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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PROVA FINAL / Tatiana Amaral
PROVA FINAL / Tatiana Amaral

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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“Uma ferida abafada nunca cicatriza... Então eu seguia amando e odiando sem nunca saber qual dos dois sentimentos seria vencedor um dia.” Charlotte Middleton

Alex “Não, Alex! Por favor!”
Ouvi a voz de Tiffany de uma forma estranha. Ela ecoava no quarto enquanto eu fazia amor com Charlotte. As mãos da minha esposa não estavam em minhas costas, como há segundos atrás, e sim em meu peito, também não me puxavam, mas me empurravam.
“Alex!” Sua voz chorosa não estava exatamente onde deveria estar. Não embaixo de mim e sim em algum lugar do quarto. Parei atordoado, sentindo uma raiva incomum me invadir. De repente eu me vi com as mãos no pescoço daquela mulher. Não era mais Charlotte, era Tiffany e eu estava dentro dela, com um ódio mortal. Senti o gozo me atingindo enquanto a vontade de matá-la praticamente me cegava.
“Alex!” Charlotte choramingou desviando a minha atenção. Tiffany, ainda embaixo de mim, olhava-me com pavor e mágoa. Procurei minha esposa sem conseguir encontrá-la, até que, finalmente, meus olhos encontraram os dela.
O quarto escuro certamente me impediria de enxergar, mesmo assim eu a via. O rosto sofrido, as lágrimas descendo copiosamente, as duas mãos que cobriam a boca contendo o grito de desespero.
— Charlotte?

 

 

 


 

 

 


E então a vergonha caiu sobre mim. Tiffany se encolheu na cama enquanto eu me conscientizava da gravidade da situação. Olhei para a mulher, machucada e horrorizada, depois para minha esposa, mortificada com a descoberta.

— Não! Charlotte, por favor... Minha súplica não foi o suficiente. Ela se virou e foi embora, sem ao menos me deixar explicar.

— Charlotte! — gritei, levantando da cama.

Assustado e suado, olhei ao redor reconhecendo o pesadelo que há alguns meses me acompanhava. O quarto escuro e vazio estava absurdamente abafado, deixando meu corpo banhado de suor. Um som estridente ecoava enquanto minha mente tentava assimilar a realidade.

Ela não estava mais ali. Foi embora quando descobrimos a gravidez de Tiffany e desde então eu nada mais sabia a respeito da minha esposa. Na manhã seguinte eu assinaria o divórcio. Talvez por isso a constância dos pesadelos, ou talvez porque eu ainda sentia a sua falta, a cada milésimo de segundo que se passou desde então.

O som agudo continuava, deixando-me tonto. Só então percebi se tratar do meu celular. Meio atordoado procurei pelo aparelho encontrando-o no bolso da calça que eu tinha largado no chão do quarto. Peguei, sentei na cama e atendi sem me dar ao trabalho de identificar quem seria.

— Alô — pigarreei para espantar o pavor na minha voz.

— Alex? — A voz de Anita me deixou em alerta.

— O que houve?

— Tiffany. Ela não está muito bem.

Respirei fundo, tentando ordenar meus pensamentos.

Pouco tempo depois de desembarcarmos no Brasil, Tiffany iniciou a sua perseguição. Ela me ameaçava de todas as formas, depois mudava de estratégia e procurava se aproximar. Eu não a queria por perto, não queria dividir aquele momento com a mulher que arruinou a minha vida, e ela sempre fazia a mesma coisa: acusava-me, jogava na minha cara o que eu havia feito, cobrava-me e o ciclo recomeçava, ela ameaçava, se arrependia e voltávamos sempre ao mesmo ponto.

Eu sabia que era culpado, porém não conseguia digerir tudo o que ela já havia feito para me afastar de Charlotte, e a mágoa sempre falava mais alto.

Foi em uma noite, após discutirmos por quase duas horas e eu ir embora deixando-a para trás sem me importar com o seu sofrimento, que ela fez a maior loucura de todas. Deprimida, Tiffany atentou contra a própria vida, o que me enterrou ainda mais fundo na culpa e no ressentimento.

Droga, o que ela estava pensando? Como podia ser tão leviana com a criança que carregava no ventre?

Por que sempre me colocava em primeiro lugar quando eu não merecia sequer a sua consideração? Não quando havia feito o que fiz.

Naquela madrugada, sentado no corredor daquele hospital, sem saber se meu filho sobreviveria à besteira feita pela mãe, encarando Anita, que me olhava sem me acusar, eu descobri a verdade sobre Tiffany, e toda a minha maneira de encará-la mudou. Depois de dois meses sentindo apenas ódio, comecei a entender que Tiffany só buscava companhia para dividir sua carga. Com a família longe, eu nem sabia até que ponto eles sabiam o que estava acontecendo, ela só podia contar com Anita.

Tiffany sofria de depressão e foi diagnosticada como portadora de transtorno bipolar, o que não era nenhuma novidade, falando leigamente, já que ela conseguia sempre demonstrar dois lados bem díspares, mesmo muito antes da gravidez.

Anita estava preocupada com a prima. A situação só piorava. Tiffany não pensava no filho, apenas em como me fazer aceitá-los em minha vida. Não pela criança e sim pelo amor que ela dizia sentir por mim.

Estava cada vez mais magra, não cuidava do corpo para melhor atender as necessidades da criança que se desenvolvia em seu ventre. Falou muitas vezes em aborto, algo que eu não conseguia admitir.

Cansado e tentando me conformar com os acontecimentos, comecei a lhe dar um pouco de assistência, na tentativa de acalmá-la. Às vezes eu acreditava que ela estava melhorando. Quando eu chegava para visitá-la, ou para levar alguma coisa que fosse da sua necessidade, ela sorria e conversava, então, quando entendia que não passaria daquilo, nossos problemas recomeçavam.

Eu preciso ser honesto. Era impossível esconder o ressentimento. Não havia nenhuma possibilidade de eu fingir não estar aborrecido com aquela situação. Acredito que isso a fazia piorar, mas, infelizmente, era muito mais forte do que eu.

Tiffany queria uma família, e eu só ansiava que aquele pesadelo terminasse.

Ela parou de escrever, foi definhando com a falta do amor que eu jamais poderia lhe dar, mesmo tentando ser o mais presente possível. Ela não se conformava e assim foi se afundando cada vez mais na depressão.

Anita pediu licença do trabalho para cuidar da prima. Eu contratei uma enfermeira para acompanhá-la de perto, afinal de contas, todo cuidado era pouco.

— O que aconteceu?

— A chuva de ontem parece ter cobrado os efeitos – revelou com a voz preocupada. — Ela não está conseguindo respirar direito, está ardendo em febre.

— Merda!

Um dia antes Tiffany fez mais uma de suas loucuras. Grávida de sete meses, aproveitou a distração da enfermeira e saiu para a rua no meio de um temporal. Só conseguimos encontrá-la quase três horas depois, descalça e vestindo apenas uma camisola fina. Ela ficou exposta tempo demais, principalmente por já estar fragilizada.

A situação se agravou ainda mais quando Tiffany se revelou hipertensa, de uma maneira extrema, o que preocupou os médicos a tal ponto que ela precisou ficar em constante repouso. Sua vida e a do nosso filho estavam em risco.

— E a pressão? Fátima está com você?

Fátima era a enfermeira da noite, que dormia com ela para ajudar em momentos como aquele.

— Muito alta. Estamos preocupadas. Ela está sentindo dor e não está falando coisa com coisa.

— Chamou a ambulância?

— Chamei, mas eles estão demorando demais. — Pelo tom de voz de Anita eu entendia que era algo realmente grave. — Estamos com medo de removê-la sem os devidos cuidados.

— Estou indo. Se a ambulância chegar me avise.

— Certo. Obrigada!

Desde que Tiffany começou a dar sinal de insanidade, eu e Anita nos tornamos mais próximos, unindo forças para cuidar dela, mas até isso se tornou um problema para Tiffany, que passou a fantasiar que algo estava acontecendo entre mim e a prima.

Eram muitos problemas, como eu sabia que a culpa era minha, aceitava e me resignava, tentando sempre fazer o melhor para acalmá-la.

Desliguei, peguei a calça do dia anterior, vesti e fui em busca de uma camisa limpa. Precisava ser rápido e prático. Calcei um tênis, peguei a carteira, as chaves e saí para uma noite gelada, o que eu agradeci, pois ainda estava com o corpo suado devido ao pesadelo.

Dirigi o mais rápido possível e quando cheguei a ambulância já estava na porta do prédio onde Tiffany morava. Como o porteiro me conhecia, consegui passar sem burocracia. Encontrei Anita na porta do quarto, o rosto assustado e preocupado. Fátima estava com o médico e mais um enfermeiro, preparando-se para remover a mãe do meu filho.

— Eles vão levá-la — Anita me informou sem desgrudar os olhos da prima. — Parece que o caso é grave.

— Sempre foi — rebati sem conseguir controlar a minha mágoa. Ela me fitou brevemente, depois voltou a olhar a prima, meneando a cabeça como se estivesse concordando comigo.

— Assim que a maca chegar vamos removê-la — o médico se aproximou, falando com Anita.

— Este é o pai da criança, doutor — ela apontou para mim.

— Entendi. Ela será internada — ele começou a falar diretamente comigo. — A pressão está muito alta 160/120. Precisamos de um ultrassom para saber como está a criança. Ela está sentindo dores que me levam a acreditar que sejam contrações, mas só no hospital teremos certeza de qualquer outro quadro.

— Contrações? Ela está com sete meses apenas — questionei apreensivo.

— Sim, o que é preocupante. A paciente tem histórico de complicações durante a gestação, por isso não queremos aguardar. Só um momento que preciso resolver a parte burocrática. Um acompanhante pode vir na ambulância com a gente, o outro deve seguir para o hospital o mais rápido possível.

