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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O RENASCER DE UM AMOR / Josiane da Veiga
O RENASCER DE UM AMOR / Josiane da Veiga

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Tudo que restou daquele casamento foi o ódio...
Damon Rylee e Elza Aiken foram dados em casamento cedo demais. Por costume de seus povos, aos quinze anos uniram-se num matrimônio, forçados a uma convivência cuja única finalidade era gerar um bebê.
Um bebê que eles amaram...
Mas, tudo mudou quando Ciel foi roubado do seio daquela complicada família.
Culpa, raiva e ressentimento foram sendo somados com o passar do tempo. Contudo, anos mais tarde a chance de recuperar o filho os uniu novamente.
Conseguiriam deixar para trás tanta rivalidade pelo propósito maior?

 


 


Capítulo Um

O tempo naquele belo lugar parecia diferente do tempo que corria em outros.

Talvez porque as montanhas de Ragnarok fossem de uma beleza ímpar, talvez porque tudo fosse calmo, talvez porque a vida fosse como enxergar a existência por uma janela de vidro embaçado, inutilizando qualquer esforço de ver a realidade com nitidez.

O fato é que o tempo parecia carregar outro tempo em seu pesado corpo. E ali, a lenda sobre o tempo ser levado nas costas de uma grande tartaruga parecia realmente real.

O tempo lá não era contado como nós contamos hoje em dia, ou contado pelo antes e depois do nascimento de alguém impactante. O tempo simplesmente corria sem uma pressão, dia após dia, vendo as primaveras indo e voltando, até que o tempo, enfim, chegou.

Foi assim, num dia qualquer. O evento que todo o clã Aiken desejava ardentemente: Elza... sangrou.

Demorou, é verdade. Meninas da idade dela costumavam sangrar bem antes. Mas, como eu já disse, o tempo ali seguia outro curso. Pareceu se atrasar de propósito, ansioso para dar um período a jovem garota de aproveitar suas corridas pelas colinas altas, sua liberdade de ir e vir, antes de ser entregue a um homem que nunca viu, dada em casamento porque essa era a única função de sua vida.

O tempo... O tempo de nascer e morrer. Elza morreu no dia que sangrou. E renasceu como mulher. Porque foi ali que o seu tempo chegou. O tempo de ser entregue a outro clã para ser mãe do futuro grande herdeiro.

Todos nós passamos pelo fatídico dia em que nosso tempo chega. O de Elza veio muito cedo. Talvez não estivesse preparada, talvez não fosse como as outras meninas que sonhavam desesperadamente em casar e se tornarem senhoras, talvez apenas quisesse a liberdade...

Mas, não havia escolhas. Nunca há. Não para as mulheres.

Restava a ela, após o maldito sangue, seguir seu rumo.

Chegara o seu tempo.

Acabaram-se suas longas e felizes caminhadas nas montanhas. Restava-se deitar-se com um marido e gerar seu filho. Restava-se uma vida de submissão como a da mãe.

Mas, o tempo moldou mais que os dias, moldou uma alma indomável.

Talvez essa história não seja a de uma pequena beleza que aceitou ser escrava da vontade de um qualquer. Talvez essa história seja apenas a de uma mulher e o seu tempo.

Mulher, com todas as suas nuances e delicadezas. Com sua força e coragem.

Tempo de ser jovem. Tempo de ser mãe.

E é aí que o tempo mais dói. Porque ser mãe gera amor. E amor gera dor.

E a dor, ah, essa não há tempo que apague.

Enfim, é o tempo... O tempo...


Ragnarok era um lugar terrivelmente arredio, não apenas pelo frio terrivel, mas também porque todas as pessoas que cruzavam pela região pareciam carrancudas e sobrecarregadas.

E havia o fedor.

Ah, o maldito fedor...

Era um cheiro de suor e porcos, misturado ao esgoto que escorria pelas vielas daquele lugarejo próximo das montanhas.

Ivar Rylee, o senhor do clã Buganvília fez a inevitavel comparação ao seu próprio clã, ao norte dali.

Buganvília ficava aos pés de uma enorme montanha que chamavam de Bjor, ou Grande Urso, porque de tempos em tempos ela costumava dar uns sons zangados, como um vulcão prestes a explodir. De fato, ninguém sabia ao certo se aquele grande amontoado de rochas um dia explodiria, mas até então, desde que seus antepassados se recordavam, tudo que O Grande Urso fazia era urrar como se sentisse dor.

— Você sabe... — uma voz ao seu lado lhe chamou a atenção. — Tenho muitas mulheres. Muitas esposas.

Rurik Aiken era conhecido por isso. Por suas muitas esposas e muitos filhos.

— Muitos filhos... — Ivar murmurou. — Uma benção.

— Sem dúvida. Mas, queria ter menos filhos e mais filhas. Porque filhos sempre querem herdar, e filhas você pode usar para firmar pactos, como esse que estamos fazendo.

Apesar da distância entre os dois clãs, os membros de Buganvília passavam pelas terras de Aiken quando iam levar e trazer produtos de comércio. Um casamento entre seu único filho e a filha de Rurik era de grande valia.

— Você sabe... Um dos clãs do Reino ofereceu mais ouro do que esse que está pagando por Elza. Mas, eu realmente vejo mais proveito em nosso enlace. Buganvília é muito próspera e tenho certeza que o seu filho não deixaria a família da esposa em má situação na época que falta chuva.

Ivar assentiu.

— Damon é um rapaz valoroso. Jovem — apontou. — Mas, valoroso.

— Dezesseis anos, me disse?

— Sim.

— Elza tem quinze.

— Já sangrou?

— Por suposto eu a daria sem sangrar? Sei que de nada vale se não puder dar filhos ao seu varão.

Pararam a entrada de um puteiro.

— Damon já é homem. Já o levei as damas da noite. Gosta da coisa, se é que me entende — riu. — E sua menina? Sabe se portar como uma esposa?

— Se não souber, seu filho pode pegar outra, depois — deu os ombros.

— No nosso clã o homem só se casa uma vez.

— Que desperdício! — Rurik exclamou.

— Uma mulher já dá trabalho demais.

— Nisso estão certos. Vivo para separar as intrigas de minhas esposas — riu. — Mas, com certeza Damon não irá se arrepender de desposar Elza. Não direi que é doce e gentil porque cresceu entre irmãos e precisou aprender a se defender. Mas, é linda. Ah, isso é. Até mesmo dos irmãos tive que manter segura. É díficil um homem olhar pra ela e não querê-la.

Ivar pareceu satisfeito.

— Então não há mais nada a ser dito. Sua filha se casará com meu filho. Vamos brindar a essa união tão proveitosa.


Rurik não estava errado sobre a beleza impressionante de Elza. Única filha de uma das suas esposas mais antigas, ela havia nascido com um olhar intenso e verde, contrastando com os cabelos escuros e a pele alva.

Era perfeita, quase um ser místico que costumava chamar a atenção dos primos e meio-irmãos, e também do pai que, uma ou outra vez, lhe observou com interesse demasiado.

Por sorte, além da mãe, que viveu a tempo de lhe proteger, tinha mais um escudo.

E esse protetor era alto, musculoso, forte, aguerrido e de personalidade firme. Mais que isso, Benjamin Aiken era também um excelente espadachim e alguém que estava disposto a morrer para defender a honra da bela Elza.

Ela não sabia exatamente quais eram os sentimentos do primo distante que cresceu ao seu lado, e francamente não se importava em analisá-los. Tranquilizava-se em ter a sua amizade, e com isso sabia que ele não a avassalaria como todo o resto.

Mas, claramente, espantou-se com a reação do primo em sabê-la noiva.

— Ele vai te vender... — murmurou, com puro ódio.

— Meu pai sempre deixou claro que era esse meu papel — ela deu os ombros.

As pernas estavam abertas, apesar de o vestido longo não deixar nada a vista. No meio, um balde com pêssegos estava sendo descascado.

— Se eu ao menos fosse poderoso, poderia pedi-la em casamento.

A ideia de casar-se com o primo e amigo fê-la rir. Não sentia a menor vontade de viver com ele.

Não que fosse feio ou desagradável. Simplesmente não a atraia.

Bem da verdade... Ninguém a atraia.

— Dizem que ele tem a minha idade.

— E o que isso importa? — Benjamin inquiriu.

— Ao menos não é velho. Freya casou-se com um homem de pele caída. Disse-me que parecia um monstro sem roupa.

— Ele pode ser mau de outras maneiras — o primo advertiu.

— Que maneiras?

Aquilo não era assunto para eles.

— Você não pensa em recusar? Talvez fugir?

— E para quê? O que me importa se terei que casar com Damon Rylee ou com outro? São todos iguais. Contando que não me bata, já estou satisfeita.

Benjamin pensou na implicação daquilo. Com certeza o rapaz poderia ser atiçado pelo ódio ao perceber os modos pouco moldados da esposa.

Elza não era acostumada à agressão física. Como reagiria a primeira surra?

— Peça-me ao seu pai — ele sugeriu. — Como um presente de casamento. Diga que quer um servo.

— Você se sujeitaria a isso?

— Viver ao seu lado é o único alento que tenho nessa vida, prima.

Elza sorriu. Era inocente para entender o perigo de um homem apaixonado espreitando-a sem sossego.


Buganvília tinha esse nome por conta das árvores repletas de flores cor-de-rosa que pareciam praga que se alastrava por todo horizonte.

Era quase feminino... Uma terra feminina.

Entretanto, uma terra de poucas mulheres.

Apesar de os homens gostarem de ter amantes e de visitarem o puteiro com frequência, oficialmente só tinham uma esposa. Assim, Damon só conheceu uma mulher dentro de casa. A mãe, Anna, morreu quando ainda era muito jovem, mas gostava da recordação de sua presença significativa.

O pai não casou novamente. Nem teria porquê. Já tinha um filho que herdaria seu clã e muitas mulheres dispostas a lhe abrir as pernas pelo ouro certo.

Esse ensinamento passou ao filho. Damon sempre soube que a prioridade era fazer a esposa pegar barriga, porque a única coisa realmente importante na vida de um homem era um filho para prosseguir seu legado. Depois, até poderia deixá-la de lado, mantê-la apenas como adorno, pouco importava se ficasse velha ou feia, porque o que uma mulher tinha que fazer, ela já teria feito.

Mas, mulheres não engravidavam sozinhas e ele precisaria fodê-la até conseguir fecundá-la.

Não que isso fosse problema. Apesar da pouca idade, desde a primeira vez que o pai o levou a um puteiro, ele gostou das formas femininas.

Ah, aquele calor no buraco que ele enfiava o pau...

Aquilo sim era vida!

— Será que é bonita? — Lynae, uma das criadas da casa, e também alguém com quem ele costumava dormir frequentemente, indagou.

— Isso importa? — Damon riu.

— Oh, espero que seja bonita — ela sorriu. — E gentil. Terei muito carinho pela minha nova senhora.

A falta de ciúmes da mulher machucou um pouco seu ego masculino.

— Dizem que os Aiken são frios e insensíveis. Que cada homem tem tantas mulheres quanto pode sustentar. E que criam os filhos, um de cada mãe, todos juntos, como cães. Incesto é prática comum, lá.

— E a sua esposa?

— Segundo meu pai, essa, por ser filha única, foi bem protegida e guardada. O pai sabia do valor de um acordo com outro clã. Mas, também, se não for mais virgem, posso simplesmente devolvê-la.

A explicação parecia simples.

— Eu espero que seja feliz — ela sorriu. Era sempre gentil, mesmo ele não merecendo. — Espero que ela seja um bálsamo para sua vida.

Damon deu os ombros. Aquilo, definitivamente, não lhe importava.

 

 


Capítulo Dois

 

 


R urik Aiken era grande e de aparência selvagem. Mesmo assim, diante dele, Benjamin não se intimidou.

Bem da verdade, o jovem cresceu naquela terra sem grandes ambições porque o tio tinha muitos filhos e muitos herdeiros. Então, ao invés de preocupar-se com poder e posições, ele desviou seu olhar para a bela prima, a quem passou a amar ardentemente em segredo.

— Não pode estar falando sério — o tio riu.

— Veja bem, meu tio. Depois de levarem Elza, nada pode garantir que os Rylee irão cumprir a sua palavra.

— Se não cumprirem, invadiremos Buganvília e a tomaremos para nós.

— Eu concordo, meu tio. Contudo, não seria mais fácil ter um homem de Aiken já infiltrado, pronto para arquitetar uma invasão.

— Mas, duvido que aceitem que siga com Elza.

— Pode impor essa condição. Eles querem o acordo, e não farão objeção se for determinado .

Rurik recostou-se na sua enorme cadeira. Sua visão pelo sobrinho parecia uma incógnita difícil de decifrar.

— Você já é um homem. Qual sua idade, meu jovem?

— Dezenove, tio.

— Um homem — repetiu. — Na sua idade eu já tinha umas duas esposas e uns três moleques.

Benjamin sabia daquilo.

— Por que não aquieta e se casa? Tem algumas mulheres bem bonitas na aldeia.

— Sei que parece estranho, mas me agrada mais proteger minha prima. Elza é minha melhor amiga e estará indo para uma terra desconhecida...

— Desconhecida? — Aiken riu. — Ah, desconhecida... — murmurou, em seguida. — Não faz ideia de como Buganvília é bela. Eles têm uma flora dominante de árvores de copa rosada. Tudo lá é rosa. Cada detalhe, até mesmo as ruas porque as flores caem no chão... É algo impressionante.

A beleza daquela terra distante não importava a Benjamin. A única aparência que ele notava era a de Elza.

— Faça o que precisa, meu tio — murmurou. — E talvez sua recompensa seja ter ambos os clãs sob seu controle.

A sugestão era inverídica, mas atiçou a ambição do mais velho.

Poder era um prato saboroso do qual ele nunca se cansava de degustar.


O homem à sua frente tossiu como se uma crosta de catarro estivesse impregnada em seu pulmão.

Desde que saíram de Ragnarok, Ivar parecia assim, pálido, doente, como se fosse desmaiar aos seus pés quando menos esperasse.

— O senhor está bem? — Benjamin perguntou.

Na charrete fechada, seguia o homem, seu primo e ela. Elza volveu seu olhar para fora, pela janela quadrada, a observar o ambiente que parecia cada vez mais frio e calmo.

A extensão verdejante no horizonte era quebrada apenas por um enorme elevado adiante, quase onde os olhos não podiam ver.

— Senhor? — Benjamin repetiu. — Precisa de algo?

Ambos podiam calar a boca, ela pensou. Não se importava se Ivar morresse. Nem se Benjamin morresse.

Que todos definhassem!

Estava há semanas na estrada, ouvindo palavras gentis – mas irritantes – do primo, e as tossidas moribundas do futuro sofro que pareciam afligir seus nervos.

Era uma mercadoria. Uma mercadoria não necessariamente cara, mas que tinha um peso no acordo entre os clãs. Quando enfim chegassem a Buganvília, ela conheceria o futuro esposo, e teria por obrigação dar filhos a ele.

Tinha o azar dos Rylee não serem como os Aiken. Eles não tinham várias esposas, assim, seguramente o tal Damon iria querê-la por mais vezes do que o pai exigia das esposas infelizes que viviam nas terras de Ragnarok.

Ivar tossiu novamente.

Elza pensou que talvez tivesse sorte e quaisquer que fosse a peste que o homem pegou, ele a transferisse a ela. Uma morte seria bem vinda, naquele momento.

— Damon é um rapaz bem apessoado — ouviu a voz de Ivar e voltou os olhos para ele. — Muito bonito, as mulheres já começam a correr atrás dele.

Aquilo era um elogio? Um marido infiel e cheio de mulheres era algum tipo de benção?

— E você tem ancas largas apesar de ser magra. Acho que terá muitos filhos.

Silêncio. Raiva. Ódio.

Falta de esperança e amargura. Tudo isso se preenchia na alma de Elza.

Se ela tivesse um filho de Damon Rylee, nunca o amaria. Não daria o gosto àquela gente de amar algo que viesse deles.


O pai não mentira quando dissera que toda aquela aldeia era cor-de-rosa. Árvores floradas preenchiam as vistas até perderem-se de vista. Ao longe, um urro assustador a sobressaltou.

— É Bjor — Ivar explicou, descendo da charrete e estendendo a mão a ela, para auxiliá-la — O Grande Urso.

Só então Elza percebeu alguém descendo as escadas.

Era inegável que era charmoso. Um verdadeiro principezinho de cabelos negros e olhos azuis. Gentil e sorridente, apressou-se em aproximar-se da carruagem e estender a mão para ela, a fim de cumprimentá-la.

— Sou Damon — ele disse.

Duas palavras. Bastou para odiá-lo.


Ivar Rylee não parava de tossir. O filho aproximou-se com hidromel e lhe estendeu uma caneca.

— O senhor precisa ver a curandeira — avisou.

Ivar assentiu. Contudo, sua preocupação era outra.

— O que achou de Elza?

Desde que havia chegado, a noiva se fechara no quarto. Não quisera jantar, com a desculpa que estava muito cansada da viagem.

— Não fala muito — murmurou.

— Uma mulher que fala pouco — o pai riu. — Que benção, meu filho! Contanto que lhe dê filhos, o resto não importa. As mulheres são burras e quanto menos se manifestarem, melhor. — Aceitou a caneca e bebeu um gole. — É uma belezinha, não?

— É linda — concordou. — Mas, tem um olhar frio... É de arrepiar.

— Ah, ninguém que cresce em Ragnarok tem qualquer inclinação para o romantismo — o pai riu.

Sua tosse interrompeu o riso.

— Preciso ir descansar — avisou ao filho. — Quero esse casamento ainda essa semana. Não gosto da presença do primo perto dela. Mas, Rurik Aiken exigiu. De qualquer maneira, como marido você poderá mantê-la ocupada o suficiente para que o primo não se aproxime.

Damon arqueou as sobrancelhas. Ele mal percebeu Benjamin Aiken na chegada. O homem parecia mais uma sombra de Elza.

— Talvez um tempo para que ela se acostume ao lugar seja algo bom, pai — observou.

— O que importa se ela se acostumar ou não! Elza tem que abrir as pernas, pegar barriga e depois parir. Uma mulher serve apenas para isso. Quer amizade? Arrume um cão. Quer amor? Uma puta bem paga! Uma esposa é apenas para lhe dar filhos legítimos!

Ivar ergueu-se e rumou para o quarto. Não gostava de ser confrontado e Damon sabia disso.


Era verdade que Damon Rylee sempre proclamou não se preocupar com os sentimentos de uma esposa, mas desde que viu Elza pela primeira vez, ele repensou sua atitude.

— Eu a achei tão delicada — Lynae sorriu, estendendo a ele um prato com carne. Estavam na cozinha, onde ele sempre buscava a presença da amante. — Céus, tão bela e forte.

— Acha mesmo?

— Você não? Se a tratar com carinho será muito feliz, meu senhor — aconselhou.

