, começou a se rir dizendo:

— Oh, oh! Não queria ser descortês. Patience sabe que não. Não é assim, Patience?

— Certamente — replicou Patience rapidamente —. Acho que é bem mais divertido jogar os espantalhos. Mas miss Trent nos vencerá a todos, incluindo sir Waldo. Se você e ele se enfrentam em outro duelo, madame, desta vez não apostarei contra você.

Miss Trent deu graças aos céus de que nesse momento se abrisse a porta e entrassem os cavalheiros. Apressou-se em abandonar o grupo que estava no centro do salão, com o pretexto de pedir a um dos lacaios que abrisse o piano e acendesse as velas dos candelabros; e permaneceu junto ao instrumento, revisando um grupo de partituras. Ao cabo de uns instantes, Laurence acercou-se dela dizendo com muita gentileza: — Posso ajudar-lhe, madame? Permita-me que recolha isso para você.

— Muito obrigado, quer colocá-las sobre a mesa? Assim pode-se abrir o piano.

Depois de cumprir seu pedido, Laurence Disse-lhe com um sorriso:

— Devo confessar-lhe como estou encantado de a conhecer, madame. Já conheço a um membro de sua família: acho que Bernard Trent é seu primo não é assim?

A senhorita Trent assentiu com a cabeça. Não era alentador, mas Laurence perseverou.

— Um homem de primeira classe! A melhor das companhias! Somos muito velhos amigos.

— Deveras? — disse a senhorita Trent.

Ele se afastou, pois seu tom era glacial e seu olhar depreciativo. Perguntou-se que lhe sucedia e se sentiu ofendido. Qualquer um teria suposto que ela gostaria de conversar com alguém que conhecesse seu primo, mas, ao contrário, lhe tinha repreendido. Não estava mau para um ama, pensou, indignado.

Ela se deu conta de que tinha falado com excessiva dureza, e acrescentou com um débil sorriso:

— Atrever-me-ia a dizer, senhor, que você o conhece melhor que eu. Nunca convivemos muito.

Voltou-lhe as costas para acender uma das velas, e ao fixar a vista pôde ver que sir Waldo estava escutando a breve troca de palavras. Seus olhares cruzaram-se e viu que seus olhos brilhavam alegremente. Involuntariamente, ela lhe sorriu.

Foi só um instante, mas Laurence captou as miradas e se sentiu tão satisfeito de ver confirmadas suas suspeitas que se esqueceu de sua indignação. "Se alguma vez teve duas pessoas mais apaixonadas — ", pensou enquanto retirava-se discretamente.

Sir Waldo acercou-se ao piano e recolheu um castiçal; enquanto preparava uma vela murmurou:

— Falou sem má intenção, sabe você — Certamente, eu teria que tê-lo advertido.

— Acho que fui descortês — reconheceu ela.

— Não, não, simplesmente mordaz! — assegurou-lhe ele.

Ancilla não pôde conter o riso, mas sabendo que a senhora Mickleby a vigiava, disse:

— Isso é me tratar muito mal. Perdoe-me—, devo falar com miss Chartley.

Afastou-se dele rapidamente e arranjou para se manter afastada de sir Waldo até que trouxeram o serviço de chá. Foi eficazmente ajudada pela senhora Mickleby, que estava junto ao “Incomparável”

conversando animadamente com ele, até que finalmente Patience foi convencida e cantou. Depois Tiffany voltou a propor que todos jogassem ao espantalhos, o que permitiu a miss Trent ir à sala de desenho em busca das palhas e colocar aos quatro mais jovens da festa ao redor da mesa. Sir Waldo não tentou segui-la, mas quando voltou ao salão para servir mais chá, se acercou da mesa para procurar sua xícara e lhe perguntou baixinho se a tinha ofendido.

Ela pensou: “Não, mas as pessoas dizem que estou tentando conquistá-lo”. Inadmissíveis palavras! E

em voz alta respondeu-lhe:

— Ofender-me? Não, deveras! Por que o teria feito?

— Não o sei. Mas, se o fiz, rogo-lhe que me perdoe.

Seus olhos encheram-se de lágrimas e manteve-os baixos.

— Que absurdo! A dizer a verdade, tenho dor de cabeça e talvez devesse ser eu quem deve desculpas por me mostrar mal-humorada e estúpida. Esta é a xícara do senhor Chartley — seria tão gentil, sir Waldo, de lhe a levar?

Ele tomou a xícara, mas disse:

— Se isto é verdade, sinto muito, mas não acho que o seja. Que sucedeu para que esteja tão preocupada?

— Nada! Sir Waldo, rogo-lhe...

— Que insuportável é que me veja sempre obrigado a encontrá-la em público — falou ele baixinho. —

Virei manhã e espero falar com você, desta vez sozinha.

Ela se esforçou um sorriso, mas disse com muita circunspecção:

— Muito bem — Apesar de que ser verdade. Mas deve você saber, senhor, que será muito incorreto de minha parte—, dada a minha situação—, receber visitas.

— Oh, sim, sei-o! Mas a minha não será uma visita social. — Viu a mirada de prevenção em seu rosto, e acrescentou com malícia nos olhos: — Tenho uma... tenho uma proposta para fazer-lhe, madame.

Não, não o direi esta noite. Sei que arrancar-me-ia os cabelos se o fizesse.

-

Capítulo XIII

 

 

No dia seguinte, sir Waldo efetuou uma nova visita a Staples para encontrar uma cena de total desordem. Não pôde ver miss Trent, mas sim a senhora Underhill, e quando ela lhe explicou por que ele tinha encontrado todos tão excitados, como ela o expressou, não fez questão de vê-la. Era evidente que tinha escolhido um mau momento para se declarar.

Miss Trent, que se tinha retirado da festa depois de servir o chá, tinha ido ao quarto de Charlotte, onde encontrou a menina com febre e com os olhos macilentos e, obviamente, sofrendo um mal-estar muito intenso. Sua velha babá atendia-a, e deixou bem claro que, a pesar de miss Trent ter liberdade para educar à menina, não precisava de seus conselhos ou assistência quando Charlotte se encontrava doente. Tinha vários remédios infalíveis para a dor de dente e, apesar de estar muito agradecida a miss Trent por sua oferta de velar Charlotte, não era necessário que se preocupasse.

Ao entender o discurso como uma clara advertência de que qualquer tentativa de sua parte para ajudar à babá seria considerada por esta como uma grosseira intromissão, miss Trent se retirou, agradecida, a seu próprio quarto.

Deitou-se, mas não podia conciliar o sonho. Estava cansada mas não podia deixar de pensar. A noite, que se estava se transformando rapidamente num pesadelo, tinha culminado com um breve intercâmbio de palavras com o “Incomparável”, que lhe tinha dado muito que pensar, pois podia se interpretar de várias maneiras.

Foi durante a madrugada quando o ranger de uma taboa do andar a acordou de um sonho inquieto.

Sentou-se no leito e afastou o dossel para escutar melhor. Percebeu umas fortes pisadas, que reconheceu de imediato, e o ruído da porta que conduzia ao ala dos criados; e, sem preocupar-se de acender o lampião, levantou-se rapidamente, procurando na penumbra suas chinelas, enquanto punha-se de pé. Ao sair ao corredor viu que a porta do dormitório da senhora Underhill estava aberta e, ao entrar no quarto de Charlotte, se deparou com um penoso espetáculo. Charlotte, que lhe tinha dito, ao lhe dar boa noite, que estava melhor e que sentir-se-ia como nova à manhã seguinte, se agitava de camisola, com a touca desprendida e chorando descontroladamente.

Os remédios infalíveis da babá tinham falhado; a dor de dente de Charlotte tinha aumentado até que não tinha podido suportar mais. Agora estava como louca pelo sofrimento e miss Trent, ao ver que uma de suas faces estava inchada, recordou uma noite igual na qual atendeu a seu irmão Christopher, e chegou à conclusão de que uma inflamação era a causa de sua dor. A babá tinha tentado aplicar-lhe láudano sobre o dente, mas Charlotte gritava a cada vez que a tocavam e se comportava de uma maneira tão horrível que a babá se tinha assustado e tinha ido acordar a sua patroa.

A senhora Underhill era uma mãe solícita, mas tinha muito pouca experiência com doenças, e na verdade não podia ser considerada como uma enfermeira ideal. Como muitas pessoas gordas e de natureza plácida, se paralisava ante uma emergência; e, como sua sensibilidade era maior que seu entendimento, a vista de sua filha alquebrada por uma dor tão forte a alterou tanto que se pôs a chorar. Sua tentativa de aninhar Charlotte nos braços foi recusado com fúria e suas carinhosas tentativas de acalmar a sua filha não tiveram outro efeito que a pôr histérica. E apesar de se sentir agradecida pela presença de miss Trent se indignou com ela por demonstrar tão pouca compaixão e falar a sua filha com tanta severidade.

— No entanto, isto lhe fez muito bem, e tenho que reconhecer que conseguiu que Charlotte se sentasse, lhe dizendo que, andando por todo o quarto, a única coisa que conseguia era aumentar a dor. Então, a babá colocou um tijolo quente sob seus pés e a agasalhou com um xale, e miss Trent disse que era um inflamação e que era inútil lhe pôr láudano no dente, mas que era melhor, se eu o permitisse, lhe dar umas gotas de láudano num copo de água, para a adormecer. Mas você não acreditará como custou que Charlotte abrisse a boca, ou que segurasse o copo em sua mão.

— Pobre menina! — disse sir Waldo —. Suponho que estava meio louca pela dor.

— Sim e tudo por culpa dela. Bem, espero não ser pouco compressiva, mas quando disse a miss Trent que lhe doía o dente fazia quase quinze dias, a cada vez mais forte, e esteve sem dizer uma palavra por medo a que o arrancassem, bom, me sentia tão zangada, sir Waldo, após tanto escândalo, que lhe disse: "Que te sirva de lição, Charlotte". Isso foi o que lhe disse.

— Acho que deve ser assim, madame. Devo reconhecer que os que têm medo de que lhes arranquem um dente têm todas as minhas simpatias.

— Sim — assentiu a senhora Underhill, com um tremor —. Mas deixar que as coisas cheguem até o extremo de ontem à noite, e depois seguir chorando enquanto dizia que não iria ao consultório do senhor Dishford, por nada do mundo, é ser muito tola. Bom, não me importa reconhecer que me pus a tremer ante a simples idéia de ter que a acompanhar. Ver o espetáculo que teríamos dado chorando as duas em abundância, e com o pobre senhor Dishforth sem saber que fazer! Claro que teria ido com ela, mas miss Trent se opôs, e também Courtenay que, como bom irmão que é, as acompanhou. E ainda bem que o fez, pois tiveram que a sujeitar, de tão aterrorizada que estava, e não sei como miss Trent teria se arranjado sozinha. Agora a trouxeram a casa, e Courtenay foi procurar o doutor Wibsey, pois se sente bastante mal, o que não me estranha.

Estava claro que não era o momento adequado para uma declaração de amor. Depois de expressar seus sinceros desejos de que Charlotte tivesse uma pronta melhora, sir Waldo se foi.

Não voltaria a ver a miss Trent até cinco dias depois. Charlotte, em lugar de experimentar a rápida melhora que se esperava de uma menina tão sã e robusta, voltou de Harrogate só para permanecer na cama. Seu estado febril foi atribuído pelo doutor Wibsey, a alguma toxidade que se tinha formado em seu organismo; mas a senhora Underhill limitou-se a dizer a sir Waldo, com inocente orgulho, que Charlotte era igual a ela.

— Raramente fico doente — comentou —. Em geral, como você sabe, gozo de muito boa saúde. Mas se tenho a menor coisa, como um cólica, por exemplo, me transtorno tanto que, muitas vezes, meu defunto marido achou que ver-me-ia enterrada por um simples resfriado.

Sir Waldo visitou todos os dias Staples para inteirar-se de Charlotte, mas somente no quinto dia foi recompensado de ver miss Trent, ainda que em circunstâncias pouco propícias. A doente estava tomando ar no terraço sentada num cadeirão, com sua mãe a um lado e sua ama do outro, com uma sombrinha para protegê-la do sol, enquanto a senhora Mickleby e suas duas filhas mais velhas agrupavam-se ao seu redor. Quando sir Waldo foi anunciado por Totton, a senhora Mickleby já sabia que tinha sido visitante diário em Staples, e tinha tirado suas próprias conclusões, recusando a acreditar na a razão ostensiva de suas visitas.

— Foi tão bondoso e gentil que nem sequer pode imaginar — comentou a senhora Underhill agradecida —. Não passou um dia sem que viesse perguntar por Charlotte, e sem que deixasse de lhe trazer algum presente, um livro ou um jogo, para a distrair não é assim, amor? Bom, Charlotte gosta de ler tão pouco quanto a mim, mas lhe agrada que miss Trent leia em voz alta, o que faz maravilhosamente e tão interpreta bem como uma atriz. Bem, como dizia ontem a sir Waldo, não só Charlotte lhe está muito agradecida, pois miss Trent lê para nós após o jantar, e não sei qual de nós desfruta mais: Charlotte, Tiffany ou eu. O faz com tal realismo que ontem à noite não podia conciliar o sono sem saber se o malvado Glossin conseguiria entregar o pobre Harry Bertram nas mãos dos contrabandistas, ou se a velha bruxa o salvaria, ela e o tutor, que, segundo Tiffany, é o que farão, tendo em conta que estamos ao final do último capítulo.

— Oh! Uma novela! — exclamou a senhora Mickleby —. Devo confessar que sou inimiga dessa classe de literatura, mas atrever-me-ia a dizer, miss Trent, que você sim gosta das novelas.

— Quando estão bem escritas como neste caso, madame, certamente que sim — replicou Ancilla.

— Oh! E trouxe-me um quebra-cabeças que é um mapa! — interveio Charlotte —. Nunca tinha visto um igual! É feito de muitos pedaços que se encaixam para formar o mapa de Europa.

As senhoritas Mickleby também não conheciam-no, e miss Trent, considerando que tinha que cobrar uma dívida, aconselhou a sua mamãe, muito cortesmente, que lhes conseguisse um.

— É tão instrutivo — disse —. E tão excepcional!

Nesse momento entrou sir Waldo, e apesar de que não ter dedicado a miss Trent nenhuma atenção especial, a senhora Mickleby, que era tão hábil como Laurie para reconhecer um affaire, estava convencida de que, se tivesse ficado mais tempo, teria encontrado uma desculpa para levar miss Trent a passear pelo jardim ou a qualquer outro lugar.

— E creio, ainda que lamente pensar dessa maneira, que ela ter-lhe-ia acompanhado — comentou mais tarde à senhora Banningham —. Estava a olhá-la de bem perto, madame, e se ruborizou quando anunciaram seu nome. Nunca vi a ninguém mais consciente de si mesma.

— Não me assombra nem um pouco — replicou a senhora Banningham —. Sempre teve algo nela que não me conseguia gostar. A você, eu sei, lhe agrada muito, mas por minha parte a acho afetada.

Essa excessiva reserva, por exemplo, e os ares que se dá...

— Oh! Neste sentido — exclamou a senhora Mickleby um pouco enfadada — devo dizer-lhe que os Trent são de muito boa família. Por essa razão dá pena ver nela tal falta de delicadeza. Todas essas cavalgadas! É claro, ela diz que sempre se portou corretamente, mas sempre achei que tudo isso era um pouco estranho e muito imprudente!

— Imprudente! — assinalou a senhora Banningham indignada —. Muito astuta!, diria eu. Tem estado em plana conquista desde o primeiro momento. Seria magnífico para ela, sem ter um penny. Se é que ele a pede, coisa que não acho que faça. Uma aventura é possível que sim; casamento, não!

— Alguém teria que a advertir de que ele simplesmente está flertando. Não desejaria a ver enganada, por muito que deplore sua conduta em tratar de o agarrar. Mas não acho que seja uma cabeça de vento.

— Se não é ser cabeça de vento dançar duas vezes com ele! — ainda mais a valsa!—, sem mencionar entrar na sala de jantar pelo seu braço, e mandá-lo para que procurasse seu xale, e sem esquecer a forma que o olhou quando ele o pôs sobre os ombros, que até me fez ruborizar...

— Muito inapropriado — assentiu a senhora Mickleby —. Mas você deve reconhecer que antes que chegasse sir Waldo a Broom Hall, sempre se tinha comportado com toda a correção do mundo. Temo que ele a enganou lhe fazendo achar que está procurando uma esposa, só porque lhe prestou atenção; e em sua situação, você sabe, bem mereceria fazer a tentativa. Não podemos deixar de lastimá-la.

A senhora Banningham não era fácil de convencer e disse acidamente:

— Me desagradam as tolas, e ela o é se imagina, somente por um momento, que um homem de sua importância possa pensar em se casar com ela.

— Muito verdadeiro, mas acho que seu trato com libertinos não foi freqüente. É inútil supor, é claro que a senhora Underhill poderia a ter advertido.

— Essa mulher tão vulgar! Nem sequer repreende a sua sobrinha. Como lamentaria que uma filha minha se portasse como Tiffany! Tão descarada! E além disso, há algo repulsivo na forma em que trata de submeter os homens a seu capricho. Primeiro foi lord Lindeth, e agora o senhor Calver, que a está ensinando a conduzir. Vi-os com meus próprios olhos. Sem o criado, sem miss Trent de acompanhante. Oh não! Miss Trent só se lembra de sua obrigação quando sir Waldo está com ela.

— Daria graças ao céu de ver a essa desgraçada menina voltar à casa de seu tio em Londres. E, em relação a miss Trent, sempre disse que era muito jovem para ser um ama, ainda que devo reconhecer que a maior parte de seu tempo o dedica a Charlotte. Se a senhora Underhill prefere que atenda a Charlotte em lugar de cuidar a Tiffany, a culpa é dela. Longe de minha intenção sugerir que as visitas de sir Waldo tenham algo a ver com tudo isto. Sendo assim, Tiffany joga ao atirar-se tão claramente sobre lord Lindeth, não é verdade? — Atrever-me-ia a dizer que o senhor Calver é mais de seu estilo. É um presumido, sustenta o senhor Mickleby, mas não há dúvida de que ela acha que é muito elegante.

Nisto estava certa: Tiffany estava muito impressionada com Laurence, a quem tinha reconhecido de imediato como membro do grupo dos dândis. Durante sua breve estadia em Londres tinha visto a vários destas extraordinárias personagens, passeando com seus cavalos em Hyde Park, e sabia muito bem que conseguir a admiração de um dândi ajudava muitíssimo ao prestígio de uma dama.

Não era nada fácil, pois, em geral, os dândis eram críticos muito exigentes, mais dados a olhar com de tédio, através de seus monóculos, a uma possível beleza, do que de aclamá-la. Estava também impressionada por sua conversa, e lisonjeada por sua suposição de que ela estava tão familiarizada com as personalidades e os chistes do mundo social como ele mesmo. Se tivesse sido ele, e não Lindeth, como par no jantar, ela teria preferido, já que era bem mais elegante e porque não a aborrecia lhe falando de sua casa no campo, como fazia Lindeth com muita freqüência. De qualquer maneira ela desejava conquistá-lo, pois era um tormento que qualquer homem jovem, ainda que fosse feio como Humphrey Colebatch, se mostrasse indiferente ante seus encantos ou demonstrasse preferir a outra jovem. No caso de Laurence tinha outra razão para alentá-la: Lindeth, em quem ela tinha percebido, desde a aventura de Leeds, um verdadeiro distanciamento. Provavelmente ele não levava a concorrência de jovens tais como o senhor Ash, Jack Banningham ou Arthur Mickleby, mas não podia achar que permanecesse indiferente ante a concorrência de seu elegante primo. Tinha-se dado conta, quase de imediato, que ele não gostava Laurence: não porque tivesse pronunciado uma única palavra depreciativa, mas porque ao lhe perguntar sobre ele, tinha falado com alguma moderação, sem demonstrar o entusiasmo que qualquer menção a seu outro primo acordava nele.

Dado que Tiffany admirava tanto a Laurence, não duvidou em atribuir o desagrado de Lindeth ao ciúme; nem por um momento achou que Lindeth podia desprezar seu primo e, se alguém lhe tivesse dito, ter-lhe-ia parecido impossível.

Quando Lindeth visitou Staples para se inteirar de Charlotte, ela lhe disse, olhando-o provocativamente, que seu primo, ao saber que, apesar de ser uma boa amazona, não tinha encontrado a ninguém capaz de lhe ensinar o manejo das rédeas de uma parelha lhe tinha rogado que aceitasse seus serviços.

Ele a olhou sem compreender.

— O senhor Calver me ensinará a dirigir com toda perfeição — acrescentou Tiffany, com uma de seus sorrisos mais descarados.

— Laurence? — perguntou Lindeth com uma estranha expressão no rosto.

— Por que não? — replicou ela, arqueando as sobrancelhas.

Ele abriu a boca disposto a falar, mas se absteve de responder, e deu meia volta para recolher seu chapéu e suas luvas.

— Bem... — insistiu Tiffany, satisfeita com o sucesso de sua jogada —. Por favor, diga-me tem você algo que objetar?

— Não, não, certamente que não — disse ele rapidamente —. Como poderia ter? Só que... mas não tem importância.

Isto foi suficiente para que Tiffany achasse que tinha acordado o demônio do ciúme em seu peito.

Nunca soube que sua senhoria, a quem Laurence qualificava como um tagarela, aproveitou a primeira oportunidade que teve para contar a seu primo Waldo uma piada que era demasiadamente divertida para a calar.

— Não sei como pude me manter sério. Laurie conduzindo à perfeição! Céus, é para rebentar de rir!

Mas Tiffany, sem suspeitar que tinha dado a Lindeth a oportunidade de se rir a sua custa, estava mais que satisfeita. Seus habituais pretendentes, que tinham visto com tristeza, mas sem ressentimento, a ascensão de Lindeth, estavam agora terrivelmente zelosos de Laurence; e ela não via motivos para que não sucedesse o mesmo com ele. Durante vários dias sentiu-se embebida no sucesso, crendo-se irresistível, e reinando sobre sua corte de maneira cada vez mais caprichosa.

Da mesma forma que a senhora Mickleby, tinha descartado a ostensiva desculpa do “Incomparável”

para suas diárias visitas a Staples, e não tinha suspeitado, nem por um momento, que ele poderia preferir a sua dama de companhia ao invés dela, pelo qual estava convencida de que sir Waldo não podia viver sem ela. Isto lhe parecia tão óbvio, que não se deteve a considerar que o comportamento dele, quando vinha a Staples, não parecia muito do de um homem abobado por seus encantos. Não se preocupava em compreender, e se tivesse refletido sobre o tema teria suposto que para ele, bastava olhá-la para se sentir satisfeito.

Courtenay, desagradado por tantas pretensões, e indignado com seus amigos por sua forma de fazer tantas tolices, Disse-lhe que não era mais que uma vulgar cabeça de vento e profetizou que cedo teria uma tremenda decepção. E quando ela riu, disse que lord Lindeth não seria o único a se cansar dela; cedo teria outros aos que aconteceria o mesmo.

— Bah!

— Estás muito segura, não é verdade? — Mas parece-me que não vemos Lindeth com tanta freqüência por aqui como antes.

— Quando eu quiser, virá — se vangloriou Tiffany, sorrindo de uma maneira que ele se sentiu tentado a esbofeteá-la —. Só terei que levantar um dedo. Então verás!

Isto aborreceu tanto a Courtenay, que foi falar com sua mãe sobre a urgente necessidade de pôr limite ao coquetismo de Tiffany.

— Digo-te, mamãe, que é insuportável — declarou.

— Vamos, Courtenay, pelo bem de todos, não a irrites — rogou a senhora Underhill, alarmada. —

Reconheço que não desejaria que Charlotte fosse tão atrevida como ela, mas sempre foi muito impulsiva, e não é o mesmo se o fizesse com desconhecidos que não soubessem guardar as aparências. Se eu interviesse, não prestar-me-ia a menor atenção e tu sabes como se porta quando se zanga. Já temos bastantes problemas com a doença de Charlotte para que tenhamos que suportar os ataques de Tiffany.

Ele pediu ajuda a miss Trent, mas esta negou com a cabeça.

— Temo que o único remédio é que seus admiradores se cansem dela — disse sorrindo —. É muito cabeça dura, e tem sido mimada durante tanto tempo que será muito difícil a dominar agora. Que quer que faça? Que a encerre em seu quarto? Saltaria pela janela, e o mais provável seria que rompesse a cabeça. Compartilho da sua opinião de que seu comportamento é muito pouco correto, mas até o presente não fez nada escandaloso, e não acho que o faça, a não ser que a obriguem a isso.

— Não sei como Greg, Jack e Arthur podem ser tão imbecis—! Céus! É insuportável ver que são tão cretinos.

— Eu não preocupar-me-ia demasiado — assinalou Ancilla —. Entre eles está na moda adorar a Tiffany, e você já sabe que as modas não duram muito.

— Bem, só espero que sofra a decepção de sua vida — exclamou furioso —. E que me diz você do tal Calver? Ensinando-lhe a conduzir! Se não soubéssemos que é uma causa perdida...

— Certamente que o sabemos, mas, apesar de não me agradar que saiam sozinhos todos os dias, não acho que tente se aproveitar dela.

— É claro que não — interveio a senhora Underhill —. Pediu minha autorização, e disse que podia confiar que cuidaria muito bem dela. É um jovem muito cortês, e não sei por que não te agrada.

— Um jovem muito cortês! Estou quase seguro de que vai à caça de uma bom dote.

— Muito possivelmente — assentiu miss Trent sem comover-se —. Mas como ela é menor de idade, não temos por que nos preocupar. Se você crê que se unirá a um homem sem títulos, não a conhece bem.

Por uma casualidade do destino, no mesmo momento sir Waldo dizia a Laurence:

— Tentando pescar a herdeira?

— Não, se te referes à fedelha Wield.

— Precisamente. Suponho que te puseste na cola.

— Bem, não fiz tal coisa. É uma herdeira?

— Acho que sim. Ao menos é o que ela disse.

— É o tipo de coisas que ela diria — afirmou Laurie. Pensou por um momento e depois acrescentou: — Não desejo me casar. Não vai comigo. Não, a não ser que me visse obrigado a isso.

— Me aflige jogar por terra tuas esperanças, Laurie, mas acho que é meu dever advertir-te que tuas tentativas não prosperarão. Miss Wield está disposta a casar-se com alguém da nobreza.