— Vá você com ela — eu disse a Anita e ela negou com a cabeça.

— Você é o pai. Ela precisa de você agora, Alex.

Respirei fundo e acabei concordando. O médico se afastou e no mesmo instante a maca entrou no apartamento. Assisti Tiffany ser preparada sem muito esforço. Ela estava muito magra. Então a acompanhei até o elevador. Seus olhos que demonstravam medo e insegurança se mantiveram em mim durante todo o tempo. Comovido com a sua fragilidade, segurei sua mão e ela enfim relaxou, fechando os olhos.

*** — Como ela está? — Anita chegou alguns minutos depois ao hospital. Levava duas malas pequenas, que deduzi serem para o caso de o bebê nascer antes da hora — se desculpou indicando as malas. Concordei.

— Eles chamaram de Síndrome Hellp.

— Síndrome Hellp? O que diabos é isso? — Eu ainda tremia com o medo de que algo desse errado, por isso mantinha as mãos no bolso da calça.

— É grave. Pediram um exame mais específico e ela está fazendo uma ultrassonografia. Precisei resolver a burocracia do plano de saúde e não a acompanhei. Estou aguardando voltarem.

Neste momento o médico que assumiu o caso de Tiffany passou pela porta que nos separava. Ele me olhou e caminhou em minha direção. Pelo seu olhar percebi que era realmente grave.

— Precisamos antecipar o parto — começou sem se dar ao trabalho de nos preparar. — Vai ser uma situação delicada. A febre alta é um agravante, a secreção em seus pulmões certamente complicará o quadro.

— O que aconteceu? — questionei preocupado.

— Houve um abrupto descolamento da placenta. É prematuro para acontecer, por isso estamos preocupados. Precisamos remover a criança o quanto antes.

— Eles vão sobreviver? — Anita se intrometeu com os olhos marejados.

— É arriscado dar qualquer prognóstico em uma situação como esta. Precisamos dos exames para conferir as plaquetas. Só antecipo que podemos perder os dois.

— Não! — Ela choramingou.

— Onde ela está? — Minha cabeça dava voltas e mais voltas. — Preciso ver Tiffany, doutor.

— Sim, estamos preparando-a para levá-la para o centro cirúrgico a qualquer momento. Ela está em uma sala de observação. Só pode entrar uma pessoa. Venha comigo.

Fui levado para uma sala onde precisei me preparar com roupas específicas para que pudesse estar em contato com Tiffany. Depois me levaram para uma sala, onde ela repousava em uma cama. Muitos aparelhos ligados a ao seu corpo. Tiffany parecia dormir, esgotada. Aproximei-me e segurei em sua mão.

Ela abriu os olhos. O terror continuava lá.

— Alex! — sussurrou com ansiedade.

— Calma. Vai dar tudo certo. — Vi quando uma lágrima desceu dos seus olhos.

— Ele não pode nascer agora. É cedo demais.

— Os médicos sabem o que estão fazendo, Tiffany. Vai ser melhor para vocês dois.

— Não. Não vai! — Ela chorou, voltando a respirar com dificuldade.

— Fique calma — disse, embora eu mesmo não conseguisse encontrar a minha.

— Eu não vou conseguir — revelou chorando. — Você tinha razão o tempo todo. Essa criança é uma coitada. Não fui forte o suficiente por ela, não consegui ser a mãe que ela precisava.

— Não pense assim. Nós estamos aqui por ele, vamos fazer tudo dar certo, Tiffany. Você só precisa ficar calma. — Ela balançava a cabeça negando as minhas palavras.

— Você não o quer. — Fui pego de surpresa. — Eu deixei que acontecesse porque fui burra. Queria que você ficasse comigo. Queria Charlotte longe de nós dois.

— Não pense nisso agora. Já passou, Tiffany. É passado. Vamos nos concentrar em nosso filho. — Eu tentava em vão animá-la, tudo indicava que aquele era mais um dos seus picos de depressão. Ela apertou meus dedos e me olhou com aflição. — Me perdoe — chorou suplicando. — Me perdoe, Alex! Eu sei que errei.

— Tiffany. — Segurei seu rosto encarando-a firmemente. — Eu errei com você. Não aja como se não fosse a vítima desta história.

— Não — soluçou. — Eu forcei a barra, mereci... — Não faça isso, por favor! Não tente tirar a culpa de mim, não é justo. — Respirei fundo e passei a mão no cabelo, me deparando com a touca. Droga! — Não vamos voltar a esse assunto, Tiffany. Nosso filho vai nascer.

— Um filho que você não quer. Que você não ama. Eu nada mais poderei fazer por ele, Alex! — Sua voz fraca estava esganiçada pelo choro. — Ele vai ficar sozinho, como você disse. Não terá a mim, não terá o seu amor.

— Não vai ser assim. Nós dois estaremos aqui, juntos! Vamos dar a ele o amor que merece. Vamos cuidar dele, Tiffany. Juntos! Então fique calma, pelo amor de Deus!

Os aparelhos ligados a ela começaram a apitar. Céus! Eu estava com tanto medo!

— Tiffany, olhe para mim. Tente se acalmar! — Olhei para a porta aflito.

— Por favor, prometa que vai cuidar dele. Prometa que vai amá-lo mesmo ele sendo meu filho, mesmo vindo nas circunstâncias que veio, mesmo tendo afastado a pessoa que você mais ama. — Engoli em seco sentindo a mágoa empedrar em meu peito. — Prometa, Alex!

— Tiffany... — Se não conseguir amá-lo... se for demais para você... deixe que Anita o leve para longe.

— É meu filho, Tiffany! — E as palavras já começavam a embolar em minha garganta. — O que está dizendo?

— Você não o quer — ela sussurrou, perdendo a força.

— Claro que quero! — E me vi surpreso com a minha afirmação. Nunca antes parei para pensar em perdê-lo, naquele momento, enfrentando essa possibilidade, eu estava em pânico.

— Você vai cuidar dele?

— Nós vamos! — Eu me negava a acreditar que ela iria desistir.

— Prometa que vai amá-lo e perdoá-lo por ter sido concebido da forma como foi. — A voz ainda mais fraca me alertou. Olhei outra vez para a porta e vi que enfermeiros se aproximavam. O aparelho apitava cada vez mais. — Prometa... — Prometo. Eu vou amar este filho e cuidar dele da maneira que ele merece — ela sorriu fechando os olhos.

— Obrigada, Alex! — Eu quase não conseguia mais ouvi-la. — Obrigada.

— Tiffany?

— Eu amo você... — Não ouvi as palavras, só as identifiquei pelos movimentos dos seus lábios.

Neste momento eles cercaram a cama me afastando. Eu não conseguia acompanhar o que acontecia, só sabia que era grave e que Tiffany não estaria conosco quando nosso filho chegasse.


Capítulo 1


“Chorar sobre as desgraças passadas é a maneira mais segura de atrair outras.” William Shakespeare Charlotte — Você não precisa fazer isso.

Thomas falava sem cansar, mas eu, sinceramente, não conseguia ouvir metade do que ele dizia. Sentada no alto do edifício eu apenas olhava para baixo. A escuridão da madrugada que nos escondia de olhares curiosos, também servia para disfarçar a minha apreensão. Lá embaixo poucas pessoas caminhavam, no geral grupos de jovens a caminho de alguma balada, ou um casal apaixonado que, acreditando não ser observado, revelava o seu desejo em paredes frias e sujas. Dei mais um gole na garrafa de tequila que estava em minha mão.

— Sério, Charlotte! Não vê que nada disso é necessário?

— É trabalho, Thomas. — Ele riu sem vontade, apenas para desdenhar da desculpa esfarrapada que eu usava para me manter firme na minha decisão.

— Não quando seu trabalho envolve Alex Frankli. — Encolhi-me visivelmente à mínima menção a ele.

Não, não havia passado. Três anos depois e eu ainda me sentia apunhalada todas as vezes que alguém citava o nome do meu ex-marido. Normalmente eu fingia não me importar. Ninguém mais me via chorar ou lamentar o fim. Eu sorria, brincava, saía com amigos, fingia levar uma vida normal, com barreiras muito bem construídas para impedir que as lembranças me alcançassem.

No entanto, eu, e apenas eu, sabia o que existia dentro de mim, e por mais que a ferida não estivesse mais sangrando, ainda a sentia, e sofria. Uma parte porque nunca me dei a oportunidade de encerrar aquele capítulo adequadamente, como deveria ser. Simplesmente fui embora e nunca mais voltei. Sequer falei alguma vez com ele. Neguei-me até mesmo a falar sobre ele com qualquer pessoa disposta a consertar os nossos erros. Agia como se Alex tivesse sido apagado da minha vida, apesar de saber que era um erro.

Uma ferida abafada nunca cicatriza.

Outra parte porque, por mais que o odiasse, eu o amava na mesma medida e com a mesma intensidade. E por mais que escondesse de todos a verdade, nenhum tempo, nenhum lábio, nem braços, conseguiram amenizar o que eu sentia. Nem para o bem, nem para o mal. Então eu seguia, amando e odiando, sem nunca saber qual dos dois sentimentos seria vencedor um dia.

— Meu público no Brasil é imenso. É até desrespeitoso nunca ter voltado, principalmente porque devo parte do meu sucesso a eles.

— Eles quem? Ao público ou à editora do Alex? — Outra vez meu coração acelerou e a ferida ardeu.

Thomas tinha este jeito. Ele falava sem medidas. Não colocava panos quentes. Acreditava que não fingir nem esconder era a melhor forma de tratar uma alma sofrida. Deu muito certo quando o assunto era a minha mãe, porém tornou-se doloroso demais quando se tratava de Alex. Provavelmente porque a primeira estava morta e nada nem ninguém conseguiria mudar a situação, já Alex... — Os dois. Devo muito à editora, à Lana... — À Alex... — Pegou a garrafa da minha mão e tomou um gole longo.