Um instante de silêncio e, em seguida, continuou:

— Gostaria de pedir para não lhe prestar mais serviços na cama, pois quero ser leal a nova senhora.

Damon encarou Lynae. Não sentiu nada.

— Está bem — concordou.

A mulher sorriu, satisfeita. Em seguida, com uma bandeja de chá deixou a cozinha.

Damon permaneceu sentado. O pensamento focado em Elza Aiken e no quanto ela parecia assustadoramente desafiante.

— Meu senhor — a criada voltou, completamente apavorada.

— O que foi?


O tempo de cada um era algo realmente estranho e inesperado. A programação do tempo, igualmente.

Elza Aiken imaginou que a semana de sua chegada a Buganvília seria de festa por seu casamento. Não pensou, contudo, que fosse participar de um funeral.

Era uma sorte, realmente, que a morte de Ivar Rylee lhe deu mais alguns dias de paz e tranquilidade antes de ser avassalada pelo noivo.

Ao lado do corpo, ela observou o olhar mortificado de Damon. Era azul. Azul como o céu em dia claro. Era realmente um rapaz bonito e parecia gentil. Diferente dos homens arrogantes e avassaladores de Aiken.

Contudo, o que importava? No fundo eram todos iguais. Todos farinha do mesmo saco. A aparência apenas escondia mais uma besta que iria devorá-la se ela assim o permitisse.

— Eu sinto por seu pai — ela murmurou, por educação, quando se aproximou dele.

O olhar de Damon cravou no seu. Em poucos dias eles seriam marido e mulher. Um do outro, para sempre. Aquilo devia ter algum significado.

— Obrigado pelas palavras, Elza — ele murmurou. — É importante para mim...

O que era importante? As palavras? Ela? Sua presença?

Desviou do local, afastando-se.

Na parte de fora da capela onde o corpo era velado, Benjamin a interceptou.

— Prima — sussurrou. — Ainda não se casou. Ainda a tempo de fugir. Não há melhor ocasião que essa, quando todos estão sofrendo pela morte do Lorde.

— Quer que eu deixe de ser escrava dos Rylee para ser sua escrava? — ela quase riu da descabida ideia.

— Eu a amo — ele confessou.

Ela sabia. Não se importava.

— Eu não amo — disse, seca.

E depois se afastou.


— Pelos deuses, como é bela — a criada chamada Lynae estava atrás dela, colocando em sua cabeça uma coroa de flores rosa.

— Bela? — costumava ouvir isso dos homens, mas as mulheres dificilmente lhe diziam tal coisa.

— Lorde Damon é um rapaz muito gentil e sei que será um bom marido. Eu torço para que sejam felizes, minha senhora.

Ela ergueu-se, preparando-se para deixar o quarto e ir até a capela. Após duas semanas do enterro de Ivar Rylee, enfim chegara a hora de Damon assumir o clã definitivamente, tendo ao seu lado uma esposa escolhida pelo pai.

Na parte exterior, Benjamin a aguardava. Parecia desesperado e abatido. Ela imaginou porque ele lhe tinha sentimentos, pois nada fizera para despertar sensações.

Aceitou o braço dele e seguiu adiante.

Era tão jovem. Quinze anos. Quinze poucos anos. Alguns meses antes, ainda brincava de correr pela mata, de subir em árvores. Agora, após descer o maldito sangue, era obrigada a ser esposa de alguém.

De Damon...

Ela não sabia se poderia gostar dele, nem aquilo importava. O que a angustiava de verdade é que deixaria de ser sua e passaria a ser propriedade de alguém.

Ouviu as canções de núpcias. Entrou na nave do templo. Não viu nenhum rosto, os olhos nublados pelas lágrimas que se recusava a derramar.

Benjamin a entregou a Damon. O noivo a observava estranhamente, como se a visse pela primeira vez.

Bom, mal haviam trocado poucas palavras, então, de alguma maneira, tudo era novidade ali.

Uma faca foi puxada. As mãos cortadas. As mãos unidas. O cerimonial que unia seus sangues e os tornava um único ser agora era completo.


Ele sabia o que fazer com uma mulher. O pai havia ensinado as diversas formas de tratar uma dama tão logo ele fez quinze anos.

Agora, com dezesseis, ele se considerava pronto para usufruir dos prazeres que Elza poderia lhe dar.

Todavia, ao mesmo tempo, ela parecia assustadoramente perigosa sentada no leito, de camisola branca e aparência pudica. Era um contraste, uma jovem que lhe dava arrepios.

— Você sabe algo sobre isso?

— Via o gado fazendo, e flagrei meu pai em cima de mulheres várias vezes.

Sem que ele esperasse, ela se deitou na cama. Puxou a camisola a altura das coxas e abriu as pernas.

— E você sabe algo, não é? — ela indagou. Não parecia receosa, apenas fria.

Damon assentiu. Aproximou-se, baixando a calça.

Era tão mecânico. Quase um ato cruel.

Resvalou para cima dela, encaixando-se no lugar preciso. Então, numa estocada firme e dura, entrou nela.

Elza não reclamou, mas ele percebeu que ela sentiu dor pela maneira como sua expressão mudou.

— Acabe logo com isso — ela murmurou.

E ele fez o que a esposa pediu.

Quando gozou, sentiu-se imundo. Seria sempre assim com aquela garota?

 


Capítulo Tr ês

 


O nome dela era Lynae. Era muito bonita, cabelos claros e olhos cor de mel. E tinha aquelas duas covinhas nas bochechas que pareciam encantadoras quando sorria. Elza não sabia exatamente o porquê, mas entendia que aquela mulher não se sentia rivalizada pela sua presença. Ao contrário, estava ansiosa para lhe servir.

O quarto estava vazio.

Pelos deuses, Damon foi gentil o suficiente para não estar na cama quando ela acordasse.

— Eu preparei um café da manhã excelente, minha senhora — Lynae avisou, puxando as cortinas das enormes janelas.

O sol ofuscou seus olhos por alguns segundos. Sentou-se na cama e sentiu a dor. Um leve gemido escapou de seus lábios.

Céus, como havia doído. Parecia que o marido tinha uma faca larga no meio das pernas que não se acanhava em lhe cortar.

— Ovos de codorna, carne, pães recém-casados — Lynae prosseguiu sua narrativa. — E preparei um chá para lhe aquecer.

Naquele instante o olhar das duas mulheres focou na cama, mais precisamente na mancha de sangue no linho branco.

— Levarei seus lençóis para lavar, minha senhora — a outra pareceu desejar confortá-la, e Elza sentiu os olhos encherem-se de lágrimas. — A senhora sabe... — Seu tom foi complacente e gentil. — Eu sangrei muito na primeira vez. Doeu muito. Na segunda também. Acho que foi porque lorde Ivar não foi gentil e me pegou de surpresa. Ah, e também porque eu não queria... — murmurou.

Elza permaneceu em silêncio, ouvindo o relato amenizado do estupro.

— Mas, na terceira vez não doeu mais. E francamente, hoje faço sem dor nenhuma — riu.

Uma réstia de dignidade fez Elza secar as lágrimas.

— É casada?

— Não, não... Servia aos senhores da casa, mas agora que tem uma senhora, já antecipei que pretendo lhe ser leal.

Elza agradeceu aquela gentileza, apesar de desejar pedir a outra para permanecer servindo Damon. Quem sabe, se o satisfizesse, ela não fosse obrigada.

Oh, não... Não pediria a outra mulher que passasse pela sua provação.

— Obrigada Lynae — murmurou. E pela primeira vez que chegou ali, percebeu-se destinando um sorriso a alguém. — Sua presença me alivia muito.


As palavras de Elza eram tão reais que só quando foram pronunciadas, foi que a jovem senhora de Rylee percebeu o quanto importava.

De Ragnarok, seguiu com ela o primo Benjamin, mas aquele homem a angustiava. Por ser leal e por lhe proteger dos irmãos, ela o queria por perto no seu clã, todavia, ali, em Buganvília, ela rezava para que ele sumisse.

De alguma maneira, Lynae era mais confortadora que o primo.

Isso ficou mais nítido quando o viu chegando ao castelo carregando um gato do mato morto.

— Estava caçando? — indagou. Odiava a prática. Ver o animal sendo arrastado lhe deu ainda mais raiva.

— Sim, quero a pele para produzir um presente para você — ele contou.

Quem havia dito a Benjamin que ela queria algo vindo de um animal morto cruelmente?

— Só um marido pode presentear uma esposa — o tom masculino próximo deles a sobressaltou.

Ali estava Damon. Parecia animado e revigorado naquela manhã. Ao contrário dela, que sentia dores para andar, o rapaz era presenteado pelo seu sexo poderoso.

Elza o odiou mais ainda. Odiava a todos os homens. Sempre foi assim, desde que o pai a esbofeteou aos cinco anos porque ela permitiu – palavra estranha essa, já que não havia permitido nada e sim fora pega de surpresa – que um dos irmãos esfregasse as mãos no seu baixo ventre.

— É uma fêmea? — indagou o esposo, aproximando-se do felino morto.

— Não sei. Não me importo — o primo respondeu.

Damon observou as partes baixas do animal.

— É uma fêmea — confirmou. — Não matamos fêmeas — alertou. — Especialmente nessa época do ano.

Aquilo atiçou a curiosidade da jovem.

— Por quê?

Só então Damon volveu-se para ela. Sorriu. Era a primeira vez que ela via seu sorriso desde que se tornaram uma só carne.

— Por causa dos filhotes — explicou. — Se essa gata tinha filhotes, eles morrerão na nevasca. E, mesmo que não tenha, a prática da caça não é bem vista em Buganvília. Só matamos animais que criamos para comer. Os da floresta, que fiquem lá.

Elza percebeu a irritação em Benjamin.

— Eu não sou um membro do seu clã.

— Todavia, vive nele agora. E terá que respeitar as regras ou irá embora — Damon avisou.

— Nós temos um acordo — Benjamin murmurou, irritado.

— Eu não dei minha palavra a ninguém. E caso os Aiken queiram rever o acordo, estou disposto. Meu único interesse no pacto é permanecer com minha esposa, a quem me uni em sangue. De resto, podemos renegociar.

Ela quase sentiu um prazer pecaminoso em ver o primo irritado. Todavia, aquilo foi interceptado pela visão de Damon novamente focado nela.

— Quer me acompanhar?

— Aonde?

— A floresta. Precisamos ver se há filhotes sem mãe. Não podemos deixá-los morrer, não é?

Uma parte racional de Elza gritou em sua mente para não ser levada pela espontaneidade de Damon. Contudo, era uma aventura. A floresta. A neve. Os bebês gatos.

— Sim — ela sorriu.

E era um sorriso lindo.

 

De fato, era um sorriso lindo.

Talvez ela nem percebesse como seu olhar se tornava mais verde e parecia mais brilhante quando sorria. Ele, contudo, atentou-se a isso nas poucas vezes que o sorriso se manifestou.

A primeira vez que viu seu sorriso ela estava a observar a neve numa manhã fria, dois dias depois de sua chegada. Noutra vez, na cozinha, ouvindo a serva tagarelar; e, agora, à menção de um passeio.

Era quase sempre de forma escondida, acanhada, como se houvesse culpa por sorrir. Mas, toda vez que acontecia, parecia que o mundo inteiro passava a valer a pena.

Talvez ele pudesse ser feliz ao seu lado. Realmente.

E ela também. Quem sabe um dia o afeto existisse em seu coração.

Olhou para Elza. Estava montada numa égua mansa, num trote lento. O maldito primo insistiu para ir junto, mas Damon foi firme em recusar.

Havia matado a gata, por que diabos se interessaria em ver se deixara filhotes para trás?

Damon nasceu em Buganvília e cresceu percorrendo cada pedaço daquela terra em volta de Bjor. Sabia onde os gatos se escondiam. Sentiu o calor da cólera tomando-o ao imaginar Benjamin ali, cercando a gata que, provavelmente, sempre se sentiu protegida no local.

— Lá adiante — disse para a esposa, apontando uma caverna —, há uma bifurcação. Não acho bom irmos a cavalo.

Desceu do alazão e aproximou-se dela para ajudá-la. Elza não recusou suas mãos em sua cintura. Era tão meiga e delicada...

Queria ter tempo de apaixonar-se por ela antes de obrigá-la a desfrutar o leito consigo.

Seguiram em direção à caverna. Damon a mantinha atrás, seus passos eram lentos e eles tentavam não falar. Se havia mais algum gato adulto ali, poderiam ser atacados.

Subitamente, porém, um choro, como se de bebê. Um miado fundo, agoniante, que fez o rapaz avançar rapidamente.

Percebeu que Elza travou. Talvez imaginasse o pior e não suportasse bem a morte. Não insistiu que ela o seguisse porque não sabia o que veria.

E, quando entrou, jurou a si mesmo dar um soco bem dado na cara de Benjamin Aiken.

Eram três filhotes. Dois já estavam mortos. Muito pequenos, a falta da mãe por algumas horas não causou apenas fome, mas também ausência da fonte de calor.

Pegou o que restou nas mãos. Era minúsculo, de cor cinza e orelhas pontudas.

Saiu do local.

— Os outros estão mortos — contou a ela.

E percebeu uma pequena fagulha de piedade.

— Graças a você, esse está vivo — ela disse, contudo.

Ele se aproximou da jovem. Estendeu o filhote para ela. Percebeu-a aninhando-o contra o vestido de lã.

Pelos céus, Elza era uma mãe. Claramente, uma mãe. Ainda sem um filho, mas nascera para isso. Tinha o dom de segurar firme uma pequena criatura e amá-lo, mesmo que acabasse de pegá-lo.

Sem perceber, sorriu em sua direção.

Estava encantado. O pai não podia ter escolhido melhor.

 


Capítulo Quatro

 

O quarto estava aquecido pela enorme lareira. Na cama, Elza aninhava o pequeno felino, dando-lhe beijos e rindo diante do seu miado gentil.

Damon não conseguia esconder o encanto. Sabia que a primeira vez deles havia sido péssima, mas ela era tão bela e desejável que imaginou o que precisava fazer para que o olhasse como marido de alguma maneira romântica.

— Que nome daremos?

A pergunta feminina fê-lo arquear as sobrancelhas.

— É seu para dar o nome que quiser.

— Bjor — sorriu. — Em homenagem a montanha.

Damon não resistiu mais. Eles estavam sozinhos no quarto. Era direito de ele tê-la a seu bel prazer. Até porque, eles tinham que fazer um filho.

Era por isso que haviam se casado, não é?

Puxou o gatinho da cama e o colocou numa caixinha de madeira cheia de cobertas de lã.

Depois, volveu para a cama. Percebeu o olhar sério de Elza em sua direção e abrangeu o medo.

Oh, ela não diria, mas estava ali, estampado no olhar verde.

Lynae uma vez lhe explicou um pouco sobre o prazer feminino. Bem da verdade ele não havia entendido direito porque ela havia feito isso, mas na época pareceu ter o propósito de fazê-lo ser um bom marido.

Parece que quando uma esposa está satisfeita, sua casa resplandece alegria.

Ele não conseguia ver Elza alegre. Ela parecia carregar uma carranca que raramente desanuviava. De qualquer maneira, ele a quis satisfeita.

Pôs um dos joelhos na cama e ficou aos seus pés.

— Me fale de sua vida em Ragnarok, Elza — pediu.

Não porque se interessava, mas porque gostava da sua voz.

Puxou seu pé. Beijou-o, deslizando os lábios em direção ao tornozelo bonito.

— O que está fazendo?

— Quero ouvi-la, esposa — ele murmurou. — Conte-me o que fazia naquelas terras...

A mão de Damon deslizou para sua coxa. Por algum motivo, algo em Elza formigou.

— Eu cavalgava pelas montanhas — balbuciou. — Era livre... — As palavras perderam-se quando a mão firme de Damon chegou aos seus cachos pubianos. — Era feliz...

— Era realmente?

Felicidade não era algo comum às mulheres. Elza sabia.

— Como a liberdade pode ser diferente da felicidade?

— Mas você não era livre. Apenas estava iludida sobre isso. — Ele foi subindo vagarosamente. Subitamente, o vestido estava na cintura. A boca tomou o lugar dos dedos.

Elza gemeu profundamente.

— Você não era livre, Elza. Era apenas um produto para seu pai. Mas, é livre agora, comigo. Só se permita ver isso...

Então sua língua quente e atrevida adentrou seus grandes lábios. Sua boca chupou o centro feminino. Elza segurou-se nos lençóis, incapazes de pensar.

Era apenas sentir... sentir...

— Damon...

— Se eu prometer que sempre será livre, que jamais a avassalarei de alguma maneira, você se permitiria abrir seu coração para mim?

— Amá-lo? — ela estranhou a pergunta. Amor não fazia parte dos casamentos.

— Amizade — ele retrucou. — Minha melhor amiga...

Sentiu lágrimas nos olhos. Porque era lindo. Era um gesto que ninguém mais tivera com ela.

Damon segurou suas nádegas enquanto se afundava em sua feminilidade.

O primeiro orgasmo de sua vida veio com o cheiro doce do livre arbítrio. De alguma maneira, teve esperança de ser feliz.

 

O tempo que transcorreu desde o casamento até a chegada da primavera foi bastante proveitoso para o povo de Buganvília. As colheitas de frutos estavam bem organizadas, e o cheiro de compotas se espalhava pelo lugarejo.

Após a preparação dos alimentos, seria o tempo dos comerciantes irem vendê-los em terras além mar. E quando retornavam com ouro, o ciclo de produtividade repetia-se com euforia e festas.

Mas, a felicidade que vivia Damon era diferente da do resto de seus protegidos. Ele tinha uma mulher que lhe agradava muito, e aquela relação tornou-se algo tão profundo que nenhuma palavra era capaz de explicar.

Ele gostava de tudo em Elza. Gostava da maneira como ela cuidava de Bjor, de como atendia as pessoas, de como organizava os chás para quem ficasse doente, da forma como usava seus conhecimentos com equinos para amparar os cavalos e tantas outras coisas que seria difícil por em linhas. Mas, o que mais o encantava era como o recebia quando a porta do quarto se fechava e ela se deitava com ele.

Apesar do começo difícil ele percebeu que poderia molhá-la bem com saliva antes de entrar nela. E que a umidade amenizava qualquer dor.

Assim, o que começou como sexo desastroso, tornou-se um casamento saudável e feliz.

E aquilo estava estampado em seu rosto.

— Mas felicidade traz inveja — Lynae o advertiu. — Cuidado, meu senhor.

Quando ela lhe disse aquelas palavras durante o café da manhã, ele as desconsiderou. Mas, depois percebeu que havia um motivo para isso.

Benjamin.

Quanto mais feliz e próxima Elza ficava dele, mais o primo dela se tornava arredio e raivoso.

E ele tentava descontar isso nos animais.

Os dois quase se engalfinharam no celeiro quando Damon viu Benjamin desferindo um tapa em uma vaca empacada.