— Exato! — exclamou Laurence —. Dei-me conta disso a primeira vista. É claro, quem ela quer conquistar é a Lindeth, e imagino que a para você isso não tem graça.

— Assim é — respondeu-lhe sir Waldo afavelmente.

— Não, e também minha tia não gostaria — insistiu Laurence —. O que é óbvio. Não culpá-la-ia por isso. Não há nenhuma razão para que cometa tal disparate. Também não está entre a espada e a parede.

— Não acho que tenha intenções de se casar.

— Sabia-o! Esse tonto simplesmente deixou-se enganar por sua linda carinha. Bem, não pretenderás me fazer achar que o jovem Julian não é teu preferido. Que não darias tudo para vê-lo sair bem deste aperto! Não é verdade?

Sir Waldo, que tinha sacado sua caixa de rapé, a abriu e tomou uma pitada. Olhou pensativamente a Laurence e um brilho de divertido entendimento apareceu em seus olhos:

— Céus! Voltaste a equivocar na jogada — disse.

Laurence olhou-o assombrado.

— Se tratas de enganar-me fazendo-me achar que Julian não vai atrás dessa jovem, és tu quem se enganou na jogada. Não dirás que ele...

— A única coisa que direi — interpôs sir Waldo — é que perdeste o carro. Oh! Não me olhes tão ofendido. Consola-te pensando que como não discuto os assuntos de Julian contigo, também não discuto os teus com ele.

Não disse mais nada, deixando Laurence intrigado e ofendido. Tinha suas próprias razões para achar que Julian tinha-se curado de sua paixão; e se Laurie, ocupado em perseguir a Tiffany, não tinha descoberto que seu jovem primo ia atrás de outra presa, melhor para todos, pois tinha uma profunda desconfiança nas tagarelices de Laurence. Se o interesse de Julian por miss Chartley era verdadeiro, nada podia indispor mais a sua mãe contra o casamento que receber a notícia de boca de Laurie.

Julian deveria ser o primeiro em informar a sua mãe, após o qual, refletiu sir Waldo, caberia a ele a tarefa de tranquilizar e reconfortar à viúva. Se desiludiria muitíssimo, mas não era uma tola e, seguramente, já duvidava de que seu amado filho recompensasse suas ambições, se casando com algumas das jovens de posição e fortuna que tinha posto em seu caminho. Mas também era uma mãe devota, e uma vez que se recuperasse da surpresa, sir Waldo achava que aceitaria de bom grau a gentil Patience. Uma mordaz descrição da bela miss Wield ajudaria muito em tal sentido.

Por sua vez achava que, após várias tentativas, Julian tinha encontrado a mulher adequada para convertê-la em sua esposa. Assim como Patience diferia de Tiffany, também diferia a corte de Julian da sua ardente paixão pela bela herdeira. A princípio tinha-lhe agradado; sua admiração tinha aumentado pelo episódio de Leeds, e agora, segundo o julgamento de sir Waldo, estava profundamente apaixonado. Pelas alusões à Patience que de vez em quando fazia seu primo, se tinha inteirado de que ela possuía todas as virtudes, uma mente alerta, e uma surpreendente disposição de aceitar as idéias de Julian e compartilhar seus sentimentos. Sir Waldo adivinhava que ele era um visitante freqüente da reitoria, mas não tinha nenhuma dessas cavalgadas, excursões campestres e noites que povoaram sua fugaz paixão por Tiffany.

Talvez era por esse motivo que Laurence não tinha percebido a mudança operada no coração de Julian. Sem dúvida, Laurie supunha que estava em companhia de seu primo mais velho cada vez que se ausentava de Broom Hall, e a inata cortesia de Lindeth que fazia que seguisse indo a Staples, lhe tinha levado a achar que ainda adorava a Tiffany.

Foi durante uma destas visitas matutinas que Julian se inteirou de que a festa ao ar livre que a senhora Underhill tinha organizado, cedendo à vontade de Tiffany, tinha sido postergada. Charlotte continuava sentindo-se mal e o doutor tinha recomendado uma mudança de ares e banhos de mar; em conseqüência, a senhora Underhill levá-la-ia a Bridlington, onde viviam retirados um primo seu e sua mulher. Explicou com tom de desculpa a Lindeth e a Arthur Mickleby, a quem Julian tinha encontrado percorrendo de acima a baixo o Salão Verde, que esperava que não se aborrecessem, mas que não se sentia com ânimo para dar uma festa se encontrando Charlotte doente. Os dois jovens expressaram seus condolências e disseram o que era comum nesses casos; e Arthur contou a senhora Underhill, dando-lhe ânimos, que uma vez tinha sido levado a Bridlington após ter estado doente e que se tinha recuperado muito rapidamente.

Enquanto estavam falando entrou Tiffany usando suas roupas de montar e escoltada por Laurence.

— Bridlington? Quem pensa ir a um lugar tão estúpido? — perguntou com ar desenvolto estendendo a mão a Lindeth: — Como está você? Faz muito tempo que não nos víamos. Oh, Arthur! Tem estado esperando-me? O senhor Calver tem estado ensinando-me como usar as rédeas. Pensa em ir a Bridlington? É o lugar mais monótono e horrível que se possa imaginar. Por que não vai a Scarborough?

— Não se trata de mim mas de Charlotte — explicou Arthur —. Estava contando à senhora Underhill o bem que me fez ir ali, quando convalescia de uma doença.

— Oh, Charlotte! Pobre Charlotte! Atrever-me-ia a dizer que é o lugar adequado para ela. Quando irá, madame?

— Bem, querida, acho que levá-la-ei nesta semana — respondeu a senhora Underhill nervosa —. Não há motivos para que esteja aqui se sentindo tão mal e abatida, e a prima Matty sempre me pede que a visite e leve a Charlotte comigo. Estava a apresentar minhas desculpas a sua senhoria e a Arthur, é claro, por ter que postergar a festa.

— Postergar minha festa! — exclamou Tiffany —. Oh, não! Não pode ser tão cruel, madame.

— Lamento-o tanto como tu, querida, mas não podes dar a festa sem que eu esteja presente. — Não seria correto.

— Mas você deve estar aqui, tia. Mande à babá com Charlotte, ou a Ancilla. Oh, por favor, faça-o!

— Não estaria tranquila, deixando à pobre querida sem mim, e não teria ânimo para nenhum tipo de festa. Mas não há necessidade de que te aborreças, querida, pois não penso em ficar mais de um par de semanas, desde que Charlotte se sinta bem e não lhe desagrade conviver com os primos George e Matty, coisa que não creio. Mas fez-me prometer-lhe que acompanhá-la-ia. De todos modos a teria acompanhado.

— Como pode ser tão egoísta? — gritou Tiffany com gesto depreciativo —. Quer que vá quando sabe que preciso da senhora aqui. Pode estar segura de que o faz por pura maldade, só para que fracasse a minha festa.

Arthur parecia um tanto assombrado, mas foi Lindeth o que interveio dizendo:

— É muito natural que ela deseje ir com sua mãe. Não pensa você assim?

— Não! — replicou Tiffany mal humorada —. Também poderia gostar de ir com Ancilla. Oh, já sei!

Ancilla será a anfitriã em seu lugar, tia. Que boa idéia! Passaremos muito bem.

Mas a senhora Underhill negou-se a aceitar tal proposição. Ao ver os sinais de tormenta nos olhos de Tiffany, tentou acalmá-la prometendo-lhe que a festa seria realizada quanto ela voltasse de Bridlington, mas isto só serviu para que Tiffany começasse a sapatear, gritando que odiava as postergações e que se assombrava de que sua tia fosse tão ingênua para se deixar enganar pelas tolices de Charlotte.

— Por minha parte, acho que poderia estar perfeitamente bem se quisesse. Está a dar-se ares de importância, acho que é muito odiosa, e penso dizer-lhe.

— Vamos — protestou Arthur surpreendido —. Enfurece-se por muito pouca coisa. Peço-lhe perdão, mas não deveria falar assim. E apesar de que eu ter-me-ia divertido, certamente — teria outras pessoas que não gostariam da idéia. Bom, por exemplo, a senhora Chartley não permitiria que Patience viesse, e acho que mamãe também não deixaria que minhas irmãs estivessem presentes, não numa festa à luz da lua!

— Aí tens, vês como tenho razão? — exclamou a senhora Underhill.

— O me importa se vêm ou não? — disse Tiffany com desprezo —. Se querem fazer-se de afetadas, isso é lá com elas. Asseguro-lhe que eu não sou assim.

Arthur enrijeceu, e levantou-se disposto a partir. A senhora Underhill, muito envergonhada, lhe apertou a mão afetuosamente e dirigiu-lhe um olhar muito significativo; mas Tiffany voltou-lhe as costas dizendo que era tão afetado como suas irmãs.

— Também eu devo partir — disse Lindeth —. Por favor, diga a Charlotte quanto lamento que não se encontre bem, e que tenha cuidado de que nenhum caranguejo lhe belisque os pés quando estiver se banhando no mar — Vens, Laurie?

— Oh!, não preciso que me esperes. Estava a pensar, miss Wield, que talvez poderíamos formar um grupo para ir dançar numa das festas de Harrogate. Você o permitirá, madame? Com miss Trent, é claro, ou com alguma senhora mais velha, se é que podemos convencer a alguma.

Os olhos de Tiffany brilharam de alegria, mas a senhora Underhill pareceu preocupada e disse, vacilante:

— Oh, céus! Não, não diga isso, senhor Calver, pois é a única coisa que o senhor Budford, que é o tio de Tiffany e seu tutor, você sabe, não deseja que ela o faça. É porque ainda não foi apresentada, e ele não deseja que assista a bailes públicos, pelo qual, certamente, não podemos culpá-lo.

— Não é ele, mas a tia Budford — disse Tiffany —. A maior besta que existe no mundo. Por que não posso ir a um baile em Harrogate? Irei, irei!

Lindeth saiu em silêncio, escutando estalar a tormenta a suas costas. Miss Trent descia nesse momento a escada e deteve-se olhando-o interrogativamente.

— Como está você? Diga-me. É pela festa?

Ele se pôs a rir, afirmando:

— Bom, sim. Unido à negativa da senhora Underhill de que assista a um baile público em Harrogate.

Miss Trent fechou os olhos por um instante em sinal de angústia e disse:

— Já vejo. Que bem faz você em partir! Oxalá pudesse fazer eu o mesmo! Irá se enfurecer durante dias.

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Capítulo XIV

 

 

Se Tiffany não enfureceu durante dias foi graças à miss Trent, que esperou até que ficaram sozinhas no salão para lhe expor umas verdades que a fizeram refletir. Disse, alegremente, que não estranhava que estivesse cansada de seus admiradores, mas que também achava que poderia ter elegido um método melhor para se livrar deles. Tiffany olhou-a com assombro.

— Nada, é claro, afugenta mais a um cavalheiro que uma série de explosões de raiva; mas você deveria saber que uma reputação de mau gênio é muito prejudicial a quem quer triunfar na vida. E se continuares a ser tão grosseira e pouco carinhosa com tua tia, não sei como podes ser tão inconsciente do que acontecerá contigo se assustares a todos os teus admiradores...

— Não sei. Não... po-po-poderia — gaguejou Tiffany.

— É mais fácil do que tu pensas — replicou Ancilla —. Tem presente que fizeste que lord Lindeth se distanciasse; e, a não ser eu esteja muito equivocada, não veremos Arthur Mickleby de visita em Staples durante algum tempo. Tua tia disse que falaste depreciativamente de suas irmãs. Que estúpido de tua parte, Tiffany, e quão inoportuno! Como pudeste fazer uma coisa assim?

— Não me importa! Só disse que eram afetadas e o são. Também não importa-me um tolo como Arthur. E não assustei a Lindeth. Ele está ciumento porque seu primo me ensina a conduzir. Só tenho que lhe sorrir para que... Como te atreves a me olhar desse modo? Digo-te que...

— Estás a gastar saliva inutilmente — interrompeu-a miss Trent —. Acho que sou bem mais esperta que você. E tu, o sabes. Não te ponhas furiosa comigo! Quando tua tia Budford me contratou para que fosse tua dama de companhia, me pediu muito especialmente que te ensinasse como se comportar em sociedade, e, se não te advertisse que tua conduta desagrada a muitas pessoas, não cumpriria com meu dever.

— Desagradadas! Comigo? Não é verdade! — balbuciou Tiffany, pálida de ira.

— Se deixasses de preocupar-te tanto de tua beleza e se permitisse a alguns instantes de reflexão, acho que dar-te-ias conta de que é verdade — respondeu miss Trent —. Antes que comeces a considerar que estás para além da crítica, tenta pelo menos não ter ataques diante de pessoas estranhas; mas, durante as últimas semanas, tens-te envolvido tanto em teus próprios caprichos, que achas que podes chegar até qualquer extremo e ainda conservar a admiração de todos. Bem, não poderias estar mais equivocada. Isto é tudo o que tenho que te dizer, e o fiz só porque minha consciência não deixar-me-ia tranquila, se não te advertisse que deves corrigir teus modos.

Depois destas palavras, miss Trent abriu um livro e, na aparência, se envolveu tanto na leitura, que pareceu não escutar nem uma única palavra da furiosa critica que lhe dirigiu a bela herdeira.

Finalmente, Tiffany abandonou o salão batendo com a porta e não a voltou a ver até que desceu para cear. Então já tinha se tranqüilizado, e falou com ternura a Charlotte e muito cortesmente a sua tia, até o ponto de que miss Trent achou que suas palavras tinham servido para algo, Tiffany adotou para ela uma atitude de frio desdém, que não tinha desaparecido na manhã seguinte, quando sua dama de companhia tentou distraí-la. Miss Trent, sem abater-se, deixou-a abandonada a seus próprios assuntos ou, como suspeitava, às atenções do senhor Calver, e aproveitou a oportunidade para ir visitar a senhora Chartley, com uma cópia da receita para curtir cogumelos. Charlotte estava de mal humor e não a quis acompanhar, pelo que partiu sozinha até a vila e, depois de entregar um pacote na pousada, para que o recolhesse o carteiro, conduziu a caleça até o estábulo da reitoria.

Encontrou a senhora Chartley no salão familiar, e recebeu um cordial acolhimento. A senhora Chartley agradeceu-lhe a receita, interessou-se pela saúde de Charlotte e, no momento em que Ancilla se dispunha a partir, lhe rogou que ficasse um momento mais.

— Fico feliz que tenha vindo, miss Trent — disse—, pois acho que poderá responder a uma pergunta que me preocupa em demasia. Talvez pense que é uma pergunta um pouco estranha, mas sei que posso confiar em sua discrição.

— Certamente que sim, madame.

A senhora Chartley vacilou um instante e depois falou: — Sim. E se não o fizesse... Miss Trent, encontro-me num dilema. Acho que terá se dado conta de que lord Lindeth dedica a cada dia mais atenções a Patience.

— Não o tinha percebido, madame. Tenho estado constantemente com Charlotte, como você sabe.

Mas não me surpreende. Lord Lindeth sentiu-se desde um princípio atraído por ela, e muitas vezes pensei que ele e a senhorita Chartley são feitos um para o outro. Espero que não lhe desagrade.

Tenho um grande respeito por lord Lindeth, pelo que conheço dele, e acho que pode merecer miss Chartley.

— Não. Não me desagrada, apesar de que reconheço que ao princípio tive minhas dúvidas. Pelo menos a meus olhos, parecia estar tão apaixonado de Tiffany... o que faz supor uma volubilidade que não me agrada.

— Eu diria melhor que se sentiu deslumbrado por ela, como tantos outros. Poderia ter-se apaixonado por Tiffany, se seu caráter tivesse estado de acordo com sua beleza, mas não é assim. Você acha que mudou de sentimentos de forma repentina, mas eu suponho que começou a desiludir-se logo depois de a conhecer. Teve ocasiões em... Mas não devo falar disso!

— Não deve ter escrúpulos em ser sincera; se sua conduta em Leeds serve de antecedente, posso compreender a desilusão de Lindeth. Mas essa mudança súbita de Tiffany para Patience é o que me inquieta. O pastor, ao contrário, dá-lhe muito pouca importância. Na verdade, acha que é perfeitamente natural que um homem jovem, que está maduro para o amor, como diz ele, deve mudar o objeto de seus afetos quando descobre que seu coração se equivocou. Pelo menos a mim isto me parece muito estranho, mas me dou perfeita conta, é claro, de que os homens são estranhos, até os melhores!

— E miss Chartley, madame? — perguntou Ancilla sorrindo.

— Temo que esteja profundamente apaixonada — replicou a senhora Chartley, com um suspiro. — Como você sabe, ela não é volúvel e se ele voltasse a descobrir que seu coração se equivocou...

— Perdoe-me — interrompeu Ancilla —. Acho que considera Lindeth como um volúvel. Mas eu tenho estado muito tempo em sua companhia e tive a oportunidade de viver sua paixonite. Como já disse, podia se ter convertido em verdadeiro amor, mas não foi assim. E asseguro-lhe, madame, que teria sido incrível se um homem jovem como ele, que ainda está livre de compromissos, não tivesse sucumbido ante a beleza de Tiffany e o alento que recebeu de sua parte.

O rosto da senhora Chartley animou-se um tanto enquanto dizia:

— O mesmo diz o pastor. Reconheço que agora não se trata de uma paixonite. Não preciso que lhe diga que nunca os deixo sozinhos, mas ainda que permitisse à minha filha as licenças que tem Tiffany, estou convencida de que Lindeth não flertaria com ela. Na verdade, estou muito surpreendida com ele. Sob a alegria, que tanto encanto dá a suas maneiras, há uma grande seriedade. Demonstra ter muito bom julgamento quando fala a respeito de temas importantes, e seu caráter é muito agradável.

— Mas apesar disso, você não deseja o compromisso, não é verdade? — perguntou Ancilla um tanto intrigada.

— Querida, seria a mulher mais estranha do mundo se desprezasse tão vantajoso enlace para minha filha. Se ele é sincero, nada agradar-me-ia mais que a ver tão bem situada. Mas, apesar de ser iguais em nascimento, não o são em importância. Nem Patience é uma herdeira. Terá uma dote de quase quatro mil libras, que é uma boa soma, mas que deve representar muito pouca coisa para a família de Lindeth. Pelo que disse, de como sua aversão às festas aristocráticas é o desespero de sua mãe, sempre caçoando é claro, suspeito que sua família deseja que contraia um casamento brilhante e se oporá, com toda energia, a seu casamento com a filha de um pastor rural. — Fez uma pausa; mudou de lugar um livro que estava sobre uma mesa a seu lado e acrescentou: — Achava que sir Waldo era seu guardião, mas não é assim. Ao mesmo tempo, não há dúvidas de que, na prática, quase o é; como também a sua influência sobre Lindeth é muito forte. Por isso, minha querida miss Trent, estava tão ansiosa de falar com você. Se há alguma possibilidade de que sir Waldo intervenha para evitar o casamento, ou ainda que somente lhe desagrade, não permitirei, de jeito nenhum, que Lindeth nos siga visitando como até agora. Nem o pastor nem eu aceitaríamos o enlace sem a aprovação de sua família. Estou convencida de que você compreenderá por que me encontro num dilema, e por que desejei que fosse minha confidente. Diga-me! Qual é a opinião sobre sir Waldo?

Miss Trent notou que suas faces coravam, mas respondeu com voz tranquila:

— Agradeço-lhe muito suas confidencias, madame, mas sir Waldo não fez o mesmo. Desejaria poder ajudá-la, mas não o poderei fazer.

A senhora Chartley olhou-a com ligeiro cepticismo.

— Se é assim, não há nada mais que dizer. Atrevi-me a formular-lhe a pergunta por que sei que você lhe conhece mais que qualquer um da vizinhança.

Por uns momentos fez-se o silêncio. Depois miss Trent tomou alento e disse:

— Tenho estado muito tempo em sua companhia, madame, mas não estou em termos de intimidade com ele, como parece você sugerir. — Conseguiu sorrir, acrescentando: — Meus pecados denunciaram-me! Convenci a mim mesma para aceitar o convite de lady Colebatch e cometi a imprudência de dançar duas valsas com sir Waldo. E fizeram que o lamente! Acho que o prazer de dançar, após tanto tempo, subiu-me à cabeça.

O rosto da senhora Chartley demonstrou entendimento. Inclinou-se e sujeitou, por um momento, as mãos de Ancilla.

— Não me estranha! Compreendo-o perfeitamente. Mas... querida, permite-me que lhe fale com franqueza — É você uma mulher jovem, apesar de seus modos tão recatados. E não tem a sua mamãe perto para lhe aconselhar não é verdade? Tenho a você muito carinho, e deverá me perdoar se pareço que me intrometo em seus assuntos. Tenho estado um pouco preocupada por você, pois temia que alentasse esperanças que é muito difícil que se cumpram. Não ache que a culpo por isso!

As atenções de sir Waldo foram constantes: todos sabem que não passou num dia, desde que Charlotte caiu doente, sem que ele fora a Staples para ver você.

— Para inteirar-se por sua melhora! Para levar-lhe alguma coisa que a divertisse! — exclamou Ancilla, com um nó na garganta.

— Minha querida! — protestou a senhora Chartley, com uma risadinha.

— Madame, só o vi numa ocasião, e em presença de outras pessoas.

— Se você o diz... creio-a, mas será tarefa difícil convencer a outros.

— Dei-me conta disso, madame — disse Ancilla com amargura —. Supõem que estou tentando conquistá-lo, não é assim?

— Não temos por que nos preocupar pelas expressões rancorosas. Eu não acredito em tal coisa. O que me tem inquieta é como persegue você. Se tivesse sido outro homem e não sir Waldo, compreenderia que a estivesse cortejando, e teria desejado que chegasse o dia em que poderia a felicitar, pois você não pode ocultar que não lhe é indiferente. E não me surpreendo disso; acho que há muito poucas mulheres que possam lhe resistir. Até eu, e bem sabe você que não se fixou em mim, sou muito consciente de seus encantos. Acho que é perigosamente atraente e não duvido de que muitas mulheres se apaixonaram dele.

— A senhora Mickleby o disse a você, madame?

— Tendo em conta a autoridade de sua primo em Londres. Já sei que deveria me arrepender de crer em simples fofocas, mas foram confirmadas, até certo ponto, por Lindeth, ainda que sem o menor propósito de falar mal de seu primo. Muito ao contrário! Com freqüência fala de sir Waldo, e sempre o faz com admiração, até atrever-me-ia a dizer que com orgulho. E deve ter em conta, miss Trent, que sir Waldo pertence a um grupo que é considerado como da máxima distinção. De fato é o mais destacado do grupo. Você sabe melhor que eu que as maneiras, e muitas vezes a conduta, de quem são denominados vulgarmente a flor e nata não se regem pelos princípios usuais dos círculos mais modestos.

— Está tratando de me advertir, madame, de que sir Waldo é um libertino? — perguntou Ancilla abertamente.

— Oh, santo Deus, não! — exclamou a senhora Chartley —. Não deve crer..., querida, rogo-lhe que não creia em tal coisa. Não há dúvida de que ele teve... digamos, suas aventuras, mas não pense você que eu suspeito que tenta...

— Oferecer-me uma proposta? Acho que essa é a expressão correta, não é verdade? Prometo a você que não aceitá-lo-ia.

As palavras de Ancilla transtornaram ainda mais a senhora Chartley, que replicou:

— Não, não! Não acho que tente prejudicá-la de jeito nenhum. O que temo é que lhe faça dano sem querer, ao não se dar conta de que você pode se apaixonar profundamente por ele. Está acostumado a companhia das mais distintas damas que seguem as regras do flerte de uma maneira, que, devo reconhecer, você não conhece. Muito possivelmente confundiu-a a com um de seus devaneios londrinos, por essa pose de adulta que você adota, própria de mulheres de mais idade. Estou convencida de que não jogaria com os sentimentos de uma rapariga sem experiência.

— Não o tem em muita estima, não é verdade, madame? — perguntou Ancilla, com um amargo sorriso.

— Oh! Está equivocada. Em alguns aspectos, tenho-o em muito alta estima — replicou rapidamente a senhora Chartley —. Tenho todas as razões... — Calou-se ruborizando-se para depois acrescentar: — Tudo o que quis dizer, querida, é que deve se mostrar precavida. Não confie muito em seus galanteios e lembre-se que é um homem de trinta e cinco ou trinta e seis anos, rico, perseguido por muitas mulheres — e ainda solteiro.

Miss Trent começou a pôr-se suas luvas.

— Tenho-o presente — disse baixinho —. Estou-lhe muito agradecida, madame, por suas advertências, mas deve me acreditar se lhe digo que não foram necessárias. Não me disse nada que não tenha dito para mim mesma. Agora devo ir. Lamento não lhe ter podido ajudar em seu dilema. Mas não acho que sir Waldo se interponha no caminho da felicidade de Lindeth.

— Muito obrigado, espero que esteja certa. Veio de caleça? Acompanhá-la-ei até o estábulo. Na verdade, que aconteceu com a proposta do senhor Calver para ir a uma festa em Harrogate? Imagino seu desespero. Inteiramo-nos por Lindeth, e pelas coisas que ele não disse, suponho que Tiffany se... decepcionou muito com a negativa de sua tia.

— Não se decepcionou. Enfureceu-se! — disse Ancilla rindo —. Lord Lindeth fugiu quanto viu que ia estalar a tormenta. Acho que não voltaremos a ouvir nada mais a respeito disso.

— Deve você estar agradecida! Uma sugestão muito escandalosa, na verdade. Atrever-me-ia a dizer que estará satisfeita de não voltar a ver mais a esse jovem.

— Bom, devo reconhecer que não me agrada o senhor Calver, mas seria injusta se não lhe dissesse que, quanto percebeu que a senhora Underhill se desagradava com a idéia, a abandonou em seguida. Ademais, sinto-me melhor disposta com ele desde o momento em que me confessou que tinha falado sem refletir, só com o propósito de distrair Tiffany, e que sinceramente o lamentava.

Assegurou-me que podia ter inventado cem razões diferentes, se precisasse, para que Tiffany desistisse do plano.

Tinham chegado já ao estábulo e se separaram depois de uma amável troca de palavras. A senhora Chartley aguardou que Ancilla subisse à caleça e depois voltou para a casa, caminhando pelo caminho do jardim. Ancilla conduziu o carro através do portão do estábulo e saiu à rua principal da vila. Antes que o cavalo começasse a trotar, um cabriolé, puxado por quatro cavalos, apareceu numa curva do caminho. A caleça estava ainda à vista da reitoria e miss Trent viu com angústia que sir Waldo freava seus cavalos, com a evidente intenção de se pôr ao lado da caleça. Não havia outra coisa por fazer que esperar, pois se punha seu cavalo ao trote, teria sido tão descortês que sir Waldo teria achado que ela estava tentando evitar o encontro.