— Sim, a ele também — rebati, sem conseguir encará-lo. — Bem ou mal tudo começou a acontecer por causa dele. Não, Thomas... — Levantei a mão para impedi-lo de falar. — Eu sei muito bem o que você pensa. Aconteceria de uma forma ou de outra, eu sei. Você nunca vai entender a importância dele neste caminho. Se... — Engoli em seco. — Se Alex não tivesse acreditado em mim, muito provavelmente eu apostaria apenas em uma autopublicação com pequena tiragem, simplesmente porque não tinha coragem o suficiente para fazer sozinha. E você já argumentou bastante comigo.

— Mas não consegui te convencer a ficar. — Empurrou-me com o ombro.

Só Thomas para não entender que me empurrar com o ombro no alto de um edifício, quando eu já tinha bebido tequila suficiente para me considerar suicida, era mais do que errado.

— Eu estou sempre viajando a trabalho e você nunca reclamou tanto.

— Porque desta vez é realmente arriscado.

— Arriscado?

— Sim. Desta vez você vai estar com ele. — Jogou as mãos para cima como se estivesse dizendo o óbvio. E estava. Tive que rir. — Não consegue enxergar o perigo? Nos últimos três anos você esteve em diversos lugares do mundo. Assinou vários contratos, participou de inúmeras sessões de autógrafo, deu infinitas entrevistas e entrou para a lista de best-sellers. Em nenhum destes acontecimentos ele esteve presente. Vocês não se encontraram nem mesmo para o divórcio.

— Nós sabíamos que uma hora aconteceria. — No entanto nem eu mesma queria pensar nisso. Me aterrorizava saber que o encontro estava tão perto.

— E é incrível como você nada faz para se preservar. — Ele levantou sem se afastar, ficou de pé, olhando para baixo. — Não tem medo de como será este encontro?

— Lamentar uma dor passada no presente é criar outra dor e sofrer novamente — falei baixinho, pensando no quanto eu acreditava naquela frase e, mesmo assim, continuava deixando que a dor antiga me machucasse.

— Deixe-me adivinhar: Shakespeare.

— Sempre — suspirei.

Shakespeare era a minha obsessão, como era também a de Alex, o que se tornou algo nosso. Eu nunca consegui fazer ele voltar a ser só meu, como era antes de tudo acontecer. — Acho melhor irmos para casa. — Levantei com auxílio dos braços do meu amigo. A tequila cobrava a nossa brincadeira.

— Poderíamos passar lá no... — Não, Thomas — ri sem deixá-lo terminar a frase. Se dependesse de Thomas só voltaríamos quando o sol nascesse. — Tenho que viajar pela manhã bem cedo, nada mais de aventuras, nem de tequila. — Recusei a garrafa que ele me oferecia e tirei o pó do meu jeans. — Tenho mesmo que ir.

— Não tem nada que eu possa fazer para te convencer a desistir?

— Não.

— Ok! Estarei aqui para juntar seus cacos quando você voltar.

Suspirei pesadamente e iniciei a nossa decida. Em algumas horas eu estaria enfrentando o meu pior pesadelo: encarar Alex Frankli, e para tanto precisaria equilibrar a minha mente, assegurar meus pensamentos e trancafiar meus sentimentos.

Não seria nada fácil.

Alex Sentei na prancha observando a faixa de areia diante de mim. O mar estava calmo, mas meu coração não.

Quando a situação apertava, eu me refugiava na praia, mesmo com a desculpa de que era mais um momento em família. Era na água que eu me permitia chorar sem ser notado, sofrer sem precisar culpar ninguém.

Três anos se passaram e quantas coisas aconteceram até eu chegar ali, na praia, encarando atentamente a areia, vendo de longe meu filho, Felipe, ou Lipe, como Lana o chamava e ele adorava. Nunca imaginei que minha vida mudaria tanto, nem que daria tantas voltas.

Todos os meus conceitos foram errados, todas as minhas ideias rolaram por água abaixo porque, no instante em que peguei aquele menino nos braços, que encarei seus olhos azuis e cabelos negros, lisos, assim como os meus, o eixo do meu mundo mudou.

Tudo o que aconteceu antes e depois disso só serviu para me fazer amá-lo e protegê-lo ainda mais. Em meu coração habitava a tristeza por todos os passos que demos até ali, a saudade de tudo o que perdi, que sabia que jamais voltaria a fazer parte da minha vida, no entanto, nada me faria desistir dele, muito menos lamentar a sua existência.

Naquela data eu me permitia sentir os três anos em que ela partiu. Os três anos em que só a vi de longe, muito longe, acompanhando o seu sucesso como escritora, vivendo tudo o que sonhamos juntos.

Charlotte foi embora do Brasil e nunca mais voltou. Eu sabia que ela tinha esse direito, que precisava realmente recomeçar, tirar-me do seu caminho, só não conseguia conter a tristeza com cada notícia que chegava. Eu assistia as suas entrevistas, acompanhava a sua agenda, afinal de contas ela ainda fazia parte do nosso quadro de escritores.

Com dois livros lançados e na iminência do terceiro, ela já era um fenômeno mundial. Depois de sofrer a sua maior desilusão, que foi o nosso casamento, sobre o qual ela nunca falava, ela finalmente se permitiu usufruir um pouco de toda influência que seu sobrenome lhe permitia. Assim, seu livro ganhou o mundo e, em menos de um ano, nós éramos somente a editora que representava Charlotte Middleton no Brasil, apesar de termos participação nos seus lançamentos fora do país.

Lana era a única e exclusiva responsável pela carreira da minha ex-esposa. Exigência de Charlotte, aceita prontamente por mim. Nunca nos falamos, nos vimos ou trabalhamos juntos depois que ela foi embora. Miranda tornou-se a sua agente, mesmo não fazendo ideia do que estava fazendo. Esta, por sinal, passou a morar com Patrício e, apesar de precisar sempre viajar para acompanhar Charlotte, conseguia fazer o relacionamento dar certo. Ele nunca descobriu o motivo de eu implicar tanto com ela, e, com fé em Deus, nunca descobriria. Depois de Felipe o nosso convívio ficou mais amigável, o que eu nunca cheguei a cogitar, devido aos fatores.

Quanto ao meu livro, desisti dele quando entendi que jamais conseguiria concluir aquela história, mas também quando descobri que minha irmã estava grávida de gêmeos e que a sua gravidez era de risco, ou seja, eu precisava estar de volta ao trabalho por tempo integral.

Lógico que não a retirei do cargo de editora-chefe, mas assumi muito mais tarefas do que o meu cargo deveria, tudo para aliviar o peso das costas dela. Também não posso mentir que trabalhar intensamente, naquela época, era tudo o que eu mais precisava.

Minha vida tinha virado um inferno.

Trabalhei mais do que poderia suportar, fui forte e Lana conseguiu superar os primeiros meses. O trabalho me ajudava a me manter longe de tudo, com a mente ocupada, seguindo dia após dia.

Desisti de aguardar por ondas e de me lamentar pela falta que ainda sentia de Charlotte, nadei até a ponta, retirando a prancha até a areia. Felipe me viu de longe e correu em minha direção, seguido de perto por Anita. Ela sempre nos acompanhava em nossos passeios à praia.

— Papai — ele gritou antes de se chocar contra as minha pernas.

Abaixei sorrindo, como sempre fazia quando ele se aproximava, peguei ele no colo, levantando-o. Beijei seu rosto, sabendo que ele detestava ficar molhado. Sua mãozinha segurou meu pescoço me afastando. Os óculos molhados, incomodando-o.

— Para, papai. — E se debateu para que o largasse. — Molhou tudo. — Tirou os óculos passando para Anita que rapidamente limpou, devolvendo-o. — Quelo sufá! — Tentou se afastar, debatendo-se para eu colocá-lo no chão.

Ele sempre tentava pegar minhas pranchas na tentativa de conseguir subir nelas como eu fazia. Deitei a prancha no chão e ele logo sentou nela, fazendo a maior bagunça.

Felipe era uma criança inteligente. Aprendeu a falar as primeiras palavras cedo e rápido. Passou rapidamente do engatinhar para o correr. Tinha as melhores desculpas para tudo. Infelizmente tinha algumas limitações, frutos de uma gestação difícil e um nascimento prematuro. Era asmático e míope, além de ter diversas alergias.

— Sem muito esforço, Lipe. — Anita, sempre muito cuidadosa, já se preocupava. — O mar não está muito bom hoje — puxou conversa, retirando o cabelo do rosto.

— Não está, mas eu tinha esperança.

— Lana ligou duas vezes para o seu celular. — Mordi o lábio contendo o aborrecimento.

— Eu já pedi, Anita... — Eu não olhei, tá certo? Lipe pegou para pedir joguinho quando ela estava ligando, por isso eu sei.

Eu não estava disposto a entrar em mais uma discussão com Anita, afinal de contas, ela me ajudava muito com meu filho, esteve do meu lado quando toda merda aconteceu e se mantinha firme, fazendo com que Felipe se sentisse amado e desejado.

Como Lana teve as gêmeas, Valentina e Catarina, um pouco antes de o Felipe nascer, sua ajuda era quase inexistente, apesar da boa vontade em me atender sempre que precisei de socorro. Anita era o meu maior reforço, além da minha mãe, claro.

— Vou ligar para Lana depois. Vamos para casa, Lipe?

— Não! — Ele nem me olhou, ficou tentando se equilibrar na prancha, rindo sem parar e ajustando os óculos. Suspirei.

— Deixa que eu te ajudo com isso, lindinho — Anita se abaixou para cuidar do meu filho, com o mesmo amor de sempre.

— Então vou sentar um pouco e cuidar das nossas coisas. — Afastei-me deles sob o olhar atento da madrinha do meu filho.