— Seu primo terá que ir embora — ele avisou a esposa e preparou-se para as lamurias dela.

Não vieram.

— Quando irá? — ela perguntou.

Ficou surpreso, mas nitidamente aliviado.

— Ele diz que o acordo de meu pai o mantem aqui, então pretendo viajar até Ragnarok para reavê-lo com o líder dos Aiken. Quem sabe, a algum preço, ele o chame de volta.

Elza não gostava daquilo. Não gostava de saber que o marido se ausentaria. Mas, assentiu. Seria um alívio para ela também quando Benjamin se fosse.

 

Como sabemos, tudo se trata de tempo. E o tempo que trouxe intimidade àqueles dois jovens também trouxe um fruto das suas excessivas uniões carnais.

Foi Lynae quem percebeu, primeiramente, quando a viu vomitando na latrina, após sentir o cheiro de um assado. Depois, quando os seios ficaram maiores e uma camisa ficou apertada.

— Minha senhora! — parecia encantada. — Está grávida, minha senhora!

E isso se confirmou após a curandeira da aldeia aparecer no castelo.

Sim, Elza esperava seu primeiro filho. O herdeiro de Rylee. Aquilo causou comoção e animação em Damon.

— Como vamos chamá-lo? — ela questionou o marido.

— Você pode escolher o nome — ele sorriu. Estavam deitados na cama após fazer amor. — Contanto que não seja o nome horroroso de nossos pais.

O riso de Elza o fez gargalhar também.

Por conta disso, Benjamin foi esquecido. Um grande erro. Eles viveriam para se arrependerem disso.

 

Quando o verão chegou, abrasador, a barriga de Elza já estava grande. Apesar de ser jovem, ela sentia-se cansada e inchada com mais frequência do que imaginava.

Quando a noite chegava e Damon a procurava, ela quase implorava que ele fosse buscar outra mulher. Não que não gostasse do marido, mas naquele estágio sua animação sexual estava nula.

— Tira — ela implorou, numa das noites, após ele penetrá-la.

Damon afastou-se, encarando-a.

— O que foi?

— Estou com dor — explicou.

— Algum problema com o bebê?

— Não — negou. — Estou cansada.

Ela deitou-se de lado, deixando-o solitário, a segurar o pênis duro na mão. De qualquer maneira, respeitou aquele momento, porque Elza era a mãe de seu filho, o fruto mais importante da vida de um homem.

Deitou-se ao lado dela, e pousou a mão em sua barriga. Estava ansioso para que o bebê nascesse logo. Seu filho seria importante e forte. Seria um líder vigoroso e um guerreiro poderoso.

— E se nascer uma menina? — a voz dela, insegura, ecoou na escuridão.

A questão o surpreendeu. Depois, sentiu-se calmo.

— Então ela será a primeira líder mulher desse reino. Aprenderá a arte das espadas e matará todos os homens que se aproximarem para tentarem avassalá-la.

Elza riu.

— Elza — ele a chamou. O rosto dela girou em sua direção. — Eu amarei essa criança, sendo menino ou menina. Eu a amarei porque amo tudo que vem de você.

Foi o mais próximo de uma declaração de amor que eles já haviam chegado. Mas, foi o suficiente.

 

 

 

Capítulo Cinco

 


A s dores começaram numa tarde de vento calmo e calor ameno. Elza estava na cozinha ajudando Lynae a cortar as folhas verdes quando sentiu algumas pontadas na barriga.

Desconsiderou porque elas costumavam acontecer, indo e vindo, há dois dias.

“ Não é nada ”, disse a si mesma.

Contudo, as dores pioraram quando Lynae afastou-se alguns minutos e Benjamin surgiu.

— Dizem que seu marido está dormindo com algumas aldeãs — ele contou, assim, à queima roupa, sem nenhuma preparação.

Elza não sabia se era verdade. Mas, também não duvidava. Já tinha mais de um mês que ela não conseguia servir Damon maritalmente.

— E qual é o problema? — retrucou.

Havia um problema em seu íntimo, evidente, mas não queria demonstrá-lo ao primo.

— Eu sei que pensa que ele é diferente porque a deixa fazer o que quer e porque diz a quem quiser ouvir que se nascer menina, será uma líder do feudo. Contudo, creia-me prima, ele é só mais um. Como seu pai. Como seus irmãos. Apenas eu sou leal a você.

— Eu não sei o que quer de mim, Benjamin — ela murmurou antes de outra pontada.

— Vamos embora — ele pediu. — Você pode se livrar do bebê. Ou eu posso assumi-lo. Não me importa. Eu não a desprezo por não ser mais virgem, também. Eu a aceito e a quero da maneira que...

Suas palavras foram cortadas pelo som de um líquido se derramando no chão. Elza gritou, as duas mãos na barriga, a dor fazendo-a a arquear.

Lynae voltou correndo para a cozinha, e observou Benjamin a encarar a prima com assombro.

— Ajude-me a levá-la até a cama — pediu ao homem.

— O bebê vai nascer? — ele indagou.

— O que você acha?

Benjamin já odiava a criança. O fruto do casamento que ele desprezava. Durante meses tentou convencer a prima a partir com ele. Depois, Elza simplesmente evitava sua presença, estando sempre próxima do marido.

Agora, tudo parecia tarde demais.

— Homem! — Lynae o tirou do torpor — Me ajude!

Só então ele pegou Elza no colo e a levou até o quarto.

 

O grito de desespero espalhou-se pelas paredes do castelo. Elza havia perdido a conta das horas. A dor a fez desmaiar alguns minutos e depois a acordou novamente, para mais daquela tortura.

Aos seus pés, com as mãos cheias de sangue, a parteira tentava ajudá-la a por aquele bebê no mundo.

— Lynae — ela chamou à serva, que logo segurou suas mãos. — Eu disse que jamais amaria essa criança porque jamais amaria nada vindo dos Rylee — contou, a angústia estava nítida na sua voz. — Mas, não aconteceu assim. Se eu não sobreviver, diga a meu filho que eu o amava...

— Não fale isso senhora...

— Não tenho mais forças, Lynae — ela choramingou.

— Até as vacas conseguem dar a luz, a senhora não vai conseguir? — indagou, otimista. — Agora, concentre-se na sua função. Faça força!

— Se for menino, o nome será Ciel — apontou.

— É um nome muito bonito...

— Significa paraíso. — A garganta embargou. — Ele seria meu final feliz...

Outra contração.

— Força, minha senhora — Lynae postou-se sobre sua barriga, tentando empurrá-la.

Então, outra contração forte. E um novo tempo começou sobre o choro aguçado de uma nova vida.

 

O bebê sugava seus mamilos com força e fome. Ela sorriu diante da fragilidade daquele ato mesclado a intensidade de sentimentos que ele provocava.

— E meu marido? — indagou à serva.

Damon havia sumido. Lynae não quis preocupá-la com isso.

— Está dormindo com alguma vagabunda, não é? — Elza questionou.

— Ele não quis incomodá-la com seus desejos masculinos — a empregada amenizou. — Homens, sabe como são...

Sim, ela sabia. O pai sempre estava em cima de uma das mulheres, mesmo que outra estivesse doente ou precisando de amparo. Mas, em algum lugar da sua mente fantasiosa, acreditou que com Damon fosse diferente.

Um pequeno gemido. Seus olhos encheram-se de lágrimas.

O que importava Damon quando tinha seu bebê no colo?

— A senhora é muito forte — Lynae reafirmou.

Elza sabia. Com dezesseis anos, normalmente as moças não resistiam a um parto daqueles.

De repente, a porta do quarto abriu. Damon surgiu com o rosto avermelhado, como se estivesse numa corrida desenfreada.

— Por que ninguém mandou me avisar? — a questão era para Lynae.

E a serva ficou sem palavras. Lordes não costumavam perdoar intromissões as suas saídas sexuais.

— Lynae estava ocupada me ajudando — Elza a defendeu. — Aproxime-se, senhor meu marido, e veja seu filho. É homem.

Havia algo no tom da voz de Elza, mas a comoção de Damon não o permitiu atentar-se ao fato.

Segurou o menino nas mãos. Tão pequeno, tão perfeito... Sentiu lágrimas surgirem nos olhos, mas afugentou-as porque um homem não devia chorar.

— Ele é lindo — murmurou.

Então, os olhos do menino se abriram. Um olho azul, outro verde. Damon abriu a boca, pasmo.

Aquela criança era uma bênção que palavras jamais poderiam explicar.

 

Apesar de, às vezes, eu parecer tomar partido em minha narração, a verdade é que estou sendo o mais imparcial possível. Por isso acredito que preciso falar sobre verdades.

A verdade é um fato inquestionável. A verdade é o que move todas as histórias. E a verdade, ao menos nesse ponto da vida daqueles dois jovens, é que Damon era inocente.

O que eu não narrei a você, leitor, é que nos últimos meses da gravidez de Elza, Damon começou a sentir que estava incomodando.

Ela precisava de silêncio e de calma, e sempre que ele se mexia na cama, parecia retesar a esposa.

Por isso, passou a sair para longas caminhadas com Bjor – que já estava bem grandinho.

Não, ele não andava dormindo com nenhuma aldeã, e seria mentira eu dizer que não sei como esse boato se espalhou.

Claro que, ao narrar essa história, preciso esclarecer essas questões.

Damon passava sim noites fora. Ele costumava dormir no celeiro bebendo hidromel, ou na taberna, ouvindo o gaiteiro tocar seu instrumento de cordas.

No dia que o filho nasceu, caso tivessem procurado, haveriam de encontrá-lo deitado ao lado de Bjor, sobre o feno do celeiro, lendo um livro de contabilidade e calculando quanto de ração se gastaria com os animais no inverno que viria.

Mas, ninguém o procurou.

Nem o avisou o que se passava no castelo.

Porque Benjamin fez todos acreditarem que o rapazote já havia enjoado da beleza da esposa e que agora se engraçava com moças aleatórias por aí.

E não era difícil acreditar. Anna, a mãe de Damon, deu a luz num inverno congelante apenas com a presença de uma ama. Ivar Rylee só apareceu em casa duas semanas depois de Damon nascer, porque estivera ocupado numa orgia em uma aldeia próxima.

Havia se aproximado do leito. Perguntado se era menino. Diante da resposta afirmativa de Anna, ele assentiu vitorioso e depois voltou para sua vida satisfatória.

Sequer lhe passou pela mente perguntar como a esposa estava ou se precisava de algo.

Damon era diferente em tudo do pai. E, mesmo ali, sobre o olhar frio da esposa, ele era incapaz de indagar qualquer coisa que pudesse atormentá-la depois do difícil momento.

Assim, num dado momento em que deixou o quarto, buscou por informações com a única pessoa que confiava no castelo.

— Sua senhora passou por um parto muito difícil — Lynae explicou.

Mas, havia algo no olhar dela que não parecia ser por conta do parto. Era algo acusatório.

— Elza parece me olhar, mas não me ver.

— Não sei o motivo — Lynae volveu-se para as panelas, ignorando-o.

— Elza é minha melhor amiga — ele contou. Aquilo era tão real. — É minha esposa, acabou de me dar um filho... Por que está me tratando como se eu fosse um incômodo?

— Não sei, meu senhor — a outra se afastou. — Talvez tenha feito algo que a magoou.

— Como o quê?

— Dormir com outra mulher.

Ele gargalhou.

— Elza jamais se ofenderia por algo assim. Todos os homens fazem isso — deu os ombros e então voltou para o quarto.

Contudo, esqueceu-se de negar aquela informação.

Damon era jovem. Juventude trás ingenuidade. Ele realmente acreditava que as pessoas não pensariam tal coisa de si.


— Bjor, esse é Ciel.

O gatinho pulou em cima da cama e cheirou o pequeno pé do bebê que a cada dia mais encantava Elza.

Seu filho... Sua vida... Seu amor.

De repente, tudo que passou para chegar até aquele momento valeu a pena. Ter um filho parecia à coisa mais sublime e maravilhosa que poderia ter lhe ocorrido.

Ela amava tudo em Ciel. Seus olhos de cores diferentes, sua pele macia e cheirosa, seus pequenos dedos e unhas minúsculas, e a forma como ele segurava seus seios para mamar.

Era como se, do instante que ele nasceu, até aquele momento, Ciel passou a ser tudo que importava.

— Elza... — o chamado do marido fê-la perceber que não estava sozinha no quarto.

Desde o parto, ela mal conseguia suportá-lo. Sabê-lo dormir com outra enquanto ela agonizava para dar à luz ao filho dele foi terrível. Não porque não fosse prática comum, mas porque eram amigos, ou assim acreditava.

Como amigo, Damon deveria ter estado ao seu lado, segurando sua mão.

— Sim?

— Esposa, já faz dois meses que Ciel nasceu. Seu resguardo já passou. Penso em quando poderemos voltar a termos uma vida...

— Eu já lhe dei um filho homem — ela apontou, cruel. — Sei que consegue encontrar uma mulher disposta na aldeia. Só pagar.

Foi uma resposta insultante, mas ele havia lhe prometido liberdade. E isso incluía em dizer não para ele se era esse seu desejo.

Irritado, saiu batendo a porta. Ciel choramingou e Elza o ninou. Lágrimas brotaram nos seus olhos, mas ela as afugentou.

Aquela página estava virada.

 

A prostituta estava sem calçolas embaixo da saia. E a saia dela estava toda emaranhada na cintura.

Assim, deitada na cama, com as pernas abertas, Damon era capaz de ver seu buraco e sabia que bastava enfiar seu pau lá para que se sentisse satisfeito.

E era fácil, francamente. Ele era tão jovem. Aquele negócio ficava duro sem nem ao menos ele querer.

Todavia, negou todos os seus instintos quando saiu do quarto deixando apenas moedas sobre a cama. Seu sêmen permanecia nele, assim como a lealdade a Elza.

Entrou no castelo, buscou pelas escadas. Subiu até o andar superior e entrou no quarto.

Elza estava ao lado do berço. Rumou até ela, segurando-a nos braços e, depois, lhe beijando com ardor.

Houve uma leve resistência que logo foi afugentada. Elza podia negar, mas havia algum sentimento ali, entre eles.

Deitou-a na cama. As palavras não foram pronunciadas. Nem de amor, nem de perdão.

Havia apenas desejo. Isso ao menos era o que eles imaginavam.

 


— No que está pensando? — Elza indagou.

Aos pés deles, o fogo crepitava. O quarto estava aquecido. A primavera não fora muito gentil naquele ano. O frio parecia não querer ir embora.

Damon sorriu.

Na cama, a esposa o encarava com o olhar gentil que ele amava, Atrás dela, ele podia observar o berço. Aos pés, o ronronado de Bjor.

— Eu acho que sou um homem de sorte.

— É mesmo?

— Eu me apaixonei por você.

Elza não sabia se era verdade. Ainda sentia a angústia das dúvidas que pairavam em sua mente. Mas, mesmo assim, permitiu-se aninhar no corpo do esposo e descansar a mente.

Pelos céus, ela também... Ela também...


— Mama...

Ela estava no enorme gramado diante do castelo quando ouviu as palavras pela primeira vez. Voltou-se para o filho, sentado em uma toalha que usava para o piquenique, e sentiu-se a mulher mais feliz e sublime do mundo.

— O que disse, Ciel? — ela perguntou, o pegando no colo.

Uma série de sílabas desconexas escapou dos lábios infantis.

— Diga “ mama” — pediu, porque precisava ouvir novamente aquela pequena palavra capaz de iluminar seu mundo.

O menino estendeu seus bracinhos para ela que o apertou contra o peito.

— Mama — ele murmurou, junto com outras coisas que ela não entendia.

O riso de Elza veio junto com as lágrimas. Naquele mundo torpe e cruel, ao menos ela tinha seu bebê. Sua vida... Seu mundo.


Desde que o pirralho havia nascido, Benjamin mal via Elza. Antes, ao menos conseguia um tempo com ela, pois eram parentes e tinham o que conversar.

Mas, depois de o maldito vir ao mundo, tudo que ela se centrava ou pensava era no bebê.

Tudo era por ele...

Tudo era para ele...

E por causa dele, Elza sempre estava ocupada. Eles mal se viam, agora!

Aquilo tinha que acabar!

Naquele momento, os observando pela janela, sentia o coração transbordar de ciúmes. A prima havia levado o moleque para lanchar no jardim, e sequer lhe havia convidado. Podiam passar àquela tarde juntos, mas a presença do garoto lhe tirava qualquer noção do resto do mundo.

— Moleque desgraçado — murmurou.

E por mais que sentisse aquilo, arrependeu-se de ter dito em voz alta porque fora flagrado pela pior pessoa para ouvir tal confissão no momento.

— Você chamou meu filho de desgraçado?

Não havia percebido a presença de Damon Rylee. Sentiu-se imediatamente ameaçado, enquanto se voltava e percebia o senhor do Castelo parado no corredor, com os olhos raivosos contra si.

— Deve ter ouvido mal — balbuciou. — Não disse nada.

Damon se aproximou. Era mais jovem, mas era tão alto quanto Benjamin.

— Cuidado com o rumo dos seus pensamentos, Aiken — seu tom foi frio e calculista. — Eu posso até tolerar sua presença, apesar de odiá-la. Mas, se tentar algo contra meu filho, eu o mato.

Aquelas palavras não afugentaram as ideias maldosas de Benjamin. Ao contrário, as incentivaram.


O velho Dagda não pertencia a nenhum clã. Era conhecido porque era feiticeiro, e costumava oferecer benzas, rezas e produtos naturais em sua pequena cabana próximo de Bjor, a montanha que rugia.

Até mesmo os Aiken o procuravam quando alguma doença parecia mais poderosa. O velho curandeiro não se negava a atender ninguém, apesar de considerar aquele clã mais ao sul um tanto estranho e maldoso.

Quando jovem conheceu uma bonita moça que se enamorou não apenas de seus poderes, mas de sua bondade. Agora, velhos, Arlene e ele costumavam dividir a tarefa de amparar aqueles que o buscava a procura de alívio para suas dores.

E foi por causa disso que aquela menina de olhos assustados apareceu diante de sua casa.

— Mas, não pode matar seu bebê, menina — O velho Dagda aceitou pegar o garotinho de menos de um ano no colo.

— Mas, ele está morrendo. Chora dia e noite. A febre não passa. O dono da taberna disse que se não me livrar dele não poderei mais trabalhar lá.

Era uma prostituta. E crianças não combinavam com puteiros.

O velho pousou a mão na testa do pequeno. Estava febril.

— Ficarei com ele. Se sobreviver, o criarei.

A garota nem se despediu do bebê. Simplesmente assentiu e se afastou. Era muito jovem, mas já estava anestesiada pela dor.

Dagda entrou na casa e Arlene se aproximou, pegando a criança. Instantaneamente, perceberam que seria difícil sobreviver.

— Ele já deve ter nascido com alguma doença da mãe — a mulher velha comentou.