Num instante, o cabriolé tinha-se posto junto à caleça, tão perto, que se ela não tivesse sabido quão experiente era o cocheiro, teria tido medo de que as rodas se enganchassem; o criado saltou a terra correndo para guiar a quadrilha, enquanto sir Waldo tirava o chapéu e dizia-lhe sorrindo:

— Como está você, madame? Devo ter nascido com boa fortuna. Um momento mais e não ter-nos-

íamos encontrado. Acho que me considerei bastante desafortunado durante o último par de semanas, sabe você...

— Como a pobre Charlotte — replicou ela com toda a tranquilidade que pôde —. Vai você a caminho de Leeds?

— Assim é. Você tem alguma encomenda que eu possa...

— Não, muito obrigado. Não devo lhe reter.

— Tenho a impressão de que sou eu quem a retém.

— Bom, na verdade está muito tarde — disse Ancilla sorrindo —. Fiquei com a senhora Chartley mais tempo do que tinha previsto. E você, suponho, terá muitos assuntos que atender em Leeds.

— Não muitos. Sinto-me feliz ao dizer que estou a ponto de concluir minha tarefa.

— Deve estar você muito cansado — assentiu ela —. Terminaram os pedreiros o seu trabalho?

— Ainda não. Dispus que façam... uns reparos bastante importantes.

— Não precisa que me diga, sir Waldo. Seus reparos foram tema de grande interesse em toda a comunidade, lhe asseguro.

— Assim me tinham dito. Deram rédeas solta à especulação, não é verdade? Achava que a ninguém importava o que eu fizesse com a casa, quando esta está no campo. Bem, o pior, mas algumas vezes o melhor, da vida campestre é o profundo interesse que se cria entre vizinhos.

— Muito verdadeiro. E você é, me permita recordar, um vizinho muito interessante. Ademais você incitou à curiosidade ao não revelar se pensava vender Broom Hall ou mantê-la como residência quando se disputam as carreiras de York. Esta reserva, senhor, indica que há algum mistério vinculado a seus reparos, que você teme que se descubra.

Ancilla tinha falado em tom jocoso e surpreendeu-se ao ver que o “Incomparável”, apesar de sorrir, parecia um pouco contrariado.

— Acho que é verdade — admitiu ele —. Minha intenção será revelada, mas prefiro que seja um segredo enquanto eu esteja pelos arredores.

— Só estava caçoando. Não tentava me meter em seus assuntos — disse Ancilla.

— Dou-me perfeita conta disso. Mas tenho intenção de falar com você, com toda clareza, sobre esse tema. Acho que merecerá a desaprovação da maioria de meus vizinhos, mas espero que sua voz não faça parte do coro de protestos. Tem você um caráter muito aberto. Espero ter a honra de visitá-la num futuro muito próximo, tal como lhe avisei já faz séculos.

Não podia achar que estas fossem as palavras de um homem que só pensasse num simples namoro, mas considerou que era obrigada a objetar.

— Estarei muito contente de que assim seja, mas... não acho que... Sir Waldo, a senhora Underhill deve viajar com Charlotte a Bridlington, e estará fora por uma quinzena ou mais.

Ele fez um sinal ao criado, e replicou com um deslumbrante sorriso, enquanto punha ao trote aos cavalos:

— Sei-o. Finalmente poderei vê-la sozinho, miss Trent.


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Capítulo XV

 


Miss Trent viajou para Staples como num sonho, sem lhe importar se seu encontro com o “Incomparável” tinha sido observado ou não pela senhora Chartley; e disposta a descartar as advertências da dama com o coração tranquilo. Agora estava segura de que ela tinha julgado equivocadamente a sir Waldo. Também ela o tinha feito: possivelmente tinham os mesmos preconceitos contra o grupo dos coríntios, e tinham-se equivocado ao julgar-lhe. Nem ela nem a senhora Chartley eram românticas por natureza; pelo menos ela tinha aprendido muito cedo a não se entregar a sonhos fantásticos mais próprios ao país das fadas. Nada podia ser mais fantástico que supor que o “Incomparável” era o belo príncipe dos contos, que se tinha apaixonado pela Cinderela, e talvez por isso não as podia culpar por suas dúvidas. Por pouca experiência que tivesse do flerte, miss Trent já não podia duvidar: só podia especular. Por mais que desse voltas não podia descobrir a razão pela qual ele a tinha elegido a ela ao invés de a tantas damas formosas e distintas, ansiosas de receber uma proposta do “Incomparável”. Parecia tão pouco provável como real. Ainda tratou de encontrar outro significado nas palavras que lhe tinha dirigido, não podia deixar de pensar que não tinha nada mais incrível que ela se tivesse apaixonado de alguém que personificava todas as coisas que desprezava. Porém não tinha nenhuma dúvida de que assim era.

Chegou a Staples emocionada e até a senhora Underhill, que era tão pouco observadora, se deu conta do rubor que coloria as suas faces e o brilho que fulgurava em seus olhos. Nunca a tinha visto tão bela, afirmou.

— Não me diga que ele já lhe fez a pergunta — exclamou.

— Não, não, madame — replicou Ancilla ruborizando-se mais ainda enquanto ria.

— Bom, se não a fez ainda, esteja segura de que o fará. Por que, se não, estaria você nas nuvens?

— perguntou a senhora Underhill.

— Estou nas nuvens? Não o sabia. Querida senhora Underhill, por favor — não me faça você perguntas que não posso contestar.

A senhora Underhill, bondosamente, absteve-se de seguir falando, mas molestou-se pela perversidade do destino, que tinha disposto que ela tivesse que deixar Staples quando mais desejava ficar.

— Porque os cavalheiros são inexplicáveis — disse — e talvez ele precisa um empurrão, e isso eu podê-lo-ia ter feito.

Miss Trent deu graças a Deus porque sua patroa não estivesse disponível para fazer tal ação, mas reconheceu a boa intenção que inspirava suas palavras e lhe agradeceu com toda sinceridade. Mas Disse-lhe que preferiria não receber uma proposição de um cavalheiro que precisava que lhe empurrassem.

— Sim, isso estará muito bem — replicou a senhora Underhill — e é muito fácil de dizer, porque tudo o que você tem que fazer é dizer sim ou não, segundo o caso. Mas não há razões pelas quais não se possa supor que um cavalheiro, que está disposto a se declarar, e que muito possivelmente não dormiu toda a noite preparando um bonito discurso e o aprendendo de cor, não precise um pouco de estímulo, já que é muito possível que tema fazer ridículo; coisa, querida, que os cavalheiros não podem suportar.

Miss Trent não podia se imaginar ao “Incomparável” sucumbido pela vergonha, mas guardou a reflexão. Não tinha intenção de prolongar uma conversa que considerava pouco apropriada e, depois de murmurar sua assentimento, fez que a senhora Underhill mudasse de assunto, lhe apresentando uma lista com todos os assuntos que esta devia resolver antes de sua partida. Felizmente, a lista era longa e incluía problemas de grande complexidade, entre os quais destacava o das novas cortinas de inverno para o salão de visita. Estas estavam sendo confeccionadas por uma viúva pobre que vivia num povoado distante várias milhas de Staples; um arranjo que, em parte pela demora da viúva, e em parte pela estupidez dos empregados da loja, que tinham mandado uma tela para os forro que não fazia jogo com o opulento brocado eleito pela senhora Underhill, tinha sido motivo de vários enfados.

— Se não é uma coisa é outra — declarou a senhora Underhill. — Prometeram enviar outra peça nesta semana. Fizeram-no? Diga-me você!

— Não, madame — disse a senhorita Trent obedientemente —. Enviaram uma carta muito cortês explicando por que teria uma pequena demora. Talvez deseje que lhes conteste, solicitando que enviem a nova peça à senhora Tawton, assim ela pode decidir...

— Não o desejo! — interrompeu a senhora Underhill —. Ela decidir? Não saberia distinguir o preto do branco, pois nunca vi criatura mais tonta. E tão lenta que... Bom, está bem. Sabia que isto sucederia desde que aceitei a petição da senhora Chartley para que lhe desse algum trabalho; pois, até o presente, não fiz uma encomenda, por caridade, que não me tenha custado mais caro, e resultado pior, que se a tivesse encomendada em Londres. Estava tentada a dar-lhe o dinheiro, e tê-lo-ia feito se a senhora Chartley não se tivesse oposto por temor ofender o orgulho dessa tola. Que é outra coisa que não compreendo. Nunca, querida, de você trabalho a alguém que tenha necessidades, porque nove de cada dez vezes não entregará a tempo, e se o entrega dentro do prazo, estará mau feito. E o mais provável, se você lhe disser, é que se ofenda.

— Não fá-lo-ei — replicou miss Trent —. Se você tem confiança em meu gosto, levarei a seda à senhora Tawton e a compararei com o brocado. Isso, se a peça for enviada antes que você regresse.

Ou prefere que espere para a poder levar você mesma?

— Não penso fazer tal coisa — disse a senhora Underhill —. Quero as cortinas para este inverno, não para o seguinte. Apesar de que não gosto que de você leve meus recados, pois com razão poderia se aborrecer.

— Não tenho tanto melindre, madame. Bom, já está resolvido. Agora fica a fruta que...

— Céus, tinha-me esquecido do velho Matthew! — exclamou a senhora Underhill —. Bom, não me estranha que me passasse por alto com todas as confusões e preocupações por Charlotte, fazer as malas e coisa do mesmo estilo. Está na cama com seu reumatismo, e é preciso que lhe levem uma garrafa de linimento e um pedaço de flanela. Tenho que encontrar tempo para fazê-lo, pois é um asilo e o senhor Underhill tinha muito cuidado em não descuidar a nenhum dos moradores.

— Agradar-me-ia dar um passeio, e os levarei manhã pela manhã, logo que você e Charlotte estejam acomodadas no carro, prontas para partir — prometeu Ancilla.

Como a senhora Underhill só muito de vez em quando tinha passado uma noite fora de Staples, estava a cada vez mais agitada, e não foi tarefa fácil conseguir que estivesse pronta para sair, pois teve que desfazer rapidamente vários dos numerosos baús e malas, para saber se alguns objetos imprescindíveis estavam em seu interior, como dizia a criada da senhora Underhill, ou bem tinham sido esquecidos, como temia sua ama. Finalmente, depois de uma saída em falso, pois Charlotte tinha-se dado conta de que se tinha esquecido do tabuleiro de xadrez de viagem, as viajantes se foram, deixando para trás a criada, quase exausta.

— Uff! — exclamou Courtenay, enquanto guardava o lenço que tinha estado agitando —. Qualquer poderia achar que vão ao outro lado do planeta. — Voltou-se para seu prima que ria a gargalhadas, e lhe disse com todos os ares de um cavalheiro virtuoso, que assumia as responsabilidades de sua mãe ausente: — Cavalgarei até Crawshays e, se desejá-lo, podes acompanhar-me. Só que não me faças esperar inutilmente enquanto mudas de roupa.

Por não ter outro compromisso, e ante o temor de que miss Trent a levasse com ela para visitar ao idoso Matthew, Tiffany aceitou o convite, e correu ao interior da casa para pôr sua roupa de montar.

Relevada de sua responsabilidade, pelo menos durante essa manhã, miss Trent saiu com sua cesta debaixo do braço, desfrutando do passeio, após tantos dias a cuidar de Charlotte, e feliz de estar sozinha com seus pensamentos.

Quando regressava a Staples encontrou lord Lindeth, que ia conduzindo a caleça do finado senhor Calver. Deteve-se a seu lado, olhando-a com semblante divertido, enquanto dizia:

— Bom dia, madame. Perdeu um magnífico espetáculo. Suba e levá-la-ei até sua casa.

— Muito obrigado, mas prefiro andar. Que espetáculo perdi?

— Direi, mas deve me permitir que a leve. Creio que choverá e não você leva guarda-chuva.

— Muito bem — respondeu ela, estendendo a mão para que lhe ajudasse a subir à caleça —. Ainda que parece-me que as nuvens estão demasiado altas para que chova. Deixe de me manter nesta incerteza! O que perdi?

— Arthur Mickleby tentando manejar o chicote acima de sua cabeça! — exclamou Julian, rindo ainda —. Eu também o tentei, mas se você o tivesse visto — Não teve idéia melhor do que praticar o truque meia milha atrás, nesta estrada, em um lugar onde há várias árvores cujos ramos cobrem o caminho! Céus, que novato!

— Oh, não! Enganchou o chicote nos ramos? — disse Ancilla começando a rir.

— Pode acreditar — No momento em que o encontrei, estava furioso, amaldiçoando à árvore, ao chicote e a seu cavalo tordilho. Não podia deixar de rir ainda que me custasse a vida. A cada vez que sujeitava o cabo, e tratava de livrar a correia, o tordilho se assustava e saltava para adiante, com o qual Mickleby tinha que soltar o chicote e tratar de tranquilizar ao animal. Foi então quando o chicote em seu balanço lhe arrancou o chapéu da cabeça.

Miss Trent, desfrutando do relato, exclamou:

— Pensar o que o perdi! Conseguiu recuperar o chicote?

— Oh, céus, não! Ainda pende da árvore, mas pode apostar que não estará ali por muito tempo.

Mickleby foi em casa, suponho para procurar uma escada, antes que alguém mais veja o chicote e comece a fazer perguntas. Estava disposto a matar-me, mas não foi culpa minha.

— Pobre Arthur! Suponho que você tenha se mostrado perfeitamente odioso.

— Em absoluto. Inclusive recolhi seu chapéu. Além disso a culpa é de Waldo: Mickleby deve ter visto que ele o faz. Direi a Waldo que se ficar mais tempo aqui, o endeusarão tanto que não terá quem possa lhe suportar. Mickleby e os demais imitam qualquer coisa que ele faça. Se desse-lhe na cabeça usar a jaqueta ao contrário, fariam o mesmo.

— Sim, acho que fariam — assentiu ela —. Ainda bem que ele não faz nada extravagante. Certamente exerceu uma influência benéfica sobre suas devotos admiradores, e, em conseqüência, conseguiu ganhar a popularidade entre seus pais.

— Sei que o fez — disse Julian sorrindo —. Tem boa mão para isso. Mas não será assim quando se inteirem de que só quer Broom Hall para seus infelizes rapazes.

— Infelizes rapazes? — repetiu miss Trent com um tom de estranheza.

— Bom, assim é como lhes chama meu primo George — comentou sua senhoria rindo —. Não quer saber nada deles. É muito boa pessoa, mas um pouco afetado. George sempre está de acordo com os convencionalismos. Disse a Waldo que alojar os rapazes numa comunidade respeitável é levar sua excentricidade demasiado longe. Devo dizer que eu também não atrever-me-ia. Bem, até o pastor se surpreendeu um tanto quando ele lhe disse, e acho que está preocupado pelo que dirão pessoas como a senhora Mickleby, quando se inteirarem de que ele já o sabia. — De repente Julian deu-se conta de que miss Trent estava muito calada; interrompeu sua alegre conversa para olhá-la, descobrindo que ela estava atônita. Com intranqüilidade agregou: — Waldo contou-lhe de seus meninos, não é verdade, madame?

— Não. Não os mencionou — contestou ela friamente enquanto apartava seu olhar.

— Oh, céus! — exclamou Lindeth com voz desmaiada —. Achava que... Agora sim que fiz boa. Por favor, madame, não conte a ele. Não quero receber um descompostura.

Ele tinha falado meio de brincadeira, e ela forçou um sorriso em seus lábios e replicou:

— Pode estar tranquilo, senhor. Não direi nem uma palavra a respeito disso.

— Advertiu-me que não desejava que se falasse disso — disse Lindeth com remorso —. Ele nunca o faz, você sabe, exceto é claro... Mas não direi nem uma palavra mais. — Uma dúvida alarmante assaltou-lhe e acrescentou com apreensão: — Não está você escandalizada, não é verdade, madame? Quero dizer que sei que todas essas velhas ficarão furiosas por ter moleques dessa classe metidos em Broom Hall, mas você não os desprezará por não serem como devem. Após tudo, a maioria dos homens se importa muito pouco com o que sucede com os pobres diabos, e muito menos que se gaste uma fortuna em alojá-los, alimentá-los e os educá-los. Podia você dizer que tem tanto dinheiro que não significa nada para ele, mas...

Miss Trent, sentindo-se à beira da histeria, interrompeu-o: — Meu querido lord Lindeth, asseguro-lhe que não preciso que diga nada mais. Pergunto-me se você e sir Waldo deixarão Yorkshire em pouco tempo.

Ele duvidou um momento dantes de contestar:

— Sim, quero dizer, não estou seguro. Devo ir a minha casa, é claro, mas — espero regressar a Yorkshire tão cedo como... bom, cedo.

— No próximo mês, para as carreiras de York — assentiu ela —. Atrevo-me a pensar que você assiste a elas com regularidade. Ao contrário, será a primeira vez que eu irei. A senhora Underhill tem a intenção de convidar um grupo de amigos com o objetivo de ir a tal acontecimento.

Lindeth aceitou a mudança de tema, agradecido, e durante o resto da curta viagem conversou sobre temas sem importância. Ele tinha passado a entrada de Staples, mas miss Trent não lhe permitiu, lhe rogando que a deixasse na entrada, pois assim poderia desfrutar do passeio até a casa. O domínio sobre sua voz e expressão era tal, que Julian se convenceu de que sua indiscrição não tinham surtido efeito, e partiu com uma alegre saudação.

Miss Trent caminhou pela avenida, mantendo-se sobre o pavimento quase por instinto. Seus olhos não se fixavam em nada, e a cesta vazia lhe pesava no braço. Seus pensamentos eram caóticos; antes que pudesse os ordenar, precisaria um tempo de paz e tranquilidade, para se recuperar da comoção sofrida pelas azaradas revelações de Lindeth.

Misericordiosamente isto lhe foi concedido. Quando entrou na casa, reinava o silêncio. Tiffany e Courtenay não tinham regressado de seu passeio a cavalo e os criados, finalizada a limpeza, estavam em seus aposentos. Ninguém observou seu regresso e ninguém a molestou quando procurou refúgio em seu dormitório. Desatou as fitas de seu chapéu e, mecanicamente, as arrumou, antes de colocá-lo no estante do guarda-roupa. Ao voltar-se, deu-se conta de que tremia e se sentou, apoiando os cotovelos sobre a mesa do tocador, enquanto apertava a cabeça com as mãos. Não tinha imaginado que a comoção podia lhe afetar de tal maneira, o que lhe fazia recordar as febres sofridas anos atrás.

Passou muito tempo antes que pudesse considerar, mais que recordar. Poderia ser inútil rememorar todo o que o “Incomparável” lhe tinha dito, tudo o que ele tinha feito, mas não podia evitá-lo. Muitas de suas palavras tomavam agora um novo sentido. Tinha que fazer certa proposição e o desejo de pôr em claro o assunto; ele tinha sabido que incorreria no desagrado de seu vizinhos, mas se imaginava que ela não uniria sua voz ao coro de desaprovação, porque ela tinha uma mente muito liberal. Perguntou-se, em seu desespero, que poderia ter dito ou feito para imbuir nele, e também em Lindeth, uma imagem tão falsa de seu caráter.

O primeiro impulso tinha sido o de recusar como incrível a descoberta de que sir Waldo era um empedernido libertino; e ainda depois, quando estava mais tranquila e podia pensar mais claramente, persistia em sua mente a convicção de que não podia ser verdade. Se qualquer outro que não fosse Lindeth lhe tivesse dito que sir Waldo era pai de meninos sem nome, nem sequer lhe teria prestado atenção. Mas Lindeth nunca difamaria a seu primo, e o que ele lhe tinha dito não podia ser descartado desdenhosamente. Ela se tinha surpreendido de que ele falasse tão

despreocupadamente do tema, sendo como era um jovem de princípios. Então recordou o que a senhora Chartley lhe tinha dito, e disse que sua advertência respaldava as palavras de Lindeth. Era terrível saber que uma mulher tão estrita e correta pudesse perdoar o que ela chamava "aventuras".

Ela sabia a verdade, mas era evidente que não julgava tão severamente a sir Waldo. Tinha proferido sua advertência, não para evitar um casamento, mas ante o temor de que tal oferta não se concretizaria. Podia, como a senhora Mickleby, escandalizar-se pela presença dos bastardos de sir Waldo na vizinhança, mas não considerá-los-ia um obstáculo para seu casamento com uma jovem que era muito diferente das rameiras com as quais ele tinha desfrutado suas aventuras. Esta atitude tinha-lhe parecido a Ancilla tão incrível como todo o demais, se tivesse vindo a Staples direto de seu lar, onde a frouxidão dos costumes era abominável; mas Ancilla tinha passado uns tempos em Londres, e tinha-se inteirado de que, nos círculos distintos, a promiscuidade era considerada como uma diversão e não como um horror. As pessoas mais distintas falavam abertamente das histórias de alcova, e era surpreendente inteirar-se de que muitas damas de alta linhagem tinham sobrecarregavam a seus maridos com os filhos de outros homens. Se era-se discreto, nesse mundo exclusivo podia-se ter tantos amantes como se desejasse e seguir mantendo a respeitabilidade. O único crime imperdoável era provocar um escândalo. E quanto aos cavalheiros, poucas pessoas pensavam mau deles por suas libertinagens. Até lady Trent, tão virtuosa como a senhora Chartley, podia olhar, criticamente mas sem desgosto, a alguma vestal de Drury Lane, bem conhecida por ser a última amante de um cavalheiro a quem receberia em sua casa, com grande cordialidade, essa mesma tarde.

Mas miss Trent não tinha sido criada nessa moral flexível. Sentia-se tão desgostosa ante um libertino como em frente a uma prostituta, e assim como nunca se teria convertido em amante de um dissoluto, também não converter-se-ia em sua esposa.


-

Capítulo XVI

 

 

Miss Trent tinha conseguido recuperar parte de sua compostura quando Tiffany regressou a Staples.

Tinha uma expressão de dor em seu olhar, mas Tiffany, ocupada em seus próprios assuntos, não o percebeu. Estava de muito bom humor, pois no caminho de regresso tinha encontrado lady Colebatch e a Lizzie, que iam à vila num desmantelado landau.

— E lady Colebatch convidou a Courtenay e a mim para cear esta noite em Colby Place. Não é uma festa. Unicamente irão as senhoritas Mickleby e Arthur e Jack Banningham. Assim acho que posso ir, Ancilla não é verdade? Disse que lhe agradaria muito te ver, se quisesses ir conosco. Mas atrever-me-ia a dizer que não te agradaria, pois tudo o que faremos será nos distrair com alguns jogos e não terá estranhos presentes, assim não pode ter objeção alguma para que vá sem ti. Ou talvez possa a ter...

— Não, nenhuma, se Courtenay vai contigo.

— Querida Ancilla — disse Tiffany abraçando-a —. Acompanhar-nos-ás? Não precisa que o faças, já o sabes.

— Então não irei — replicou Ancilla, sorrindo com relutância.

Courtenay, que tinha entrado no salão atrás de Tiffany, ao escutá-la começou a protestar. Miss Trent protestou uma dor de cabeça e de repente Tiffany exclamou:

— Pobre Ancilla. Tinha-me parecido que não te encontravas bem. Seguramente anseias ter uma noite tranquila. Deverias deitar-te. Trarei umas fatias de limão para que as ponha sobre a fronte.

Miss Trent declinou a oferta e Tiffany, solícita, ofereceu-se para ir procurar as pastilhas que sua tia tomava cada vez que lhe doía a cabeça ou para lhe preparar uma infusão.

— Muito obrigado, Tiffany. Deixe — disse miss Trent com firmeza —. E também não quero um cataplasma para meus pés. Sabes que nunca gosto medicar-me por conta própria.

Tiffany se acovardou um pouco mas seguidamente pediu a gritos a lavanda alcanforada, enquanto saía do salão a toda pressa chamando à velha babá.

Miss Trent enrugou as sobrancelhas olhando interrogativamente a Courtenay.

— Por que está tão ansiosa de me ver na cama? Por favor, se sabe a razão, lhe rogo que me diga.

— Bom, não o sei... exceto que lady Colebatch disse que convidaria a Lindeth e suponho que Tiffany tentará levantar o dedo. Será por isso que não deseja estar com sua acompanhante? disse Courtenay sorrindo.

— Tentará fazer o que? — perguntou miss Trent.

O sorriso de Courtenay fez-se mais amplo e respondeu:

— Levantar o dedo! Isso é o que me disse que fará quando quiser que Lindeth volte para o seu lado.

Por minha parte opino que se equivocou de homem. Acha que está desesperado porque ela tem estado flertando com o janota de seu primo e ignorando a ele, mas a mim me parece que Lindeth se importa muito pouco. De fato, mas... enfim, não falemos mais disto.

— Não falemos mais! — exclamou a senhorita Trent —. Rogo a você...

— Oh, não se preocupe — declarou Courtenay seriamente —. Disse a mamãe que não jogaria lenha na fogueira e não fá-lo-ei. A menos, é claro, que ela se ponha muito desagradável.

Miss Trent só podia desejar que seu pupila se comportasse corretamente. Pelo momento seu humor era excelente mas não se podia confiar em seguisse com o mesmo estado de espírito durante muito tempo. Apesar de que ela e seu primo raramente brigavam quando cavalgavam juntos, em sua forma imprudente que tanto lhes atraía (Courtenay reconhecia que era uma amazona muito valente), em todas as demais ocasiões continuavam a se implicar mutuamente.

No entanto, partiram em perfeita harmonia no cabriolé de Courtenay, pois ambos estiveram de acordo que era melhor ir nele já que a reunião era informal, e não na antiquada carruagem puxada por um par de cavalos que se empregava geralmente nos trabalhos da granja e que era o único carro fechado disponível durante a ausência da senhora Underhill. A senhorita Trent, que não tinha muito boa opinião de Courtenay como condutor, viu com alívio que só tinham atrelado dois cavalos. Disse que com a luz da lua cheia era muito pouco provável que caíssem numa vala, e se retirou para considerar seus próprios problemas.