Sentei na cadeira e olhei para o mar. Foi naquela praia que eu e Charlotte conversamos sobre sexo, a forma como o homem pensa e a mulher imagina. Ri sozinho. Charlotte era tão absurda que chegava a ser encantadora. Mordi os lábios e me obriguei a não pensar tanto nela.

Pouco tempo após a sua partida, assinamos o divórcio. Eu quis tomar um porre homérico, mas, desde que havia transado com Tiffany por causa do álcool, me recusei a beber outra vez. Então me tranquei em casa e sofri sozinho, depois me atirei em minha vida profissional.

Não me dei ao trabalho de atender a ninguém, nem mesmo a mãe do meu filho, que foi até a minha casa e insistiu em conseguir a minha atenção. Fiquei no sofá, deitado, encarando a escuridão da casa e me odiando cada vez mais.

João Pedro e Patrício estavam decididos a me fazer sair da fossa, como se fosse possível, só que João não podia participar tanto da minha vida, já que Lana precisava cada vez mais dele e Patrício, apesar de ir em minha casa quase todos os dias, sentia-se mal por estar com Miranda, uma pessoa tão ligada a Charlotte, e não poder me contar nada. Mal entendia ele que eu sabia tudo o que precisava.

Tiffany morreu dois dias após o parto. Os médicos tentaram de tudo, no entanto, o que ficou muito claro para mim foi que a própria Tiffany havia desistido e contra isso não havia procedimento médico que ajudasse. Eu fiquei sozinho com meu filho recém-nascido, sem nem fazer ideia de como seria criar uma criança. Encarei a situação de frente e, determinado, assumi a paternidade. Desde então tento ser o melhor possível para Felipe, ser mãe e pai.

Não posso negar que, apesar do amor incondicional que eu sentia pelo meu filho, doar-me integralmente a ele era também uma forma de ser perdoado pelo mal que fiz a Tiffany. Sim, ela também era um fantasma do passado que ainda me atormentava. Além de ser uma forma de não pensar em Charlotte, ou de não sentir tanto a dor que a sua falta me causava.

Muitas vezes eu me pegava pensando em como seria se Lipe fosse nosso filho. Ele era muito parecido comigo, mas os óculos, e a forma como ele constantemente os ajustava, lembrava-me tanto Charlotte, que constantemente eu precisava parar para respirar e me recuperar das lembranças.

Mas Felipe não era filho dela. Nunca poderia ser. Nem algo próximo a isso. Ele era o fruto do meu pecado, o motivo da nossa separação.

Encarei o mar imaginando como seria dali há alguns dias. Depois de três anos em que a imagem da minha ex-esposa era apenas a de uma celebridade no meio literário, sem nenhum contato, nenhuma palavra, eis que estaríamos frente a frente. Só de imaginar meu coração acelerava.

Durante dias eu tentei me convencer de que seria horrível. Charlotte me odiava, e eu... bem, eu segui a minha vida. Aceitei o fim e, apesar de não ter casado novamente, nem ter engatado nenhum relacionamento mais sério, estava conseguindo seguir em frente, acostumando-me com as lembranças e a saudade.

Não, eu também não queria um retorno. Desejei isso durante muito tempo, até compreender que ela jamais aceitaria Lipe, nunca seria capaz de amá-lo, e eu jamais abriria mão dele. Por ninguém.

Então Charlotte e eu erámos um caso encerrado e arquivado. Até eu descobrir que participaríamos do mesmo evento literário internacional. Um aglomerado de setores conversando e debatendo sobre o mercado, os livros... Eu participaria representando a editora, e Charlotte foi convidada para algumas palestras, além de encontro com seus leitores, o que chamava mais atenção para o evento. Então, estaríamos juntos outra vez. Não no mesmo dia, nem no mesmo horário, porém estaríamos no mesmo local e o encontro seria inevitável. O mínimo pensamento de como seria já me roubava o ar.

Finalmente teríamos um confronto? Poderíamos colocar uma pedra no assunto após termos a oportunidade de falar um com o outro? Ou ela simplesmente me ignoraria como fazia há anos? Eu não fazia a mínima ideia e a incerteza era o que me tornava um fraco. Eu não sabia o que esperar.

Havia também a possibilidade de nem nos encontrarmos, mas, me conhecendo muito bem, eu sabia que procuraria por ela a cada segundo. E a encontraria.

Olhei meu filho, que ainda se divertia com a prancha. Era melhor não abusar do sol e do vento. Eu bem sabia como as noites eram quando ele se expunha demais. Levantei, dobrei a toalha, fechei o sombreiro e a cadeira, arrumei os brinquedos do Lipe, juntei algumas coisas que Anita deixara espalhadas e fui até eles.

— Vou levando as coisas para o carro. Volto logo para pegar a prancha. — Anita concordou, pegando sua saída de praia da minha mão.

— Eu quelo sufá — Lipe protestou.

— Mais cinco minutos. — Ele fez birra, já sabendo que eu não voltaria atrás.

Peguei tudo e deixei a areia ganhando rapidamente a calçada ampla. Só precisava atravessar a rua e andar poucos metros até o meu carro. A ciclovia estava vazia, assim como o número de pessoas caminhando estava bem reduzido. Olhei mais uma vez para trás, certificando-me de que eles ficariam bem até eu voltar, quando senti a dor forte e ouvi a voz há tempos esquecida.

— Alex!

Ela gritou alto, antes de eu sentir meu corpo ser jogado ao chão. A dor em meu cotovelo foi aguda, assim como a que senti imediatamente em minha perna, mas nada ganhava mais a minha atenção do que os poucos minutos que levei para reconhecer aquela voz.

Charlotte estava lá.


Capítulo 2


“De grado evitei quem me evitava.” William Shakespeare Charlotte Se alguém me perguntasse se eu imaginava que havia o risco de aquele encontro acontecer, em uma segunda-feira pela manhã, eu diria que jamais passaria pela minha cabeça. Como eu poderia suspeitar que Alex não estaria trabalhando? Como chegaria à conclusão de que aquele era um bom dia para ele surfar?

Logicamente, quando decidi pedalar pela orla carioca, meu pensamento era apenas um: qualquer lugar do Rio de Janeiro me levaria a Alex Frankli, meu ex-marido.

Poderia não ter a sua presença física, no entanto, quando aconteceria de eu deixar de pensar nele quando encarasse o mar? E foi assim que quase matei meu ex-professor.

Sentindo a brisa leve bater em meu rosto e me permitindo deixar o cabelo voar livremente, com a pista vazia, me deixei conduzir por aquela que havia se tornado o meu vício: a bicicleta.

O dia não era o melhor para apreciar, mas o sol estava convidativo e, para alguém com a pele como a minha, aproveitar os dias de menos sol era a melhor conduta. Por isso saí protegida como pude, e, evitando continuar pensando em como seria o encontro inevitável, o que me roubou boa parte do sono, preferi o exercício físico e exaustivo.

Em determinado ponto, olhei para o mar e encarei o grupo de surfistas que, sentados em suas pranchas, pareciam ainda ter esperança de que algumas ondas aparecessem e, imediatamente, meus pensamentos voaram. Foi em uma praia que tudo começou. Foi em um dia de sol que o desafiei a embarcar em uma loucura junto comigo.

E constatei, com o coração em saltos, que foi ali, exatamente naquela praia, que nós conversamos sobre o que seria ou não adequado em um relacionamento sexual, em um dia comum, vivendo uma rotina de marido e mulher. Naquele dia eu nem imaginava o que estava por vir.

Eu nunca imaginaria.

E a saudade brincou em meu peito, fazendo-me amar e odiar na mesma proporção.

Desistindo de me deixar levar, resolvi que ali deveria ser o fim da minha estrada. Era só atravessar a rua e fazer a volta, e eu estaria segura outra vez, trancafiada em meu mundo, onde Alex não tinha mais espaço.

Mas não foi o que aconteceu. Assim que olhei outra vez para frente ele se materializou. Não tive tempo de raciocinar. Perdi a direção e a noção do que fazer para controlar minhas mãos e meu coração, colidindo diretamente com o meu maior pesadelo: Alex Frankli.

Só tive tempo de gritar para alertá-lo, o que não adiantou nada. Alex foi jogado ao chão, juntamente com tudo o que carregava.

— Ai meu Deus!

Minha bunda sentiu o impacto quando fui arremessada da bicicleta para o chão. Minha mão ardia, alertando-me de possíveis arranhões, no entanto nada daquilo importava mais. Alex estava ali, ao meu lado, atirado ao chão assim como eu. E ele me encarava como se estivesse em um sonho, sem acreditar no que via. Nem mesmo o sangue que escorria do seu cotovelo até a mão o fazia deixar de me encarar.

— Você está bem?

Tentei ser o mais racional possível, afinal de contas fui a responsável pelo acidente. No entanto meu pensamento só conseguia gritar e xingar o destino, que brincava conosco nos colocando no mesmo caminho mais uma vez.

Era o que eu queria? Meu lado racional afirmava veementemente que não. Não havia espaço para Alex em minha vida. Nem perdão para o que ele fez. Já o meu lado apaixonado fazia meu coração acelerar, minha boca secar e meus olhos acompanharem cada gesto do homem diante de mim, cada detalhe do seu lindo rosto, tão bem gravado em minha memória traidora, que nunca, nunca mesmo, me deixava esquecer.

Nem minha memória conseguia fazer jus a realidade. Alex estava lá, lindo, o corpo molhado, o cabelo um pouco maior do que costumava usar, os olhos mais azuis e penetrantes do que eu seria capaz de recordar, a boca desenhada, os braços torneados... Balancei a cabeça me impedindo de continuar. Não era o que eu queria. Repeti incansáveis vezes até que meu corpo começasse a reagir contra a presença dele. Era assim que tinha que ser.

— Vocês estão bem?