— Não é triste quando sequer há a chance de serem felizes?

Ela assentiu.

 

— É para matar o moleque?

Benjamin gostaria de concordar, mas ser herói aos olhos de Elza parecia mais otimista do que simplesmente aquele que trazia uma má notícia.

— Não. Apenas precisam raptar o garoto e o esconder. Um tempo sem o filho deixará Elza em total estado de pânico. Quando isso acontecer, eu surgirei e lhe entregarei o garoto.

— E onde o esconderemos? — um dos rapazes que ele havia contratado indagou.

Era um pequeno grupo. Cinco ladrõezinhos de merda que não serviam para muita coisa, mas que dariam cabo daquele feito porque era simples e porque ele estaria encabeçando o plano.

— Tem um casal de velhos na floresta. Isso vocês podem deixar comigo.


Arlene odiou ver Benjamin. Ele lhe trazia arrepios porque sua alma era daquele tipo escuso, obcecada por algo ou alguém de uma forma que destruía qualquer razão ou sensibilidade.

— Eu vou trazer uma criança aqui — ele não pediu, apenas avisou.

— Já estamos cuidando de um menino — apontou um berço. — Muito doente, não sabemos se é contagioso.

— Não importa. Se morrer, morreu. Se não morrer, o levarei embora depois de alguns dias. Mas, ninguém pode saber. Sabe que sou um Aiken e que nosso clã não perdoa quem nos trai.

Dagda surgiu atrás da esposa.

— Está bem, Benjamin. Cuidaremos de mais uma criança.

O homem então se afastou. Seguiram-se com ele os demônios que lhe atiçavam a alma já levemente apodrecida.

 

 

Capítulo Seis

 

A dúvida que surgiu na mente de Elza foi plantada por Benjamin, mas regada pelas diversas idas de Damon para as aldeias próximas de Buganvília.

O esposo costumava dizer que estava preparando o feudo para o filho. Queria fortalecer as linhas de defesa, comprar mais animais, investir na criação de equinos e outras coisas que ela mal ouvia. Porque, bem da verdade, não conseguia acreditar em nada.

Estavam casados há quase dois anos, e Ciel tinha quase um ano e já gostava de se agarrar na mobília e tentar ficar de pé; e, até então, ela não o havia flagrado com nenhuma mulher.

E todos os homens tinham amantes. Aos montes. Por que quando ela lhe perguntava tal coisa, ele sempre negava?

Não eram amigos? Não devia lhe contar?

A pior parte era na cama. Damon sempre tinha uma novidade. Onde ele aprendia? Com quem?

Quando levou aquela questão a ele ouviu uma gargalhada sonora ecoando pelo quarto.

— Eu sempre penso em você... O dia todo... Tudo que quero é estar com você nessa cama.

Parecia lisonjeiro... E falso.

Mas, sempre que Elza sentia o clímax se aproximando, agarrava-o firme pelas costas e pensava que, enfim, devia até ser grata: ao menos ele tentava poupá-la de uma vida de dissabores.


Aquela manhã foi como todas as manhãs. Damon acordou cedo, foi até a cozinha e comeu o que tinha pronto. Depois, despediu-se de Lynae, deu um leve afago em Bjor e rumou até seu alazão.

Tinha algo planejando para o futuro de Ciel. Não queria o filho enfiado com o clã da mãe. Não confiava nos Aiken. Então, pretendia construir um porto e comprar um navio para fazer a volta em mar pelo reino e chegar à Cidade Capital sem precisar cortar caminho pelas terras dos Aiken.

Aquilo levaria anos, mas ele tinha tempo. Quando Ciel tivesse uns dez anos, pretendia levar o filho consigo naquela empreitada.

Porque com o garoto seria diferente. Ele não se casaria por um acordo – não que ele reclamasse de Elza, mas queria que Ciel tivesse a chance de escolher – e seria independente de qualquer contrato para governar as terras que lhe deixaria.

Estava de tão bom humor que não percebeu que a defesa do clã estava desarrumada quando saiu pelos grandes portões.

Durante os anos vindouros, ele faria aquela viagem mentalmente muitas vezes. E em todas elas, ele se culparia por ter sido tão desatento naquele instante.


Foi o som dos gritos no castelo que a acordaram. Seu corpo ficou ereto rapidamente, e os olhos buscaram por Ciel, no berço.

Os Aiken sempre estavam em conflito, portanto, quando o clã era invadido as mulheres se escondiam para evitar o estupro – e consequentemente o abandono dos parentes porque ninguém queria uma fêmea estragada, manchada pelo prazer de algum homem de origem inimiga. Portanto, sua primeira reação foi pegar o filho e tentar encontrar um abrigo.

Viu o grande roupeiro de madeira, e correu até lá. Todavia, não teve tempo de entrar nele, e sua porta foi aberta com um forte chute.

Viu um homem grande avançar contra ela. Gritou, implorou por ajuda, mas ele conseguiu desvencilhar seu bebê dos seus braços.

O que faria agora? Mataria Ciel antes de estuprá-la?

Contudo, não fez uma coisa nem outra. Tão logo estava com o menino que já chorava alto, assustado pelos berros da mãe, ele tentou se afastar.

Elza reagiu por impulso. Saltou em cima do homem, tentando arrancar dele aquele bem precioso. Foi quando um forte soco no rosto a desacordou.

 

 

— É o pirralho? — Benjamin indagou vendo o homem avançar com o embrulho nas mãos. — E Elza?

— Tive que lhe dar um soco. Ela avançou e eu não conseguiria sair sem a criança.

Benjamin assentiu, um tanto contrariado.

— Está bem. Leve o menino para onde foi combinado. Mas, antes, preciso que me golpeie.

— O quê?

— Não mortalmente, mas me machuque o braço.

Antes, contudo, de o homem enfiar a sua lâmina em Benjamin, perceberam uma figura parada à entrada do corredor, de boca aberta, completamente pasma e assustada diante da cena.

— Mate-a — ordenou ao homem.

Lynae tentou correr, mas o homem era rápido. Logo, avançou contra ela, derrubando-a no chão.

— Posso meter antes de matar? — ele indagou a Benjamin.

Só um retardado pensaria em abusar uma mulher num momento daqueles. Benjamin suspirou, zangado.

— Não, idiota! Só a mate e suma! Esse pirralho está chorando alto e logo apareceram mais pessoas aqui.

Foi então que a jovem amiga de Elza percebeu que o fim estava próximo. Tentou se desvencilhar, mas uma faca cruzou seu abdômen. O sangue logo apagou seus olhos.

Duas facadas... três... cinco.

Foi deixada, já sem vida, no chão.

Era uma morte triste, porque era injusta. De todas as pessoas naquele castelo, Lynae era a que mais merecia um final feliz.

Mas, finais felizes são utopia. A desgraça é algo mais verdadeiro e certeiro.

— Ei — Benjamin chamou, antes do homem ir. — Pegue o gato também. Mate-o. Não suporto esse animal.

 

A concussão havia sido extremamente forte. Mesmo sendo sacudida pelo marido, ela mal conseguia abrir os olhos, tamanha a dor na cabeça.

— Elza! — Damon gritou e então ela enfim viu a luz.

Seus olhos estavam vermelhos como sangue. Havia uma mancha em sua mente, como se estivesse vivendo um pesadelo.

— Invadiram o castelo — ela contou.

— Eu sei, meu amor...

— Ciel — volveu-se para o berço vazio. — Onde está meu filho?

Encarou Damon. Havia lágrimas em seus olhos.

— Onde está meu filho? — gritou, histérica.

— O levaram, Elza... — Damon murmurou, tentando acalmá-la. — Mas, nós iremos recuperá-lo. Juro que iremos.

Benjamin entrou no quarto naquele momento. Vinha abatido, assustado.

— Prima, agradeço aos deuses que está viva...

Ela o observou. Na sua mente focada em Ciel, conseguiu perceber seu machucado.

— O feriram?

— Eu tentei impedi-lo de levarem o bebê. Lyane está morta. Ela foi uma heroína, foram seus gritos que me alertaram para as coisas que ocorriam.

Com ajuda, Elza ficou de pé. Não tinha mais controle dos sentimentos, e um choro descontrolado escapou-lhe da garganta.

— Ciel! — ela gritou. — Lyane!

Em passos trôpegos, rumou em direção ao corredor. Naquele momento viu o corpo esquartejado de Bjor.

Dor...

Céus, como doía.

Foi quando uma luz surgiu em sua mente. Encarou o marido.

— Onde você estava? — indagou. — Seu dever era estar aqui protegendo sua família. É sua culpa terem levado meu filho e matado minha amiga...

— Elza — ele parecia pasmo.

— Eu odeio você. Eu odeio tudo de você — Gritou, tentando atingi-lo com socos. — Eu perdi a única coisa que eu amava por sua causa.

 

 


Capítulo Sete


C laramente, Damon não levou em consideração o desabafo da esposa. Ela estava sofrendo. Muito. Sabia que merecia aquele momento para despejar sua raiva em alguém. Que fosse nele! Merecia! De fato, estava certa em dizer que era dele o dever de proteger Ciel.

Sua falha como homem e pai haveria de atormentá-lo até sua morte.

Apenas... Nunca antes haviam sido atacados! O que diabos ocorreu?

Entrou no quarto. Diante da janela, a esposa encarava o horizonte. Em suas mãos, um casaquinho do filho.

— Achou meu Ciel?

— Não — respondeu.

— E por que voltou, então?

— Elza...

— É sua culpa. Enquanto você fodia vagabundas, eu perdia o meu filho. Quero que saia agora desse castelo e não retorne enquanto não trouxer meu filho contigo.

— Precisa entender, eu não estava...

— Não me importa! — ela gritou. Volveu para ele. Existia uma mágoa tão intensa que Damon entendeu que jamais a convenceria. — Eu quero o meu filho! — seu berro ecoou por todo o castelo.

Ele assentiu e se afastou. Elza resvalou até o chão, o rosto afundado no casaco de Ciel, o cheiro amado do seu pequeno bebê.

Sua vida nunca mais seria a mesma.

 

Havia algo naquela casa. O olhar estranho trocado entre os dois velhos fez Benjamin arquear as sobrancelhas.

Viu de relance apenas um bebê no berço, e respirou fundo.

— Onde está o outro?

— O que veio saudável morreu.

Ciel morreu?

— E por que esse não tem um olho? — apontou a criança com uma faixa sangrenta nas vistas.

— Esse é aquele que estava moribundo — Dagda apontou. — Ele tinha uma grave infecção em um dos olhos, então o arrancamos e lhe salvamos a vida.

Isso fez Benjamin sorrir.

— Então o bebê que eu trouxe morreu? — repetiu, satisfeito.

— Eu avisei que a infecção era contagiosa. Até pensamos em também tirar uma vista do menino, mas ele não resistiu à febre. — o velho insistiu.

Benjamin gargalhou, um riso que contagiou a sua alma. Em uma única tacada havia se livrado de Lyane, do bebê insuportável, do maldito gato e até de Damon, porque Elza nem queria olhar para o marido.

— Eu quero ver o corpo — fixou. — Para saber se não estão mentindo.

Arlene encarou o marido, seus olhos indecifráveis foram confortados por um outro olhar, cúmplice.

— Nós não o enterramos, mas não pudemos deixá-lo aqui porque fedia muito. Então, o colocamos na mata, atrás das pedras. Eu o levarei — o curandeiro abriu passagem.

Benjamin o seguiu. Conforme avançavam, um vômito formou-se em sua garganta. De fato, havia algo morto ali.

Cobriu o nariz quando Dagda puxou as pedras. Então surgiu diante dele um corpo pequeno arroxeado.

Estava podre, já. Em decomposição. Afastou-se rapidamente, ajoelhando-se no chão e despejando nele o resto do almoço.

— Está certo, velho — disse, após se recompôs. Jogou contra ele uma bolsinha com moedas. — E não se esqueça de que o silêncio é um presente para os Aiken.

Quando a figura daquele homem sinistro desapareceu, Arlene aproximou-se do marido.

— Céus, ele acreditou?

— Ele acreditou — afirmou o ancião. — Mas, vi em seus olhos. Se ele desconfiar, voltará para matar o pequeno de um olho só. Então, precisamos mandá-lo para longe. Uma casa que precisa de criados na capital, talvez?

A velha já havia se apegado ao menino, mas sabia que os dias naquele lugar eram cruéis e que só a morte esperaria por ele.


Damon partiu atrás do filho.

E depois que ele se foi, a rotina da esposa era observar o horizonte, à sua espera. Não porque quisesse vê-lo, mas porque queria que ele trouxesse Ciel novamente para si.

E é aqui que voltamos à trajetória do tempo...

O tempo não para de passar porque sua dor é intensa ou avassaladora. O tempo é cruel. E os outonos cruzavam aquela passagem no espaço, enquanto os olhos de Elza sempre se volviam para o horizonte.

O tempo fez seus olhos ficarem ainda mais tristes. Uma mancha escura abaixo das vistas, os lábios finos, sempre retos, como se sorrir fosse algo inapropriado, os cabelos em desalinho porque ela não tinha quaisquer vaidades.

O marido não voltou.

O filho não voltou.

O tempo passou.

Cruelmente, devo salientar.

E ela sentiu cada segundo.

Ciel, onde você está?

Existem dores que podem destruir um ser humano. Mas, Elza não se destruiu porque se apegou a esperança.

Ela aguardou o filho.

E ainda o aguardava. Cada dia, cada hora, cada segundo.

O esperaria até o dia da morte, se necessário fosse.

 

 

Capítulo Oito

 

C reio que já perceberam que toda essa história fala de tempo. O tempo de nascer, de renascer, de viver, de enamorar-se, tempo de sofrer, tempo de perder... Tempo.

E o tempo é cruel quando sofremos porque ele parece passar num arrastar cheio de dores, como um velho ancião cujas costas suportaram muito durante a vida, e agora já começam a vacilar, deixando-o corcunda.

O tempo passou...

Buganvília, cujo nome foi escolhido pelos antepassados de Damon por conta das árvores rosadas, permanecia exatamente igual. Ainda com sua flora marcante, com seu povo zanzando de um lado para o outro, com as colheitas e os plantios sendo feitos exatamente no tempo certo.

Porque existem algumas verdades sobre o tempo. Por mais que o povo se compadecesse das dores daquela mãe, o tempo passou também para eles, e para eles haviam alegrias que a dor de Elza não estragava.

“ Já deve ter morrido ”, comentavam entre si.

E não deixariam de fazer suas festas após cinco, oito, quinze anos do sumiço do pequeno Ciel.

Aos poucos, só Elza ainda se focava no filho dentro daquele clã. E fora dele, apenas Damon ainda o procurava.

O tempo passou, mas os dias e anos que decorreram do rapto de Ciel não mudaram as lágrimas de Elza. Ela ainda chorava pela perda do filho enquanto observava o horizonte imaginando que ele fosse surgir ao longe, retornando para ela, mesmo sabendo que com o passar dos dias, isso se tornava mais difícil.

Agora já era um homem. Dezessete anos. Talvez até já tivesse casado e tivesse um filho. Na idade dele, ela já chorava sua ausência.

Com um sapatinho de lã nas mãos, ela respirou fundo. Diante da janela oval, ela observava a chegada da comitiva. Um suspiro cansado exalou de seus lábios duros. Já se passara anos desde a última vez que sorrira.

— Você sabia que eles viriam? – questionou ao primo, que negou imediatamente.

— Como pode me perguntar isso, Elza? A mim? Seu leal servo. Esqueceu-se que eu quase morri para tentar salvar teu filho? Que fui eu que me ausentei durante todos esses anos atrás de cada pista que surgia sobre o paradeiro dele?

O heroísmo de Benjamin naquela data fatídica era jogado contra ela em todas as oportunidades. O primo gostava de relembrá-la que ele fora a única pessoa que tentou salvar Ciel. Lynae, sua serva e amiga, também tentara, mas morrera nas mãos dos raptores.

— A neve está muito intensa nesse ano, provavelmente por isso vieram – Benjamin explicou. – Não costumam aparecer.

Ela observou o rosto de seu pai, Rurik Aiken, enquanto ele descia do seu alazão e ajeitava as calças, encarando as ancas de uma pequena serva que viera trazendo hidromel aos homens.

— Eu irei resolver isso, Elza – Benjamin avisou.

— Não, eu vou.

— Não precisa fazer isso.

— Na ausência de meu marido, esse é meu papel.

Damon não aparecia há anos. Ela lhe dissera na última vez que não voltasse sem o filho. Porque a culpa de tudo era dele.

Um choro amargo formou-se em sua garganta, mas ela o rejeitou. Não podia dar-se ao luxo de sofrer pela ausência também do marido. Ele havia falhado com ela. Damon devia proteger Ciel, e sequer estivera na casa quando lhe roubaram a joia mais preciosa dos Rylee.

— Eu vou Elza – Benjamin insistiu.

Havia um pequeno demônio no íntimo de Elza que desejava mandá-lo se foder. Odiava quando o primo queria aparentar ser um marido, assumindo um papel que não era dele. Esse pequeno diabinho era contido pela gratidão que mantinha pela sua ajuda nos anos.

Desviou-se dele e rumou até as escadarias. Era difícil ver o pai. Ele vinha algumas vezes há cada três ou quatro anos, quando a neve dificultava a caça ou as reservas findavam-se. Havia vendido ela para os Rylee para quando isso acontecesse, e vinha cobrar o preço nessas ocasiões.

Quando ele surgiu na primeira vez, ela tinha vinte e três anos. Seu olhar ainda tinha algum brilho e comoveu-se com suas palavras de “ sinto muito pelo menino ”. Depois, com os anos, percebeu que ele dizia aquilo de cortesia, porque realmente estava se fodendo para o futuro do clã Rylee. Talvez até gostasse. Quem sabe, sem herdeiros legítimos, Buganvília passasse a algum de seus netos após a morte de Damon ou Elza.

Reviu seus pensamentos diante da primeira coisa que ele disse ao vê-la descendo as escadas.

— Elza! – exclamou. – Como está, filha?

Talvez houvesse algum traço de piedade nele. Talvez a velhice houvesse lhe dado um coração. Aquilo não importava. Nada importava.

— Como sempre, meu pai. Vieram às terras a procura de alimento?

— Não – respondeu. – Vim para lhe dar uma notícia e um conselho.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— O que quer dizer?

— Que idade tem? Trinta e cinco? Trinta e sete? Na sua idade, minhas esposas ainda pariam. Você pode e deve ter outros filhos porque sua casa precisa de herdeiros. Chame seu marido de volta, onde quer que Damon Rylee esteja. Façam crianças porque precisam de um legado.

Tudo que havia lhe acontecido até aquele instante era por causa desse motivo torpe: um legado. Ela não amava Ciel porque ele era a continuação de um clã. Ela o amava porque ele era parte do seu coração e da sua alma que ganhara corpo próprio e a chamava de “ mama ”.