Cedo descobriu que o mais surpreendente era sua incapacidade para achar que o homem encantador cujo sorriso lhe perseguia nos sonhos e o malvado que tentava alojar seus bastardos numa comunidade decente eram a mesma pessoa. Era inútil que dissesse a si mesma que os modos encantadores faziam parte das características de um malvado; como também era inútil que reprovasse a si mesma por se ter deixado enganar. De tudo isto surgia a horrível verdade: que por muito que a imagem de sir Waldo tivesse desmerecido a seus olhos, seu amor por ele não tinha diminuído como esperava que sucederia, senão que se tinha mantido, fazendo que se sentisse mais desgraçada que nunca.

Mas num ponto sua resolução era firme: não casar-se-ia com ele, se é que ele pensava em se casar, o que, à luz das revelações de Lindeth, era pouco provável. Mas quando voltava a pensar sobre isso não podia achar que ele tentasse lhe propor algo menos decoroso. Podia ser um libertino, mas não era um néscio e devia saber que ela não era uma mulher cabeça de vento. Perguntava-se por que desejaria sir Waldo se casar com ela e chegou a uma penosa conclusão: que ele seguramente esperava que ao se casar com uma pobre desconhecida poderia seguir vivendo como até o presente, enquanto ela, agradecida por se encontrar em boa posição, fizesse caso omisso de suas aventuras e se comportasse com toda a correção que ele seguramente esperava por parte de uma dama que levasse seu nome. Quando Tiffany e Courtenay regressaram de Colby Place sua dor de cabeça já não era fingida. Só o sentido do dever tinha feito que não se deitasse e se sentiu aliviada quando Tiffany, em lugar de falar da reunião, bocejou encolhendo os ombros enquanto dizia que tinha sido terrivelmente monótona e que estava rendida de cansaço. Uma expressiva careta de Courtenay deu a entender a miss Trent que algo tinha ocorrido durante a festa, mas se sentia incapaz de enfrentar os problemas de Tiffany e se limitou a acompanhar a seu pupila até o dormitório.

Tiffany não se apresentou ao desjejum na manhã seguinte e sua criada disse a miss Trent que sofria de dor de cabeça, uma afirmação que a babá interpretava como um sinal de que estava a sofrer um de seus temidos ataques. Desta maneira, Courtenay, enquanto dispunha-se a tomar um copioso café da manhã, teve a oportunidade de relatar a miss Trent a história do que tinha acontecido na noite anterior.

— Lindeth não esteve presente — disse enquanto tirava a casca de seu segundo ovo —. Disse a lady Colebatch que tinha um compromisso anterior. Apresentou suas mais sinceras desculpas e todas essas tolices. Mas, madame, Patience também não estava. Ela também tinha um compromisso prévio, e se você pode me dizer que Lindeth não era convidado da reitoria é mais do que qualquer outro diria. Pois Arthur Mickleby e suas irmãs estavam em Colby Place da mesma forma que Sophy e Jack Banningham e os Ashes, assim onde poderia estar Lindeth senão na reitoria — Está mais claro que a água. Mas que podia ter feito Mary Mickleby senão... Não. Não foi Mary, foi Jane Mickleby e sabe das coisas que ela costuma fazer; bom, ela disse, com uma de suas risadinhas, que estava segura que ninguém poderia adivinhar por que Lindeth e Patience tinham de ter um compromisso na mesma noite. E pergunta-me, madame, se não o disse para irritar a Tiffany, ou porque está furiosa de que Lindeth nunca lhe tenha prestado a menor atenção. Bom, seja como for, tinha que ter visto a cara de Tiffany.

— Dou graças por não tê-la visto — respondeu miss Trent.

— Sim, você pode imaginar — disse Courtenay rindo —. Céus! Que tonta! Acho que nunca teve a menor suspeita de que Lindeth se interessava por Patience, e, devo confessar, senti pena por ela.

— É você muito bondoso — assinalou miss Trent cortesmente.

— Bom, talvez sim — reconheceu Courtenay —. Eu nunca gostei dela, mas é minha prima e seria muito estúpido se não preferisse a tê-la como prima no lugar de alguém como Jane Mickleby. Fez uma pausa para pegar com o garfo um pedaço considerável de presunto e enquanto levava-o à boca exclamou: — Mas isso não foi tudo!

A senhorita Trent aguardou com o coração agoniado que engolisse o gigantesco bocado e depois disse:

— E bem...

— Arthur! — contestou Courtenay, com a boca ainda cheia. Bebeu um gole de café e mostrou-lhe a xícara para que voltasse a enchê-la enquanto acrescentava: — Tratou-a muito friamente.

— Não é de estranhar. Ela falou mau de suas irmãs.

— Sei-o, mas tenho o pressentimento de que há algo mais. Parece-me que... Bom, você já sabe que ele e Jack e Greg têm estado fazendo-se de idiotas atrás dessa fedelha, madame.

— Sim...

— Pois acho que terminou. Não sei por que, mas acho que Jack me dirá ainda que Greg não queira.

Não é que tenham sido descorteses, ou... ou... Que me pendurem se sei que sucedeu! Só que me pareceu que não se comportaram como de costume. Bem feito — disse Courtenay enquanto dispunha-se a afundar os dentes em um bolo —. Estavam importunando!

Miss Trent não podia compartilhar sua satisfação. Como não sabia as razões da súbita mudança sofrida pelos admiradores locais de Tiffany, só podia desejar que ele estivesse se equivocado ou que os cavalheiros tivessem disposto a mudar de tática para a atrair.

— Estava presente o senhor Calver? — perguntou.

— Não, não foi convidado — replicou Courtenay —. Sir Ralph não o suporta. Disse que não deseja ter a um janota solto por Colby Place.

Com o ânimo cheio de escuros pressentimentos miss Trent subiu a escada para interessar-se por Tiffany. Seu turbulenta pupila nunca tinha sofrido uma desfeita tão grande e ao pensar em quais seriam as repercussões se punha a tremer.

Encontrou a Tiffany sentada, meio vestida, em frente ao tocador, enquanto sua criada, com mostras de enfado, lhe escovava os cabelos. Tiffany não fez menção alguma ao ocorrido mas se queixou de uma noite de insônia, de dor de cabeça e de um insuportável tédio.

— Desejo voltar a Londres — disse —. Odeio Yorkshire e prefiro muito mais suportar aos Budford que permanecer em Staples, que é sujo, horrível e tedioso.

Miss Trent não achou necessário lhe recordar que dificilmente os Budford podiam se encontrar em Portland Place em pleno mês de julho, ou que eles tivessem expressado algum desejo de acolher a sua sobrinha. Ao contrário, recordou a Tiffany que tinha pela frente a festa da família Ash e, daqui a pouco tempo, as carreiras de York. Tiffany que não estava interessada em nenhum destes acontecimentos, e fez com que miss Trent, depois de lhe propor outras distrações sem nenhum resultado, se retirasse com a esperança de que a presença de algum de seus admiradores que a visitasse nesse dia bastaria para que a bela recuperasse seu bom humor.

Ao pé das escadas encontrou Totton, quem informou-lhe de que sir Waldo estava na casa, com o propósito de saber se tinham notícias da senhora Underhill.

— Perguntou por miss Tiffany, madame, e contei-lhe que tem dor de cabeça — disse Totton —. Então disse que desejava vê-la. Por isso vim procurá-la, madame. Sir Waldo está no salão verde.

Ela esteve a ponto de lhe dizer ao mordomo que informasse ao visitante que não estava, mas se conteve. Devia enfrentar a situação, pois não podia fugir de Staples abandonando seu posto, como teria gostado. Estava resolvida a encontrar-se com o “Incomparável” e comportar-se, quando o fizesse, com toda calma e dignidade.

Ao entrar no salão verde, viu-o de pé em frente a uma mesa folheando o último número do Liverpool Mercury. Ele levantou a cabeça ao abrir da porta e de imediato deixou o jornal, dizendo com um sorriso que a Ancilla lhe fez palpitar o coração:

— Enfim!

— Rogo-lhe que me desculpe. Teve que esperar muito? — replicou ela, disposta a manter uma atitude de amistosa cortesia enquanto almejava desesperadamente que ele compreendesse que era inútil fazer qualquer classe de declaração.

— Mais de quinze minutos. Sei que você acha que o delicado de sua posição lhe impede de receber visitantes, mas fui muito discreto. Asseguro-lhe! Disse ao mordomo que desejava ter notícias das viajantes e cheguei até a perguntar em primeiro lugar se miss Wield estava em casa.

— Ainda não tivemos notícias.

— É muito cedo para isso. Mas foi a única desculpa que pude inventar. — Fez uma pausa; a alegria apagou-se de seus olhos enquanto olhava-a atentamente. Depois, com um tom muito diferente de voz acrescentou: — Que ocorre?

— Por quê? Nada, nada — contestou Ancilla fingindo despreocupação.

— Não, não trate de me enganar. Diga-me! — insistiu ele —. Algo sucedeu que a desespera. Tem estado molestando-a essa fedelha malcriada?

Ela sabia que o encontro seria difícil, mas não que ele pudesse curvar-se ao perceber tão rapidamente a preocupação em seu rosto ou lhe falando com tal tom de interesse. Conseguiu rir enquanto dizia:

— Santo céu, não! É sério, senhor...

— Então o que?

Como se perguntava a um homem se era verdade que tinha vários filhos bastardos? Era impossível: nem a mais atrevida das mulheres poderia fazê-lo. Ademais, seria inútil: ela sabia a resposta e não de uma fonte pouco fidedigna ou simplesmente rancorosa. Lindeth tinha-o dito sem nenhuma malícia, como se não fosse mais que um fato vulgar. Ao pensar nisso se firmou em sua decisão e disse com voz mais enérgica:

— Nada importante. Só dor de cabeça. Acho que terá tormenta e isso sempre me produz dor de cabeça. Tiffany também não passa bem. Na verdade, teria que estar com ela e não conversando com um visitante matutino. Espero que não me considere descortês, sir Waldo, mas...

— Não acho que você seja descortês, mas sei que falta à verdade. Por que diz que sou um visitante matutino, quando você sabe bem que estou aguardando a oportunidade da a ver em particular e não com o propósito de trocar banalidades sociais? — disse sir Waldo enquanto sorria —. Tem medo de ofender à dona da casa? Não é você tão sensível e sabe bem que até a rapariga mais vigiada tem permissão para receber sozinha uma proposta de casamento.

Ela fez um gesto com a mão como se o recusasse, enquanto desviava a vista e lhe rogava:

— Não. Não o diga. Faz favor, não o faça!

— Mas, minha querida...

— Sir Waldo, estou-lhe muito agradecida — sinto-me muito honrada, mas não posso aceitar seu... sua agradável oferta.

— Por que não? — perguntou ele baixinho.

Ela se deu conta de que tinha que ter esperado a pergunta. Não a tinha previsto e sua incoerência a traiu:

— Eu não... eu nunca... eu não tinha intenção.. não pensei em casamento.

Sir Waldo permaneceu em silêncio por um instante, franzindo o cenho, e olhando-a fixamente um pouco intrigado. Finalmente disse:

— Por que não tenta considerar essa idéia de casamento? É muito fácil você sabe — Pense que eu também não o fiz, e durante mais tempo que você. E de repente conheço-a, apaixono-me por você e não deixei de pensar em outra coisa. Perdoe-me. Não quero ser presunçoso, mas não posso achar que eu lhe seja indiferente.

— Devo reconhecer que lhe dei razões para supor que não recusaria a sua proposição — contestou ela ruborizando-se —. Até poderia dizer que o incentivei, ainda que não fosse essa minha intenção.

As circunstâncias fizeram que estivéssemos muito tempo juntos, e sendo você tão amável e conversador, lhe tratei com tal familiaridade que você achou que indicava algo mais que uma simples atração.

— Está você equivocada — insistiu ele —. Longe de alentar-me ou tratar-me com familiaridade, você tomou o cuidado de se manter à distância. Mas teve sempre uma expressão em seus olhos que não posso explicar. Sei que não estou equivocado, a não ser que seja cego ou um novato, e não sou nenhuma das duas coisas.

— Não duvido que você tem uma grande experiência, mas nesta ocasião está equivocado.

— Sim. Tenho muita experiência — disse olhando-a com seriedade —. É isso o que a preocupa?

— Não — quero dizer... Sir Waldo, devo ser franca com você e lhe dizer que, ainda que desejasse me casar, nunca fá-lo-ia com um homem cujos gostos, cuja forma de vida é tão oposta a tudo o que aprendi a estimar.

— Minha querida menina — disse ele, um pouco ferido ao mesmo tempo em que divertido —. Realmente não sou um frívolo como você acredita. Reconheço que em minha juventude cometi muitas loucuras e extravagâncias, mas me creia, esses tempos já passaram. Duvido que tenham sido piores que as que cometem a maioria dos jovens, mas, desgraçadamente, por algumas circunstâncias, atingi uma notoriedade à que muitos escapam. Nasci com uma aptidão natural para as atividades desportivas, que você considera tão desdenhosamente, e herdei, a na mais tenra idade, uma fortuna que não só me permitiu satisfazer aos meus gostos da forma mais cara, mas que me fez objeto de tal interesse que todo o que fazia era motivo de comentários. E isso, como você sabe, é muito perigoso para os novatos. Teve um tempo em que dei pé a muitas fofocas. Mas pelo menos ache que soube me retificar a tempo.

— Se... oh, sim... Mas... sir Waldo, rogo-lhe que não diga nada mais. Tomei minha decisão e seguir discutindo só fará mal. Sei que fiz mal — e só posso lhe pedir que me perdoe. Se eu tivesse sabido que você não estava mais que flertando comigo...

— Mas sabia! — interrompeu ele —. Você não é tola, e não terá suposto que, quando lhe pedi para vê-la em particular era porque tinha que lhe fazer uma proposta, estava flertando. Algo ocorreu após o nosso encontro na vila que motivou esta mudança, e acho que sei o que ocorreu.

Ancilla olhou-o rapidamente e voltou a baixar os olhos.

— Diga-me — perguntou ele com tom imperativo —. Foi acusada de tentar de me conquistar? Uma pergunta descarada não é assim? Mas sei muito bem que uma dama com cara de comadre que nós dois conhecemos o disse, pois eu a escutei e atrever-me-ia a dizer que também você a escutou. Não irá você a me recusar por uma razão tão tola...

— Não. Se eu tivesse o mesmo interesse por você, tal coisa não pesaria em minha decisão.

— Então não há nada mais que dizer?

Ela negou com a cabeça sem se atrever a falar. Viu que ele lhe estendia a mão e com relutância lhe estendeu a sua. Ele a pegou e enquanto lhe beijava os dedos disse:

— Espero que sinta alguma vez interesse por mim. Desejo-o mais que nenhuma outra coisa em minha vida. Talvez ainda seja capaz de o sentir. E devo advertir-lhe que não me rendo tão facilmente.

 

 


Capítulo XVII

 


O “Incomparável” tinha partido, e o único desejo de miss Trent era chegar ao refúgio de seu quarto antes que se desatassem suas emoções. Com os soluços contidos em seu peito, ameaçando afogá-la, e enxugando as lágrimas apressadamente, cruzou o vestíbulo quase às cegas. Enquanto tateava com a mão procurando a balaustrada, Tiffany desceu a escada a toda pressa, recuperado seu bom humor ante a notícia de que sir Waldo tinha vindo visitá-la.

— Vinha procurar-me? — disse jovialmente —. Totton avisou-me, assim não tinhas por que te molestar, queridíssima Ancilla. Está no salão verde? Tenho uma grande idéia. Agora que o senhor Cal ver me ensinou a conduzir tão bem, tratarei de convencer a sir Waldo para que me permita guiar seus alazões. Pensa no triunfo que seria! O senhor Calver disse que nenhuma mulher guiou jamais a nenhum de seus cavalos.

É surpreendente a rapidez com que os hábitos aprendidos durante anos afloram no momento necessário. Miss Trent estava doente de dor, e respondeu automaticamente às perguntas que se lhe faziam. Tinha achado que qualquer tentativa de falar converter-se-ia num tremor, mas viu com surpresa que pronunciava as palavras com toda tranquilidade:

— Sir Waldo partiu. Só tinha vindo a perguntar se tínhamos notícias das viajantes, e não pôde ficar.

— Não pôde ficar? — disse Tiffany mudando bruscamente a expressão de seu rosto —. Quando eu tinha tanto interesse em o ver!

— Acho que teria ficado se tivesse sabido — replicou Ancilla serenamente.

— Tu deverias tê-lo sabido. Foste muito má. Acho que fizeste-o de propósito para que se fosse — exclamou Tiffany com severidade, mas sem convicção —. E agora que farei?

Miss Trent recusou-se a dizer as primeiras coisas que lhe ocorreram tais como praticar (que muita falta lhe fazia) o piano, sair para pintar ou dedicar uma hora ao estudo do francês, e, ao contrário, procurou em vão distrações para entreter à jovem, que estava disposta a recusar qualquer proposta.

Felizmente, produziu-se uma interrupção que salvou a situação. Um carro chegou até a porta da casa conduzindo Elizabeth Colebatch, que vinha a convidar Tiffany para que a acompanhasse a ela e a sua mamãe a Harrogate, onde lady Colebatch ia consultar seu médico de cabeceira. Elizabeth, ainda fiel a sua amizade, descreveu a Tiffany um programa de atividades muito atraente que incluía, além de um percurso pelas lojas mais elegantes que acabavam de abrir na cidade, uma visita à livraria Hargroves, que se tinha convertido no lugar de reunião mais distinto de toda Harrogate, e um passeio pela avenida. Os preparativos para a saída incluíram uma mudança de vestido de Tiffany e a procura pelo seu melhor chapéu. A temporada estava em sua apogeu e todas as hospedarias e casas de posta estavam cheias, e, era de presumir que o passeio pela cidade de duas distintas jovens — uma encantadora ruiva e uma loura deslumbrante — atrairia a classe de atenções que mais temia a tia Budford. Mas miss Trent sabia que a senhora Underhill consideraria que a presença de lady Colebatch era garantia suficiente para um comportamento correto, e achou que não era de seu incumbência pôr nenhuma objeção. Ao contrário, era sua obrigação atender a lady Colebatch por muito que desejasse estar sozinha, pelo qual a convidou a que passasse ao interior da casa enquanto Tiffany se arranjava com suas melhores roupas. Lady Colebatch declinou a oferta mas convidou miss Trent a que subisse ao carro para conversar um momento. Miss Trent participou na conversa de maneira mecânica mas, apesar do pouco que desfrutou com a conversa, a distração lhe resultou benéfica, pois quando Elizabeth e Tiffany estiveram prontas para partir, seus nervos se tinham acalmado e o impulso de se pôr a chorar tinha desaparecido.

O pretendente recusado, por sua vez, ainda que estava perfeitamente tranquilo, teria aceitado com agrado uns momentos de solidão mas, mal tinha entrado na biblioteca de Broom Hall, se lhe reuniu seu jovem primo Lindeth, quem lhe perguntou:

— Estás muito ocupado, Waldo? Porque se não é assim desejaria te fazer uma consulta. — Mas ao ver o cenho franzido de sir Waldo acrescentou apressadamente: — Não fá-lo-ei se não for oportuno.

O “Incomparável”, abstendo-se de dizer-lhe de antemão que seguramente seria inconveniente, se limitou a lhe dizer:

— Não, não estou ocupado. Senta-te e fala.

O tom era alentador e mais ainda o débil sorriso que se via em seus olhos. Seu senhoria ao olhá-lo disse timidamente enquanto se ruborizava:

— Atrever-me-ia a dizer que tu o sabes... não é assim?

— Bom, tenho minhas suspeitas — admitiu sir Waldo.

— É muito próprio de ti o ter adivinhado. Mas queria contar-te e pedir teu conselho.

— Pedir meu conselho? — exclamou sir Waldo arqueando as sobrancelhas —. Santo Deus, Julian! Se queres meu conselho para saber se deves ou não pedir a mão de miss Chartley, só posso dizer que meu conselho e minha opinião não servirão de nada para ti.

— Oh, não é isso! — interrompeu Julian com impaciência —. Sei o que tenho que fazer sem necessidade de teu conselho ou o de ninguém. E quanto a tua opinião. — Fez uma pausa e depois com um sorriso de desculpa acrescentou: — Bom, interessa-me... mas não muito.

— Muito correto e apropriado — aprovou sir Waldo.

— Agora troças de mim. Desejaria que não o fizesses. Isto é sério, Waldo.

— Não estou troçando de você. Por que precisas de meu conselho?

— Bom... — disse Julian apertando as mãos sobre seus joelhos e olhando-as pensativamente —. A coisa é... Waldo, a pouco ao chegar, atrever-me-ia a dizer que tinhas adivinhado—, bom eu te digo que não é assim... que estava bastante atraído por Tiffany Wield. — Levantou a vista e sorriu forçadamente acrescentando: — Dirias que me comportei como um tolo, e acho que foi assim.

— Não tão tolo para pedir sua mão.

Julian olhou-o surpreendido.

— Sabes, Waldo, nunca tinha pensado em casamento! — disse com inocência —. Não se me tinha ocorrido, mas agora que tu o mencionaste acho que nunca tinha pensado antes em me casar até que conheci miss Chartley. Na verdade, nunca tinha pensado no futuro. Mas desde que conheci a Patience, comecei a fazê-lo pois desejo passar o resto de minha vida com ela. E além disso, é o que farei.

— Minhas bênçãos para essa aliança; ela será uma esposa excelente mas para que precisas de meu conselho? Ou somente tratas de convencer-me de que seja eu o encarregado de transmitir a notícia a tua mãe.

— Não, claro que não! Direi eu mesmo. Ainda que seria útil contar com teu apoio — disse Julian depois de refletir um momento.

— Conta com ele.

— Sim, sei-o. És tão bom, Waldo!

— Poupa-me os louvores. E meu conselho?

— Bom, essa é a única coisa que me preocupa — disse seu senhoria —. Quero pedir sua mão, e apesar de que os Chartley serem tão bons e amáveis quanto se possa ser e não serem capazes de me lançar indiretas ou coisas pelo estilo, não deixo de me preocupar e achar que é demasiado cedo para solicitar ao pastor permissão para me declarar a Patience. Quero dizer, que se ele acha que sou um mulherengo por ter ido atrás de miss Wield, bem poderia me tratar com desconfiança, e isso seria terrível.

— Não posso achar que ele te possa julgar com tanta severidade — replicou sir Waldo, com admirável seriedade —. Após tudo, você não tem compromisso algum com miss Tiffany Wield, não é assim?

— Oh, não! — assegurou Julian —. Não há nada disso. De fato, ela se afastou de mim após o ocorrido em Leeds, pelo qual não acho que tenha obrigação alguma com ela pode acreditar... — Soltou uma gargalhada e acrescentou: — Laurie a levou. Nunca me senti tão feliz. Bom, isso deixa as coisas como são. Céus! Pensar que devo estar agradecido a Laurie! Mas, me diga Waldo que devo fazer?

Sir Waldo, que opinava que o pastor deveria estar a esperar ansioso a declaração de lord Lindeth, não duvidou ao responder à pergunta de sua primo. Recomendou-lhe que fizesse conhecer suas intenções o mais cedo possível, ao mesmo tempo em que oferecia seus serviços para convencer o reverendo Chartley de que estava equivocado ao achar que o pretendente de sua filha era um conquistador. Julian sorriu ante tais palavras e, durante a meia hora seguinte, incomodou a sir Waldo com uma detalhada descrição das numerosas virtudes que enfeitavam a mulher de seus sonhos.

Finalmente partiu, mas dez minutos depois seu lugar foi ocupado por Laurence, que permaneceu junto à porta, enquanto olhava a seu primo com ares de dúvida.

Sir Waldo estava sentado em frente a sua mesa. Tinha um monte de papéis e documentos sobre a mesa, mas não parecia estar ocupado com eles. Suas mãos unidas descansavam sobre os papéis e seu olhar estava fixo na parede de defronte. Sua expressão era muito séria e acentuou-se mais ao ver a Laurie de pé na ombreira.

— Bem? — perguntou com brevidade.

Se o mal humor que se refletia em seu rosto não tivesse servido como advertência para Laurie de que tinha elegido um momento muito pouco propício para conversar com ele, o tom com que pronunciou essa única palavra tê-lo-ia feito. Laurence ao ouvi-la retirou-se precipitadamente enquanto exclamava:

— Oh, não é nada! Só que... rogo-te me desculpes! Não sabia que estavas ocupado. Talvez em outro momento.

— Aconselho-te que não alimentes falsas esperanças. Em nenhum momento — advertiu-lhe sir Waldo com dureza.

Em qualquer outra circunstância, Laurence teria replicado com largueza, mas nesta ocasião não se atreveu a responder à investida de Waldo, mas saiu o mais rapidamente possível.

Com a porta bem fechada o separando de sua formidável primo, deixou escapar uma forte interjeição.

A indignação que sentia lutou com a curiosidade e esta última venceu. Após permanecer um momento olhando a porta fechada como se pudesse ver através do grosso painel o rosto de Waldo, se afastou enquanto crescia sua agitação ante este novo e inesperado problema que se tinha apresentado.

Não demorou muito em chegar à conclusão de que a única causa possível do comportamento sem precedentes de Waldo se devia a um desengano amoroso. Era absurdo supor que pudesse ter dificuldades pecuniárias e, do ponto de vista de Laurie, só o amor ou a penúria econômica podiam justificar tão mau parecer. A primeira vista, parecia igualmente absurdo supor que tinha sido recusado por miss Trent; mas, depois de refletir um pouco mais, Laurence decidiu que essa devia ser a causa.

Parecia incrível que uma mulher em sua situação pudesse ter recusado a um pretendente tão opulento, conquanto não tinha dúvida de que a senhorita Trent era uma mulher muito estranha. No entanto, também não tinha com relação a seu profundo amor por Waldo. Nenhum sinal de enfado tinha ensombrecido o semblante de Waldo durante o café da manhã. Pelo contrário, tinha estado muito alegre. Depois, tinha partido fazendo um comentário jocoso a Julian, e ainda que não tivesse dito onde se dirigia, só um lerdo não teria adivinhado que ia a Staples. Julian, preocupado com seus próprios assuntos, poderia ter ignorado que Waldo visitava Staples todos os dias, mas seu outro sabia. Tinha certeza de que Waldo tinha feito o pedido e tinha sido recusado. Mas por quê?

Apesar de forçar o cérebro, Laurence não conseguiu encontrar a resposta ao enigma. Se tivesse-se tratado de qualquer outro homem e não de Waldo, se teria inclinado a achar que alguém tinha indisposto a senhorita Trent contra ele. Considerava-a como uma mulher cuidadosa, mas também o era Waldo, e que diabos poderia ter dito o mais atrevido dos fofoqueiros sobre ele que pudesse desagradar a alguma mulher? Seria essa magricela tão tola para acreditar nas histórias inventadas por qualquer das velhas solteironas da paróquia?