Olhei para o lado e vi um senhor e mais duas pessoas paradas acompanhando os acontecimentos. O senhor estava com roupa de ginástica, então deduzi que ele se exercitava na orla e viu quando atropelei a pessoa que mais odiei nos últimos anos. Não, eu odiei mais Tiffany, no entanto Alex era sempre o meu alvo preferido.

— Eu não o vi. — Desviei meus olhos dos de Alex e comecei a me levantar. O senhor segurou no braço de Alex ajudando-o.

— Eu estou bem — ele disse, ainda em choque.

— Seu braço está sangrando. É melhor procurar um pronto-socorro — alertei enquanto levantava a minha bicicleta.

— Tudo bem. Não foi nada.

Voltei a olhá-lo e me certifiquei de que ele ainda me encarava. Seus olhos me queimavam mais do que o sol.

— Você atravessou sem olhar. Isso aqui é uma ciclovia. — Eu estava incomodada. Não era para ser assim. Não foi como idealizei.

Nos meus devaneios eu só encontraria Alex quando estivesse incrivelmente superior. Trataria-o com educação, demonstrando não me incomodar mais com a sua presença, sustentando a frieza que eu tinha aprendido a levar comigo. Nos meus pensamentos eu seria madura e indiferente, no entanto não era o que acontecia. Alex me incomodava e tirava de mim qualquer capacidade de permanecer equilibrada. Eu queria confrontá-lo mesmo sabendo que não podia agir de tal forma.

— Você tem razão — ele rebateu sem tentar se impor. Respirei fundo percebendo que tremia, então tentei esconder minhas mãos. Não podia demonstrar tamanha fraqueza, não para ele. — Eu estava distraído.

— O senhor poderia seguir o conselho da moça e procurar um pronto-socorro — o rapaz que acompanhava a confusão tentou ajudar.

— Não precisa. — Alex finalmente deixou de me olhar, conferindo o machucado. — Foi apenas um arranhão. Obrigado.

Ele pegou a bolsa que a mulher lhe entregou e tratou de organizar as suas coisas. Eu deveria sair dali o quanto antes. Aproveitar a chance e seguir em frente, mas não consegui, então fiquei parada, segurando a bicicleta e conferindo o que ele fazia. Ele segurava uma sacola de praia com brinquedos infantis e outra sacola que parecia ser feminina. Estremeci.

— Bom, então... — O senhor começou a se afastar. — Boa sorte para vocês.

Os outros dois expectadores também começaram a se afastar, deixando-nos sozinhos. Olhei para meus pés sem saber como agir. Pensei que era a hora de nos despedir, de maneira madura, e fingir que nada havia acontecido, porém ele também não se mexia, não demonstrava querer partir.

— Não sabia que você estava no país — ele começou.

— Você sabe dos meus compromissos. — Ainda não tinha coragem de encará-lo. — Sabe que também vou participar do... — Sim, eu sei — rebateu, sem me deixar terminar. Levantei os olhos sendo arrebatada pelos dele. Havia um pouco de tudo no olhar de Alex, o que me deixava incrivelmente abalada. — Só não esperava te encontrar no Rio de Janeiro.

— Miranda achou melhor assim. Ela precisa de mim para organizar alguns detalhes do casamento.

— Ah, sim. — Ele umedeceu os lábios sem deixar de me olhar.

O clima não era nada confortável. Eu sentia o quanto Alex se segurava para não colocar tudo a perder e entendia o quanto o medo daquela conversa me paralisava.

— Como você está? — Ele deu um pequeno passo em minha direção, o que me fez ter vontade de recuar.

— Bem — engoli, sentindo minha garganta secar. — E você? — Ele me avaliou demoradamente, até que baixou os olhos e deu uma risadinha que me deixou inquieta.

— Bem também. — O silêncio que se seguiu foi constrangedor.

— Charlotte... — Foi melhor nos encontrarmos assim — comecei, impedindo-o de dizer o que quer que ele tinha em mente. — Quer dizer... não eu te atropelando e... — Ri sem vontade. — Isso realmente não foi legal.

Mas nos encontrarmos assim foi melhor do que um encontro formal em Curitiba.

Sorri em uma tentativa de demonstrar a maturidade que eu ensaiei nos últimos anos para quando o fatídico encontro acontecesse. Alex me encarou, buscando qualquer sentimento que eu jamais poderia demonstrar. Então ele piscou, e, sem jeito, passou a mão pelo seu cabelo, afastando-se, aceitando a distância. Eu sentia falta daquele gesto. Suas mãos longas passando pelos cabelos sedosos... merda!

— Sim, sem dúvida. — Sua voz deixava claro que ele não acreditava nas suas palavras.

— Bom... cuide deste machucado. — Comecei a preparar a bicicleta para sair dali o mais rápido possível. — Foi bom te encontrar. Nos vemos em Curitiba.

— Espere. — Estremeci ao sentir seu toque em meu braço.

Meu coração acelerou com tamanha força que pensei que se partiria em mil pedaços. Alex respirou fundo. Naquele imenso segundo muita coisa se passou pela minha cabeça e meu mundo girou, até que meus olhos me mostraram o que eu nunca imaginei presenciar.

Logo atrás de Alex estava Anita. Sim, a professora Anita, a mesma que tentou inúmeras vezes acabar com o nosso relacionamento, que ameaçou jogar a carreira dele na lama, era a mesma que segurava a criança, cópia do Alex, inegavelmente o seu filho. O ar faltou.

Ela se aproximou sem que ele percebesse, os olhos dela me fitavam, o espanto estampado em seu rosto, e o medo pela minha presença, confirmado pela sua palidez. A criança em seu colo também me olhava, com a atenção e curiosidade, típica das crianças.

— Charlotte? — Ela disse por fim, e Alex se deu conta da sua presença, ficando imediatamente desconfortável.

Claro que ele ficaria. A posição de Anita ao seu lado, carregando o seu filho, a pose de quem defendia o que era seu, deixava muito claro o que eu via ali. Uma família completa. Tudo o que Alex sempre quis.

Tal realidade caiu sobre mim de uma forma dolorosa e tive medo de deixar que esse sentimento fosse revelado pela minha expressão. Ali estava mais um pouco da traição de Alex. Mais uma vez ele me traía, mais uma vez ele pisava em nossa história sem nenhuma piedade e me mostrava quão pouca importância ou valor eu tive. Foi tudo uma grande mentira.

Mesmo assim sorri, e deixei que a parede gelada que me afastava dele, continuasse me conduzindo.

— Anita, como vai? — Ela não sorriu de volta. Olhou para Alex e depois para mim outra vez.

— Estou bem. — Olhou mais uma vez para Alex. — Não sabia que você estava no Brasil. — Ele se moveu desconfortável, mas sem se afastar dela.

— A trabalho — revelei, impedindo que toda a minha comoção se revelasse.

— Ah sim, o evento em Curitiba — sorriu falsamente tentando demonstrar segurança.

— Isso. E também para a Bienal de São Paulo. — Ela concordou com a cabeça.

— Alex, estamos prontos. Está esfriando para o Felipe. — Ele me olhou discretamente e depois concordou com ela.

Sim, era a confirmação de que Anita e Alex formavam um casal. Apesar de não ser correto, o ciúme me corroeu por dentro. Ela tinha vencido. Finalmente alguém ganhava aquela disputa. Com a morte de Tiffany e o meu orgulho ferido, Alex ficou com quem sobrou e Anita se tornou a sua mulher. Chegava a ser inacreditável.

— Foi bom te ver — eu disse por fim, forjando maturidade. — Até mais. — Olhei para a criança, o filho de Alex e Tiffany, e ele sorriu para mim.

Puta merda!

Era o mesmo sorriso do pai. A mesma forma de deixar que apenas um canto dos lábios se estendesse. E os mesmos olhos, tão profundos como os de Alex, que alcançavam a minha alma. Ele não lembrava em nada a mãe.

Meu peito doeu com a mágoa. Era inevitável não lembrar que a sua existência destruiu o meu casamento, apesar de ter plena consciência de que a criança nunca deveria pagar por isso. Mesmo assim, olhá-lo me machucava, feria-me como se uma lança transpassasse o meu coração. Puxei o ar me dando conta de que havia parado de respirar quando encarei o menino.

— Onde você está hospedada? — Alex foi ousado, tomando uma liberdade que certamente não agradaria a sua atual companheira.

Pensei em diversas respostas, até mesmo em ser infantil e dizer que não era da conta dele. Porém, minha mágoa pelo relacionamento revelado que só me fazia querer ir mais além, venceu. Durante meses Anita foi o meu pesadelo. A sua insistência e falta de vergonha na cara, oferecendo-se a meu marido sem se importar com a minha presença, muitas vezes colocou nossa relação em risco. Então sorri e disse: — Em meu apartamento.

— No flat? — ele continuou sem se importar com a expressão indignada de Anita.

— Sim. No meu apartamento. — Dei-me conta de que soava como um convite, o qual, eu jamais faria.

Nunca me prestaria a este papel. — Vejo você em Curitiba. Tchau, Anita.

— Adeus, Charlotte — ela rebateu como um aviso. Sorri. Ela agora entendia como eu me sentia.

Montei em minha bicicleta, redobrando a atenção, já que depois de tudo o que vi e descobri, minha mente estava caótica, e me afastei daquele grupo como se dependesse disso para me manter viva.

O destino não poderia ser mais cruel.

Thomas tinha razão, eu jamais deveria ter retornado. E sim, eu tinha certeza de que ele precisaria colar os meus pedaços quando eu voltasse.

*** — É lógico que ele não está com Anita.

Johnny afrouxou o nó da gravata e sentou do meu lado. Meu amigo continuava lindo com sua pele morena e corpo bem definido. Nos últimos anos tivemos pouco tempo um para o outro. Ele até tentou, mas a faculdade e os compromissos profissionais acabaram fazendo com que nossas conversas se limitassem a ligações. Eu sentia falta dele.

— Eu vi como eles reagiram, Johnny. — Ele revirou os olhos e se deixou deitar em minha cama.