— Qual é a notícia? – questionou, mais incomodada que nunca.

O pai mordeu o lábio inferior. Parecia calcular as palavras.

— Não quero que receba essa notícia despreparada, e que haja de forma precipitada diante dela. Precisa analisá-la e, só depois, fazer o que precisa para confirmá-la.

— Do que está falando?

— Um dos seus primos, Maghor, esteve na cidade maior do reino para comprar sal. Foi uma viagem de poucos dias e sem grande importância.

— E?

— E, enquanto esteve lá, jura que viu um jovem bem vestido, parece que de família rica, não de nosso reino porque usava costurado na roupa um brasão de Seana...

Seana era um reino que ficava do outro lado do oceano.

— O que tem esse rapaz? – ela já estava nervosa com tantas palavras.

— Ele tinha um olho azul e outro verde.

Suas palavras a chocaram. Mal conseguia raciocinar diante delas.


— Um olho de cor azul e outro de cor verde? — balbuciou.

— Sim.

— Deve ser lindo...

Damon sorriu, sentando-se na cama. Enquanto vestia a camisa, a prostituta atrás dele suspirou, encantada.

— E sua esposa? Como ela é?

— Ela é linda – suas palavras foram secas. – Ou, ao menos, era. Faz muitos anos que não a vejo.

— Por que não volta?

— É difícil explicar. Elza e eu éramos mais que um casal. Éramos amigos. Amizade é mais importante que amor, de alguma maneira. Ao menos, no nosso mundo. Ela confiava em mim, mas eu falhei com ela. Não quer me ver, e eu não quero me impor para ela. Jurei que jamais faria isso.

— Você é tão doce...

As mulheres que pagava para lhe servir sempre diziam isso. Não sabia o quão reais eram as palavras, mas também não se importava.

Deixou algumas moedas de ouro sobre a cama e saiu do local.

O dia estava frio. O inverno naquele ano estava mais intenso, e ele imaginou se Ciel, caso estivesse vivo, teria cobertas para se aquecer.

Era um pensamento ridículo, mas ele sempre pensava nisso. Quando ia almoçar, pensava se o filho tinha comida. Quando ia dormir, pensava se o filho tinha uma cama. Quando chovia, Ciel teria abrigo?

Aquela tortura mental nunca acabava. Já havia se passado tantos anos, mas Ciel ainda estava em sua mente, cravado lá, e a culpa nunca o permitia descansar.

Tudo teria sido diferente se ele tivesse estado no Castelo naquele dia. Com certeza teria salvado o filho, ou morreria tentando. Morrer era melhor que viver com aquele remorso.

E Elza? Como ela estaria?

Eram tão crianças quando se conheceram. Duas crianças cuidando de outra. Como poderia ter dado certo?

Entrou na taverna onde costumava ir beber quando estava na cidade. O taberneiro parecia assustado e pasmo ao vê-lo.

— O que foi?

— Meu senhor, onde esteve? Estivemos lhe procurando por toda a cidade.

— Retornei hoje. Estive ao sul verificando a informação de um garoto que fora deixado com uma família anos atrás.

Outro alarme falso. Não sabia quantos havia recebido naqueles anos.

— Senhor Rylee, não vai acreditar no que aconteceu. Um rapaz de Seana esteve na taverna com sua família. Parece que vieram comprar algumas mantas para as terras ao norte. Infelizmente já se foram. Tentamos lhe encontrar, para avisá-lo, antes que partissem, mas não foi possível.

Por que o homem parecia tão desesperado e suas palavras eram atropeladas?

— E o que tem ele?

— O rapaz – o taberneiro apontou. — , tinha um olho azul e outro verde.

 


Neal não tinha um sobrenome. Não tinha um pai, nem uma mãe. Contaram-lhe que a mulher que o gerou estava tão pesteada das doenças de puta que nem tentou criá-lo. Deixou-o num casebre onde um casal de velhos decidiu ajudá-lo.

Muito cedo aprendeu a se virar naquela terra de castas, onde se você não pertencia a um clã, era lixo para ser jogado fora.

Não foi santo, mas nunca roubou nada que não fosse para comer ou vestir. Nunca tirou de quem não tinha. Sempre tentou manter um código ético porque... Bem, não sabia exatamente o porquê.

E era bom nisso. Bom em sobreviver.

Pelos céus, havia passado por tantas coisas naquela curta trajetória de vida. O abandono da mãe, a morte da avó que o criou, a fome, as surras e, por fim, ainda muito pequeno, uma doença terrível que obrigou aos que lhe cuidavam a lhe arrancar uma das vistas que estava apodrecida.

Por isso usava um tapa olho de couro como de pirata e, por isso, talvez, sentisse que era corajoso e aventureiro. Assim, quando organizou aquele roubo na estrada, não esperava que algo fosse dar errado.

Um tronco no meio do caminho faria alguma carroça ter que parar. Então tiraria alguma coisa de valor dos que a ocupavam e depois os mandariam embora.

Era apenas para sobreviver...

Quando o som alto de rodas surgiu no horizonte, ele escondeu-se atrás de uma árvore. Aguardou. Logo, os cavalos pararam.

Observou a segurança daquela viagem. Uma carruagem com um cocheiro e mais nada. Ora, estavam praticamente implorando para serem roubados.

Só então avançou de forma firme. Pela traseira do veículo, correu na direção da portinhola. Ergueu a faca e a abriu.

Uma dama deu um pequeno gritinho de susto, mas logo ele sentiu um forte chute o empurrando para trás.

— Está tudo bem. – Um rapaz grande surgiu diante dele. – É só um moleque.

Neal o encarou, disposto a retrucar aquelas palavras. Foi quando percebeu o encanto do olhar daquele jovem. Um olho azul e outro verde. Era algo incrível...

— Tome garoto – o rapaz lhe atirou moedas. – Coma algo, você parece péssimo.

O cocheiro logo tirou o tronco do caminho e então a carruagem seguiu seu rumo.

Neal nem fazia ideia da importância daquele encontro.

 


Capítulo Nove

 


A Cidade Capital do Reino — que também era a portuária — fedia a bosta.

Não aquele tipo de fedor que você consegue ignorar com um lencinho perfumado sobre o nariz, mas um fedor medonho que à luz dos montes esverdeados das fezes ao léu dava um ar endiabrado para o local.

Isso acontecia porque era o tempo da troca de gado. Touros reprodutores eram vendidos a preço de ouro entre criadores, e todo o ambiente se empilhava dos excrementos dos animais que pareciam mais agoniados que Elza pelo espaço claustrofóbico.

Naquela manhã ela decidiu sair da pousada onde estava e ir andar pelo cais. O lugar onde dormira cheirava a mofo, e imaginou que conseguiria ar puro perto do mar.

Ledo engano.

Abanou o leque contra o rosto, apesar do vento gelado do inverno. Precisava se desfazer daquele odor ou iria vomitar em plena rua.

Benjamin havia saído cedo para comprar as passagens para seu embarque para Seana. Estava muito ansiosa para ir até o local. Não sabia exatamente como faria para encontrar Ciel, mas depois de muitos anos presa no castelo, percebeu que permanecer esperando que Damon ou Benjamin cumprissem a incumbência era apenas perca de tempo.

Nenhum dos homens se importava, realmente, com o que havia ocorrido ao seu garotinho.

Subitamente, um berro alto. Voltou o olhar para onde o som vinha quando percebeu um enorme touro de chifres pontiagudos escapando de uma corda e correndo em sua direção.

Algumas pessoas reagem rápido, mas Elza só conseguiu ficar parada no mesmo lugar, observando a aproximação do perigo.

Ordenou as pernas que se mexessem. Nada. Disse a si mesma que nunca estivera tão perto de encontrar Ciel, mas o medo aterrorizador do desprezo do filho a tomou, e então considerou a morte.

Todavia, o tempo dela não havia chegado.

De forma repentina, percebeu seu corpo caindo no chão. Outro corpo, mais magro e pequeno estirado sobre o dela. O touro cruzou por eles, e então a figura a deixou.

— A senhora está bem?

Era um menino. Cabelos escuros e um olho verde... Um olho? Percebeu o tapa-olho cobrindo a outra visão, e as vestes surradas indicando que era bastante pobre. Seria um marinheir o ?

— Eu...

Não conseguiu processar mais nada. Um choro súbito a tomou de assalto.

Não era o medo pelo perigo que acabara de correr. Era aquela sensação de pertencimento que a invadiu depois de muito tempo.

Um menino...

Provavelmente na idade do seu Ciel. Há quantos anos que não sentia aquilo? Não conseguiu controlar o choro.

— Vou levá-la até um lugar que pode se recompor.

Ela o seguiu. Por que diabos o seguiu? O que havia naquele único olho capaz de fazê-la vagar atrás de um desconhecido sem rumo certo.

Chegaram a um velho porão. Ele abriu uma porta de madeira velha e abriu passagem. Ela entrou, rumando até a metade do local imundo e escuro. Era como se pisasse em nuvens.

Apenas quando ouviu o som forte de uma batida atrás de si foi que acordou do torpor que entrara.

Volveu para ele. Viu as grades de ferro.

Era uma jaula! Estava presa!

— O que está acontecendo? — inquiriu.

O rapaz riu. Puxou algumas moedas do bolso e começou a contar.

— Olha, dona — murmurou. — É pouco, viu? Eu sei que as Ladys costumam andar sem dinheiro, mas quando senti as moedas nos seus bolsos achei que estaria com mais.

Naqueles poucos segundos ele a havia roubado?

— Exijo que me tire daqui!

— E por quê? — seu olhar parecia divertido.

Lembrava alguém...

— Sou a senhora de Rylee.

— Sério? Das terras das árvores cor-de-rosa?

— Conhece?

— Eu nasci perto de Bjor. Minha mãe era puta — ele sorriu. — Senhora, não pretendo machucá-la, apenas soube que há trabalho em Seana e preciso de dinheiro para comprar uma passagem. Estão quase esgotadas, sabia? E se eu perder esse navio, o próximo parte apenas daqui trinta dias.

— Solte-me e lhe dou o dinheiro — jurou.

— Irá me dar é um soco nas fuças. Vou atrás de seu marido e irei solicitar um resgate.

O rapaz notou a mudança no olhar. Havia algo intenso ali.

— Não o achará. Estou na cidade com meu primo, Benjamin Aiken.

O menino então se curvou e saiu do porão. Elza era acostumada à clausura e praticamente não teve reação à porta se fechando. Apenas sentou-se no chão.

Nada mais na vida a afetava.

 

O tal Benjamin Aiken não parecia muito preocupado com a prima. Neal o observou ao longe, vendo-o beber vinho enquanto lambia o pescoço de uma prostituta.

Provavelmente, não imaginava que a prima estivesse na rua.

Por que uma dama como a senhora de Rylee estava viajando sem a presença do marido? E por que o olhar dela mudou tanto a citação do Lorde?

O certo era ele ir até o homem, interceptá-lo e exigir um pagamento. Mas, o certo se perdeu na dor profunda que percebeu na mulher.

Era muito linda.

O cheiro dela era familiar.

Deixou a taberna sem se aproximar de Benjamin. Na parte externa, a neve começou a cair sobre as fezes dos animais, amenizando o cheiro.

Decidiu voltar para o porão. Elza Rylee, por algum motivo, parecia clamar por ele.

 

 

 


Capítulo Dez


A porta da jaula se abriu.

— Ele lhe pagou? — Elza indagou.

— Não falei com ele.

Ela não se mexeu. Sentada no chão frio, coberta apenas por uma manta, Elza parecia sem pressa de ir embora.

— Por que não falou?

O rapaz sentou-se ao seu lado. Devolveu-lhe as moedas.

— Eu não sei porquê.

Não foi um silêncio incômodo o que se seguiu. Era como se ambos estivessem exatamente onde deviam estar, então simplesmente se deixaram ficar. Elza compartilhou a manta, e eles permaneceram assim, por algum tempo, até o rapaz se apresentar.

— Sou Neal.

— Elza — ela sorriu. — Mas, todos me chamam de Senhora Rylee.

— Até seu marido?

— Não o vejo há muitos anos.

— Mesmo? Por quê?

— Nosso filho foi raptado muitos anos atrás. Ele partiu à sua procura e nunca voltou.

— Sinto muito.

— Não sinta. Não quero que volte sem meu filho.

Aquela seria uma longa noite.

 


— Quando eu era pequeno, ficava imaginando que um dia meus pais surgiriam no beco que me criei. Que iriam dizer que estavam me procurando, e que agora me levariam para casa — Neal comentou. — E então eu teria roupas limpas e comida todos os dias.

Deitados lado a lado embaixo da manta, pela primeira vez em muito tempo, Elza sentiu-se tranquila.

— Acho que esse é o sonho de toda criança abandonada.

— E você foi abandonado? — ela questionou. — E se aconteceu contigo o mesmo que com Ciel?

— Oh, não. Sei minhas origens. Minha mãe era puta e nem me olhou uma segunda vez antes de me dar. Estava tão doente que arrancaram meu olho para a infecção não passar para todo meu corpo.

Elza ergueu o tapa-olho. Havia um buraco lá, mas ela não sentiu aversão.

— Você é um filho sem uma mãe, e eu sou uma mãe sem um filho — sorriu, triste.

— Um par perfeito.

— Até por demais. Acho que foi o destino que nos uniu.

O que era aquela animação em seu coração? Fazia tanto tempo que sentimentos potentes não a tomavam? Nem lembrava que ainda era capaz de ficar eufórica.

— Por que não vem comigo, Neal?

— Ir?

— Para Seana. É lá que dizem que meu Ciel está.

— Bem, eu queria mesmo ir a Seana porque tem trabalho...

— Oh não, voltará comigo também — ela o abraçou. Era estranho, mas naquela noite em que trocaram tantas emoções e segredos, nada parecia fora do contexto. — Ficará comigo para sempre.

Ele gargalhou.

— Seu marido vai adorar!

— Damon que vá para o diabo que o carregue — blasfemou. — Fique comigo — pediu. — Eu preciso de um filho.

— Encontrará seu Ciel, minha Lady — ele a confortou.

— Mas, não é mais meu Ciel. Já é um homem. Disseram-me que tem família, que estava bem vestido... Talvez já tenha uma mãe que o ame e que ele ame também. Uma mulher que o amparou quando não pude.

Neal se comoveu com aquela preocupação.

— Como o encontrará? Possui um nome? Um brasão?

— Uma característica física única — ela contou. — Ele tinha olhos especiais.

— Especiais como?

— Um era azul, outro verde.

Neal ficou embasbacado. Naquele instante, decidiu seguir com ela. Na vida, havia poucas coincidências. Aquela que o ligou a Elza Rylee era a maior de todas.

 

— Como assim não passou a noite na pousada? — Benjamin gritou com o taberneiro.

— Saiu ontem e não voltou, meu senhor — o homem explicou. — O senhor também não voltou, pensei que estivessem juntos.

Benjamin soltou uma série de xingamentos, enquanto retornava a rua. Depois de ter comprado as passagens — inúteis, aliás, pois Ciel estava morto há anos — ele havia ido à taberna.

Soube, por lá, que Damon estava na cidade. Ao adquirir sua passagem, contaram-lhe que havia apenas uma sobrando, e ele retornou ao cais e pegou a última. Não queria a infelicidade de encontrar o maldito Rylee.

Não pensou, é claro, que Elza podia ter reencontrado o esposo naquele meio tempo.

E, caso isso tivesse acontecido, a esperança pelo filho os aproximou novamente?

Sentiu ânsia de bater em alguém. Quase foi na direção de um mendigo quando visualizou a silhueta bem feita da prima.

Ela vinha acompanhada. Mas, não por Damon.

— O que aconteceu? — ele indagou, nervoso.

Um único olhar, e percebeu a cumplicidade, a proximidade. Aquilo já havia acontecido antes quando a perdeu para o maldito Ciel.

Era algo difícil de explicar. Ele sentia Elza tranquila, como se não precisasse de mais nada naquela vida – e isso o incluía — , na presença daquele jovem.

Ficou desesperado.

— Ele se chama Neal — ela os apresentou. — Irá conosco para Seana?

— E por quê?

Ela podia simplesmente dizer que era porque queria e acabou, mas decidiu mascarar as emoções porque não tinha humor para lidar com o primo.

— Ele viu Ciel.

Era mentira. Ninguém viu Ciel. Ciel estava morto.

— Sei...

Aquele moleque de rua era um falso. E deu dois passos adiante para confrontá-lo quando Elza ficou diante dele.

Uma leoa.

— Ele irá conosco.

Ela não insistiu ou pediu. Ela avisou.

— Não há mais passagens — perseverou.

— Então ceda a sua à ele.

Filho da p...

— Elza, você não está bem. Onde conheceu esse garoto? Não faz sequer um dia que ficamos sem nos ver e você já...

— Quero relembrá-lo que o único homem no Reino que pode me dar ordens é meu marido. Você não é ele.

O assunto estava encerrado.

 

 

 

Capítulo Onze


O Capitão observou a sacola de ouro sem interesse.

— Não me leve a mal, senhor, mas o navio já está lotado.

— Eu posso ficar em qualquer lugar — Damon insistiu. — Eu preciso pegar esse navio.

— Outro partirá logo — o homem tentou ajudar.

— Logo? O próximo navio para Seana partirá em um mês! Trinta dias — reforçou. — Não faz ideia do quanto de tempo eu já perdi nessa vida. Eu preciso embarcar no seu navio.

O Capitão lhe deu as costas. Aquilo não era problema dele.

 

Uma coisa era certa. Damon jamais ficaria para trás. Adiante, além daquele oceano, o filho poderia estar à sua espera. Jamais se conformaria caso perdesse aquela chance.

Sim, muitos anos já haviam se passado. E, naqueles anos todos, ele seguiu pistas falsas, mas havia algo no seu íntimo que o animava diante daquela expectativa. Um rapaz de olho azul e outro verde? Ciel? Não poderia haver tantas coincidências.

E talvez, se os deuses fossem bons, ele conseguiria também ter a esposa de volta. Apesar de todos os anos, havia um espaço especial para a lembrança de Elza.

Porque era assim que ele era. Diferente do pai, dos antepassados, e talvez de todos os outros que andassem por aquelas terras: ele tinha o desejo de estar com sua família.

Então, se não havia mais passagens para navegar naquele navio, ele iria se esconder no convés e se revelar quando não houvesse mais chances de expulsá-lo. Quando isso acontecesse, ofereceria dinheiro ao comandante. Não precisava de quartos, poderia dormir no porão. Tudo que precisava era do transporte.

Com uma sacola de pano cheia de roupas e ouro, ele camuflou-se entre os marinheiros. Havia muita movimentação no dia do embarque e, carregando uma caixa de mantimentos, ninguém realmente o percebeu naquele porto lotado.

Assim que teve a oportunidade, escondeu-se atrás de caixotes e aguardou.