Tudo isto era surpreendente, mas devia existir uma resposta e talvez valesse a pena tentar descobri-la. Seu primeiro plano para ganhar a gratidão de sua primo tinha fracassado — não lhe tinha custado muito se dar conta que não fazia nenhuma falta sua ajuda para livrar a Julian das garras de Tiffany Wield—, mas bem poderia ser que, nesta nova e muito estranha situação, encontrasse o meio que tinha estado procurando. Sim, através de seus bons ofícios, os apaixonados podiam reconciliar-se, estava seguro de que Waldo (que não era nenhum avaro na verdade) não deixasse de expressar sua gratidão de uma maneira generosa e adequada.

Os ânimos de Laurence, que tinham começado a decair, se recuperaram rapidamente. Tinha sido irritante descobrir que seu admirável plano para separar à fedelha Wield de Lindeth tinha sido um trabalho em vão. Não o lamentava, pois tinha resultado muito divertido escamotear à bela ante os narizes de seus ridículos pretendentes e uma maneira, tão boa como qualquer outra, para matar o tempo num lugar tão tedioso como aquele. Tinha considerado a possibilidade de cortejar seriamente a Tiffany, mas cedo desistiu. A idéia de ver-se envolvido num casamento desagradava-lhe, e apesar de que podia tê-lo aceitado para conseguir a fortuna de Tiffany, sabia que não tinha a menor possibilidade de obter o consentimento de seus tutores para o casamento e muito menos de que abandonassem o controle de sua fortuna nem num dia antes que fosse maior de idade. Por agradável que tivesse resultado para ele flertar elegantemente com uma rapariga de tanta beleza, o assunto tinha sido uma perda de tempo. Todo o que podia tirar de proveito era que lhe facilitava uma desculpa para visitar Staples e ver como estavam as coisas por ali. Não seria tarefa fácil convencer a miss Trent de que confiasse nele. No entanto, apesar de que sua atitude para com ele continuava sendo reservada, ultimamente tinha começado a tratá-lo de forma mais amistosa. Se ela estava tão triste e mal humorada como sir Waldo, bem poderia, a julgar Laurence, desejar descarregar suas penas em alguém. Era muito possível que o fizesse, se ela e Waldo tinham brigado: ou ele não sabia nada sobre as mulheres, ou estaria a arder em desejos de desabafar seus dissabores.

Uma briga, no entanto, não parecia possível. Ela não parecia a classe de mulher que se excita ou que guarda rancores, e o temperamento calmo de Waldo era proverbial. Laurence inclinava-se a achar que todo o problema se reduzia a uma má interpretação. Estava seguro de que ambos eram muito orgulhosos para pedir uma explicação ao outro, e nada podia ser mais bem aceito pelos dois que um discreto mediador. Atuar de ligação poderia ser uma tarefa esgotadora, mas na busca de seus próprios fins Laurence não economizaria esforços.

De acordo com essa proposta, foi a Staples nesse mesmo dia, com a ostensiva desculpa de visitar Tiffany. A sua chegada inteirou-se de que Tiffany se encontrava em Harrogate, e que miss Trent se achava deitada com dor de cabeça. Deixou seu cartão com suas saudações e partiu, sem lamentar a demora em seus planos. Deitada com dor de cabeça... Prometedor! Essa é a desculpa que sempre têm as mulheres que têm estado entregues a uma forte sessão de prantos; ao contrário, teria se preocupado se a tivesse encontrado com excelente ânimo.

O comportamento de Waldo durante a noite também foi satisfatório. Não estava silencioso, mas também não podia se dizer que estivesse alegre. Respondia com afabilidade a tudo o que lhe perguntavam, mas a maior parte do tempo esteve submergido em seus próprios pensamentos. Julian tinha partido a alguma parte em companhia de Edward Banningham, pelo qual durante o jantar mal conversaram, pois Laurence não era tão tonto para irritar a seu primo falando sobre coisas sem importância, quando estava bem claro que não tinha o menor desejo de conversar. Quando se levantaram da mesa, Waldo se encerrou na biblioteca dizendo que lamentava ter sido um mau comensal mas que um infeliz problema tinha surgido nos trâmites para contratar a um administrador adequado para Broom Hall. Não era mais que uma desculpa, mas Laurence a aceitou e lhe respondeu que não tinha por que se preocupar por ele. Bastava-lhe dispor de um bom livro para passar o momento.

Foi menos satisfatório na manhã seguinte não encontrar nem Tiffany nem miss Trent quando se apresentou em Staples, mas a noite decorrida em casa dos Ash lhe brindou sua oportunidade. Miss Trent tinha acompanhado a Tiffany à festa, e resultava evidente que estava sofrendo. Podia sorrir e conversar com sua habitual tranquilidade, mas estava suspeitadamente pálida e tinha olheiras. Tão cedo quanto pôde, ela se sentou junto a uma mulherzinha com cara de rato que, segundo pôde descobrir Laurence, era a ama dos meninos da casa. Ela tentava o mais que possível não olhar em direção a Waldo. "O faz de um modo demasiado ostensivo", pensou Laurence. Pelo rabo do olho pôde ver que Waldo se acercava dela. A pesar de não poder escutar a conversa estava capacitado para tirar conclusões. Tinha uma vista aguda e viu que as mãos dela sujeitavam fortemente a bolsa e quão rapidamente a cor aparecia e desaparecia de seu rosto. Depois Waldo fez uma ligeira reverência (a reverência de um homem que tinha sido recusado, não tinha dúvidas sobre isso), e partiu em companhia de sir William Ash para a sala de jogos. O olhar de miss Trent tinha estado fixo no chão mas, quanto ele saiu, o levantou para o ver enquanto cruzava a sala. Céus!, pensou Laurence surpreendido, quem teria suposto que uma criatura tão fria podia olhar dessa maneira — Totalmente desesperada! Mas que diabos tinha passado para que esses dois se comportassem assim?

O som de um violino que estava sendo afinando fez que sua mente se desligasse por um momento do intrigante problema. A primeira quadrilha estava formando-se e como o baile era informal, lady Ash tinha dito que os jovens podiam escolher seus pares livremente, pois todos eram amigos; em conseqüência era sua obrigação procurar um par. Viu Tiffany falar vivazmente com miss Banningham e com Lindeth, que aguardava à filha mais velha da casa para guiar na quadrilha. Pela mente de Laurie passou fugazmente a idéia de que era estranho encontrar Tiffany desprovida de sua habitual corte de admiradores discutindo pelo privilégio de dançar com ela mas, enquanto fazia uma graciosa reverência, sorrindo afetadamente, e solicitava a honra de ser seu acompanhante, estava muito ocupado para dedicar atenção a este fato. Também não deu-se conta de que a jovem que agora se via assediada pelos admiradores era miss Chartley.

Mas miss Trent deu-se conta e disse que isso punha o ponto final a uma noite azarada. Conhecia muito bem esse olhar brilhante de Tiffany e sua forçada alegria; sentiu-se aliviada quando percebeu que em nenhum momento Tiffany foi deixada sem par, mas seus ânimos decaíram ante o espetáculo que oferecia o senhor Wilfred Butterlaw, um jovem com o rosto coberto de espinhas que professava verdadeira adoração por miss Wield, a guiando numa das quadrilhas. Por sorte ela ignorava que durante a dança o que o senhor Butterlaw tinha comentado com Tiffany:

— Não importa-me nem um pouco o que podem dizer de você, miss Wield. Para mim você é perfeita.

Mas apesar de que ela não ter se inteirado da importuna falta de tato do senhor Butterlaw, não se surpreendeu, durante a viagem de regresso a Staples, de que Tiffany estivesse com um humor terrível, que se manifestava, não num de seus habituais ataques, mas num riso forçado e mordazes comentários sobre os modos e aparência de suas amizades. Miss Trent mantinha-se calada e rogava a Deus que Courtenay, sentado em frente a elas, se abstivesse de intervir. Assim foi até que Tiffany tocou o tema que mais a tinha ofendido dizendo com uma gargalhada:

— E Patience Chartley, que parecia um espantalho com seu horrível vestido verde, com seus ares de languidez, pretendendo parecer tímida e modesta. Dirigia seu olhar ao chão, dessa maneira ridícula que adota sempre que quer fazer crer aos demais que é uma santa.

— Se eu estivesse em teu lugar — interrompeu Courtenay bruscamente—, não seria tão rancoroso com Patience.

— Rancorosa? Oh, não poderia sê-lo! Pobrezinha, deve estar rondando os vinte anos e nunca recebeu uma proposta. Sinto muito por ela: deve de ser horrível ser tão... tão insípida.

— Não, não o sentes — disse Courtenay —. Estás furiosa porque esta noite não prestaram atenção a você, mas a ela! E permite-me que te diga...

— Por favor... — interveio miss Trent.

Seu pedido não foi escutado e Courtenay continuou falando com rudeza:

— Se não tiveres cuidado encontrar-te-ás sozinha e não aches que tua beleza poderá evitá-lo. Céus!

Nunca conheci ninguém tão cabeça de vento como você. Primeiro, fizeste que Lindeth com teu procedimento se afastasse de você; depois foi Arthur, e para arrematá-lo não tiveste o julgamento suficiente para manter a boca fechada sobre o ocorrido em Leeds, quando foi Patience que demonstrou valentia e não você. O único coisa que fizeste, ao contrário, foi demonstrar com teus protestos o insuportável que és.

— Valente! — exclamou Tiffany, com a voz tremendo de fúria —. Patience? Não é mais que uma desavergonhada exibicionista! Suponho que soubeste de tudo por Ancilla. Ela estremece quando fala de sua queridíssima Patience, que é seu ideal do que deve ser uma rapariga bem educada.

— Oh não! Miss Trent só nos disse que Patience tinha evitado que um rapazinho fosse atropelado pelas rodas de um carruagem, demonstrando grande valor e presença de espírito. Também não foi Lindeth, e no que diz respeito a Patience, nem sequer mencionou o fato. Você é quem esteve falando. Tinhas medo de que qualquer dos outros dissesse algo sobre tua maneira de te comportar, e então fizeste crer aos demais que Patience tinha feito um escândalo para que a tomassem por uma heroína, mas que tudo não tinha sido mais que uma vulgar pantomima pois não tinha perigo para nenhum dos dois.

— E não o tinha. Se Ancilla diz...

— Não o tinha? Bom, priminha, tenho algo mais que te dizer. Ned Banningham esteve em York faz uns dias em casa de uns amigos, e encontrou-se com a pessoa que quase atropelou Patience. Não recordo seu nome mas atrever-me-ia a dizer que tu sim — Não fazia outra coisa que falar do acidente.

Contou-lhes a todos quão corajosa e admirável tinha sido Patience, sem fazer nenhuma confusão e o susto que ele tinha passado achando que a atropelara. Também falou de ti, mas Jack não quis me repetir as palavras e acho que o fez porque és minha prima e não deseja me ver envergonhado. Mas Ned contou a Jack e logo depois Jack disse-o a Arthur e depois Greg inteirou-se—, e é essa a causa que te ignoraram esta noite. Acho que a nenhum deles teria se importado muito se a pessoa em questão tivesse sido Sophy Banningham, pois não lhes tem muita simpatia, mas o problema é que todos gostam de Patience Chartley. E além disso, até que tu chegasse a Staples, para pavonear-te por toda a comunidade, ela e Lizzie eram as jovens mais bonitas e as mais festejadas. Assim deves tomar cuidado, formosa miss Wield.

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Capítulo XVIII

 

 

Miss Trent estava tão cansada após regressar da festa que dormiu com um sono profundo. A viagem a Staples tinha finalizado com Tiffany chorando em abundância; lágrimas que seguiram brotando muito tempo após que a tivessem conduzido até seu quarto. Miss Trent, deixando de lado suas próprias preocupações, tinha-se dedicado a tranquilizar a Tiffany, depois a despi-la e finalmente a cumprir com sua obrigação de tratar de convencê-la, aproveitando que estava disposta à escutar, de que, por brutal que tivesse sido Courtenay, não tinha dito mais que a verdade. Enquanto lhe refrescava a fronte com água de rosas, fez todo o possível para lhe demonstrar carinho ao mesmo tempo em que a aconselhava. Deu-se conta de que Tiffany a escutava com atenção e sentiu pena dela. Era vaidosa, egoísta e incrivelmente pesada, mas a pesar de tudo, não era mais que uma menina à quem tinham mimado e adulado quase desde seu nascimento. Pela primeira vez em sua vida tinha recebido um severo choque e tinha-se comovido tanto como tinha se assustado. Talvez, pensou a senhorita Trent enquanto fechava as cortinas do dossel, pudesse tirar proveito de uma lição tão dolorosa.

Tiffany não desceu para o desjejum, mas quando miss Trent subiu para vê-la, não a encontrou com o quarto a escuras, com uma toalha úmida sobre a fronte e o frasco de sais na mão, como em outras ocasiões, mas sentada na cama enquanto comia com expressão pensativa uns morangos. Olhou miss Trent um pouco à defensiva, mas ao ser saudada por esta alegremente respondeu com muita amabilidade.

— Ainda não há cartas de Bridlington — disse miss Trent—, mas Netley trouxe um pacote da pousada.

Não podia adivinhar do que se tratava até que vi a etiqueta, pois é um pacote terrivelmente pesado.

Querida, podes acreditar que esses idiotas do armazém não mandaram as amostras mas toda uma peça de seda? Não devem ter entendido a nota da senhora Underhill e só me resta a esperança de que faça jogo com o brocado. Deverei ir com a caleça para entregar-lo à senhora Tawton. Queres acompanhar-me?

— Não! Demoraríamos horas e não posso, pois tenho outra coisa que fazer.

— Bom, não é muito pedir que não faças planos sem me consultar. Olha que vais me abandonar à companhia de James, que nunca diz mais que: Sim, senhorita! e Não, senhorita! Que pensas fazer?

— Ir à vila — disse Tiffany num tom ameno. Olhou de relance a miss Trent e acrescentou: — Bom, pensava fazer uma visita à reitoria. Recordas a rosa de veludo que comprei em Harrogate? Envolvê-

la-ei em papel de prata e a presentearei a Patience, para que a use com seu vestido de gaze. Achas que gostará? Custou-me muito caro e eu não a usei, ainda que pensava colocá-la ontem à noite, mas depois desisti porque não ficava bem. Mas Patience muitas vezes usa rosas, assim, acho que ficará muito agradecida. Não acreditas também? E mostrará a todos. Além disso, vou convidá-la para que amanhã nos acompanhe a um passeio, só tu e eu. Já sabes, pois!

— Será um gesto muito nobre de tua parte — disse miss Trent com admiração.

— Sim. Não é verdade? — replicou Tiffany com ingenuidade —. Será terrivelmente aborrecido e podes estar certa de que Patience será muito entediante, se detendo a cada momento ante uma erva qualquer e dizendo que é uma planta muito rara ou... Mas estou disposta a suportá-la, ainda que comece a dissertar sobre coisas da natureza.

Miss Trent não podia participar com entusiasmo nesta classe de projetos, mas os aceitou ao considerar que, pelo menos, representavam um passo na direção correta, apesar de que partiam de um interesse egoísta. Abandonou o quarto para preparar-se para a longa e tediosa viagem até a casa da senhora Tawton, enquanto Tiffany, depois de chamar a sua criada, imaginava várias cenas nas quais seus poucos fiéis admiradores, depois de se inteirarem de seu magnânimo gesto e assaltados pelo remorso de ter sido tão injustos com ela, faziam os mais extravagantes esforços para conseguir seu perdão.

Acariciava essas cenas tão agradáveis e como acreditava verdadeiramente que era magnânima, dirigiu-se à reitoria sem pensar que poderia não ser tão bem recebida como ela imaginava.

O criado que lhe abriu a porta pareceu vacilar quando ela solicitou ver a miss Chartley, mas a fez passar ao salão e disse que averiguaria se a senhorita estava na casa. Saiu do salão e Tiffany, depois de contemplar-se no espelho que estava sobre a chaminé e arranjar os cabelos que assomavam por embaixo do aba de seu chapéu, se acercou da janela.

O salão dava para o jardim da parte traseira da casa. Era um jardim com muitas flores, cercas vivas, a grama bem cuidado e várias formosas árvores. Ao redor do tronco de um destes tinha um assento rústico e diante dele, como se acabassem de se pôr de pé, estavam Patience e Lindeth, lado a lado, olhando o pastor que apertava a mão da cada um deles.

Por um instante Tiffany ficou olhando assombrada sem compreender o significado do que estava vendo. Mas quando Lindeth olhou Patience lhe sorrindo e esta lhe devolveu o olhar com expressão de profundo amor, a verdade se fez evidente com o deslumbrante efeito de um relâmpago.

Estava tão pouco preparada, que a surpresa a deixou paralisada. A incredulidade, a fúria e o desencanto somaram-se no desespero. Sua conquista, sua mais importante conquista, tinha-lhe sido arrebatada por Patience Chartley. Não podia ser verdade! Patience recebendo uma proposta de casamento por parte de Lindeth — De repente compreendeu que, em nenhum momento, ele lhe tinha feito a menor insinuação matrimonial e se sentiu mortificada.

A porta abriu a suas costas. Ouviu a voz da senhora Chartley e voltou-se com resolução. Não duvidava que a senhora Chartley esperava passar um bom momento vendo sua mortificação e como desejasse dar a impressão de que Lindeth lhe importava muito pouco e se comportou com toda a dignidade possível.

— Oh! como está você, madame? Vim para trazer a Patience uma tolice que comprei para ela em Harrogate. Mas não posso ficar.

Estendeu sua mão um pouco às cegas oferecendo o pacote envolvido em papel de prata. A senhora Chartley pegou-o enquanto dizia um tanto surpreendida:

— Que bondoso de tua parte, Tiffany! Ficará muito agradecida.

— Não é nada. Só uma flor para que a use com seu vestido de gaze. Devo ir-me.

A senhora Chartley olhou um pouco inquieta para a janela e Disse-lhe:

— Não quer esperar uns momentos enquanto trato de a encontrar? Estou certa, querida, que desejará agradecer-te pessoalmente.

— Não tem importância. O criado disse que está comprometida. — Tiffany tomou alento e com o mais brilhante de seus sorrisos acrescentou: — Essa é a verdade, não é assim, madame? Com Lindeth? Pediu sua mão? Faz tempo que esperava que o fizesse.

— Bom, se não o comentares por aí, devo dizer que sim — admitiu a senhora Chartley —. Mas não poderemos anunciá-lo até que ele tenha comunicado a sua mãe. Assim por favor não o divulgues.

— Oh, não! Ainda que atrever-me-ia a dizer que todos o adivinharão. Por favor, transmita-lhe minhas felicitações, madame. Acho que são feitos um para o outro!

E com estas palavras despediu-se da senhora Chartley, declinando sua oferta de acompanhá-la até o estábulo. Saiu a toda pressa da casa, com a cauda de seu vestido sobre o braço e apertando fortemente o chicote na mão. Estava satisfeita pela forma que se tinha comportado, mas estava a ponto de estourar. Quando chegou a Staples tinha compreendido todos os males de sua situação. Já não tinha importância que se tivesse comportado tão bem na reitoria pois, ainda que a senhora Chartley achasse que o compromisso de Patience lhe fosse indiferente ninguém mais acreditaria.

Suas rivais, com a exceção de Lizzie, se alegrariam ao conhecer seu fracasso. Tinha-se vangloriado demasiadamente de que podia reconquistar Lindeth com o levantar de um só dedo. Retorcia-se por dentro quando recordava suas palavras e pensava como seriam criticadas logo que se soubesse que tinha sido derrotada por Patience Chartley. Todos ririam a suas costas e quando falassem com ela caçoariam muito docemente e com a maior cortesia. Nem sequer podia confiar em seus admiradores.

Ao pensar em tudo isso, suas lágrimas secaram. Sua situação era demasiadamente desesperada para chorar. Não via mais que humilhações em seu futuro e de uma maneira ou outra devia evitá-las.

Do seu ponto de vista só tinha um caminho que tomar: abandonar a casa da senhora Underhill e voltar a Londres. Mas Londres significava ir a Portland Place, e ainda que não achasse que sua tia Budford a fizesse regressar a Staples, onde tinha sido tão infeliz e maltratada, não podia estar certa de que não tentaria voltar a confiá-la numa escola até que fosse apresentada a sociedade na próxima temporada.

Enquanto ia de um lado a outro de seu quarto, Tiffany apertou a fundo seu cérebro. Recordou a existência de seu outro tutor, o solteiro tio James, que vivia com uma velha caseira que o atendia em algum lugar da cidade. Isto, é claro, era um inconveniente mas podia se arranjar. James Budford, nas poucas ocasiões que se tinham encontrado, se tinha comportado da mesma maneira que outros cavalheiros mais velhos que conhecia: festejando seus travessuras, apertando-lhe as orelhas e tratando-a de menina malcriada. Ainda que não recebesse com deleite a sua formosa sobrinha, poderia fazer que mudasse de opinião. Poderia ficar em sua casa, ou persuadir-lhe para que convencesse à tia Budford da conveniência de apresentá-la durante a pequena temporada. Ademais era provável que insistisse muito menos que a tia Budford para que regressasse a Staples. Na verdade, quando mais pensava Tiffany nos males que tinha suportado, mais se convencia de que ninguém poderia culpá-la por fugir. A tia Underhill tinha-a abandonado, sem sequer convidá-la a ir a Bridlington; Courtenay tinha sido cruel e descortês desde o primeiro instante e miss Trent, cuja única obrigação era de cuidar dela, a tinha negligenciado em benefício de Charlotte e se tinha mostrado como uma mulher de tão pouca correção ao abandoná-la à multidão em Leeds, partindo em seu carro com uma rapariga odiosa com a qual não tinha obrigação alguma, e deixando a sua pupila sozinha numa pousada para que fosse levada a Staples, sem acompanhante, por um cavalheiro solteiro.

A dificuldade estava agora em encontrar o meio para escapar. Esquecendo-se por um momento que em todo este drama tinha atribuído o papel de malvada à miss Trent, Tiffany considerou a possibilidade da a convencer para que a acompanhasse até Londres. Mas em seguida abandonou esta solução a seu problema. A senhorita Trent não possuía a sensibilidade suficiente para apreciar a necessidade de uma partida imediata e estava segura de que negar-se-ia à acompanhá-la sem consultar antes a tia Underhill. Até era muito provável que a aconselhasse suportar a humilhação: como se não fosse preferível morrer antes de o tentar.

Não! Miss Trent só seria um estorvo; de fato era preferível abandonar a casa antes que voltasse. Mas como iria a Leeds? Podia ir cavalgando: os criados do estábulo estavam acostumados a suas excursiones solitárias e não poriam objeções, mas ser-lhe-ia impossível levar a menor de suas malas, pelo que ver-se-ia obrigada a viajar até Londres com a mesma roupa. Era inútil pensar que o cocheiro levá-la-ia no cabriolé; ter-se-ia negado a fazê-lo a não ser que estivesse acompanhada por miss Trent ou por sua criada. Pelo mesmo motivo, o criado de Courtenay negar-se-ia a levá-la no cabriolé de seu primo.

Uma rapariga menos decidida teria se acovardado ante estas dificuldades, mas miss Wield não era das que se desalentam quando se tratava de conseguir seus propósitos. Antes de abandonar seu projeto teria sido capaz de ir andando até Leeds. Estava em dúvida entre empreender o penoso caminho levando uma carteira de mão ou cavalgar sem bagagem quando escutou um ruído familiar.

Correu para a janela e viu o senhor Calver acercar-se da casa em sua caleça.

Tiffany abriu as janelas e assomando-se gritou-lhe: — Oh, senhor Calver! Como está você? Veio a procurar-me? Estarei com você num momento!

Ele lhe fez uma cerimoniosa saudação com seu chapéu de pele de castor enquanto dizia:

— Estou a suas ordens. No entanto, não há por que se apressar. Antes devo apresentar minhas saudações a miss Trent.

— Oh! Foi a Nethersett! Não acho que esteja de regresso antes de algumas horas — replicou Tiffany—. Dentro de dez minutos estarei com você.

Não era isto o que ele esperava ouvir, nem também não tinha vontade de se sentar junto a Tiffany enquanto ela conduzia a caleça pela redondeza. Não lhe atraía sua companhia, e lhe ensinar a conduzir era uma ocupação que começava a aborrecê-lo. No entanto, como não tinha outra forma de matar o tempo se resignou. Surpreendeu-se quando vinte minutos depois, viu sair a Tiffany ataviada com uma elegante peliça azul, um chapéu com plumas de avestruz e uma enorme bolsa pendurada no braço.

— Diabos! — exclamou —. Quero dizer? que se...

Tiffany entregou-lhe a bolsa e subiu à caleça dizendo-lhe: — Estou desesperada! Devo ir a Leeds, e Ancilla partiu muito cedo com a caleça, e não sei onde pode estar Courtenay.

— Ir a Leeds? — repetiu ele —. Mas...

— Sim, é a coisa mais irritante que se pode imaginar — respondeu ela com tranquilidade —. A costureira enviou meu novo vestido de baile, que desejo estrear na festa dos Syston, e a tonta o fez muito pequeno. Agora devo ir a Leeds; o cocheiro não está e não há ninguém que possa me acompanhar. Não sabia o que fazer até que o vi chegar. Levar-me-á, não é verdade? — Não terá nada de mau em isso.

— Bom, não sei — assinalou Laurie duvidando —. Não estou seguro que deva fazê-lo. Acho que miss Trent não achará correto.

— Como pode você ser tão absurdo? — disse ela rindo —. Não saímos juntos outras vezes?

— Sim!, mas...

— Se você não me acompanhar, irei sozinha! — advertiu-lhe Tiffany —. E a cavalo, e isso sim que não estaria bem. Assim que se você prefere se mostrar descortês...

— Não, não. Suponho que será melhor que a leve, já que está tão decidida a ir. De qualquer jeito, não pode ir sozinha — replicou ele —. Tenha em conta que não deve permanecer durante horas com a costureira. Acho que levaremos quase duas horas só para ir e voltar de Leeds. Deixou recado de que partiria?

— Oh, sim! — assegurou-lhe ela mentindo —. Ancilla não terá por que se preocupar e você também não. E não estarei com a senhora Walmer mais uma meia hora, prometo!