Pela primeira vez, desde que eu tinha desembarcado no Brasil, pude ver meu amigo aparentar ter a idade que tinha. Johnny estava mais centrado, mais maduro e, com as cobranças incessantes do meu pai, estava cada vez mais sério. Nada parecido com o Johnny que vivia somente para as farras e brincadeiras infantis.

— Quem ficou no Brasil nos últimos três anos levante a mão... — Levantou a mão em uma atitude ridícula.

— Você mesmo disse que pouco conseguiu estar com Alex, como pode saber? — Ele me encarou e sorriu de maneira sacana.

— Não vi poucas vezes o Alex, não foi o que eu disse. Apenas que não tenho estado com ele com frequência. Então eu sei que Anita e Alex não estão transando.

— Bom, eles pareciam um casal. — Tentei não demonstrar o quanto aquilo me aborrecia, apesar de ser impossível esconder a verdade de alguém como Johnny.

— Anita é madrinha do Lipe. Tem feito o papel que Tiffany deveria ter feito, mas, definitivamente, não ocupou o espaço vazio na cama do seu ex.

— Pouco me importa. — Abri o computador e fingi ler a matéria que eu havia deixado para ler com mais calma. — Só comentei porque achei estranho. Eles pareciam próximos.

— É o que estou falando, Lottie, Alex e Anita se aproximaram bastante para criar o Lipe, embora não passe de colaboração entre compadres.

— Sei.

Nenhum argumento do meu amigo conseguiria me fazer esquecer a forma como aqueles dois agiram na minha presença. Era lógico que eles tinham alguma coisa. Anita expressou muito bem a sua vontade de defender o que lhe pertencia e Alex ficou visivelmente constrangido com o que a atitude de Anita revelava.

— Que azar o seu, não? Passou todo este tempo se escondendo do cara para se encontrarem logo assim.

— Dei de ombros. — Vai dizer que não ficou abalada?

— Claro que fiquei. Era o Alex! E eu não esperava, apesar de que, estava determinada a procurá-lo. Um encontro antes do evento evitaria maiores constrangimentos.

— Você está falando que nem Miranda — ele riu se acomodando em meu travesseiro.

— Até porque a ideia partiu dela.

— Só podia — e riu com vontade.

— Você acha que não deveria ser assim?

— O quê? Você atropelando o cara? — Bati em meu amigo com uma almofada. — Ok! Você sabe o que eu acho.

— Esse ponto não está em discussão, Johnny.

— Todo mundo erra, Charlotte.

— Não quero conversar sobre esse assunto. — Levantei deixando o computador de lado.

— Já se passaram três anos e você continua agindo como se tivesse ocorrido ontem.

— Porque não existe explicação para o que Alex fez. Não tenho motivos para ficar buscando justificativas. Aconteceu e pronto. Alex transou com Tiffany, a prova disso é o filhinho cópia fiel dele.

Ponto final.

Meu amigo suspirou diante da minha teimosia, foi assim desde que eu resolvi ir embora, naquela mesma fatídica noite em que descobri tudo.

— Ele ainda ama você. — Meu coração acelerou. Tentei fingir não me interessar, mas nem minha atitude, nem minha voz colaboraram.

— Ele disse isso para você?

— Não.

Rapidamente o fraco sorriso que ameaçava se espalhar em meu rosto, se desfez. Evitei olhar diretamente para Johnny, mesmo assim vi o seu amplo sorriso, ridicularizando a minha tentativa.

— Ele não precisa gritar que te ama para o mundo. Basta olhar para ele quando alguém toca no seu nome.

— Ele deveria morrer engasgado com esse falso amor. — Infantilmente, levantei o queixo e dei de ombros. — Era o mínimo que ele merecia. — Johnny riu com vontade.

— E aí? Matou a saudade do Brasil? Como foi colocar esta pele transparente em um sol tão quente?

— Primeiro: minha pele não é transparente — ele riu outra vez. — E o sol estava milagrosamente mais fraco. Vai ficar aqui em casa?

— Deus me livre! Isso aqui está entregue às moscas desde que Miranda resolveu fazer as malas e se alojar no apartamento novo do Patrício. Eu disse ao cara que era melhor continuar morando com os pais.

Ele não acreditou e deu nisso, uma namorada grudenta.

— Que horror, Johnny!

— Só o padrinho vem aqui e ele chega amanhã. Já recebo uma cota considerável de pressão da parte dele. É melhor eu ficar em meu apartamento.

— Você é muito frouxo — ri e ele levantou.

— Vai ficar bem sozinha aqui esta noite?

— Claro!

Dei uma risada, no entanto, por dentro, eu sabia que aquela noite seria terrível. Aquele apartamento estava repleto de lembranças e eu não sabia até quando suportaria revivê-las.

— Tem certeza? O padrinho chega amanhã bem cedo.

— Eu vou ficar bem. — Empurrei ele para fora do meu quarto. — Onde já se viu ter medo de ficar sozinha?

— Tá certo. — Ele voltou e beijou minha testa. — Se cuide. Amanhã vou tentar almoçar com você, tá bom?

— Vou verificar em minha agenda se tenho espaço para você.

— Lottie, você se tornou uma diva antipática e arrogante.

— Coisas da fama. — Dei de ombros e ele riu.

— Vejo você amanhã.

— Até lá.

Meu amigo foi embora e eu voltei para o meu quarto. No apartamento estávamos apenas eu e Odete, a fiel funcionária do meu pai, que jamais permitiria que eu estivesse lá sem os seus cuidados.

Sentei na cama e demorei um bom minuto olhando as paredes do meu quarto. Estava tudo exatamente como deixei. Respirei fundo encarando de frente os meus fantasmas. Sim, ali eu vivi momentos preciosos com Alex e ali eu perdi a minha mãe. Não, eu não choraria. A saudade que eu sentia da minha mãe ainda era imensa, embora eu tenha aprendido que chorar não a traria de volta. E Alex... bom, Alex era o meu passado. Era no passado que ele deveria permanecer.

Foram três anos longe. Três anos me acostumando com a sua falta, domando a minha raiva em cada resposta que nunca dei, em cada desaforo que nunca falei, forçando-me a acreditar que não o amava mais, e, nos piores dias, fazendo-me lembrar de que ele não merecia o meu amor. Três anos e eu ainda me sentia completamente despreparada para conviver diretamente com Alex.

Limpei as mãos suadas no short e resolvi tomar um banho antes do jantar. Aquela noite seria de solidão.

Nenhum evento, nenhum amigo... um bom filme seria a melhor opção.

Miranda tinha que acompanhar Patrício em um jantar de negócios. Johnny queria aproveitar sua última noite de liberdade, sem a cobrança do meu pai, e eu não me sentia animada para procurar ninguém, nem mesmo para sair do apartamento.

Seria inútil tentar me convencer de que o meu encontro com Alex não havia me abalado. Eu já sabia que seria assim. Até mesmo se não houvesse encontrado ele com Anita. Nunca seria fácil, eu tinha esta certeza.

E ele estava lindo! Deus, como ele conseguia? Alex estava ainda mais bonito, com olhos mais penetrantes, e com a mesma força que exercia sobre mim quando ainda éramos amantes.

No entanto, dentro de mim, a mágoa sempre falava mais alto. Aquela atração que sentíamos não o impediu de transar com Tiffany quando teve oportunidade. E dizer que estava bêbado, que não sabia o que estava fazendo, nunca me convenceu. Como já dizia Shakespeare: Quanto à luxúria, a bebida incita-a e reprime-a ao mesmo tempo. Provoca o desejo, mas impede-lhe a execução.

Só uma tola acreditaria em Alex Frankli.

No chuveiro, deixei que a água escorresse pelo meu corpo, mas não tive ânimo para mais nada. A verdade era que eu sabia do peso da minha própria culpa naquele acontecimento. Não, há muito havia deixado de me vitimar. Jamais me permitiria ser culpada por algo tão vil. Porém, eu sabia o quanto as minhas infantilidades e inseguranças contribuíram para o cansaço e o fim do meu casamento. Lógico que eu tinha que entender. Não me culpando ou cobrando algo que eu jamais poderia ser. Nem deixando de tirar a culpa de Alex.

Eu fui infantil. Testei a sua paciência até o limite. Permiti que Alex enxergasse a criança que eu era e com isso deixei que nosso elo enfraquecesse. Desta forma, eu não deveria jamais culpar Alex por todo mal que nos atingiu. Se não fosse Tiffany, seria qualquer outra pessoa, ou até mesmo ninguém. Bastava um olhar mais atencioso, mais analítico, para entender que o fim era previsível.

Tiffany e Anita já haviam feito a previsão e eu, tola, não acreditei.

Cansada e determinada a esquecer, já que era o que estava fazendo antes de aceitar a ideia absurda de voltar ao Brasil, saí do banho, coloquei um short solto, camiseta e chinelos e desci para jantar.

Assim que cheguei na escada encontrei Odete. Ela subia ao meu encontro e seu olhar deixava claro que alguma coisa estava fora do seu devido lugar. A mulher parecia prestes a surtar. Estremeci. O que poderia estar acontecendo para que ela estivesse tão assustada?

— O que houve, Odete? Queimou o jantar? — Brinquei e ela ficou constrangida.

— Senhora Charlotte. — Ela torceu os dedos na barra do seu vestido. — A senhora tem... — Olhou para baixo. — Visita.

— Visita? — Olhei na mesma direção que ela olhava. — Eu não estava esperando ninguém. Quem é?

— Bom... ele disse que precisava trazer um documento referente à editora, então... Achei estranho. Lana não havia avisado sobre nenhum documento. Tínhamos combinado que almoçaríamos juntas no dia seguinte, então não via nenhum motivo para um mensageiro estar em minha casa.

— Tudo bem, Odete. Pode servir o jantar. — Ela me olhou de maneira estranha, mas concordou, descendo na minha frente.