Era um sacrifício para um senhor de feudo, mas ele faria aquilo por Ciel. Ele daria a vida simplesmente para poder ver novamente o rosto do filho.

Com aqueles pensamentos, perdeu-se nas lembranças. O dia transcorreu enquanto sua imaginação pensava em como Ciel estaria. Tinha quantos anos? Dezesseis? Era um menino...

Naquele instante, percebeu que fora nessa idade que o forçaram a desposar Elza. Duas crianças ainda com tanto a aprender, sujeitadas e obrigadas a viverem juntas por pessoas que se importavam mais com os proveitos que poderiam surgir daqueles laços do que com a felicidade deles.

Mas, bem da verdade, um ano depois, ao ter o filho recém-nascido nos braços, ele fora o homem mais feliz que existiu. Nunca mais havia sentido aquilo. Perder Ciel fê-lo perder também o próprio rumo.

 


O quarto era confortável apesar de Elza Rylee não perceber exatamente as cores ou os quadros que o compunham. Estava nervosa e ansiosa. Suas mãos contorciam-se uma na outra. Em nenhum momento, nos últimos anos, ela sentia-se tão ansiosa e otimista.

Mesmo com todas as pistas que surgiram nos anos, nenhuma era como aquela que haviam lhe oferecido.

— Diga novamente — ela murmurou ao rapaz atrás de si.

— Dizer? — ele a observou atrás de seu tapa-olho. — Sobre seu filho?

— Como ele era?

— Como eu disse, um olho azul e outro verde não é algo que se esqueça — riu. — Mas era um rapazote bem interessante, minha senhora. Parecia ter bons modos e boas roupas. Acredito que tenha sido bem criado.

— Ele deve ter outra mãe — ela sentiu o peso daquelas palavras. Repetia-as seguidas vezes. Condoía-se e culpava-se por elas, mas era impossível não experimentar o ciúme. Ciel era tudo que tinha, e o havia perdido não apenas para seus captores, mas também para o sentimento de outra mulher.

— Deve ter — Neal concordou, sentando-se em um banco. — Deve ter uma mãe amorosa. E tem outra a procurá-lo com desespero. Enquanto isso, eu não tenho nenhuma — riu, triste.

Elza volveu-se para o jovem.

— Sabe que sempre terá a mim — ela murmurou, num sorriso triste. — Sabe que eu já te tenho como filho.

Conheciam-se há tão pouco tempo, mas aquele sentimento era tão forte que ele acreditou nas palavras. Neal gostaria de dizer que também a queria como mãe, mas a entrada de Benjamin interrompeu suas palavras.

Céus, como ele odiava aquele homem! Sempre interrompendo, sempre desejando ser o único aos olhos de Elza. Por que diabos pensava isso? Neal podia ver a réstia de desprezo no olhar feminino.

— Está bem acomodada? — indagou o mais velho.

— Estou sim, obrigada.

— Então vamos deixá-la relaxar. — Volveu-se para Neal. — Venha. Há um alojamento para empregados no porão.

— Empregados? — O retruco foi feminino. Elza mantinha-se ereta e firme. — Neal não é um servo.

— É só um lacaio.

O jovem Neal já conhecia bem aquela mulher para saber que ela odiava que lhe “ ensinassem ” algo. Além disso, naqueles poucos dias que estavam juntos esperando o navio partir, haviam criado um vínculo forte. Com certeza Elza não iria quer vê-lo num quarto fedorento com marinheiros bêbados.

— Eu ordenei que reservasse um quarto para ele.

— O navio estava lotado.

— Então ele ficará comigo.

Neal precisou conter o riso diante do olhar raivoso de Benjamin.

— É um homem solteiro — lhe apontou. — O que dirão?

— Que digam o que quiserem! — ela gritou.

Ela sempre gritava. Neal gostava daquilo. Gostava como ela sempre avançava, sempre se impunha. Imaginou se, no passado, Elza fora demasiadamente avassalada por homens como Benjamin.

— Sou seu primo e seu parente mais próximo...

— Não é meu marido — ela apontou. — Só Damon pode dizer o que posso ou não fazer. E Damon não está aqui, está?

Neal olhou o quarto. Havia um pequeno descanso acolchoado próximo da janela que dava visão ao oceano. Seria um bom lugar para dormir.

Subitamente, contudo, a discussão foi interrompida por gritos no convés. Elza e Benjamin se entreolharam e logo rumaram para fora.

Neal os seguiu, não porque se interessava pelas intrigas dos marinheiros ou por algum passageiro inconveniente, mas porque deixar Elza sozinha com Benjamin lhe trazia náuseas.

 


— Seu dinheiro não compra um quarto. — O Capitão berrou alto.

Elza e Benjamin conseguiram cortar caminho entre os muitos espectadores e, por fim, conseguiram chegar até o oficial segurando um homem pelo colarinho. — Não compra porque não há quartos disponíveis! — reafirmou. — Não me importa seu sobrenome ou seu poder, quem manda nesse navio sou eu, e eu já deixei todos na Capital de sobreaviso: não permito intrusos no meu navio! Cortarei sua cabeça como exemplo!

Damon ergueu as duas mãos, rendido, enquanto a espada subia a altura de seu pescoço.

— Tenho certeza de que podemos negociar como cavalheiros. Por favor, eu preciso chegar até Seana. É uma questão de vida ou morte.

— Damon! — uma voz interrompeu seus pensamentos.

O homem olhou adiante, quase não acreditando no que via.

— Elza? — murmurou.

Fazia muito tempo que não se viam. Era um encontro um tanto estranho, mas mal tiveram tempo de focarem-se um no outro.

— Oh, se conhecem? — O capitão percebeu o olhar raivoso da mulher para o homem. — Senhora Rylee, que tal lhe ofertar a cabeça desse intruso?

— Ela é minha esposa — Damon quase gritou quando a espada aproximou-se mais.

— Esposa? — O Capitão parecia não acreditar. Uma esposa estaria mais comovida ao perigo de perder o marido. — É o senhor das terras de Rylee?

— Pois é... — Damon tentou baixar a arma. — Então... Minha esposa está no barco, e posso dividir o quarto com ela. Não é a saída perfeita?

Um suspiro zangado surgiu no ambiente.

— Nunca vi esse homem, Capitão — Elza retrucou. — Pode matá-lo e entregar o crânio para eu colocar como decoração no meu quarto?

Damon arregalou os olhos.

— Elza, a situação não está para brincadeira!

Só então se deu conta do montante de mágoas. Ela nunca o havia perdoado e provavelmente o queria morto. Como culpá-la quando ele mesmo desejava arrancar a própria vida?

— Acho que os fatos já se explicaram. — Uma voz jovem surgiu às costas do Capitão. — O senhor não vai querer atentar contra um clã como o de Buganvília, não é? Conheço o Lorde e posso atestar sua identidade.

— E você? — O capitão encarou o rapaz. — Quem é você?

— Neal, senhor. Sirvo a Senhora — apontou Elza. — Solicito sua compreensão nesse caso difícil.

Por algum motivo, o homem soltou Damon. Aos poucos o movimento em torno da confusão foi se dissipando e, diante da ausência de um assassinato, as pessoas perderam o interesse no impasse. Restaram naquele convés apenas o estranho casal, Neal e Benjamin.

— Quem é você? — Damon indagou para o garoto. — Salvou meu pescoço — sorriu. — Me conhecia?

— Não, mas conheço a senhora Elza e já vi aquele olhar antes. Sempre que fala do marido, ela olha daquele jeito.

Damon enrubesceu.

— Lhe devo a vida, menino.

Neal sorriu. Era algo lindo. Damon arqueou as sobrancelhas, porque aquele sorriso lembrava algo... Alguém...

— O que faz aqui? — Benjamin interrompeu seus pensamentos.

— O que vocês fazem aqui? — Damon retrucou. — Eu estou seguindo uma pista. Parece que um jovem de Seana esteve no reino e ele...

— Ele tem um olho azul e outro verde — Elza contou. — Neal também o viu.

— É mesmo? — Damon novamente volveu-se para o garoto. — E como ele era? Estava bem? Ele disse como se chamava?

— Não falamos muito, mas parecia um bom rapaz — respondeu.

Damon sorriu. Lágrimas surgiram em seus olhos e ele pensou que se morresse naquele instante, teria morrido feliz. Uma pista real. Uma esperança real depois de tantos anos.

— Quando o navio atracar, você pode voltar para Buganvília porque eu irei atrás do meu filho — Elza avisou e o estômago dele ferveu.

— Como se atreve a me dizer isso? Estou atrás de Ciel há anos.

— Eu também. — Repentinamente ela avançou. Ficou a poucos passos de Damon. Depois de muito tempo, ele pôde novamente sentir seu perfume. — Eu não durmo, não me alimento direito, não vivo... Eu não tenho paz, não tenho esperanças, não tenho qualquer felicidade... Eu mereço ter meu filho e não desistirei dele. Você não vai atrapalhar isso.

— Atrapalhar?

— Volte para suas putas — ela gritou. Ficou claro que estava se descontrolando. — Vá foder suas putas, desgraçado! Por sua culpa eu perdi Ciel! Por que está aqui, agora, quando estou tão perto de reencontrá-lo?

Benjamin avançou, pronto a segurá-la, mas outras mãos a contiveram num abraço confortador. E nenhum outro colo poderia acalmá-la que não o de Neal.

— Está tudo bem... Estou aqui agora — ele murmurou contra seus ouvidos e toda sua alma aqueceu-se com aquelas palavras. — Eu prometo que terá seu filho nos braços o mais rápido que puder. Nada me impediria de devolver sua felicidade.

Diante dos dois homens mais velhos, o jovem Neal a conduziu aos seus aposentos.

Havia dois sentimentos conflitantes naquele instante. Benjamin sentiu novamente que perdia Elza para um moleque. Primeiro para Ciel, agora para aquele pirralho Neal.

Todavia, Damon era capaz de compreender o quanto ela precisava daquele conforto. E ficou feliz que alguém fosse capaz de dá-lo a Elza, porque definitivamente, ele não poderia.

 

 

Elza estava dormindo. Após jantar e beber chá de camomila, ela estava esgotada o suficiente para se esgueirar para a cama e afundar-se nela.

Neal ajeitou-se onde antes havia planejado, quando a porta do quarto abriu.

— O Capitão disse que preciso ficar num quarto.

Neal riu baixo.

— Acho melhor dormir aqui — levantou-se da cama improvisada. — Se a senhora acordar e vê-lo na cama, temo que a espada do capitão seja sua última preocupação.

Damon sorriu, agradecido.

— Dormirá onde?

— Ah, eu me ajeito ao lado da cama. Não me leve a mal, senhor, mas já dormi ao lado de sua esposa antes. Passamos uma noite juntos, acomodamo-nos assim para nos aquecer. O que foi? Por que me olha dessa forma?

— Que idade tem? Parece tão menino? O que faz nesse navio? Sua família pertence ao clã de Aiken?

O interrogatório não pareceu incomodar Neal.

— Não sei exatamente minha idade. Minha mãe era prostituta e me deixou num casebre pra morrer. Quem me resgatou não sabia dizer quanto tempo de vida eu já tinha, mas calcula que seja entre quinze ou dezessete anos. Não sou do seu clã. Sou apenas um garoto de rua que cruzou o caminho da senhora — contou.

— E o seu olho? O que aconteceu?

— As pessoas que me criaram dizem que tive uma infecção e precisaram tirá-lo porque apodreceu. Mas, restou-me o outro — apontou o verde. — Tive sorte.

Damon assentiu.

— Eu vi como ela o olhava — contou. — De alguma maneira, acho que você achou uma mãe. Elza aceitou seu conforto. Ela nunca aceita nada vindo de alguém.

— Nem do senhor?

— De mim, pior. Porque eu era seu melhor amigo e eu a traí. Ela me odeia.

Neal apiedou-se, mas nada disse. A noite avançou e eles precisavam descansar.

Então, sem pensar, ele acomodou-se ao lado de Elza e fechou os olhos.

 

Mama...

Ela lembrava-se da primeira palavra. Podia sentir o efeito poderoso daquelas duas sílabas repetidas em seu íntimo.

Mama...

Ainda podia ver Ciel. Estava sentado na cama, sorrindo em sua direção, mostrando para ela um pequeno boneco de palha.

E, então, sem que esperasse, aquela imagem desapareceu.

Ter um filho roubado era pior que vê-lo morrer. Se Ciel houvesse morrido, ela poderia tê-lo enterrado. Poderia ter se despedido de seu corpo, ter beijado sua testa uma última vez, poderia viver para ir ao seu túmulo e chorar seu luto.

Mas, não saber o que havia acontecido com ele provocava uma agonia difícil de explicar. Pensar nele era uma tortura. Os anos não acalmaram aquilo, apenas pioraram.

Sentiu as lágrimas. Abriu os olhos. Aquele pesadelo deixava o ambiente dos sonhos e agora vinha para a vida real. Contudo, pela primeira vez em muitos anos, não acordou solitária. Ali, ao seu lado, a respiração de Neal provocou um conforto sobrenatural.

Era tão lindo, mesmo com aquele tapa-olho horroroso. Os cabelos em desalinho, num sono pesado... Céus, como queria abraçar aquele menino e dar a ele todo o amor que nunca recebeu.

Atrás dele, a uma distância, Damon dormia também numa pequena cama que se usava para relaxar ou ler.

Foi estranho estar na presença daqueles dois. Mas, ao mesmo tempo, fê-la sorrir.

Nem sabia por quê. Mas, sorriu.

 


Capítulo Doze


O balanço do barco o relaxou tanto que quando acordou o sol já havia nascido há muitas horas. Abriu lentamente as pálpebras e percebeu Elza sentada diante de uma mesinha, bebendo chá.

— Você deixou a barba crescer — foi tudo que ela comentou, apesar de todos aqueles anos separados.

Damon sorriu. Era estranho que essa fosse à primeira coisa que Elza notasse.

— Nós envelhecemos — murmurou. — E eu não tive muito tempo para vaidade depois de tudo que ocorreu. — Suspirou. — Como você está?

— Você sabe como estou. O administrador me confessou que você deixou um endereço para ele enviar notícias periodicamente.

— É minha esposa. Eu não quis te privar de liberdade, apenas estava preocupado.

Ela deu os ombros.

— Não importa mais.

— Sempre importou, Elza. Eu sempre imaginei como tudo poderia ter sido...

— Chega, não quero falar disso. — Secou os lábios com o guardanapo e preparou-se para sair do quarto.

— Diga-me, esposa — ele a interrompeu. — Você ao menos tentou saber se era verdade às coisas das quais me acusava?

— O que quer dizer? Que não tinha amantes?

— Eu não tinha amantes — ele perseverou.

— E de que isso me importa, agora? Acha que eu ainda sou aquela jovem tola? Eu perdi muito. O resto não tem mais a mesma importância.


O enorme navio era firme e sólido. Cortava o mar com força e velocidade. Neal observava o horizonte imaginando quanto ainda demoraria em chegarem a Seana. Depois disso, quantos dias para encontrar Ciel?

Imaginou, pelas roupas do rapaz, que ele era nobre, então, provavelmente, não seria difícil saber informações de um jovem de olhos especiais.

— Você ficará em Seana – uma voz masculina rugiu atrás dele, em afirmação.

Encarou Benjamin.

— A senhora Rylee me disse que retornarei com ela para Buganvília.

— Entenda uma coisa, meu jovem. Elza está sofrendo por causa do filho, e não está pensando seriamente na situação. O simples fato de dividir o quarto com você já é uma anomalia. Os demais passageiros a consideram uma matrona com um jovem amante.

Neal ficou atônito.

— Jamais pensaria isso – murmurou, defendendo-se. – A senhora Elza é muito bela, mas a respeito demasiadamente.

— Não me venha com essa! Acha que não sei que deve se tocar pensando nela?

Neal recuou. Aquelas palavras eram tão chocantes quanto agressivas.

— Não mudou nada, Benjamin – outra voz masculina ressoou no convés. – Ainda avassalando jovens com seu tom felino.

O primo de Elza encarou Damon com desdém.

— Só digo a verdade.

— Sua verdade mantenha para você.

— Nunca me deu ordens, Damon. Não passará a dar agora.

Neal sentiu a presença forte do Senhor Rylee ao seu lado e, enfim, respirou.

— Você sabe que só o tolero por conta do que fez naquele dia maldito. Mas, está atravessado na minha garganta há anos.

— É mesmo?

— Foi você que inventou mentiras sobre eu ter amantes para Elza.

As fofocas realmente andavam rapidamente.

— E?

— Sequer nega?

— Devia beijar o chão que piso. Tentei salvar a vida do seu filho, quando você não estava lá. Você, o pai. Era sua tarefa, mas fui eu que quase morri para cumpri-la.

Aquilo incomodava Damon demais. Era seu ponto fraco.

— Como eu já disse, é por isso que permanece em Buganvília. Mas, o fato de eu ter uma dívida contigo, não quer dizer que Neal tenha. Fique longe dele.

— Esse infeliz está dormindo no quarto da sua mulher e você sequer se incomoda.

— Se bem me lembro, eu também estou lá.

— Talvez você também goste de rapazes.

Naquele instante Damon cegou-se. Cruzou o espaço que os dividia e se aproximou rapidamente de Benjamin, segurando-o pelo colarinho. Foi Neal que impediu o soco.

— Não faça isso, meu senhor. Não vale a pena.

— Nessa altura da minha vida, meu rapaz, acredito que seja a única coisa que ainda vale a pena.

— Não ficará bem aos olhos de sua esposa – aconselhou. – Como o senhor Benjamin acabou de afirmar, existe uma dívida.

Damon o soltou.

— Vamos para o outro lado – Neal o convidou. – Talvez possa me contar como é Buganvília.

Ele queria desanuviar o ambiente. Damon descobriu naquele instante que tinha esse poder.


— Você nasceu tão perto de Buganvília e nunca esteve lá? – Damon pareceu impressionado.

— Só nasci. Depois me mandaram embora. Morei com vovó Arlene até ter cerca de sete anos. Meu avô Dagda era muito pobre e eu fui trabalhar cedo na cidade. Depois fui para as ruas. Era mais fácil viver roubando alguma moeda de qualquer rico. Não precisava de muito para viver.

— Mas, não poderá mais fazer isso. Elza jamais toleraria.

— Eu sei – ele sorriu. – Por que não estava no Castelo quando roubaram seu filho?

Damon riu.

— Me indaga isso? Ora, Benjamin já espalhou para todos. Eu estava com uma amante.

— Não é verdade.

— É a verdade de Elza.

— Mas, não é a verdade – Neal insistiu.

— E como você sabe?

— Porque vi como olhava para ela. Não era olhos de quem se culpa por traí-la, mas se culpa por decepcioná-la.

Damon assentiu. O mar em volta deles balançava em suas ondas gentis.

— A verdade nunca teve importância pra mim – admitiu. – O que me importava era no que minha esposa acreditava. E ela nunca acreditou em mim.