Ele ficou satisfeito com a explicação, e ainda que tivesse poucas esperanças de que ela abandonasse o salão da costureira em tão pouco tempo, pensou que podia estar seguro de encontrar miss Trent em casa se demorasse umas três ou quatro horas para voltar a Staples com Tiffany.

Tiffany conversou alegremente durante todo o trajeto. Depois de contornar o primeiro obstáculo de sua fuga, estava de muito bom humor. Seus olhos brilhavam pela excitação e seus lábios não deixaram de sorrir. Em sua imaginação já se tinha convertido no mimo de seu tio James e o tinha convencido para que abandonasse a cidade e se mudasse para um lugar mais elegante. A humilhação da noite anterior e a comoção ao descobrir que Lindeth se tinha comprometido com Patience, pareciam coisas muito remotas e esquecê-las-ia totalmente logo que deixasse Yorkshire para trás. Novas e mais atraentes conquistas aguardavam-lhe. Depois de tudo nunca lhe tinha importado Lindeth e quanto ao resto de seus admiradores, eram um grupo de provincianos aos quais nunca voltaria a ver.

Ao chegar a Leeds, Laurence, que não conhecia a cidade, lhe pediu que lhe indicasse o caminho para uma boa pousada onde pudesse deixar a caleça e se dar comida ao cavalo. Depois de olhar com desagrado às numerosas pessoas que transitavam pela movimentada rua comercial, lhe disse: — Acompanhá-la-ei até a casa da costureira. Não me parece recomendável que vá sozinha.

Estas palavras fizeram que Tiffany se desse conta de que, em seus sonhos, tinha passado por cima de algo muito importante. Como nunca tinha viajado sem a companhia de alguma pessoa mais velha que se encarregava de todos os gastos, não sabia onde e em que condições se alugavam carros ou, na falta destes, onde tinha que se dirigir para comprar um bilhete da diligência ou do carro correio e a que horas estes meios de transporte mais modesto saíam de Leeds com destino a Londres.

Observou Laurence e decidiu que era necessário contar com sua ajuda. Talvez tivesse que enganá-lo um pouco, mas estava segura de que era um de seus mais fervorosos admiradores. Courtenay tinha caçoado dela pelo fato de que gostasse de um caçador de fortunas, e se Courtenay estava certo ao achar que o extraordinário senhor Calver ia à caça de uma esposa rica, não seria difícil lhe convencer para que lhe prestasse tão importante serviço. Mostrou-lhe o caminho para a hospedaria King's Arms, enquanto dizia que desejava tomar uma limonada e que na hospedaria tinha várias salas particulares para reservar.

Laurence estava disposto a convidá-la para uma limonada, mas achou que era desnecessário e até pouco oportuno recorrer a um salão privado. No entanto, já que ela dava por certo que ele o faria, se guardou de fazer objeções. Mas quando no pátio da hospedaria levantou a sua bolsa, lhe pareceu que pesava demasiado. Quando Tiffany a tinha entregado na primeira vez não tinha prestado atenção a isso, mas agora lhe dirigiu um olhar cheio de suspeita lhe dizendo: — É muito pesado este vestido, não é verdade?

— Bom, há outras coisas na bolsa — confessou ela.

— Estou seguro de que há. Acho que há algo muito suspeito em tudo isto...

— Explicarei tudo — disse Tiffany apressadamente —. Mas em particular, por favor.

Olhou-a com desconfiança, mas antes que pudesse acrescentar algo mais, ela se tinha escapulido para o interior da pousada, e enquanto não estivessem no mesmo salãozinho que Lindeth tinha alugado, não pôde exigir uma explicação.

Tiffany dedicou-lhe o melhor de seus sorrisos e disse simplesmente:

— Bom, revelarei um segredo. Não é um vestido de baile. É... Oh céus! Vou para Londres!

— Você vai a Londres? — repetiu Laurence sem compreender.

Ela o olhou com olhos lânguidos, lhe perguntando:

— Você me acompanharia?

A cabeleira do senhor Calver tinha muita pomada para arrepiar-se, mas seus olhos pareciam querer sair de suas órbitas.

— Santo céu! Não! Claro que não! — replicou indignado.

— Então deverei ir sozinha — disse Tiffany tristemente.

— Perdeu você o juízo? — perguntou Laurence.

— Deve você saber que estou perfeitamente consciente — contestou Tiffany suspirando —. Vou a Londres para procurar a proteção de meu tio James Budford.

— E para que a precisa? — interrogou Laurence sem impressionar-se.

— Sou muito infeliz — afirmou Tiffany —. Minha tia Underhill não me tratou como devia. Nem também Ancilla.

O senhor Calver não era muito inteligente, mas não teve dificuldade alguma para entender o motivo da trágica afirmação. Com uma lamentável falta de tato disse sombriamente:

— Lindeth pediu a mão da filha do pastor, não é verdade? Bom, já o tinha adivinhado. No entanto, não é necessário que você vá a Londres. Ele não se importa nem um pouco!

— Também a mim não importa nem um pouco — declarou Tiffany soltando fogo pelos olhos —. Não é por isso pelo que estou disposta... disposta a morar com meu tio.

— Bom, não tem importância — disse Laurence —. De qualquer jeito, você não poderá ir hoje a Londres.

— Posso e o farei.

— Não com minha ajuda — contestou Laurence com rudeza.

Ninguém nunca tinha respondido dessa maneira aos desejos de Tiffany e lhe custou um grande esforço dominar seu gênio.

— Ficaria muito agradecida — disse baixinho.

— Já o suponho — replicou ele —. Para que serviria! Céus! Que confusão seria se eu fizesse algo tão absurdo como partir a Londres com uma criança de sua idade, com uma bolsa de viagem como única bagagem!

— Não pretendo que utilizemos a caleça. Como pode ser tão tonto? Podemos tomar um carro de aluguel, é claro.

— Sim, e seguramente com quatro cavalos.

Ela assentiu, surpreendida de que ele tivesse tido que perguntar tal coisa.

Seu olhar de inocência, longe de cativar Laurence, o exasperava.

— Tem você idéia do que custaria? — perguntou.

— E isso tem alguma importância? — exclamou ela com impaciência —. Meu tio o pagará!

— Muito possivelmente, mas não está aqui! — indicou-lhe Laurence.

— Ele pagará todas as contas quando eu chegar a Londres.

— Você não chegará a Londres. Quem pagará a primeira posta? Quem pagará a mudança de cavalos? São quase duzentas milhas até Londres, você sabe? suponho que não o sabe. O que é mais, não poderá alojar-se numa casa de posta viajando sozinha. Não estranhar-me-ia que se negassem a lhe dar alojamento. Bom, quero dizer que, a quem ocorreria semelhante coisa? Por favor, reflita, miss Wield! Não pode você fazer semelhante tolice, lhe asseguro.

— Preocupa-se pelo que possa dizer as pessoas? — perguntou Tiffany com desprezo.

— Sim! — respondeu ele.

— Que desprezível! Eu não!

— Atrever-me-ia a dizer o mesmo. Você é demasiadamente jovem para saber de que está falando. Se está tão decidida a ir a Londres, deve pedir a miss Trent que a acompanhe.

— Oh! Que estúpido é você! — gritou Tiffany com energia —. Ela não faria tal coisa!

— Bom, isso pode ser uma solução — disse Laurence —. Beba sua limonada como uma garota boa e levá-la-ei de volta a Staples. Não há necessidade de que ninguém saiba onde estivemos.

Simplesmente diga que fomos mais longe do que pensávamos.

Depois de dominar o impulso de arrojar-lhe a limonada à cara, Tiffany disse com tom encantador:

— Sei que não seria tão cruel para me levar de volta a Staples. Preferiria morrer antes de ter que voltar. Venha comigo a Londres. Poderíamos fingir que estamos casados. Então tudo seria correto.

— Você sabe que tem as idéias mais absurdas que já escutei em minha vida? — disse Laurence com severidade —. Não, não seria correto em absoluto.

— E se me casasse com você? Talvez o faça — exclamou Tiffany olhando-o provocativamente.

— Talvez sim, talvez não — ele a imitou —. De todas as escandalosas...

— Sou muito rica e você o sabe. Meu primo diz que por isso você veio atrás de mim.

— Disse tal coisa? Bom, você pode dizer a seu querido primo, junto com as minhas saudações, que não sou tão imbecil para correr por trás de uma menina que não receberá sua herança antes de quatro anos — disse Laurence muito ofendido —. E outra coisa! Também não o faria ainda que você tivesse a idade adequada. Por um lado, não desejo me casar com você, e pelo outro não sou um necessitado e não tentaria algo assim ainda que estivesse arruinado.

— Você não deseja se casar comigo? — balbuciou Tiffany podo-se a chorar. Ao ver as lágrimas, Laurence exclamou horrorizado:

— Não sou dos que se casam. E se o fosse... Céus! Não chore! Não queria dizer... quero dizer, que muitíssimos homens desejariam poder casar com você. Não estranhar-me-ia que se convertesse numa duquesa. Juro-lho! — É a rapariga mais formosa que vi em minha vida.

— Ninguém quer se casar comigo! — gemeu Tiffany.

— Mickleby! Ash! O jovem Banningham! — gritou Laurence.

— Esses! — disse Tiffany com repugnância —. Ademais não iriam querer! Desejaria estar morta!

— Você está acima deles — replicou Laurence desesperado —. Acima de mim também. Você se casará com um par do reino. Verá! Mas não, se passar do limite.

— Não me importa! Quero ir a Londres e irei a Londres! Se você não me acompanha, empreste-me o dinheiro para a viagem...

— Não, santo Deus, não! Além disso, não o tenho. E se tivesse-o não emprestaria — exclamou Laurence quase afogado de indignação —. O que você acha que diria meu primo Waldo se eu fizesse algo tão louco como mandar você a Londres num carro de aluguel, sem nada mais que uma triste bolsa e sem sequer uma criada para que a atenda?

— Sir Waldo? — perguntou Tiffany deixando de chorar —. Crê você que iria se aborrecer?

— Aborrecer-se! Destroçar-me-ia! O que é mais — disse Laurence—, não o culparia por isso. Numa boa confusão iria me meter. Não, muito obrigado!

— Muito bem! — replicou Tiffany em tom trágico —. Abandone-me!

— Desejaria — disse Laurence, olhando-a com muito pouca simpatia — que deixasse de falar dessa maneira tão tola. Qualquer um pensaria que está ruim da cabeça. Abandoná-la? Bonito papel que faria!

— Bom, não me importa se você prefere ser descortês — manifestou Tiffany encolhendo-se de ombros.

— Não lhe importa mas a mim sim — interrompeu Laurence —. Acho que só se interessa por você mesma.

— Acho que você só se interessa por você mesmo — imitou-o desta vez Tiffany —. Vá-se! Vá-se! Vá-se! Vá-se!

Sua voz elevava-se a cada vez que repetia a ordem e Laurence, no mais vivo temor de se ver envolvido num escândalo, engoliu seu mal humor e adotou um tom conciliador.

— Vamos, escute-me! — rogou-lhe —. Não pode dizer isso para valer e deve compreender que não posso partir, deixando-a sozinha aqui. Que faria você? Responda-me a isso! E não me diga que irá a Londres porque, por um lado, não tem dinheiro para pagar o aluguel de um carro, e, pelo outro, apostar-lhe-ia que não há um ser no mundo que seja tão néscio para a levar. E se você tenta suborná-lo, o mais provável é que ache que fugiu da escola ou qualquer coisa pelo estilo, e numa boa confusão ele se veria metido se aceitasse ajudá-la e a transportar. O que faria seria chamar o funcionário da justiça. — Percebeu que seus olhos se abriam pelo desalento, o que lhe fez insistir sobre este último ponto —: Antes que você se desse conta estaria em frente a um juiz, e se você se negasse a lhe dizer quem é, fá-la-ia encerrar. Bonita maneira de armar uma confusão!

— Oh, não! — exclamou Tiffany tremendo —. Não o faria — não poderia.

— Oh, sim que o faria! — disse Laurence —. Se não quer que ninguém se inteire de que tentou escapar e que teve que ser libertada do cárcere, o melhor que pode fazer é voltar para casa comigo.

Não deve temer que eu conte o que aconteceu. Não o farei!

Ela permaneceu sentada em silêncio o olhando com firmeza. Miss Trent teria reconhecido a expressão de sua cara de imediato; Laurence, ao contrário, aguardava ansioso sua capitulação.

— Mas se viajasse na diligência ou no carro do correio — disse Tiffany pensativamente—, ninguém tentaria me deter. Sei-o, pois várias das garotas costumavam ir à escola da senhorita Climping na diligência. Estou-lhe muito agradecida avisar-me. Ademais, os carros correios viajam de noite, pelo qual não terei que alojar-me numa posada. Sabe você quanto custaria o bilhete?

— Não o sei e nem tem importância, pois não permitirei que vá a Londres nem em carro, nem em diligência nem com o correio. Ela se levantou e começou a pôr as luvas lhe dizendo:

— Oh, sim! Não pode me impedir. Sei o que tenho que fazer se o tentar..., e não serve de nada que esteja você apoiado contra a porta, porque se não a abrir de imediato, gritarei pedindo ajuda e quando as pessoas apareceram direi que você me seqüestrou.

— Em um carro aberto e com você saltando alegremente como um grilo pelo pátio — Não seja tão tonta! Não irão acreditá-lo!

— Então direi que você me enganou e que não sabia sobre suas intenções até o momento — até o momento em que você tentou seduzir-me, precisamente agora — replicou Tiffany sorrindo-lhe angelicamente.

Laurence afastou-se da porta. Acreditava muito possível que cumprisse sua ameaça, e apesar de considerar que podia explicar a verdade dos fatos às pessoas que aparecessem, não só tremia ante a possibilidade de se ver envolvido numa cena tão feia como embaraçosa, mas que duvidava muito de que seu relato fosse acreditado. Nem ele mesmo teria acreditado, pois era difícil inventar uma história mais inverossímil. Por outro lado, o relato de Tiffany, respaldado por sua juventude, sua incrível beleza e o salão privado, resultava perfeitamente verídico. Com um tom muito suave disse:

— Não é necessário que se enfade. Não a estou retendo. Mas o caso é que custará muitíssimo dinheiro comprar um bilhete no carro correio, e eu não posso ajudá-la — não tenho mais que um par de guinéus.

— Então irei na diligência. Até numa carreta! — replicou Tiffany levantando o queixo com petulância.

— Não a levaria — disse Laurence —. Certamente você pode viajar na diligência, mas são endemoniadamente lentas. É muito fácil que a alcancem. Seu primo não gostará nada de ir com seu cabriolé em perseguição à diligência.

— Não! Como poderia saber ele aonde vou? A não ser que você o diga e seguramente não será você tão traidor.

— Bom, terei que dizer-lhe. Queira ou não!

— Por quê? — perguntou ela —. Não lhe importa o que suceda comigo.

— Não, mas me importa o que suceda comigo — respondeu Laurence com franqueza. O vago entendimento de que tinha encontrado a seu igual surgiu em Tiffany. Olhou Laurence com uma mistura de indignação e de involuntária admiração, zangada com ele porque somente considerava seus próprios interesses, mas também compreendendo claramente sua posição. Após uma pausa disse lentamente: — Todos culparão você. Já o vejo! Mas você me ajudaria se ninguém soubesse. Não é verdade?

— Sim, mas saberiam de toda maneira, assim que...

— Não, não saberiam. Tenho uma idéia magnífica — interrompeu Tiffany —. Você deverá dizer que eu o enganei.

— Fá-lo-ei! É o que você fez — disse Laurence.

— Sim, assim será quase verdade: só que deverá dizer que eu fui à costureira e que esperou, esperou e esperou; que eu não voltei, e, apesar de ter me procurado por todas parte, não pôde me encontrar, e que não tem a menor idéia do que pode me ter sucedido.

— E eu volto a Broom Hall, depois de passar em Staples para dizer a miss Trent que a perdi em Leeds.

— Sim — exclamou ela feliz —. Por que então já estarei fora de seu alcance. Estou decidida a ir com o carro correio, e sei o que tenho que fazer para pagar o bilhete: Venderei minhas pérolas ou talvez você ache que será melhor as empenhar — Sei tudo sobre as casas de empréstimos, pois quando estava na escola de Bath, Mostyn Garrowby, que foi meu primeiro pretendente, apesar de ser demasiado jovem, empenhou seu relógio para me levar a uma festa nos Sidney Gardens.

— Não quererá dizer que permitiam que fosse a festas — disse Laurence com incredulidade.

— Oh, não! Tinha que aguardar que todo mundo estivesse deitado, é claro. A senhorita Climping nunca soube.

Esta desavergonhada confidencia encheu de desânimo a alma de Laurence. Percebeu que miss Wield estava feita de uma madeira mais dura do que supunha e suas esperanças de convencê-la de que a viagem a Londres estava cheia de dificuldades se evaporaram. Tais riscos não contariam para uma rapariga bastante audaz para escapar do colégio no meio da noite, para ir a uma festa em companhia de um molecote que não tinha nem um penny na carteira. — Qual é seu conselho? — perguntou Tiffany, desprendendo o colar de pérolas que levava ao pescoço.

Laurence mordia pensativamente o lábio inferior, mas quando ela, sem esperar sua resposta, se acercou à porta, lhe disse:

— Dê-as! Se você quer ir a Londres, eu as empenharei por você.

Ela se deteve e lhe dirigiu um olhar cheio de desconfiança.

— Prefiro fazê-lo eu mesma. Muito obrigado.

— Não, você não fará tal coisa! — disse ele indignado —. Não pensa que tento escapar com suas pérolas.

— Não, mas... Bom, não surpreender-me-ia nem um pouco que você tentasse chegar a Staples. Se pudesse confiar em você... Oh, já sei! Acompanhar-lhe-ei até a casa de empréstimos. E depois poderíamos averiguar onde se toma o carro do correio e a que hora sai de Leeds e...

— Muito bem. Acompanhe-me — mas não me jogue a culpa se nos encontramos com alguém que a conheça.

A mudança de expressão no rosto dela foi cômica enquanto exclamava:

— Oh não! Claro que não!

— Nada é mais provável! — afirmou Laurence —. Eu acho que as velhas passam a maior parte de seu tempo dando voltas por Leeds comprando alguma coisa. Claro que a mim não me importa, mas não nego que alegrar-me-ia ver a esposa do Squire, ou à senhora Banningham, ou...

— Que odioso você é! — gritou Tiffany levantando as mãos em sinal de protesto —. Estou convencida de que gostaria de trair-me!

— Basta, senhorita! — disse ele —. Quando fui eu quem a adverti! — Se o deixo ir sozinho e você se encontra com uma dessas horríveis criaturas, você dirá a elas? — perguntou Tiffany com muita perspicácia.

— Dou-lhe a você minha palavra que não farei tal coisa! — exclamou Laurie rapidamente.

Ela se teve que conformar e sem muito entusiasmo lhe entregou o colar de pérolas. Ele as guardou em seu bolso e enquanto recolhia o chapéu lhe aconselhou:

— Parto. Você permaneça aqui e não fique nervosa. Atrever-me-ia a dizer que levará algum tempo arranjar todos estes trâmites. Farei que lhe sirvam um refresco.

Quase uma hora demorou Laurie para voltar à pousada e quando entrou no salãozinho privado, encontrou miss Wield tão assustada que se pôs a chorar quando o viu. No entanto, quando ele lhe entregou o bilhete e lhe informou que tinha conseguido um assento para ela no próximo carro correio com destino a Londres, suas lágrimas secaram e recobrou o ânimo. Se desiludiu um pouco quando se inteirou que o carro demoraria ainda duas horas para chegar a Leeds procedente de Thirsk, mas se sentiu muito feliz ao recuperar suas pérolas.

— Considerei preferível empenhar meu relógio — disse Laurie laconicamente.

Ela as aceitou aliviada e enquanto colocava o colar comentou:

— Estou-lhe muito agradecida! Só que se tinha que esperar tanto pelo carro dos correios poderia ter viajado na diligência, após tudo.

— Não tinha assentos — respondeu Laurence, sacudindo a cabeça —. Estava cheia. Ademais o carro correio passará a diligência sem a menor dúvida. Descerá no Bull and Mouth, em St. Martin's Lane, e ali poderá pegar um carro. Só terá que dizer ao cocheiro a direção de seu tio.

— É verdade — assentiu Tiffany —. Mas eu desejaria... Onde devo ir para tomar o carro correio?

— Ao Golden Lion. Não tem de que se preocupar. Eu acompanhá-la-ei até ali.

As rugas que a ansiedade de Tiffany desapareceram.

— Então, não me deixará sozinha? Estou-lhe muito agradecida. Acho que julguei-o mal, senhor Calver.

— Não, não! Já lhe disse desde o primeiro momento que não quero ter nada a ver com todo este assunto — replicou ele com um olhar um tanto esquivo.

— Oh, sim! Mas agora tudo irá bem — disse Tiffany alegremente.

— Bom, espero que assim seja — contestou Laurence, dando um rápido olhar ao relógio que estava sobre a lareira.

 

-

Capítulo XIX

 

 

Durante a longa e tediosa viagem, miss Trent tinha refletido sobre o ocorrido entre ela e o

“Incomparável”, e ao regressar a Staples estava profundamente deprimida. Depois de entregar as rendas ao taciturno criado que a tinha acompanhado, desceu da caleça e subiu com passo cansado os degraus que levavam até a imponente entrada da casa. As portas duplas estavam abertas e deixavam passar a luz do sol. Quando penetrou no vestíbulo, tirando as luvas, desejou ter um momento de descanso antes de se ver obrigada a inventar alguma distração para entreter a sua pupila durante toda uma noite carente de atrativos. Por um momento ficou ofuscada ao passar da brilhante luz do sol ao vestíbulo em penumbras, mas sua visão se aclarou rapidamente enquanto lhe envolvia o pressentimento de que não haveria descanso para ela. Ao pé das escadas estavam a conversar baixinho o senhor Courtenay Underhill e miss Maria Docklow, criada de Tiffany. Os dois voltaram-se para ver quem tinha entrado na casa, e somente um olhar bastou para confirmar o pressentimento de miss Trent.

— Oh, céu! — disse com um débil sorriso —. E agora, que aconteceu?

— Essa maldita malcriada, louca e descontrolada prima... — disse Courtenay. Viu que as sobrancelhas de miss Trent se arquearam levemente e corou: — Oh! Peço-lhe desculpas, madame, mas é bastante grave para que qualquer um amaldiçoe. Pelo céu que o é!

Miss Trent desatou os cordões de seu chapéu de palha e tirou-o arranjando os apertados cabelos.

— Bom, que fez ela para o perturbar? — perguntou enquanto deixava o chapéu sobre a mesa.

— Perturbar-me! Fugiu com esse janota do Calver! — declarou Courtenay.

— Tolices! — disse miss Trent, conservando-se calma.

— Não são tolices! Permita-me dizer-lhe que partiu faz mais de três horas e...

— Sim — Atrever-me-ia a pensar que tiveram algum acidente com a carruagem ou talvez o cavalo se machucou.

— Mas, senhorita! — anunciou miss Docklow com acento sepulcral.

— Como pode saber? — perguntou miss Trent sem desanimar.

— Sim! O mesmo perguntei-lhe eu — disse Courtenay, severamente.

A criada estava disposta a manter-se no centro da cena e disse:

— Se é isso o que deseja saber, madame, rogo que suba as escadas e veja o que eu vi.

— Que viu você? — insistiu miss Trent.

Miss Docklow levou suas mãos ao seu magro peito e levantou seus olhos para o teto.

— Deu-me um espasmo, senhorita, sendo minha saúde tão débil como é, apesar de que não disse nem única palavra de queixa, coisa que qualquer pessoa que me conheça pode confirmar.

— Que importa tudo isso! — interrompeu Courtenay enfadado —. Não há necessidade que se dê ares de vítima. Ninguém a acusa! Tiffany, madame, partiu levando suas roupas de dormir e suas jóias.

— Embalados numa caixa onde eu tinha guardado seu melhor chapéu — disse miss Docklow —. O que usou em Harrogate, senhorita; o chapéu Waterloo, enfeitado com plumas. E sua pelica azul, com cordões de seda e borlas. E seu traje de montar, o traje de veludo, senhorita, está atirado no chão.

Nunca ficará bom, faça o que se fizer.

Surpreendida enfim, mas ainda incrédula, miss Trent subiu escadas acima seguida por miss Docklow e Courtenay. Deteve-se na soleira da porta do dormitório de Tiffany, e permaneceu olhando assombrada o quadro em total desordem. Os sinais de uma furiosa pressa eram evidentes, pois as caixas estavam fora de seu lugar, as portas dos armários permaneciam abertas e tinha roupas espalhadas por todo o quarto.

— Santo Deus! — exclamou miss Trent assombrada.

— Agora, madame, talvez me acredite — disse Courtenay —. Bonito, não é verdade? Estranho passeio. Só uma saída em uma caleça, eh — Céus, isto não se pode suportar! Não é bastante que tenha que preocupar a todos. Oh, não! Nada é suficiente para ela, senão armar o mais intolerável escândalo.

— Silêncio — rogou miss Trent —. Peço-lhe.

— Pode pedir silêncio — interrompeu-lhe Courtenay —. Mas eu penso em minha mãe. E quando recordo a maneira em que ela cuidou a essa víbora e aceitado suas—

— Compreendo muito bem seus sentimentos, mas com nos lamentar não solucionaremos nada.

— Nada pode solucionar este assunto!

Ao ver o quarto desordenado, os ânimos de miss Trent falharam por um momento e esteve disposta a dar-lhe a razão. No entanto, repôs-se e disse:

— Não posso lhe dizer qual é o significado de tudo isto, mas estou segura de uma coisa: não fugiu com o senhor Calver.

— Equivoca-se, madame. Foi-se com ele. A está esperando na caleça alugado na hospedaria. É verdade, senhorita, ainda que envergonhe-me dizê-lo. Totton viu-o com seus próprios olhos.

— Dificilmente poderia tê-lo visto com outros! — replicou miss Trent irascível. Dominou sua ira e acrescentou em tom mais tranquilo: — Maria, será melhor que guarde todas essas roupas e arranje o quarto. Não preciso que lhe diga que contamos com sua discrição. Senhor Underhill, por favor, venha comigo. Devemos pensar em como resolver este assunto.

Ele a seguiu com mau humor, dizendo, enquanto fechava a porta do salão.

— Sei o que devo fazer, e se você não tivesse chegado já ter-me-ia ido, pois não há tempo a perder.