Conferi meu short, se era curto demais para receber um mensageiro, resolvi que se eu fosse rápida logo ele iria embora e eu estaria livre para jantar. Passei os dedos pelos fios molhados do meu cabelo, ajeitando para estar um pouco mais apresentável e desci em seguida.

Contudo, assim que alcancei os últimos degraus pensei que meus olhos me traíam. Ali, parado em minha sala, estava Alex. E meu coração perdeu uma batida.


Capítulo 3


“Algumas quedas servem para que nos levantemos mais felizes.” William Shakespeare Alex Pensei um milhão de vezes antes de deixar Lipe na casa de Lana e me aventurar naquele novo encontro.

Eu tentei me convencer de que não deveria procurá-la. Que tinha obrigação de aceitar a distância, por outro lado, eu precisava ter aquela conversa. Precisávamos falar o que sentíamos ou a convivência durante o evento em Curitiba seria impossível.

Há três anos eu simplesmente aceitei que ela fosse embora. No auge da nossa mágoa pouco dissemos e passamos a nos ignorar. Um falso ignorar, é fato, mesmo assim, mantivemos o silêncio e este agora não poderia mais imperar.

— Você ficou pateticamente abalado com a volta dela.

Anita esbravejou assim que conseguiu colocar Lipe para tirar o seu cochilo da tarde. Respirei fundo. Se existia uma coisa que eu realmente detestava era a mania que Anita tinha de me cobrar satisfações que eu não lhe devia. Era um saco ter que conviver com esta parte do nosso relacionamento.

Claro que eu sabia do interesse dela por mim. Anita nunca desistiria, apesar de me dar trégua na maioria do tempo. Nosso principal interesse era dar ao Lipe uma vida o mais próximo do normal possível, porém nada a impedia de acreditar que poderíamos vir a ser uma família feliz.

— Vou precisar sair pela noite. Você pode ficar com ele? — Ela cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha.

— Para você ir atrás dela?

— Não foi o que eu disse. — Dei as costas e continuei juntando os brinquedos que meu filho tinha deixado espalhado pela casa.

— Tenho compromisso hoje. Além do mais, é a sua noite com ele.

— Todas as noites são minhas. Você não precisa dividir comigo. E a Marta pode ficar quando eu precisar.

— Eu fico porque amo o Lipe.

— Não tenho dúvida disso. — Voltei a olhar a madrinha do meu filho. Ela realmente amava Felipe, no entanto será que conseguia separar o amor que sente por ele do seu interesse por mim?

— Você vai atrás dela?

— Anita, eu... — Vai, não é?

— Não podemos dividir o mesmo ambiente sem o mínimo de cordialidade.

— Ah claro! — Foi sarcástica. — E você realmente acredita que tal façanha é possível? É de Charlotte que estamos falando. A garota mais infantil e imatura que já conhecemos.

E foi com esta ideia que saí de casa. Realmente eu precisava estar preparado para as atitudes infantis da minha ex-esposa. Só Deus poderia saber de que forma Charlotte reagiria a minha presença. Fiquei tenso imediatamente. Eu precisava ser firme e direto. Deixar claro as minhas intenções puramente profissionais.

Porém, assim que parei o carro em frente ao flat, fui bombardeado com lembranças que derrubaram toda a minha coragem e determinação. Fechei os olhos e apertei o volante com força. Não existia espaço para Charlotte em minha vida. Não mais. Seria apenas uma conversa. Uma que conseguisse colocar todos os pontos no lugar.

Não havia necessidade de nos hostilizarmos. Trabalhávamos juntos, estaríamos no mesmo evento, o mínimo que poderíamos fazer era manter uma convivência saudável. Além do mais, eu sempre estaria vinculado a ela, não apenas pelo casamento relâmpago que todos os jornais e revistas sensacionalistas fizeram questão de notificar, mas também porque estávamos ligados pelos livros e pela editora. Não precisávamos de mais manchetes sensacionalistas nos tabloides, revelando a relação ruim entre editor e autora.

Foi pensando assim que renovei a minha coragem e desci do carro. Seguindo a mesma determinação, cumprimentei o porteiro que já me conhecia e em pouco tempo estava em sua casa, na sua sala, aguardando pacientemente que Odete, a funcionária que cuidava da casa, a avisasse da minha presença.

E então ela apareceu. No primeiro instante consegui captar o espanto em seus olhos. Não poderia ser diferente, afinal de contas foram três anos longe. Três anos de silêncio. Por um segundo meu coração parou, buscando forças para suportar a reação dela. Eu aguentaria? Suportaria a sua rejeição? A sua mágoa? Seria capaz de ouvir as suas acusações?

Mas Charlotte se recuperou rapidamente da surpresa e, contrariando todas as minhas expectativas, desceu os degraus que ainda a mantinham longe de mim e veio em minha direção sem expressar nenhum sentimento.

— Boa noite — comecei inseguro. A presença da empregada me fazia temer. — Como vai?

— Boa noite, Alex. — Ela foi cordial, sem deixar transparecer nada. — Aconteceu alguma coisa?

Lana... — Não. — Ela me encarou sem entender. Olhei mais uma vez para Odete, que entendeu o recado e saiu da sala nos dando privacidade. — Desculpe, Charlotte. — Fui sincero. Não tinha mais como inserir mentiras ou desculpas esfarrapadas. Era melhor irmos direto ao ponto. — Eu pensei no que me disse hoje, sobre um encontro casual ser melhor do que um formal, com tantas atenções voltadas para nós dois.

— Ela concordou, puxou o ar com força e olhou ao redor da sala.

— Claro. Sente-se um pouco. — indicou o sofá me surpreendendo. Eu realmente não esperava aquela reação. Não da Charlotte que eu conhecia, com quem fui casado por poucos meses. — Posso te servir algo? Não tive tempo ainda de conferir como estão os nossos estoques, mas tenho certeza que posso conseguir qualquer coisa no restaurante do flat.

Ela se mantinha segura, madura e impassível, o que me alarmou consideravelmente. Sentei sentindo minhas pernas tremerem um pouco.

— Não precisa. Eu... Encarei Charlotte, tomando consciência do quanto ela ainda me abalava. Sua pele levemente rosada, não sei se pela minha presença ou pelo sol da manhã, as sardas que eu tanto adorava, o corpo bem feito ainda mais bem feito, os cabelos um pouco mais curtos, com a mesma tonalidade de sempre e os olhos azuis rasos e transparentes, que sempre me disseram tudo o que ela era, embora naquele momento me escondessem tudo o que podiam.

— Eu só queria conversar, Charlotte.

— Sobre o que exatamente?

Ela permanecia de pé, olhando-me sem emoção e sem entender a minha presença. Respirei fundo e enterrei meus dedos em meus cabelos.

— Nós nunca conversamos. Nunca tocamos no assunto. — Ela abriu a boca, fechando-a de novo e se afastou.

— Não restou mais nada para ser dito — afirmou sem se importar com a minha aflição.

— Na verdade... nada foi dito, Charlotte. — Minha voz estava cautelosa, com receio de a qualquer instante trazer para fora daquele corpo a menina rebelde e infantil que eu conheci.

— Tudo o que importava foi dito, Alex. Três anos é tempo demais para nos conformarmos com o silêncio, não?

Ok. Eu precisava abordá-la de outra forma. Não conseguia entender o motivo que me movia de forma tão determinada, só sei que eu precisava ouvir de Charlotte o que ela sentia. Precisava que ela finalmente gritasse, que me xingasse e me cobrasse. Precisávamos deste confronto para que enfim os pesadelos desaparecessem.

— Nós estaremos juntos no evento. Vamos ganhar destaque internacional. Precisamos pelo menos ter o mínimo de convivência, então é necessário conversarmos para que seja possível. — Ela estreitou os olhos e me encarou.

— Eu entendo a sua preocupação — disse por fim, após longos minutos em silêncio. — Da minha parte pode ficar despreocupado. Não vejo motivo para ceninhas. Nós fomos casados e como acontece com a maioria dos casais, nos separamos. — Suas palavras me apunhalaram.

Ela tratava tudo de uma maneira muito fria, seca, como se não a abalasse de forma alguma. Eu ainda encarava seus olhos tentando captar algum indício, qualquer resquício daquele amor desenfreado, mas, espera aí, o que eu estava fazendo? Por que importava saber se ela ainda me amava? Não havia esperança para nós dois, então por que aquela atitude dela não me satisfazia?

— Você deveria conversar comigo, Charlotte. — Comecei e ela se afastou rindo sem vontade.

— Eu já fiz isso com o meu psicólogo, Alex. Pode ficar tranquilo.

Psicólogo? Ela falava sério? Porra!

— É comigo que você precisa conversar. Sou eu quem você tem que encarar. — Ela riu mais uma vez.

— O que você espera que eu faça? Que eu grite? Que esperneie, que o acuse das piores atrocidades? Eu não vou fazer isso. — Elo foi incisiva. — Nosso relacionamento foi uma sucessão de erros. Eu errei, você errou, e acabou, pronto. Não há o que dizer.

— Não mesmo. — Sem querer deixei minha frustração transparecer em minha fala. Aquela não era a Charlotte que eu conhecia.

Não sei o que eu esperava, no fundo sabia que seria muito mais fácil lidar com o meu sofrimento se a ouvisse jogar em minha cara tudo o que fiz de errado, no entanto, ali, bem na minha frente, estava uma Charlotte que havia superado, o que eu não havia conseguido fazer.

— Você transou com Tiffany, é o que quer que eu diga? Engravidou a mulher que nos atormentava — ela falava com naturalidade. — O que eu posso fazer ou dizer, Alex?

Ela finalmente sentou, afastada de mim, sem parecer que fazia isso por não querer estar perto. Foi tudo natural demais e me deixou abalado.

— Nada — respondi por fim, sem saber mais o que dizer. Foi quando vi a aliança em seu dedo.