— Por que não a convenceu?

— Era muito jovem. Um garoto, quase da sua idade. Eu nem sabia o que era um casamento. Meu pai só havia me ensinado que eu devia enfiar meu pau na mulher e fazer um filho. Não me disse mais nada, porque para ele não importava. Mas, convivendo com Elza, eu a queria feliz. E eu tinha que aprender isso sem conselhos ou experiência.

— Contudo, o que de fato estava fazendo naquele dia?

Damon sentou-se ao seu lado. Nunca havia contado aquilo para ninguém. Era um presente para o filho, e ele manteve isso para Ciel.

— Você sabe por que Elza e eu nos casamos? Nossos pais fizeram um acordo. Nosso casamento era um pacto de ajuda ao povo de Aiken no inverno. E passagem segura do nosso clã pelas terras do clã de Elza quando fossemos a Capital para comercializar.

— É um pacto interessante.

— Sim, mas firmado à custa da liberdade de Elza. Eu fiquei com a melhor parte, ganhei uma esposa bela e um clã poderoso. Mas, ela foi dada a mim sem escolha. Eu fiquei pensando que não queria mais que isso ocorresse. Que com Ciel fosse diferente. Que quando ele quisesse uma esposa, pudesse cortejá-la e se casar a desejo dos dois. Então, imaginei que a melhor maneira de evitar um novo pacto era criando um porto que nos levasse a Capital sem cruzar por Ragnarok.

— E estava trabalhando nisso naquele dia?

— Sim – admitiu.

— E nunca contou isso a ela.

— Eu queria que ela me perguntasse. Que ela acreditasse em mim, que desconsiderasse as maledicências. Queria que ela negasse as inverdades porque eu merecia que as negasse. Que confiasse o suficiente para me dar uma chance de me explicar.

— Mas isso não aconteceu...

— Não. E não a culpo. Ficou transtornada. Perder Ciel foi algo tão terrível que não há palavras. – Fechou os olhos. – Ah, se você o tivesse visto bebê. Era tão fofo, com aqueles olhos lindos. Sabe qual foi sua primeira palavra?

— Não.

— “ Papa ”. Nunca contei a ninguém porque sabia que Elza insistia que ele dissesse Mama.

— Você a ama, não é?

A pergunta cravou nele. Não sabia exatamente o que dizer.

— Sim.

A afirmação foi dita por impulso. Mas, era verdade.

— Então lute por ela. A senhora Elza precisa muito do marido.

Volveu os olhos para Neal. Sem saber por que, trouxe-o para seus braços e beijou-lhe o topo da cabeça.

Tinha idade para ser seu filho... Podia ser seu filho...

Seria seu filho... Daria um pai àquele garoto quando retornassem a Buganvília. Ele queria muito recomeçar.

 

 


Capítulo Treze


N ão que Damon evitasse a presença da esposa, simplesmente não sabia o que dizer diante dela. Então, querendo poupar silêncios prolongados e incômodos, ele sempre passava as tardes zanzando pelo navio, tentando não desgastá-la com sua presença.

Contudo, naquela noite, ao chegar ao quarto, encontrou apenas Elza nele.

— E Neal? – questionou.

— Está na ala dos marinheiros. Parece que estão tocando gaita.

Ele assentiu.

— Quer que eu volte mais tarde? – indagou.

— E por quê?

— Para não ficar sozinha comigo – se explicou.

— É meu marido, faça o que quiser.

O que ele queria? Talvez romper a distância que os separava e tomá-la nos braços. Admitir seus erros, confessar que pensava nela, dizer que havia espaço para amor entre eles. Contudo, viu-se aproximando da cama improvisada e sentando-se nela.

Elza não pareceu se constranger ou se incomodar por sua presença. Diante dos seus olhos, tirou seu penhoar e ajeitou a camisola de linho. Suas formas femininas surgiram diante dos olhos sedentos do marido que não a tinha há tantos anos.

— Elza – ele murmurou. – Você pensou em mim?

Silêncio. Ela sentou-se na cama. Subitamente, suspirou.

— Pensei porque não retornou com meu filho. – Sua voz estava embargada. – Depois, pensei porque não retornou, mesmo sem Ciel. Por que não exigiu outra criança para prosseguir seu sobrenome.

— Não há quem possa substituir Ciel – ele comentou.

— Penso o mesmo.

— Mas eu queria ter tido um monte de filhos com você. Não substitutos, mas mais crianças para amar e criar. Uma família grande.

Elza deitou-se no leito.

— Apesar do parto difícil, eu amei tanto Ciel que também quis ter outros filhos. – contou. – Eu ficava imaginando uma menininha de sorriso meigo e vestidinhos cor-de-rosa.

Damon também se deitou. Seu olhar fixou-se no teto claro.

— Qual o nome dela?

— Não pensei nisso.

— Aposto que pensou – ele retrucou.

Elza riu. O marido a conhecia bem.

— Aisha.

Ele gostou do nome. Repentinamente, lágrimas surgiram em seus olhos, enlutadas pela família que jamais existiria.

— Boa noite, minha querida – ele murmurou.

Não houve resposta. Não sabia, mas Elza também chorava.

 

Elza e Damon acabaram por se aproximar no decorrer daquela viagem pelo simples fato de que ambos tinham um interesse comum: observar Neal.

Ao contrário deles naquela idade, o jovem era extrovertido e sociável. Já havia criado amizades e estava sempre acompanhado de outros jovens que trabalhavam no navio.

— Ele lembra a mim — Elza contou, surpreendendo o marido. – Antes de sangrar – explicou.

— Você gostava de ser livre – ele observou.

— Você lembra?

— É claro que eu lembro. Eu te jurei liberdade, se recorda disso também?

Ela assentiu.

— Neal adora ser livre. Veja como ele se interessa por aprender sobre tudo um pouco, mas não quer aprender demais para não acabar ficando preso naquilo. Parece um sedento por experiências, mas se cansa fácil delas.

Damon riu.

— Irresponsável?

— Livre – ela retrucou.

Ele permaneceu rindo.

— Era o que eu queria para Ciel.

— Irresponsabilidade?

Ambos riram.

— Liberdade – apontou. – Um filho livre – explicou. – Às vezes eu penso em como teria sido nossa vida se tivéssemos tempo, ao menos, de criarmos algum vínculo antes do casamento.

Elza o encarou.

— Você foi um bom marido, Damon – ela afirmou.

— Ah, por favor. Fui péssimo. Era um moleque.

— Bom, a maioria das criadas aparecia machucada para trabalhar. Eu já dava graças por você não me agredir.

— Ser honrado com uma esposa é dever, não qualidade.

Ela amou aquelas palavras. Estava tão calma, apesar de tudo. Ter novamente a presença de Damon aliviou sua mente. Podia se firmar nele, uma rocha segura, para buscar amparo.

Subitamente o clima pesou. Os passos carregados de Benjamin na direção deles pareciam espinhos cravando em sua alma. Por quê? O que havia no primo que a desconcertava tanto? Ele não havia lutado por Ciel? Devia tanto a Benjamin, mas era ingrata, um ser miserável incapaz de olhá-lo diretamente e amá-lo pela bondade em tempos outrora.

— Podemos aproveitar que estamos indo a Seana e já comprarmos algumas sementes para o cultivo de verão – Benjamin apontou.

Ele pensava naquilo? Ela nem sequer se lembrava das plantações.

— Não – Damon respondeu. – Vamos nos focar em Ciel.

Benjamin suspirou alto.

— Desculpe, falava com Elza. Ela é quem cuida da propriedade agora.

— Eu sou o Lorde – retrucou. – E voltarei para casa após Seana. Já é tempo de retomar minhas atividades em meu lar.

A notícia fez Benjamin arregalar os olhos, como se questionasse a posição de Elza.

“ Você vai permitir? ”, indagava fortemente através da escuridão de sua alma.

— É mesmo? – ela indagou ao marido.

— Eu pretendo – respondeu. – O que você acha?

Elza não sabia. Ela queria novamente um casamento? Ou a volta de Damon não representava um retorno deles, como casal?

— Eu ficaria feliz, meu marido – respondeu.

Benjamin bufou, mas nenhum deles percebeu. Estavam perdidos no olhar um do outro.

 

Neal encarou o copo com rum e pareceu indeciso.

— Que idade você tem, moleque? – um dos marinheiros indagou.

— Não sei. Acho que dezesseis ou dezessete...

— Então tem que beber. Beber te torna homem!

Neal segurou o copo, mas uma mão atrás dele interceptou o ato, forçando-o a colocar novamente a caneca na mesa.

— Venha – a voz potente de Damon fê-lo girar em direção ao lorde.

Saiu da cantina aos olhos curiosos dos demais.

Porque era uma relação estranha, a daquele menino com o senhor e senhora de Buganvília. Ele dormia no mesmo quarto dos dois, e era protegido por eles.

— Eu só queria ser homem – explicou-se a Damon quando chegaram à parte superior do navio.

Nem sabia porque se explicava. Mas, o julgamento explícito no olhar de Damon o fez abrir a boca.

— Beber não te faz homem. Nem dormir com uma mulher. Na sua idade eu já tinha até um filho e era um moleque. O que te faz homem é ter responsabilidade. E você tem, com Elza, disse que cuidaria dela, e a ajudaria a encontrar Ciel. Você já é um homem. Portanto, não o quero com más companhias.

Neal sorriu.

— Percebi que estão mais próximos – apontou. – Fiquei contente.

Damon acalmou-se.

— É estranho como você passa toda a vida com medo de encarar o passado, e então percebe que o passado também tinha suas inseguranças. – De repente, deu-se conta da intenção das palavras. – É por isso que sempre nos deixa sozinhos? Que chega tarde ao quarto?

— Eu dormiria no convés se tivesse certeza que a senhora Elza não sairia à noite sozinha, à minha procura.

— Ela faria isso – Damon afirmou.

— Por que não compra a cabine do capitão por algumas horas? Só para terem mais privacidade.

Damon enrubesceu.

— Acho que não chegamos a esse nível.

— É sua esposa. Ela lhe ama, apesar de nunca admitir. Estão juntos buscando seu filho. Dê uma chance a vocês. Conte a ela o que me disse, sobre o porto.

Neal estava certo. O renascer daquele amor era algo que eles deviam a si mesmos.

 


— O quarto é ocupado pelo garoto, também – Damon explicou. – E eu quero alguns momentos de privacidade com minha esposa.

— No meu quarto? – O Capitão apontou. – Só pode estar maluco.

— Vou lhe pagar bem.

— Bem quanto?

Damon riu. Murmurou um valor. O outro homem pareceu interessado.

— Meia hora – avisou.

— Uma hora – Damon negociou.

— Vai me dizer que levará uma hora? Não sou idiota!

— Estou longe de minha esposa há muito tempo, não levarei cinco minutos – foi extremamente sincero. – Mas, antes disso precisarei muito conversar.

O homem gargalhou alto.

— É alguém de bom humor, Lorde Rylee. Vou lhe dar uma hora, mas quero um pouco mais do que me ofereceu.

Damon aceitou. Aceitaria dar até a alma naquele instante, se isso significasse um tempo a sós com a esposa.

 


Capítulo Quatorze


Q ue quarto é esse? – Elza indagou, volvendo-se para o marido.

Viu um sorriso safado nele que há muito não via. Era como se estivesse diante do Damon adolescente novamente.

— O capitão me ofereceu o quarto dele – contou.

— O mesmo capitão que quis arrancar sua cabeça com uma espada?

— Bom, nada que o ouro não reconcilie, não é?

E agora? Depois de tanto tempo, estavam sozinhos novamente. Um diante do outro, marido e mulher, e mal sabiam como reagir.

— Por que fez isso? – ela questionou.

— Neal está no nosso quarto.

— Não – riu. – Por que está tentando ser novamente meu amigo e parceiro?

Ele coçou a barba. Parecia mais másculo e rude agora.

— Eu não te trai, Elza. Não naquele tempo, ao menos.

Por que trazer esse assunto doloroso à tona, novamente?

— Eu sei que traiu.

— Não – negou. – Eu sumia porque estava preparando as terras para Ciel. Estava construindo um porto para nosso filho não precisar do clã Aiken.

Ela abriu a boca, embasbacada.

— Por que nunca me disse?

— Porque era uma surpresa, um presente. Eu era fiel a você como marido, e leal como amigo. Mas, você me acusava, me condenava o tempo todo...

— Benjamin me disse...

Calou-se, de súbito.

— É... – Damon deu os ombros. – Seu primo nunca foi um aliado.

— Como pude ter sido tão estúpida?

— Você estava sofrendo – murmurou. – Tinha o direito de ser injusta. Perder Ciel doeu muito em mim, mas sei que nem se compara com o que você sente. Você o pariu. O carregou nove meses no ventre. Você tinha o direito de despejar sua raiva, e eu falhei como pai quando não estive lá para protegê-lo.

Isso era fato. Ela não negou.

— E houve alguma mulher especial nesses anos que ficamos separados?

Não era uma crítica. Era apenas curiosidade.

— Eu dormi com algumas prostitutas porque, às vezes, eu me sentia solitário.

Sua franqueza a animou.

— Nunca mentirá para mim, não é? – ela questionou.

— Eu nunca menti para você, Elza – afirmou. – Eu nem pensaria nisso, porque eu realmente me apaixonei por você naqueles anos. Mesmo que fossemos tão jovens e imaturos... Ainda assim, eu sei que era amor. Sei porque hoje sou um homem velho, experiente, viajado e vivido... E meus sentimentos por ti permanecem iguais.

Damon a trouxe contra si. O olhar deles cruzou como um relâmpago. Ela sentiu seu baixo ventre duro e sentiu-se lânguida.

— Eu nem sei o que é amor – Elza disse com lágrimas nos olhos. – Não, ao menos, o amor marital. Eu só tive certeza do amor que senti por Ciel porque era incondicional.

— Diga-me, esposa – ele pediu, forçando mais os corpos. – Existiu algum outro homem nesse tempo? Existiu alguém por quem você se atraiu?

— Não...

— Não mesmo? Não falo de traição, mas de um olhar mais demorado. Um sentimento que não soube explicar?

— Eu sempre pensei no meu filho. – Subitamente, suspirou. – E no meu marido.

Damon sorriu.

— Eu sei que é difícil entender o amor, Elza. Mas, você não precisa se forçar a compreender tudo que existe entre nós dois. Éramos duas crianças destinadas a ficarem juntas. Sem escolhas. Sem vivências românticas. Apenas colocadas num quarto com a ordem de fazer um filho. E, mesmo assim, conseguimos construir uma relação baseada na amizade e no desejo. Eu sei que você me queria, da mesma forma que me quer agora. Você também sente minha paixão. Por que precisamos rotular algo tão difícil? Nunca haverá outra mulher para mim, jamais haverá outro homem para você. Pronto, isso basta.

E então a beijou. Ela aceitou aquele beijo delicado e sentiu-se tocada profundamente porque seu coração batia tão rápido diante dele. Estava feliz. Nem se lembrava da última vez que estivera feliz.

Enquanto eles iam à direção da cama do capitão – um pequeno leito que mal caberiam os dois – ela percebeu o volume enorme em suas calças. Não havia constrangimento, contudo. Damon tinha orgulho da sua exuberância e ela se congratulava por fazê-lo ficar assim.

— Eu envelheci – ela comentou, enquanto ele abria os botões de sua camisa.

— Céus... – ele murmurou, ao ver os seios maiores e com um formato perfeito.

Caiu de boca, lambendo seus mamilos, passando a língua pelas aréolas, mordiscando os mamilos.

Elza gemeu alto, enquanto a mão masculina subia pela sua coxa, puxando seu vestido, deixando-a desnuda de muitas formas.

Estava desnorteada. No passado, ele sempre a lambia na vagina para molhá-la. Mas, agora ela já estava pingando de tanta vontade de sentir Damon dentro dela.

— Nós temos tempo – ele murmurou, quando ela o puxou com força para a cama.

Que o tempo se danasse. Que o mundo se danasse. Não era mais uma mocinha ingênua que precisava de toda delicadeza do mundo para ser mulher. Agora, era ela que tomava as rédeas da situação.

Volveu os corpos, deixando Damon contra a cama. O atirou com força contra o colchão.

— Elza? – parecia curioso.

E feliz.

Ela abriu sua calça. O pênis grande e másculo surgiu ereto, já um pouco melado. Quis lambê-lo, quis enfiar ele inteiro dentro da boca, mas achou que, por hora, havia coisa mais urgente.

Retirou as calçolas e subiu em cima de Damon. Montou em seu pau, afundando-o de uma só vez na sua cavidade.

— Elza... – ele gemeu, alto. – Elza... Ah!

Ela o cavalgou como se estivesse subindo novamente as montanhas de Ragnarok. Era livre, era mulher, era feliz. Era dona da situação, dos seus anseios, de suas vontades.

Não era mais a senhora de alguém. Era apenas Elza. E Damon era mais que seu marido. Era seu homem, e ela faria dele o que quisesse.

— Merda, que gostoso! – ouviu-o gemer, enquanto segurava-a pela cintura.

Elza jogou a cabeça para trás, enquanto um prazer descomunal a tomava. Dedos ásperos tocaram seus lábios, e então ela os lambeu. Logo Damon se erguia um pouco e a puxava para um beijo na boca.

Línguas esfregando-se uma na outra, enquanto o pau duro entrava e saia rapidamente, provocando sons que nem em seus sonhos mais devassos ela se imaginou exalar.

E então veio aquela explosão, aquele clímax que a fez gemer alto, agarrar-se nele, enquanto seus jatos quentes entravam nela, queimando-a com seu ardor.

— Eu te amo, Damon – disse pela primeira vez.

E aquela confissão tinha significado. Era a primeira vez que tinha certeza.

— Eu te amo, Elza. Nós vamos encontrar nosso filho – jurou. – Eu ainda vou te fazer a mulher mais feliz desse mundo.

 


Capítulo Quinze


A taberna que abrigava os visitantes de Seana era bem limpa e espaçosa. Os quartos destinados aos nobres e seus acompanhantes era bastante requintado, denotando o quão próspero era aquele reino.

Contudo, os olhos de Elza não estavam focados no ambiente ou no espaço. Tudo que ela analisava era Neal, mexendo em sua roupa, imaginando ajustes que precisavam ser feitos.

— Não tem jeito, precisamos ir a um alfaiate.

— Eu não quero ir a um alfaiate — o rapaz retrucou.

— Você precisa de roupas novas. As roupas de Damon ficam muito grandes em você.

— Por que preciso de roupas novas — reclamou. — Eu não quero me vestir igual a um nobrezinho.

Ela riu.

— Eu quero que tenha tudo do bom e do melhor — murmurou.

Ela então lhe dá um leve beijo na testa. Neal sentiu como se fosse um afago leve como o vento. Ele adorava aquilo.

— Senhor Damon pegou um quarto para mim — contou, um sorriso cúmplice.