Ela tinha sentado numa cadeira com os cotovelos sobre a mesa e com as mãos apoiadas sobre a fronte mas, ao escutá-lo, levantou a cabeça perguntando:

— Ir onde?

— A Harrogate, é claro.

— Harrogate? Santo Deus! Para quê?

— Céus, madame! Esse tipo não pode ir até a fronteira com uma caleça. Pode estar segura que alugará um carro de quatro cavalos e onde poderá o fazer se não é em Harrogate?

— Valha-me o céu! Quer dizer que fugiram para se casar? — exclamou incrédula.

— Certamente que sim! É o tipo de coisas que Tiffany faria e você não pode negá-lo.

— No entanto, não é o tipo de coisas que faria o senhor Calver. Nem também acho que Tiffany possa ter sido convencida de fugir com um vulgar plebeu. Asseguro-lhe que tem grandes aspirações. Não, não! Essa não é a resposta a este enigma.

— Então qual é? — perguntou Courtenay —. E por que não foi a Nethersett com você? Você me disse durante o café da manhã que pensava levá-la consigo.

— Ela desejava visitar a Patience... — A voz da senhorita Trent foi apagando-se e fez-se o silêncio.

Courtenay fez um muxoxo depreciativo e disse:

— Essa sim que é boa! Desejava visitar Patience! Suponho que para lhe pedir perdão!

— Para fazer as pazes. Quando você lhe contou que o senhor Edward Banningham tinha relatado a verdadeira história do ocorrido em Leeds... Oh, como desejei que você não dissesse uma palavra!

Deveria ter suposto que ela poderia fazer algo escandaloso! Eu o sabia. Nunca deveria ter lhe deixado ir. Sou a responsável por tudo. Mas parecia tão tranquila esta manhã, pensando em como superar a sua falha...— Sim, e muito astuta. Pensando como se livrar de você para fugir com Calver.

Miss Trent permaneceu em silêncio, olhando fixamente a parede em frente a ela. De repente exclamou:

— Não! Foi a reitoria! Recorde que seu traje de montar estava no chão, com o chicote e as luvas. Algo deve ter sucedido ali. Patience? Não, Patience não a teria recusado. E se a senhora Chartley a tivesse repreendido? Mas, que poderia ter lhe dito para que ela decidisse fugir? Senhor Underhill, acho que eu deveria ir a reitoria em seguida, e averiguar.

— Não! — interrompeu-a ele com energia —. Não quero que falem de nossos assuntos por toda a comarca!

— Falariam de todos os modos. E estou convencida de que a senhora Chartley...

— Não, se a trouxer de volta. Juro a você por minha mãe que o farei. — Fez uma pausa para acrescentar dando-se importância: — Terei que desafiar a esse homem, é claro, ainda que deva encontrar algum pretexto para isso. Em qualquer outro momento ela teria rido ao escutar suas palavras, mas agora estava demasiadamente ocupada com seus próprios pensamentos para lhe prestar atenção.

— Algo aconteceu — repetiu —. Algo que a tenha feito sentir que não podia permanecer aqui nem um minuto mais. Santo Deus! Lindeth! Deve ter pedido a mão de Patience e ela contou a Tiffany!

Courtenay lançou um assovio de surpresa.

— Isso sim que é sério. Não é verdade? Por Júpiter! Não acho que volte a ser a mesma outra vez.

Céus! Deve estar feita uma cobra. Não é estranho que tenha fugido com Calver. Trata de convencer a todos de que é ele a quem ela realmente desejava.

A senhorita Trent esteve absorta um momento mas depois recuperou-se.

— Sim, ela podia ter feito isso num de seus ataques, mas ele não. Um momento. Deixe-me pensar.

Pôs as mãos sobre os olhos tratando de recordar todo o sucedido até o momento da fuga.

— Bom, se não pensa em fugir para casar, aonde pode ir? — argumentou ele.

— Que tonta sou! — exclamou miss Trent baixando as mãos —. A Londres, é claro. Isso é o que ela desejava fazer; rogou-me que a levasse de volta para os Budford. Certamente, essa é a resposta.

Deve ter persuadido o senhor Calver de que a levasse a Leeds, de que a acompanhasse talvez até Londres. — Viu a incredulidade no rosto de Courtenay e acrescentou: — É possível que lhe tenha feito achar que a maltratávamos; já sabe que pensa que a maltratam a cada vez que não se faz sua vontade. Recorde que ele não a conhece tão bem como nós. Terá se comportado da forma mais encantadora, e já sabe como consegue o que quer quando o deseja. Ou talvez ele não fez mais que a levar até a diligência e a pôs ao cuidado do condutor.

— A diligência! — disse Courtenay com desdém —. Queria ver a Tiffany aceitando viajar numa diligência. Um carro de aluguel com quatro cavalos é o que pediria. Muito poucas esperanças tenho de alcançá-los.

— Não é possível — replicou miss Trent com decisão —. Gastou todo seu dinheiro em Harrogate. E acho que é muito pouco provável que o senhor Calver lhe tenha feito um empréstimo. Ela precisaria quase de umas vinte e cinco libras e por que iria ele levar essa soma quando tudo o que pretendia era levá-la para dar um passeio. Ademais, acho que não é muito generoso. — Fez uma pausa e depois acrescentou em tom contido: — Senhor Underhill, creio... acho que deveria ir você até Broom Hall para consultar sir Waldo. É o primo do senhor Calver — e considero-o como a pessoa mais adequada para se ocupar de todo este assunto.

— Pois não irei — declarou Courtenay enrubescendo —. Não sou um escolar, madame, e não preciso que ninguém me diga o que devo fazer, ou que o faça por mim. Agradeço-lhe a sugestão. Ordenarei que preparem meu cabriolé. Se esse precioso casal está em Leeds, tiveram que atravessar a vila e alguém os terá visto. E se é assim, pode estar segura que trarei Tiffany de volta antes que anoiteça.

Se fosse só por mim, não me importaria, mas podem me amaldiçoar, se me permite a expressão, se deixarei que vá aos Budford com a história de que a maltratamos.

Miss Trent não tinha muita confiança em sua capacidade para alcançar a um patife que levava três horas de vantagem; mas dado que estava convencida, como ele, que devia se fazer qualquer esforço, e que consultar a sir Waldo teria atrasado a saída ainda mais, se resignou ante a perspectiva de uma viagem incômodo e até perigosa. Courtenay sentiu-se aliviado ao saber que ela o acompanharia, mas a advertiu que faria todo o possível para se sair imediatamente, Miss Trent pensou que faria bem em se contentar em dominar aos cavalos, mas evitou de manifestar tal opinião.

Quando viu os cavalos atrelados lhe deu uma volta no coração. Tinham sido comprados recentemente e Courtenay ainda não tinha aprendido a guiá-los, e nem sequer os dominar, como cedo pôde descobrir. Depois de dizer que não tinha um momento a perder, Courtenay fustigou aos cavalos os pondo a trote rápido pela avenida que conduzia aos portões primeiramente. Como a avenida não só era estreita mas tinha várias curvas, miss Trent se viu forçada a se segurar fortemente para não cair. Conseguiram passar sem virar a pronunciada curva à saída do portão e logo estavam galopando pela estrada que levava à vila. Courtenay, entusiasmado pelo sucesso de ter podido ultrapassar a curva da entrada, confiou a miss Trent que tinha estado praticando com o chicote e que achava que podia tirar uma mosca da orelha do cavalo guia.

— Rogo-lhe que não faça tal coisa — replicou ela —. Não desejo me ver atirada na sarjeta.

Picado pela observação, Courtenay tentou demonstrar-lhe que era um grande condutor e logo os piores temores de Ancilla se viram confirmados. A menos de um quarto de milha de Oversett, roçando quase a borda da sarjeta numa das curvas, a roda dianteira do carro bateu contra um marco oculto na erva e ocorreu o inevitável. Miss Trent, levantando-se, mais furiosa que machucada, viu que uma das rodas do veículo estava totalmente destroçada, que o cavalo guia estava caído e com aparência de ferido; e que os outros cavalos ameaçavam fazer passar o cabriolé sobre o animal caído.

As censuras vieram a sua boca mas, sendo uma mulher de sensibilidade, achou que era melhor atender aos assuntos mais urgentes e não perder o tempo manifestando a Courtenay sua opinião sobre sua maneira de conduzir. Apressou-se em ajudar-lhe, e ambos conseguiram acalmar aos cavalos fazendo que retrocedessem para tratar de socorrer ao cavalo ferido.

— Basta! — ordenou Ancilla —. Agora já posso me ocupar sozinha destes dois. Trate de que o cavalo se levante.

Mudo de raiva e vergonha, Courtenay tirou os arreios dos cavalos, no preciso momento em que por uma das curvas do caminho apareceu o “Incomparável” conduzindo seus cavalos alazões em companhia de seu criado. Sir Waldo deteve-se sujeitando as rédeas como se fossem apenas um cavalo, enquanto o criado pulava ao chão. O “Incomparável”, com um olhar divertido, observou a Courtenay, que estava junto ao cavalo guia, e depois a miss Trent, que sujeitava aos dois animais suados junto à sarjeta.

— Céus! Blyth, faz o que possas!

O criado fez um sinal de assentimento e dirigiu-se a Courtenay, que sofria tal mortificação por se encontrar em semelhante situação que não sabia o que era melhor: Se morrer ou que matar o

“Incomparável”. Com o rosto vermelho de vergonha exclamou:

— Foi esse maldito marco! Não o vi!

— Muito compreensível — disse sir Waldo —. Mas se eu estivesse em seu lugar ocupar-me-ia dos cavalos. Não tem você por que me dar explicações. — Olhou sorridente a miss Trent e acrescentou: — Como está você madame? Um encontro muito afortunado. Ia de caminho de Staples para convidá-la a que me acompanhasse a Leeds.

— A Leeds! — exclamou Ancilla muito surpreendida. Ficou olhando-o assombrada, esquecendo-se da confusão em que se encontrava.

— Sim, numa obra de misericórdia. — Olhou para o cabriolé e viu que o cavalo guia já se tinha levantado: — Muito bem, Blyth! Agora se ocupe desse par.

O criado, que tinha estado examinando uma das patas traseiras do infortunado animal, se levantou enquanto respondia:

— Sim, senhor! A contusão do jarrete tem muito mau aspecto.

— Imaginava-o. Preste ao senhor Underhill toda a ajuda que possa.

— Senhor! — exclamou Courtenay, apertando os dentes —. Eu... nós... também nos dirigíamos a Leeds. É por isso pelo que... quero dizer... que é um assunto de soma urgência. Devo chegar ali o mais rápido possível. Não posso lhe dizer os motivos, mas se você vai para Leeds, seria muito gentil se me levasse com você...

— Não posso — disse o “Incomparável” com tom de desculpa —. Os cabriolés, você sabe, não foram construídos para levar três pessoas e me solicitaram muito especialmente que leve miss Trent.

Oh! Não se desespere dessa maneira. Acho que o assunto não é tão urgente. Também pode estar seguro de que miss Trent é bem mais necessária para o sucesso da missão do que você possa supor.

Miss Trent, depois de entregar as rédeas dos animais a Blyth, acercou-se rapidamente do cabriolé dizendo baixinho:

— Sabe-o então. Mas como? Onde estão?

— Em Leeds, na hospedaria King's Arms. — Inclinou-se sobre o assento a seu lado e estendendo sua mão para ela acrescentou: — Venha!

Ela olhou a mão que lhe oferecia pensando que era forte e bem formada e depois procurou seu olhar, que lhe sorria. Sentiu-se indefesa, sabendo que era seu dever ir em procura de Tiffany, e que desejava estar com o “Incomparável” mas, ao mesmo tempo, se sentia assustada de estar com ele, não por temor de sua força mas a sua própria debilidade. Antes que ela pudesse decidir o que fazer, Courtenay, cuja admiração pelo “Incomparável” diminuía rapidamente, exclamou com voz furiosa:

— Rogo-lhe que me desculpe, senhor, mas a senhorita Trent não pode me livrar de minha obrigação, que é da maior urgência, lhe asseguro. Não me importa que ele seja seu primo — eu... eu ardo de desejos de me encontrar com o senhor Calver.

— Sim, sim — disse sir Waldo tranquilizando-o —. Mas pode esperar um momento mais oportuno para lhe expressar sua gratidão. Sua obrigação mais urgente é agora se ocupar de seus cavalos.

— Minha gratidão! — gritou Courtenay esquecendo-se de sua obrigação e de seus cavalos.

Acercando-se do cabriolé do “Incomparável” acrescentou: — Esse... esse miserável patife foge com minha prima e você espera que eu lhe esteja agradecido. Bom, permita-me lhe dizer...

— Meu querido e inexperiente amigo — interrompeu sir Waldo olhando-o muito divertido—, está completamente equivocado. A quem supõe que devo minha informação?

— Não o sei. Eu... — respondeu Courtenay muito pouco convencido.

— Bom, pense — recomendou sir Waldo. Voltou a olhar a miss Trent arqueando as sobrancelhas.

— Está Tiffany com o senhor Calver? — interrogou Ancilla.

— Confio em que assim seja. Estava em sua companhia quando ele enviou seu pedido de ajuda, mas dúvida de sua habilidade para retê-la durante mais tempo. Não quero ser inoportuno, madame, mas vem você ou não comigo?

— Devo ir — replicou Ancilla recolhendo a saia com uma mão e tomando a dele com a outra.

Ele a ajudou a subir no cabriolé, enquanto dizia com tom suave: — Boa garota! Valente até o fim. Caiu na sarjeta?

— Presumo que adivinhou pelo meu aspecto — disse ela asperamente enquanto ajeitava o chapéu.

— Por verdadeiro que não! Uma simples dedução de causa e efeito. Como sempre, está você impecável e é uma constante fonte de alegria para mim. — Voltou a cabeça para olhar a Courtenay e dizer-lhe: — Underhill, deixo-lhe Blyth para que o ajude. Não tema. Só cuide de seus cavalos. Muito cedo terá a miss Wield de regresso.

Enquanto falava, fez retroceder suavemente aos cavalos e brindou com uma demonstração ao aspirante a condutor de como fazer a volta num espaço reduzido a um veículo desportivo puxado por quatro inquietos puro sangue.

A senhorita Trent valorizando sua habilidade, Disse-lhe:

— Conduz você ao milímetro. Oxalá pudesse fazer eu o mesmo com um carro de somente um cavalo.

— Fárá. Eu ensinarei — disse sir Waldo —. Você irá se sobressair sobre nossos melhores condutores.

Ela não tinha especial desejo de sobressair sobre ninguém, mas o significado de tais palavras conjuravam a visão de um futuro tão agradável que a duras penas pôde apagá-lo de sua mente.

Atendo-se unicamente ao problema que tinha entre mãos lhe disse:

— Espero que esteja disposto a me explicar como é que você está tão bem informado das andanças de Tiffany. Só pude imaginar quais poderiam ser suas intenções, pois tenho estado fora de Staples a maior parte do dia, e ela não me deixou recado.

— Que menina mais abominável! — comentou sir Waldo —. Minha informação, como já lhe disse, provem de Laurie. Enviou-me uma nota com um recado desde King's Arms. Pelo que pude entender, pois a escreveu com muita pressa e a julgar pelas expressões, extremamente preocupado, Tiffany o convenceu de que a levasse a Leeds com uma trapaça e, uma vez ali, lhe revelou sua intenção de partir para Londres. Não posso lhe dizer os motivos que a induziram a isso porque os ignoro. Todo o que sei é que Laurie a convenceu de que não há assentos disponíveis na diligência e que o carro correio não chegará a Leeds até as quatro da tarde. Resulta-me muito estranho que tenha escolhido essa hora, mas Tiffany a aceitou sem reparos.

— Certamente que é ridículo. Mas Tiffany não sabe nada sobre diligências e carros de correio. Bom, é um consolo saber que não estava enganada. O senhor Underhill afirmava de que ela e seu primo tinham tomado um carro de aluguel com quatro cavalos, mas eu não podia achar que o senhor Calver levasse tanto dinheiro.

— É muito pouco provável — assentiu ele —. E muito menos que tivesse gastado um único penny em benefício de Tiffany. Devo dizer que Laurie sabia onde pisava desde o primeiro instante.

— Sério? Então seria interessante saber o porquê de suas atenções para com ela.

— Oh! Era para separá-la de Julian — disse ele, sorrindo —. Chegou tarde mas tinha boas intenções.

— Precisamente, as suas — replicou ela um tanto enfadada —. Custa-me achar que o senhor Calver tenha o menor interesse na felicidade de lord Lindeth.

— É verdade que não! Mas sabe que eu sim, e, a não ser que esteja muito equivocado, o intrigante tinha o propósito de conseguir minha gratidão. Pobre Laurie! Levou algum tempo para compreender que sua tarefa era inútil. Mas manteve-o ocupado, e não fez dano a nenhum dos dois.

— Acho que sua opinião denota uma falta total de escrúpulos — assinalou miss Trent indignada. — Teria sido terrível se Tiffany tivesse se apaixonado por ele.

— Pelo contrário, teria feito muito bem. Já é hora de que essa jovenzinha sofra uma desilusão. A dizer verdade, esperava que ela se apaixonasse ainda que só fosse um pouco por ele, pois assim teria podido suportar mais facilmente saber que Lindeth tinha pedido a mão de miss Chartley. Não por seu bem, mas pelo seu. Posso imaginar o que fez você sofrer, minha pobre menina.

Ela simulou não ter escutado estas últimas palavras e lhe perguntou ansiosamente: — Ele pediu! — Que feliz fico ao saber! Espero que você não se oponha, sir Waldo.

— De jeito nenhum. É uma jovem admirável e eu me atreveria a dizer que será uma boa esposa.

— Eu também o creio assim. Tem tão poucas ambições mundanas como ele, além de um caráter muito doce. Mas e sua mãe? Aprovará?

— Não, não de imediato, mas aceitará. Tem toda a ambição mundana que falta a Julian, e fez todo o possível para que se interessasse por várias senhoritas que são o cúmulo da distinção. No entanto, imagino que já se deu conta que é inútil tentar lhe pôr à moda. De qualquer maneira, é demasiado boa mãe para pôr o menor obstáculo a sua felicidade. Julian disse que a senhora Chartley é aparentada de uma das mais velhas amigas de minha tia. Sua descrição da dama, desconhecida para mim, felizmente, não faria supor que minha tia considerasse o parentesco como uma vantagem, mas ele acha que sim. Pelo que lembra disse que é uma velha fastidiosa, mas acho que exagera.

Ela se pôs a rir enquanto dizia: — Que rapaz tão terrível! Diga-me, por favor, quando foi feito o pedido?

— Esta manhã. Julian confiou-me pouco antes que recebesse a mensagem de Laurie.

— Então já sei o motivo da fuga de Tiffany — disse miss Trent com um desesperançado suspiro —. Ela foi a reitoria esta manhã e lhe devem ter dito. Você pode dizer que é abominável e, certamente, muitas vezes o é. Mas não se pode deixar de sentir lástima por ela. Pobre menina, tão mal criada como foi durante toda sua vida, tão formosa, tão mimada e admirada. Talvez você não possa compreender o que significou para ela especialmente após o ocorrido no baile de ontem à noite — O baile de ontem à noite? Que ocorreu?

— Santo Deus! Deveria tê-lo notado — exclamou ela —. Todos esses rapazes que a têm estado cortejando desde o momento em que a trouxe a Staples se dedicaram a miss Chartley desprezando ostensivamente a Tiffany.

— Não, não me dei conta — contestou sir Waldo —. Eu estava na sala de jogos. Mas posso compreender muito bem seus sentimentos por ter sofrido desprezo. Eu mesmo sofri um e lhe asseguro que estou cheio de compaixão.

Voltou a olhá-la sorrindo com um pouco de amargura enquanto acrescentava: — Foi por isso, miss Trent, que procurei refúgio na sala de jogos.


Capítulo XX

 

 

Ela desviou o rosto consciente de que se tinha ruborizado, enquanto sir Waldo dizia em tom pensativo:

— Não recordo que tenha estado nunca tão triste em minha vida.

Ela pensou que não era prudente lhe responder. Não obstante Disse-lhe:

— Isso, sir Waldo, como você acostuma a dizer, é pintar tudo demasiado negro. Não me parece que esteja desanimado.

— Oh não! — exclamou ele rindo —. Não desde que me dei conta de que você também estava mal humorada.

— O ter sido atirada a uma sarjeta é bastante para pôr de mau humor a qualquer um — replicou ela.

— Então foram duas vezes? — exclamou ele —. Não sabia que tinha sofrido um acidente igual quando se dirigia ao baile.

— Só me ocorreu uma vez — contestou ela —. Ontem à noite não me encontrava completamente bem.

Tinha dor de cabeça.

— Outra vez? — perguntou sir Waldo com tom de preocupação —. Minha querida miss Trent, deveria consultar a um médico sobre essas frequentes dores de cabeça.

Ela fez todo o possível para não rir, mas ele escutou o som do riso se afogando em sua garganta e disse com carinho:

— Sabe — Acho que uma das coisas que mais me agradam em você é quando se controla para evitar rir. Realmente encanta-me. Desejaria que o fizesse de novo.

Só seu convencimento de que ele devia, por necessidade, ser um maestro na arte da educação lhe impediu satisfazer sua petição. Assustada ao descobrir que apesar de seus princípios cada fibra de seu corpo respondia ao encanto do “Incomparável”, disse, como se dirigisse aos cavalos:

— Sir Waldo, as circunstâncias obrigaram-me a ocupar um lugar em seu carro. Quando aceitei ir com você a Leeds, confiava que cavalheirismo, o sentido da correção, o impediria de voltar a tocar no assunto.

— Sério? — perguntou ele com simpatia —. Só para ver perdida sua confiança! Realmente isso está muito mal, e não deseja ver destroçadas as ilusões de ninguém. Mas, diga-me onde aprendeu semelhante tolice?

O reverendo William Trent, que era um homem muito sério, tinha advertido em muitas ocasiões a sua irmã mais velha que o excesso de senso de humor conduzia frequentemente a um afrouxamento de princípios. Ela compreendeu quanta razão tinha e se perguntou, assombrada, se era porque ele sempre a fazia rir pelo que, em lugar do recusar, tinha que lutar com o impulso de abandonar seus escrúpulos e aceitar sua proposição.

— O que a preocupa, meu amor? — perguntou ele gentilmente após uma pausa.

A mudança de tom fez fraquejar sua resolução mas conseguiu dizer com desânimo:

— Nada!

— Não, não digas tal coisa. Que fiz para que se tenha produzido tal mudança? Tenho queimado o cérebro tratando de descobrir a resposta, mergulhando em minha memória, mas foi inútil. O céu sabe que não sou um santo, mas não acho que seja eu mais pecador que qualquer outro homem. Diga-me!

Estas palavras fizeram-na ver que pertenciam a pólos opostos e julgou que era inútil iniciar uma discussão. Com toda a compostura possível lhe disse:

— Sir Waldo, por favor, não insista. Não desejo me casar.

— Por que não?

Ela deveria ter adivinhado, é claro, que ele desconcertá-la-ia. Procurou febrilmente uma desculpa e depois de uma pausa que a delatava disse:

— Sou uma professora. Não duvido que lhe pareça estranho que eu prefira continuar com minha profissão, mas assim é.

— Minha querida menina, poderás fazê-lo, com todas as minhas bênçãos.

— Não acho que gostasse de ver a sua esposa trabalhando de professora numa escola.

— Não, é verdade que não, mas se estar a cargo da educação de meninos é sua ambição, posso provê-la de abundante material para que exercites seu talento — disse ele alegremente.

Por um momento acreditou não ter entendido bem. Ela voltou a cabeça e lhe olhou assombrada, e, então, ao ver o brilho familiar em seus olhos, o furor ante seu audácia a envolveu e quase gritou:

— Como você se atreve!

Não tinha terminado de dizer tais palavras e já tinha se arrependido; mas teve ao menos a satisfação de ver desaparecer o brilho de seus olhos, que foi substituído por um olhar de assombro. Sir Waldo freou os cavalos e disse:

— Perdão?

— Não deveria ter dito tal coisa. Não devia... Por favor, rogo-lhe que o esqueça, senhor — respondeu ela corando.

— Esquecê-lo? Como poderia o fazer? Que diabos disse para que a enfureças dessa maneira? Nem sequer sabe de que estou falando, pois ainda não te revelei meu segredo. Lembra que prometi o fazer?

— Lembro-me — replicou ela com tom seco —. Disse que queria o pôr tudo em claro, mas não faz falta. Já sei qual é... qual é seu segredo, sir Waldo.

— Sabe-o? — Qual de meus primos o revelou? — perguntou ele com severidade?. Laurie?

— Não, não. Ele nunca o mencionou, lhe juro. Não me pergunte.

— Não preciso fazê-lo. Foi Julian, é claro. Deveria saber. Se alguma vez existiu um tagarela... Mas por minha vida que não posso compreender por que...

Ela lhe interrompeu falando quase com desespero:

— Oh, faz favor — Insistiu-me para que não lhe contasse. Fiz muito mal em dizer o que disse. Ele achou que eu o sabia... não tinha má intenção. Não acho que tenha imaginado que eu não dar-lhe-ia tão pouca importância como você. Você me disse que eu tinha uma mente demasiadamente liberal pára reprová-lo. Você o disse como um elogio, mas se equivocou: não sou tão liberal. Compreendo que, em alguns círculos, aos quais você pertence, tais coisas carecem de importância. Mas não ocorre o mesmo nos que eu freqüento. E minha família... oh, você não o entendia, mas deve me acreditar quando digo que não casar-me-ei com um homem cuja forma... cuja forma de vida me enche de repugnância.

Ele tinha escutado a primeira parte de seu discurso com grande assombro, mas quando ela terminou de falar o assombro se tinha dissipado para dar lugar a uma franca hilaridade.

— Então era isso! — exclamou com a voz trêmula de riso. Fez marchar novamente os cavalos enquanto acrescentava: — Torcerei o pescoço a Julian por isto. De todos os tagarelas cabeças de bagre — Exatamente o que te disse?

— Na verdade, não mais do que você me disse — replicou ela com ansiedade —. Só que as pessoas desaprovariam o uso que você pensava dar a Broom Hall. Não disse nada para desmerecê-lo.

Asseguro. De fato disse que apesar de que um primo seu achar que não está bem a... albergar meninos dessa classe numa comunidade respeitável...

— George! — interrompeu sir Waldo —. Está certa que não se referiu a eles como os horríveis fedelhos de Waldo?

— Acho que sim — replicou ela secamente.

— Não deves alterar o texto. Continua.

Ela o olhou com hostilidade e disse:

— Não há nada mais que dizer. Só quero deixar claro que lord Lindeth falou de você com admiração e afeto.

— Atrever-me-ia a dizer que sim. O céu guarde-me de parentes que me professam afeto e admiração.

Laurie não poderia tê-lo feito melhor. Assim que, não ajudar-me-ás a montar escolas para meus horríveis fedelhos?

— Escolas? — repetiu ela assombrada.

— Com o transcurso do tempo. Oh, não me olhes tão assombrada. Só tenho uma por enquanto. Para os fedelhos que tenho alojado em Surrey.

— Quantos meninos você tem? — perguntou ela um pouco enjoada.

— Não estou seguro. Acho que eram uns cinqüenta quando deixei Londres, mas não poderia dizer se não há já um par a mais.

— Cinqüenta?

— Esses são todos. Espero, no entanto, poder dobrar o número muito cedo — disse ele em tom afável.

Os olhos de miss Trent soltaram chispas quando disse:

— Suponho que para você é um assunto de troça, sir Waldo. Mas não o é para mim.

— Certamente que não é um assunto de troça. De fato, é uma das poucas coisas que levo muito a sério.

— Mas não é possível que você tenha cin... — interrompeu-se abrindo desmesuradamente os olhos. — Escolas... fedelhos horríveis ... levando a excentricidade demasiado longe... e só o pastor o sabe...

Eu, oh, que tonta fui — exclamou enquanto ria e começava a chorar ao mesmo tempo: — E Lindeth disse, quando levamos aquele menino à enfermaria, que você era o homem que precisávamos para solucionar o problema. Mas, como podia adivinhar que estava interessado em órfãos?

— Bem mais facilmente que pensando que eu era um libertino, não é verdade? — disse sir Waldo, que uma vez mais tinha freado os cavalos —. Permite-me que te diga, minha querida menina, que não agüentarei nem um mais de seus insultos. E se escuto outra palavra de você contra o grupo dos coríntios, arrepender-te-ás disso.

Como ele tinha tirado a severidade de suas palavras e a tomado em seus braços, não se assustou. A enorme alegria que sentia lhe fez esquecer todas as normas do bom comportamento, e se entregou a seu abraço. Depois, com o rosto apoiado contra seu ombro, disse:

— Oh, não! Nunca as escutará. Mas não é fácil acreditar. As pessoas dizem tantas coisas — e você falou de pôr tudo em claro — e depois Lindeth. Não se ria. Se soubesses a infeliz que fui?

— Sei-o. Mas o que não sabes é que se não afastar seu rosto da minha jaqueta e me olhar nos olhos serás bem mais infeliz...

Ela riu, se afogando ainda um pouco com as lágrimas e levantou sua cabeça. O “Incomparável”, estreitou-a em seus braços, a beijou. O cabriolé fez um movimento de vaivém, quando sir Waldo passou as rédeas para a mão do chicote para manter sujeita à quadrilha. Miss Trent, quase sem alento, disse com acento trêmulo:

— Céus! Tem cuidado. Se arrojas-me pela segunda vez à sarjeta nunca o perdoarei.

— Algum dia terei que te ensinar a manejar meus cavalos — disse ele —. Imagino que tuas aulas—, senhorita professora, serão muito parecidas às que Laurie dava a Tiffany.

— Santo céu! Tiffany! — exclamou ela —. Tinha-me esquecido por completo dela. Waldo, não é momento para namoros e também não é o lugar apropriado. Que diria William se soubesse? Desde o dia que te conheci me fui fazendo cada vez mais descuidada. Não, não, por favor! Devemos ir em seguida a Leeds! Não sabemos o que poderia fazer Tiffany se impacienta.

— Para ser honesto contigo — disse sir Waldo—, Me importa muito pouco o que faça.

— Mas eu não posso despreocupar-me tão facilmente! Ela ficou a meu cuidado e se algo lhe ocorresse, mereceria todos as censuras.

— Sim. Quanto mais cedo se livrar dela melhor. Queres que vá mais depressa?

— Oh, não! Não atrever-me-ia a dizer como deves conduzir, querido. Conta comigo para teu orfanato.

Lindeth disse que tens gastado uma fortuna com teus condenados fedelhos e, na verdade, acho que continuarás fazendo se pensas manter a uma centena deles. É para bebês?

— Não. Não me interessam as casas berço. E também não tenho gasto uma fortuna com os fedelhos.

Por exemplo, Broom Hall sustentará a si mesmo com o produto das rendas.

— Não me tomes por impertinente — disse ela sorrindo —. Não sou tão tonta. Quanto custará pôr em ordem a propriedade?

— Não mais do que posso pagar — replicou ele —. Tens medo de encontrar-te na indigência se casares comigo? Não permitas que Lindeth te engane. Só a metade de minha fortuna está destinada a fins caritativos. Minha tia Lindeth te dirá que o valor total é vergonhoso e isso se não o fizer em termos mais indignados, como costuma fazer em seus momentos de ira.

— Agora estou tranquila. O que desejo que me digas é o que te levou a fundar um orfanato.

— Não o sei. Suponho que a tradição e a forma como me educaram. Meu pai e meu avô, antes dele, foram filantropos importantes, e minha mãe era muito amiga de lady Spender, que morreu faz um par de anos e a quem lhe apaixonava educar aos meninos pobres. Assim que poder-se-ia dizer que me criei entre gente caritativa. Isto me pareceu mais importante que qualquer outra coisa: reunir a todos os órfãos sem lar que pudesse encontrar em qualquer cidade e os educar para que se convertam em respeitáveis cidadãos. Meu primo George Wingham jura que todos terminarão sendo patifes e, é claro, temos nossos fracassos, mas também não são muitos. O importante é dar-lhes um oficio adequado e que não terminem em mãos de maus patrões. — Fez uma pausa e depois acrescentou rindo: — Por que fazes que te fale de meu tema favorito? Temos assuntos mais urgentes que discutir que meus horríveis moleques, minha pequena mestra. Verdade que minha mãe te receberá de braços abertos e muito possivelmente tente te convencer a fundar um asilo para meninas órfãs: tem uma dúzia delas vivendo em Manifold. Quando podes deixar Staples? Advirto-te que não penso esperar a conveniência da senhora Underhill, e se ficar até que Tiffany regresse a Londres...

— Não tenho tal propósito — interrompeu ela —. Nem também, asseguro-te, a senhora Underhill irá me pedir.

— Alegro-me por isso. O mau é que deverei partir na segunda-feira com Julian. Prometi-lhe que apoiaria sua causa ante minha tia e acho que devo fazê-lo. Desejaria poder postergar minha viagem para depois de levar-te a Derbyshire, mas, pela forma em que se apresentaram as coisas, terei que te deixar aqui até que se tenha solucionado o assunto de Julian e um par de coisas mais. Voltarei tão cedo como possa, mas...

— Preferiria que não o fizesses — disse ela —. E além disso que não digamos a ninguém de Oversett, exceto à senhora Underhill (que rogo ao céu saiba guardar o segredo), quais são nossas intenções.

Podes achar que sou uma tola, mas não poderia suportar. Muitas pessoas desagradar-se-iam, já sabes, e não preciso pensar nas coisas que diriam algumas senhoras que conhecemos. Ademais, existe Tiffany. Waldo, ela não deve sabê-lo até que se tenha recuperado do choque que representou o compromisso de Lindeth. Seria demasiado cruel, quando tu alentaste a pobre menina flertando com ela. Ademais, tremo só de imaginar o que será a vida em Staples quando ela souber que me preferiste em lugar dela. Nos faríamos todos loucos. Também devo dar tempo à senhora Underhill para que cubra meu posto e não me peças que a abandone sem mais, porque não poderia fazê-lo; recorda que não sinto outra coisa por ela senão agradecimento. Mas tão cedo o faça viajarei a Derbyshire e podemos nos encontrar em minha casa. Oh! Quanto desejo que conheças mamãe e William! E quanto a acompanhantes... Querido, como podes supor que com a mina idade precise de uma? A viagem não será nada, não mais de cinqüenta milhas. Só tenho que ir na diligência até Mansfield e dali...

— Não irás em diligência a nenhuma parte — disse sir Waldo —. Mandarei meu carro a procurar-te, com meus próprios criados, é claro.

— Para estar seguro — replicou ela —. E também ginetes de escolta e um oficial. Por favor, tem um pouco de sensatez, meu querido senhor.

Ainda discutiam sobre o tema quando chegaram a King's Arm. Enquanto o “Incomparável” ia ao estábulo, miss Trent entrou na hospedaria. Tinha estado em várias ocasiões com a senhora Underhill e a primeira pessoa que encontrou foi um camareiro principal que conhecia bastante bem. Saudou-o com um sorriso e falando com estudada acalma, disse:

— Bom dia, John. Estão ainda aqui miss Wield e o senhor Calver ou se cansaram de me esperar? Deveria ter chegado bem mais cedo, mas sofri os atrasos mais absurdos. Espero que não tenham ido!

Enquanto dizia estas palavras deu-se conta da tensão reinante e o coração deu um salto. O camareiro tossiu para ocultar seu embaraço e replicou: — Não, madame, não partiram. O cavalheiro está num dos salões privados, o mesmo em que esteve, madame, quando participou do almoço faz alguns dias.

— E miss Wield?

— Não madame! A senhorita está em nosso melhor quarto. Estava muito excitada e a patroa, sem saber o que fazer para a acalmar a convenceu de que se deitasse com as persianas fechadas, até que, poderíamos dizer, se encontrasse melhor. Mas a patroa poderá explicar melhor, madame.

Sir Waldo, que entrava nesse momento, ao ver o olhar agoniado de miss Trent perguntou: — Que aconteceu agora?

— Não me atrevo a lhe dizer, senhor — respondeu o camareiro, olhando ao solo —. Mas o cavalheiro, senhor, está no salãozinho, e a patroa pôs-lhe uma atadura na ferida e um dos criados levou uma garrafa de conhaque, o melhor conhaque da casa, senhor!, pois acho que o cavalheiro sofreu um acidente, podemos dizer desta maneira.

— Subamos para vê-lo — disse miss Trent, apressadamente.

— Acidente! — observou sir Waldo, seguindo-a pelas estreitas escadas —. Na verdade, onde está a heroína da obra?

— Jaz na cama do melhor dormitório — replicou miss Trent—, com a patroa cuidando-a.

— Vamos de mau em pior! Supões que atacou ao pobre Laurie com uma faca de trinchar?

— O céu deve sabê-lo! Permita-me dizer que é bastante surpreendente e não há por que se rir. A senhora Underhill é muito conhecida aqui e é óbvio que essa menina fez um escândalo terrível. A primeira coisa que eu queria evitar! Não importa o que faças, Waldo, mas não deixes entrever nem sequer que me olhas com tolerância.

— Não temas. Tratarei você com a mais cortês indiferença — respondeu ele —. Pergunto-me que terá feito a Laurie.

Cedo saberia a resposta. Encontraram ao senhor Calver no salão, deitado num sofá de estilo antigo e incômodo, com uma atadura na fronte, seus formosos cabelos desordenados, com um copo na mão e a garrafa do melhor conhaque da hospedaria no chão, junto a ele. Quando entrou no quarto, miss Trent pisou cacos de cristal. Na mesa que ocupava o centro da sala tinha um formoso relógio destroçado.

Miss Wield não tinha apunhalado o senhor Calver: tinha-lhe atirado o relógio à cabeça.

— Tomou-o de repente da lareira e lançou-o contra mim — disse Laurence.

— Não deverias ter tentado se esquivar — disse o “Incomparável” —. É sério, Laurie, como podes ser tão torpe — Se tivesses ficado quieto não teria acertado na mosca.

— Acho que tentei esquivar-me — replicou Laurence dirigindo-lhe um olhar furioso —. O mesmo terias feito tu.

— Jamais! — declarou o “Incomparável” —. Quando as mulheres atiram objetos contra minha cabeça sei muito bem o que tenho que fazer. Seria pouco delicado perguntar os motivos que a impulsionaram a te atirar o relógio.

— Deveria saber que acharias muito divertido — disse Laurence amargamente.

— Bom, deveria sabê-lo — comentou sir Waldo, rindo com os olhos.

Miss Trent, ao compreender que seu amado se tinha deixado arrastar por uma inoportuna frivolidade, lhe dirigiu uma severa mirada enquanto dizia ao dândi:

— Estou muito consternada, senhor Calver. Rogo-lhe que volte a deitar-se. Não tem você muito bom semblante, e não me estranha. Seu primo pode achar que é um assunto jocoso, mas eu lhe estou profundamente agradecida. Na verdade, não sei como pôde reter por tanto tempo a uma criatura tão terrível.

Um pouco mais tranquilo por estas palavras, Laurence disse: — Não foi fácil, lho asseguro, madame.

Acho que está mau da cabeça. Bom, não acreditarão se lhes digo que pretendia que vendesse seu colar de pérolas ou que o empenhasse para pagar o aluguel de um carro que a levasse a Londres.

Tive-a que enganar fazendo achar que tinha empenhado meu relógio.

— Que astuto foi você! — disse a senhorita Trent adulando-o —. Por favor, sente-se, senhor. Desejaria que me dissesse, se sentir com forças para isso, a causa de que ela sofresse este súbito descontrole.

— Para que sofresse o que? interveio o “Incomparável”.

A senhorita Trent deu-lhe as costas com um gesto de enfado, sentou-se numa cadeira junto ao sofá e sorriu a Laurence alentando-o.

— Você o perguntar, madame — disse Laurence olhando com ressentimento a seu primo —. E se tu achas que tentei seduzi-la, Waldo, estás completamente equivocado. Por um lado, não vou atrás das saias e pelo outro, ainda que o fizesse não tentaria seduzir a semelhante filha do diabo.

— Claro que não! — exclamou a senhorita Trent.

— Bom, não o fiz. E além disso, não foi culpa minha, em absoluto. Bastante trabalho tive para retê-la.

No entanto, tinha me arranjado bastante bem até que, de repente, lhe ocorreu que tinha que tomar chá. Só o céu sabe a razão pela qual se lhe ocorreu encharcar o estômago com chá a esta hora do dia, mas não pus nenhum obstáculo para mantê-la distraída. O que atrever-me-ia a dizer que teria conseguido se ela não lhe tivesse perguntado a esse idiota que trouxe a bandeja, a que hora deveria chegar o carro de correio para Londres. Não pude lhe fazer um sinal, pois nem sequer me olhava.

Esse estúpido idiota respondeu-lhe que já tinha partido e que o próximo sairia na manhã seguinte.

Isso pôs termo ao engano. Pôs-se como uma gata furiosa. Qualquer um teria suposto que eu era um bandido. O camareiro ficou com a boca aberta olhando-nos até que lhe ordenei que saísse. Oxalá não o tivesse feito! — Tremeu ao recordar o episódio e bebeu um par de tragos de conhaque para recuperar forças. Depois acrescentou: — As coisas de que me chamou! Não posso imaginar, madame, onde aprendeu tais grosserias.

— Que coisas te chamou, Laurie? — perguntou sir Waldo, muito interessado.

— Pergunto-me — disse miss Trent com frieza — se seria tão gentil, cavalheiro, de não formular perguntas sem importância. Senhor Calver, posso dizer-lhe que me sinto muito mortificada. Como ama de miss Wield, devo assumir a responsabilidade, mas confio...

— Aprendeu-as com você, não é assim, madame? — disse sir Waldo negando-se a permanecer calado.

— Muito engraçado! — replicou Laurence —. Não estarias tão contente se tivesses estado em meu lugar.

— Faz favor, não preste atenção a seu primo — rogou miss Trent —. Só me conte o que sucedeu.

— Bom, acusou-me de que a tinha enganado, é claro, e não lhe custou muito descobrir por que a tinha retido aqui. Dou-lhe minha palavra, madame, que se tivesse uma adaga me tivesse fincado.

Não me preocupei por isso, pois sabia que não a tinha. Mas em seguida disse que iria empenhar suas pérolas para poder escapar de aqui antes que você chegasse. O teria feito. E o que é mais, oxalá o tivesse conseguido.

— Não ficaria surpresa que fizesse isso. Mas você não o fez — o que foi muita consideração de sua parte, senhor.

— Não o sei — respondeu ele com tom sombrio —. Ela não teria montado tal escândalo se eu tivesse tomado minhas precauções. O problema era que me tinha colocado numa situação tão difícil que me vi na necessidade de ter de pedir ajuda. Disse-lhe que se ela partisse eu daria o alarme — quero dizer, contaria ao dono da hospedaria quem era ela e o que planejava fazer. E então ela me atirou o relógio. O ruído fez que entrasse o hoteleiro, acompanhado de um par de camareiros e várias serventes. Estou convencido de que estavam escutando por trás da porta. E antes que eu pudesse abrir mina boca, essa meretriz montou a grande cena. Bom, tinha-me ameaçado que contaria a todos que eu tinha tentado abusar dela e pelo céu que o fez.

— Oh, não! — exclamou miss Trent, empalidecendo —. Como pôde?

— Se me perguntar, madame, posso lhe responder que há muito poucas coisas que não se atreva a fazer. Não tive mais remédio que lhe contar ao dono da hospedaria que ela era a sobrinha da senhora Underhill (o, que ele já sabia), que tentava fugir para Londres e que eu a estava retendo até que você chegasse para se ficar a cargo dela. O hoteleiro acreditou-me, pois tinha encarregado a um de seus mensageiros para que levasse uma mensagem a Waldo. Logo que ela se deu conta de que o hoteleiro acreditava nas minhas palavras, se pôs histérica. Céus, não escutou você escândalo semelhante em toda sua vida.

— Escutei vários escândalos iguais — disse a senhorita Trent —. Onde está agora, senhor?

— Não o sei. A patroa levou-a a alguma parte. Não sei aonde.

— Devo ir procurar à patroa — disse ela se levantando —. Mas permita-me antes lhe agradecer, senhor Calver. Estou-lhe muito agradecida. Passou momentos muito desagradáveis e estou assombrada de que não a tenha abandonado.

— Bom, não podia fazer tal coisa — replicou Laurence —. Não sou tão desalmado. Ademais — bom, não tem importância.

Seguiu-a com o olhar enquanto cruzava o quarto para a porta e a sua primo quando a abriu. Na crescente penumbra, observou a cuidadosa cortesia de sir Waldo e a rigidez no porte de miss Trent.

Sir Waldo fechou a porta e voltou ao centro da sala. Sacou a caixa de rapé de seu bolso e depois de tomar uma pitada, olhou com expressão divertida a Laurie enquanto dizia;

— Diga-me, Laurie: por que pediste minha ajuda e não a de Underhill?

— Achei que te faria um favor, por isso — respondeu Laurence com uma mirada de ressentimento. —

Tu o sabes muito bem!

— Que bondoso de tua parte! — disse sir Waldo —. Não teria adivinhado jamais que tivesses tanto interesse por mim.

— Oh, bom — exclamou Laurie um tanto incomodado —. Não quis dizer exatamente isso, mas a pesar de tudo somos primos e era fácil adivinhar que teu assunto estava preso por um fio, assim...

— Que assunto?

Laurence quase deixou cair seu copo ao solo. — Conheço-te, primo! — disse furioso —. Não trates de me enganar. Está mais claro que água!

— E não trates de enganar a mim — respondeu sir Waldo com amabilidade —. Tudo o que desejas é que te deva um favor, de maneira tal que resolva te ajudar em teu negócio dos cavalos. Conheço tuas táticas.

— Bom, e que demônios podia fazer? — perguntou Laurence ofendido —. A quem diabos achas que posso pedir que me preste dinheiro se não é a você?

— Não acho que ninguém o faça — replicou sir Waldo contendo o riso.

— Sim, muito próprio de ti — exclamou Laurie dando rédea solta a seu ressentimento —. Tens tanto dinheiro que não sabes o que é estar na ruína e também não te importa. Para ti me emprestar cinco mil libras seria o mesmo que para mim lhe dar um penny a um camareiro. Mas, me emprestará?

— Não — disse sir Waldo —. Sou muito avaro. Assim não percas mais o tempo tratando de que te deva favores. Não as irá conseguir. Sabes algumas coisas mas não todas. E não me conheces tão bem como acreditas se não sabes que sou muito capaz de resolver meus próprios problemas sem necessidade de tua ajuda.

— Não acho que os tenhas manejado tão bem como dizes. Não, e ainda que eu tenha conseguido vos reunir, seguramente tiveste dificuldades para o solucionar. E nem sequer estás agradecido por meu esforço. Quando penso em todas as dificuldades que tive que suportar desde que vim a Yorkshire, sem contar a confusão infernal que fazem os pedreiros em Broom Hall, que me pendurem se não acho que me deves essas miseráveis cinco mil. Porque tu te aproveitaste disso, Waldo, e não o negues. Permitiste que me esgotasse tentado separar essa vagabunda do lado de Lindeth, e acho que tu sabias o tempo todo que ele tinha se cansado dela. E olha qual foi o resultado! Sem contar o tumulto e o escândalo que tive que suportar e o dinheiro que gastei alugando este salão, encharcá-la com chá e limonada e comprar um bilhete para o carro de correio, me abriram a cabeça e muito possivelmente ficará a cicatriz para toda a vida.

— E o que têm a ver todas essas desgraças comigo?

— Têm muito a ver. Nada disso tivesse ocorrido se não tivesses sido tão avaro. Sim, você ri. É o que esperava que fizesses.

— Tu deverias fazer o mesmo — replicou sir Waldo —. Que mão tens! Sabes perfeitamente bem que todo isso não vale nada.

— Não, eu — oh, Waldo, seja bom e auxilia-me ainda que seja a última vez — exclamou Laurence com uma súbita mudança de tom —. Não podes ser tão malvado para te negar, quando fizeste o impossível para evitar que seguisse adiante por meus próprios meios.

— Bom, de todos os...

— Fizeste-o! — insistiu Laurence —. Tive que te dar minha palavra de que não jogaria mais. Só apostas míseras. Achavas que deixaria de ser honrado, mas aí é onde te equivocas.

— Sabes muito bem que não é assim.

Laurence olhou-o com surpresa ruborizando-se. Com um sorriso amargo disse:

— Estou-te muito reconhecido por isso. É mais do que pensa George.

— George não acredita em tudo o que diz.

— Pode acreditar em tudo o que queira pelo que me importa. Waldo, se te pedisse que me comprasses um título, fá-lo-ias?

— Amanhã mesmo.

— Esperarias que to pagasse?

— Céus, não! Claro que não.

— Então, por que não me emprestas o dinheiro para algo que quero? Digo que um título não custar-te-ia mais que umas setecentas ou oitocentas libras e que não esperas que te devolvam. Enquanto se investes em meu plano poderias obter um benefício.

— Já te disse, Laurie... — disse sir Waldo com um suspiro. Interrompeu-se ao ver que se abria a porta e que entrava a senhorita Trent acompanhada por Tiffany.

— Oh, já se repôs — disse Laurence olhando a Tiffany com profundo desgosto —. Atrever-me-ia a dizer que está como nova. Forte como nunca em sua vida.

Tiffany estava um pouco pálida e em seu rosto viam-se as impressões do pranto, mas já tinha recuperado o bom humor. Sem prestar-lhe atenção a Laurence, dirigiu um terno sorriso ao “Incomparável” dizendo-lhe: — Muito obrigado por vir a resgatar-me. Deveria saber que você o faria e estou muito contente apesar de que desejava que ninguém me seguisse. Ancilla disse que montei tal escândalo que não tem outro jeito que me levar a casa de meu tio Budford, que é o que eu desejava. Diz que escreverá a tia Underhill em seguida e que logo ela mande seu consentimento partiremos.

— O céu se apiede de seu tio Budford! — exclamou Laurence.

— Você não tem nada que opinar, pois não estou falando com você — disse Tiffany —. E não pedirei perdão por lhe ter atirado o relógio na cabeça, por mais que diga Ancilla, pois você me mentiu e enganou e merecia que lhe atirasse. De qualquer maneira, todo saiu bem e eu irei a Londres. Assim não tenho nada que lamentar. Quando parte a Londres, sir Waldo?

— Quase em seguida! — contestou ele.

Por um instante seu olhar cruzou-se com a de miss Trent. Tão rápido foi a silenciosa mensagem que transmitiram que Tiffany não se deu conta. Olhou a sir Waldo e Disse-lhe tranquilamente:

— Estava segura que assim seria.

Mas a Laurence não se lhe tinha escapado o revelador intercâmbio de olhares e exclamou:

— Acho que não errei minha jogada. Bem, achei que estavas mentindo, primo. Talvez agora reconheças...

— Laurie — interrompeu-lhe sir Waldo —. Talvez deva te advertir que se desejas triunfar como traficante de cavalos deverias aprender a manter a boca fechada.

— Estás a me ameaçar? — perguntou Laurie com perspicácia.

— Não. Só te advirto.

— Não entendo o que estão falando — interveio Tiffany, aborrecida porque não lhe prestavam atenção.

— Bom, e quem se importa — — repetiu Laurence —. Já é o cúmulo que não possa falar com meu primo sem que uma fedelha aprendiz de bruxa se meta onde não a chamam.

— Fedelha — — gritou Tiffany enrijecendo —. Como se atreve a me falar dessa maneira? Não sou uma fedelha, não o sou, não o sou!

— Uma fedelha — repetiu Laurence com verdadeiro sarcasmo — que se mete em tudo.

— Silêncio! — ordenou sir Waldo.

— Oh, bom — disse Laurence, emudecendo.

— É você um vulgar almofadinha como diz Courtenay e além disso um...

— Disse silêncio!

Tiffany surpreendeu-se tanto ante a ordem que ficou com a boca aberta e olhando ao “Incomparável”

como não pudesse achar que este não falava com seu primo mas com ela. Tomou alento apertando os punhos. Miss Trent fez menção de rogar contenção a sir Waldo, mas este a ignorou. Acercou-se de Tiffany e sujeitou-lhe o queixo.

— Agora me escute, querida menina — disse com severidade —. Está tornando-se terrivelmente aborrecida e não tolero gente aborrecida. Nem tampouco tolero os ataques. E a não ser que você deseje que lhe dêem um corretivo, evite novas cenas desagradáveis.

Teve um momento de assombrado silêncio que foi rompido por Laurence, que enquanto apertava a mão de seu primo, exclamou:

— Sabia que eras o homem certo. Um grande tipo, Waldo. Um maldito Troiano.

 

 

                                                                  Georgette Heyer

 

 

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