— É mesmo?

Neal arqueou as sobrancelhas. Ela não parecia satisfeita.

— Achei que estivessem bem — objetou.

— Estamos bem, mas não o quero longe das minhas vistas.

— Por quê?

Era uma ótima pergunta. Mas, arrepiava-se a cada afastamento do jovem.

— O senhor Damon foi até as docas para saber sobre algum jovem de olhos especiais — contou. — Eu pretendo ir até a vila que fica atrás do porto. Percebi que é ponto de encontro dos marinheiros.

— É mesmo? Por quê?

— Puteiros e bares.

— Nao o quero num puteiro ou num bar — ela reclamou.

— Eu sei, mas serei rápido. Além disso, é a melhor maneira de eu descobrir onde está Ciel.

Que agonia! Elza queria obrigá-lo a ficar, mas sabia que não tinha esse direito.

— Apenas se cuide, está bem? — pediu. — Oh, e se eu fosse junto? — indagou, em seguida.

— Num puteiro? Imagino o infarto do Lorde.

A gargalhada de Neal preencheu o lugar e acabou com as preocupações de Elza.

 

As vielas eram sempre fedorentas. Urina e fezes eram expostas nos cantos das casas de uma alvenaria suja pelo tempo e falta de higiene.

Mesmo assim, Neal avançou, disposto a encontrar informações.

Cruzou por alguns bêbados e crianças de ruas. Pelas roupas do Lorde, acreditaram que ele era algum filho de nobre, então o encaravam com estranheza, e Neal quase riu imaginando o que pensariam aquelas pessoas se soubesse que há poucas semanas ele andava num cais como aquele, pegando comida no lixo, lutando contra as moscas.

— Neal?

Seu olhar volveu para trás. Surpreso e sorridente, encarou um velho sem dentes que parecia emocionado em vê-lo.

— Vovô Dagda?

O curandeiro costumava vir a Seana ajudar nas frequentes epidemias. E provavelmente estava ali por esse motivo, pois trazia unguentos nas mãos.

— Meu filho, o que faz aqui?

Neal correu até ele e lhe abraçou.

— É uma longa história.


— Então essa senhora busca o filho desde então?

Caminhando lado a lado, Neal assentiu.

— Sofre muito. Precisa ver seu olhar. É nulo, como se houvesse sido tocado pelo vazio.

— É uma Aiken, você disse — ele indagou.

— Veio dos Aiken, mas é a esposa de Damon Rylee do clã de Buganvília.

Dagda pareceu ler a informação. Era bastante preciosa.

Chegaram perto da taberna. Dagda decidiu se despedir.

— Se cuide, Neal — pediu.

— Fique tranquilo, vovô. Sou bom em sobreviver — ele riu.

Afastaram-se. Ao longe, Dagda o observou atentamente, calculando tempo e momentos do passado.

Subitamente, seus olhos perceberam um homem grande e forte aproximando-se de Neal. Sentiu o coração acelerar.

Era Benjamin.

— Você é bom em sobreviver, Neal — murmurou. — Nem imagina o quanto.

 

— Roupas nobres não escondem sua miséria — Benjamin murmurou ao jovem que se aproximava.

— Sério? Que bom — Neal sorriu. — Não quero aparentar algo que não sou.

O mais velho sentiu-se inflamar. Por que aquele rapazote não aparentava temê-lo?

— Espero que suma quando tudo isso acabar.

Da taberna, Damon surgiu. Vestia luvas, pois o tempo estava frio. Aproximou-se de Neal, ignorando completamente Benjamin, e então pôs um casaco sobre seus ombros.

— Vamos ao cais — disse ao rapaz.

— Já estive lá.

— E?

— Nada.

— Falou com as prostitutas?

— Não... Senhora Elza me mataria se fizesse isso.

— Que bom que ela ainda não deseja minha morte — Damon riu. — Mulheres da vida observam muito. É com elas que precisamos falar.

Depois, girou em direção a Benjamin.

— Virá conosco?

— Vou na direção oposta para cobrir mais território — Benjamin contou.

O que não disse é que, por saber a verdade, iria aproveitar aqueles momentos para se divertir com alguma mulher.

Damon concordou porque era um alívio não ter o primo de Elza por perto. Assim sendo, afastaram-se.

 

O nome dele, obviamente, não era Ciel. Agora o chamavam de Owen, e era herdeiro do clã de Multen.

— Soube que estavam me procurando.

Neal ficou embasbacado.

Depois de retornarem do cais sem nenhum sucesso, o jovem disse a Damon que iria comer algo na taberna. O nobre subiu para o quarto para ficar com a esposa.

Pretendiam retomar as buscas durante a noite, quando o movimento no lugar aumentava.

Haviam feito de tudo para rastrear aquele jovem desde que puseram os pés em Seana, e agora ele estava ali, diante dele, parado em meio aquela taberna escura e empoeirada.

— Sim – respondeu, simples. Não sabia exatamente como explicar o montante de sentimentos que o tomavam.

Elza reencontraria o filho. O apertaria nos braços. Teria novamente seu amor.

...E ele a perderia...

Não! Não era justo! Ela merecia aquilo depois de tantos anos de agonia e sofrimento.

— Preciso levá-lo até o senhor e senhora de Buganvília.

— Por favor – Owen recusou. – Irei ao encontro dos nobres, mas prefiro que seja à noite, quando meus pais voltarem de um passeio. Com eles, ficará mais fácil explicar tudo.

Explicar o quê?

— Entende que a Senhora Rylee sofre há mais de uma década por sua falta.

— Eu preciso ir – Owen retrucou. – Sei onde estão, irei até vocês assim que meus pais chegarem.

 

Era inacreditável! Ciel os havia encontrado? Elza observou Damon e o percebeu muito nervoso. As mãos comprimidas uma contra a outra, como se estivesse analisando a situação. Do outro lado da sala, Benjamin parecia igualmente confuso.

Foi quando percebeu Neal. Ele havia surgido e avisado do encontro. A havia preparado para ele. Todavia, não parecia ele mesmo estar pronto para aquilo.

Aproximou-se do jovem.

— Você não vai me perder – disse, sorrindo.

— Vou te perder no momento que Ciel entrar pela porta e vocês se reencontrarem – contrapôs. – Não é uma crítica e não estou zangado por essa situação. Fico feliz pela senhora. Mas, eu sei qual é o meu lugar desde que nasci.

Os olhos de Elza encheram-se de lágrimas. Por que era tão difícil para Neal entender que ela já o tinha como filho? Que o sangue não era nada perto da imensidão que inundava seu coração?

Uma batida na porta. Elza sobressaltou-se. Olhou para Damon que também a encarava sem conseguir realmente dar um passo adiante. Foi Neal, então, que caminhou até a entrada e abriu passagem.

Lá estava o jovem de um olho azul e outro verde. Atrás dele vinha um senhor e uma senhora bem apessoados e com olhar confortador.

Elza sentiu o baque de imediato. Suas mãos tremulas apertaram o vestido, enquanto sua respiração pareceu entrecortada.

— Você não é Ciel.

A frase da mulher parecia angustiada e pesarosa. Vinha nos recantos mais profundos da sua alma atormentada.

— De fato, minha senhora, não sou seu filho.

Existe uma infinidade de dores que uma pessoa pode sentir durante a sua vida. A perda da esperança é a pior de todas elas.


— Soube por um lacaio sobre a história de Ciel e de como lordes do outro reino estavam atrás de mim por causa dos meus olhos – Owen contou, aceitando uma xícara de chá.

Todos estavam sentados, ouvindo a narrativa.

— Então eu procurei o jovem de tapa-olho para marcar esse encontro e me explicar.

Elza parecia derrotada. Damon segurava uma das suas mãos como se tentasse lhe dar forças. Neal permanecia atento a ela, do lado oposto, preparado para ampará-la se desmaiasse.

— Mas é uma grande coincidência você ter olhos assim – Benjamin apontou.

— Não tão grande. – A mãe do rapaz explicou. – Minha avó tinha olhos assim. Ela veio do clã de Aiken. Foi vendida por gado para ser dada em casamento aos Multen.

— Então esses olhos são herança de família? – Damon indagou. – Você e Elza são parentes...?

Elza não estava no clima para confraternizar com a mulher, nem com ninguém. Quando viu Owen entrar na sala, soube imediatamente que não era seu filho porque era mais velho. Tinha uns vinte anos, talvez um pouco mais. Depois, a mãe lhe contou do nascimento, e até lhe mostraram uma marca de nascença que o rapaz tinha, que não combinava com Ciel.

— Obrigada por terem explicado tudo. – Ela disse, levantando-se.

Saiu da sala, indo para a rua. Precisava respirar o ar puro, precisava sentir novamente algo real.

— Vamos desistir? – a pergunta era de Damon, que a seguiu.

— Eu quero morrer, Damon – ela contou. E era sincera. – Eu não aguento mais.

Ele a abraçou por trás, repousando os lábios no topo de sua cabeça.

— Eu tinha esperança que dessa vez daria certo – ele comentou. – Tinha esperança que era Ciel...

Ficaram assim, naquele abraço gentil, compartilhando o sofrimento pelo qual passaram por tanto tempo. Parecia que jamais teria fim.

— Eu sinto muito – ouviram a voz de Neal, próximo. – Realmente achei que ele fosse o filho perdido de vocês.

Damon abriu um espaço naquele abraço e o trouxe para eles.

— Vamos para casa – decretou. – Vamos refazer nossa família. Sempre vamos amar Ciel, mas temos que aceitar que ele está perdido para sempre.

Neal ouviu o choro baixo de Elza. Sentiu-se um crápula, mas estava aliviado.

 


Capítulo Dezesseis


D agda era velho. E posso te afirmar que se tem algo que a velhice traz é sabedoria o suficiente para distinguir quando uma situação precisa ser resolvida antes que tudo acabe em desgraça.

Ele nunca buscou saber quem era a criança que Benjamin trouxe para sua casa naquele dia. Não se faziam perguntas aos Aiken, sabia. Apenas se cumpria o que eles pediam. Então, para defender o pequeno, arrumou suas coisas e da esposa, e partiram para a cidade Capital.

Criaram Neal como puderam. E, definitivamente, deram a ele a identidade do filho da prostituta.

Dagda imaginou que o assunto estava resolvido.

Todavia, ao ver Benjamin tão próximo de Neal, ele logo percebeu que as coisas estavam longe da resolução.

Alguém perder o olho naquele porto sujo não era difícil. E Benjamin era poderoso demais para marcar na memória a imagem de um menino sem uma das vistas, olhado rapidamente tantos anos antes.

Mas, e quando ocorresse? E quando ele se recordasse? E quando um lapso cruzasse sua mente e ele começasse a imaginar que fora enganado?

Não temia por si, mas por Neal. E foi por isso que ele seguiu até a pousada naquela manhã gelada.

Entrou. O lugar fino deixava claro que lá não era seu lugar. Mesmo assim, precisava seguir firme, mesmo que fosse rechaçado por suas roupas velhas e pobres.

— Procuro um menino que usa tapa-olho — pediu ao atendente.

O homem o observou dos pés a cabeça.

— Saiu de manhã.

— Posso aguardá-lo?

— Lá fora — indicou. — Aguarde lá fora.

Dagda preparou-se para sair, quando foi interceptado por uma mulher.

— O que quer com Neal?


Sentada no pequeno sofá naquele salão de recepção da pousada, Elza parecia sentir tenso cada músculo do seu corpo.

A história era quase inacreditável. Todavia, era igualmente crível.

— E meu filho, onde está?

De fato, não precisava fazer aquela pergunta. Ela sabia a resposta desde o primeiro instante, a primeira vez que sentiu o cheiro dele quando a derrubou, ainda no cais da Cidade Capital.

— Está com a senhora, Lady. É Neal.

 

Elza estava parada próxima da porta. Seu olhar era indecifrável, e causou arrepios em Benjamin.

— Você me assustou — ele comentou, fechando a porta do roupeiro enquanto guardava as roupas. — Quando partiremos, prima? Agora que sabemos que o jovem não é seu filho, precisamos retornar a Buganvília para seguirmos com a vida, não?

Ela se aproximou. O rosto sério. Benjamin percebeu que algo grave havia acontecido.

— Prima?

— Você me enganou em relação a Damon... — ela balbuciou.

Ele riu, mais tranquilo.

— Oh sim, seu esposo vai atirar nas minhas costas as próprias mentiras. Não o obriguei a dormir com putas, sabia?

Mas era como se ela não o ouvisse.

— Depois de me distanciar de Damon, conseguiu armar para se livrar do meu filho — ela murmurou. — O que mais fez? Matou Lynae? Odiava-a porque ela era minha amiga? Diga-me, até meu gatinho, Bjor, foi você que matou?

Benjamin arregalou os olhos. De onde toda aquela história havia saído? E pior, como Elza a descobrira?

— Está ficando louca?

Então, de súbito, Elza avançou. O brilho de uma faca cruzou entre eles, mas, mais forte e grande, Benjamin conseguiu segurar seu braço.

— Cadela! — berrou, estapeando-a e atirando-a no chão. — Depois de tudo que fiz por você, ousa tentar me matar?

— Nunca procurou por Ciel, não é? — o choro cortou sua garganta. Como podia ter sido tão cega? — Porque na sua mente ele já estava morto.

Não havia mais motivos para negar. O próprio Benjamin havia chegado a um limite.

— É verdade. O garoto morreu porque pegou a doença de outro — contou. Subitamente, ajoelhou-se de encontro ao corpo, e forçou o joelho na barriga dela. — Eu não iria matá-lo, mas foi um alívio não ter mais aquele pirralho na casa. Depois, você sempre queria que eu partisse atrás dele, então usava o dinheiro para ir me divertir na Capital.

— Desgraçado...

— Desgraçado? Quem foi que esteve ao seu lado todos esses anos? Quem a defendeu no clã de Aiken dos seus irmãos?

— Isso nunca te deu o direito...

— Elza, eu a amo — interrompeu. — Eu sempre a amei. Sempre estive ao seu lado, suportando tudo. E tudo que eu queria em troca era uma réstia dos seus sentimentos. Por que sempre foi incapaz de gostar de mim?

De súbito, aquela boca asquerosa buscando a dela. Elza entrou em pânico e começou a se mexer, tentando se livrar daquele homem.

Céus, como o odiava! Como tinha nojo dele! As mãos ásperas passeando pelo seu corpo, sujando-a. Que Deus a matasse antes que ele a tomasse!

— Solta ela! — ouviu a voz de Neal.

Seu filho...

Então, o corpo ficou livre de Benjamin. Percebeu o garoto puxando o homem e, logo em seguida, o olhar escuro e desafiador de Benjamin deixou claro que ele atacaria seu menino.

Não pensou. Sequer pestanejou.

Encontrou a faca atirada no chão e a cravou em Benjamin antes que ele tivesse tempo de machucar Neal.

Retirou-a novamente. Cravou de novo. Perdeu o controle, cega em raiva.

Mesmo diante do corpo já sem vida de Benjamin, ela continuou a cravar e cravar, querendo descontar tudo que não pode viver com Ciel por culpa daquele homem.

Só quando o filho a puxou foi que enfim deixou-se descansar.

— Acabou — ela murmurou. — Ele nunca mais vai machucar você...

Neal não entendeu as palavras, mas não as questionou. Beijando a fronte da senhora Rylee, ele permitiu-a chorar em seu colo.

 

 

 

Capítulo Dezessete


O vento balançava as madeixas castanhas de Neal. O navio atravessava o oceano com rapidez, como se tivesse pressa de chegar logo ao lar para dar àquela família a sua segunda chance.

— No que está pensando? — Elza indagou, aproximando-se do filho.

— Nunca vou me acostumar com o nome Ciel.

— Posso chamá-lo de Neal.

— Não. Deve me chamar de Ciel, porque foi quem me deu esse nome, e ele é especial para a senhora. Mas, os demais, insistirei por Neal.

Ela sorriu.

— Como se sente?

Seus dedos femininos afagaram os cabelos em desalinho.

— Como se tivesse acordado de um pesadelo.

Elza sentia o mesmo.

A chegada de Damon interrompeu a conversa. O assunto tomou outro rumo.

— Como explicará a morte de Benjamin para o clã? — A esposa indagou, depois de um tempo.

O corpo do primo estava sendo levado com eles. No porão, embalsamado, ele era mantido em um caixote. Deixá-lo-iam junto aos Aiken. Não porque lhes devessem alguma coisa, mas porque acreditavam ser o certo.

— Direi a verdade. Desconfio que seu pai já soubesse que Benjamin não era muito confiável.

Ela assentiu.

— Ciel — ele murmurou em direção a Neal. Claramente, junto com a mãe, o rapaz seria denominado assim pelo pai. — Como se sente?

— Eu estou bem — reafirmou. Sempre lhe perguntavam aquilo desde que lhe contaram a verdade. — Bom, vou deixá-los conversar.

— Conversar?

— Sim, meu pai tem algo a perguntar a minha mãe — ele riu.

Damon então percebeu a intenção das palavras. Riu.

— Está certo, filho. Se for um recomeço, que seja inteiramente.

Diante da frase enigmática, o menino se afastou.

 

Algo a perguntar? Elza encarou Damon.

— Eu quero você, Elza.

A mulher arqueou as sobrancelhas, curiosa.

— Já estamos casados, para o caso de ter esquecido.

— Não, não entende... — ele suspirou. — Eu não quero a Elza vendida pelo pai. A Elza que meu pai comprou e que me impôs. Não quero a esposa escolhida pelos outros, na qual tive que forçar uma relação. Quero você por nossa vontade de ficarmos juntos. Quero você, porque é a única mulher que quero nessa vida. Quero envelhecer ao seu lado, e passar todos os momentos bons e ruins com você. Mas, apenas se você também desejar isso.

— E se eu não querer? — estava curiosa.

— Eu te darei a emancipação. Poderá ter uma casa luxuosa e fazer da sua vida o que quiser. Viverá como desejar. Não a forçarei a nada.

Ela sorriu. Uma alegria profunda em seu íntimo.

— Sim, Damon — respondeu. — A segunda opção é por demais tentadora, mas ainda desejo a primeira. — Sentiu os braços do marido a cercá-la. — Recomeçar um casamento depois de tudo... Eu estou disposta.

Seus lábios experimentaram o beijo lânguido do esposo.

— Sermos novamente amigos... — ela suspirou.

— Amigos sim — afirmou. — Mas, também amantes. Não é só o recomeço de uma amizade, Elza, minha amada. É o recomeço do nosso amor.

Ao longe, Ciel os observava com um sorriso no rosto. O conto de fadas que sempre imaginou, dos pais a procurá-lo, inacreditavelmente, havia ocorrido.

Ele os tinha. Os dois, juntos. E apaixonados.

O tempo sempre reservava surpresas.

Experimentou a mais maravilhosa delas.

 

 

                                                                  Josiane Biancon da Veiga

 

 

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