Puta merda!

— Olha, não vou virar a sua melhor amiga, até porque esta é uma situação complicada. Também não vejo motivo para um clima ruim quando estivermos juntos no evento, o que será bem pouco, não é? — Concordei com a cabeça. — pode ficar tranquilo.

E parecia que ela queria me dizer muito mais do que estava me dizendo. Era como se estivesse me alertando que a vida seguiu para ela e que a minha também deveria seguir. Sim, a aliança, claro. Tive vontade de me socar. Por que nunca pensei nesta possibilidade? Lógico! Porque dentro de mim, Charlotte sempre me amaria, independentemente do nosso destino. Ledo engano.

Depois de um tempo compreendi que a encarava sem nada dizer. Eu estava confuso, sem saber como reagir a aquela nova Charlotte, a que não me pertencia mais.

— Amigos não me parece má ideia — eu disse por fim, sentindo a minha voz fraca. Ela deu um sorriso falso e eu também entendia que estávamos longe de sermos amigos.

— Claro que não — respondeu educadamente.

O clima ficou tenso, estranho e sufocante. Eu não conseguia desviar a atenção da sua aliança e não evitava a sensação de derrota que me rebaixava a cada segundo.

— Que bom, Charlotte — falei sem acreditar que não tinha coragem de me levantar, despedir-me e sumir da vida dela, como deveria ser. — Fica muito mais fácil quando resolvemos tudo de maneira mais madura. — Ela concordou com a cabeça.

— Somos adultos, Alex. Apesar do nosso passado entendemos que seguir em frente é o melhor a fazer. — Meu coração apertou, mas concordei.

— Seguir em frente — repeti pensativo.

— Sim. Não é o que tem feito? — E a forma como ela falou me deixou confuso. Charlotte estava segura, tranquila e impassível, então algo em seu tom de voz me alertou, só que não consegui identificar o quê.

— Seguir em frente — repeti, olhando mais uma vez para a sua mão e não consegui evitar a minha acusação. — Pelo visto foi assim para você. — E apontei para a aliança.

Charlotte franziu o cenho me encarando, depois olhou para a própria mão se surpreendendo, como se estivesse vendo a aliança pela primeira vez. Era claramente um anel de compromisso, de noivado. Como conseguiram me esconder esse detalhe. Ah, claro! Ninguém queria atormentar ainda mais o pobre Alex.

Senti raiva de mim mesmo.

Ela mexeu na aliança, girando-a e olhando com atenção, então seu rosto se acendeu.

— Sim. Eu estou noiva.

E pela primeira vez, desde que nos reencontramos, eu vi um sorriso verdadeiro no rosto da mulher que eu tanto amei.

Charlotte Eu sabia que aquela era, sem sombra de dúvidas, a atitude mais infantil de toda a minha vida. Assim que soltei a mentira me arrependi amargamente. Qualquer pessoa poderia desmentir, meu pai com certeza contaria a Alex a verdade e eu seria uma tola fazendo papel de palhaça, querendo incomodar o ex-marido só porque ficou com ciúme do relacionamento dele com a colega de trabalho.

Puta merda!

Rodei a aliança de noivado da minha mãe em meu dedo, sentindo que minha mão estava ficando cada vez mais úmida. Eu não sabia mentir. Não sabia fingir tão bem quanto ele já fingiu para mim e, a julgar pelo calor em meu rosto, Alex já tinha percebido o rubor e entendido a mentira. Evitei olhar em seus olhos e fingi interesse no anel que agora ardia em meu dedo.

— Noiva? — Ele disse bem sério, como se a mentira o tivesse impactado como eu desejei a princípio.

— É... bem... quer dizer... — Você está noiva? — Sua voz ficou mais forte e eu me vi me encolhendo. Por que inventei aquela merda mesmo? Ah, sim. Porque ele estava dormindo com Anita e eu estava com raiva.

— Compromisso. É apenas um anel de compromisso, Alex. Não é um noivado oficial.

Olhei para ele e me arrependi amargamente. Seus olhos azuis estavam escuros e possessos, sem contar que ele me encarava como se eu estivesse pregando um chiclete na testa de cristo crucificado.

— Bom... foi só uma forma de manter a relação enquanto eu ainda estiver aqui no Brasil e... — Tudo bem. — Ele desviou o olhar e levantou passando as mãos na calça como se não soubesse o que fazer com elas. — É isso — disse mais firme. — Não precisamos nos tratar com desprezo, podemos ter uma convivência pacífica e você está noiva.

Esta última parte soou como uma acusação o que despertou o meu gênio ruim, fazendo-me encará-lo em desafio.

O que Alex tinha a ver com a minha vida? Então ele transava com Tiffany, tinha um filho com ela e reconstruía a sua vida com Anita, mas eu não podia ficar noiva? Mesmo que fosse de um noivo inexistente. Que grande merda me meti.

— Isso. — Levantei também decidida a encerrar a conversa. Não havia mais nada a ser dito.

— E... — Ele umedeceu os lábios e seus olhos vagaram pela sala. Suas mãos continuavam procurando onde ficar. — Eu o conheço? É do nosso meio? Digo, é algum autor, editor... Sorri.

Ok! Pode me acusar de ser sádica. Pode até mesmo me obrigar a assinar meu atestado de infantilidade, mas qual mulher em meu lugar não sentiria o doce sabor da vingança nos lábios ao presenciar o ciúme daquele que destruiu o seu castelo um dia? Daquele a quem você confiou o seu amor e que fez pouco caso dele?

Bom, eu gostei de saber que ele se abalava com a minha vida, mesmo sabendo que ele voltaria para casa, para o seu filho “mini me” e sua amante Anita-loira-psicótica-fatal.

— Não do nosso meio. Mas você o conhece. — Ele aguardou. A respiração suspensa tornou a mentira mais dramática. — É o Thomas. Nós estamos juntos.

E a merda toda estava feita.

Alex Eu respirava fundo tentando arrancar de mim a frustração. Thomas? Ela estava com o Thomas? Minha mão apertava o volante com força. Eu precisava me acalmar antes de encontrar o Lipe na casa da Lana, aliás, eu precisava me acalmar até mesmo para encarar Lana.

Era de extrema necessidade eu conseguir colocar em minha cabeça que a vida de Charlotte não mais me interessava, que ela não me pertencia e que tinha o direito de seguir em frente.

Por Deus! O que eu estava pensando, que ela ficaria estes três anos presa em seu mundo cor-de-rosa sem permitir que outra pessoa encostasse nela? Droga! Claro que não! Claro que mais dia, menos dia, alguém conseguiria desarmá-la, alguém como o imbecil do Thomas, idiota, arrogante e infantil como a própria Charlotte.

— Puta que pariu!

Falei alto colocando para fora o que sentia. Para que merda fui atrás daquela menina? O que eu queria com aquela desculpa esfarrapada de precisarmos aparar as arestas? A quem eu quis enganar?

E ela? Porra, Charlotte sequer me olhou com mais atenção. Ela havia erguido uma muralha intransponível. Tinha refeito o seu mundo e eu não fazia parte dele. E eu queria fazer parte?

— Merda, merda, merda!

Bati no volante e tive vontade de matar o motorista que buzinava sem parar atrás de mim.

— Eu vi a porcaria do semáforo, seu idiota! — rosnei, colocando o carro em movimento.

Como eu era imbecil. Nunca, em nenhum momento da minha vida Charlotte deixou de fazer parte de mim.

Aquela garota ingênua, linda, infantil, cheia de vontade, tinha simplesmente tomado a minha alma para ela e deixado uma casca vazia para trás. E eu me odiava cada vez mais por isso.

Sim, eu me odiava. Não apenas por ter traído Charlotte. Não por ter engravidado Tiffany, mas eu me odiava profundamente por ter me permitido ir tão ao fundo com ela e por ela. Nunca deveria ter sido assim. Não que ela não merecesse e sim porque eu não merecia. Ninguém deve se entregar a tal ponto que acabe esquecendo de si mesmo. Ninguém deve amar alguém tanto que prefira fechar os olhos a encarar os seus erros. Nem deveria amar alguém como eu amava Charlotte, porque doía e destruía.

Eu não soube amar, não soube conduzir o que sentia. Fui permissivo demais e talvez, muito provavelmente, se eu não tivesse sido, não chegaríamos a este ponto. Porque quando eu tinha o controle em minhas mãos não nos permitiria errar tanto.

De nada adiantava lamentar. De nada adiantava tentar encontrar os passos errados, as escolhas desfavoráveis. Charlotte tinha alguém que a ajudou a superar e eu tinha Lipe. Não havia mais espaço em nossas vidas para o nosso amor, ou para o que sobrou dele.

Charlotte — Você fez o quê?

Miranda gritou do outro lado da linha enquanto eu fungava sem conseguir evitar que ela soubesse o quanto eu havia chorado.

Oh droga, eu chorei! Depois de três longos anos erguendo barreiras, convencendo-me de que nada mais poderia ser feito e que o mais certo seria superar, eu fui fraca e chorei. Thomas tinha razão. Minha volta ao Brasil me quebraria em milhões de pedaços que, provavelmente, eu nunca mais reconstruiria.

— Você é muito idiota, Charlotte! — esbravejou minha amiga. — Quer parar de chorar?

— Fale baixo — rosnei. A última coisa que eu queria naquele momento era que Patrício soubesse que eu estava chorando pelo irmão dele. — Não deixe Patrício descobrir que é mentira.

— Eu já disse, estou no banheiro e ele na mesa paparicando uns idiotas. Charlotte... Puta que pariu!

Como eu posso sustentar uma mentira desta? Até ontem você só se dedicava a sua carreira. Nunca houve nenhum namorado, nenhuma situação que nos levasse a acreditar que seria possível, nada. Ninguém vai acreditar em uma história dessas.

— Ninguém precisa acreditar. Vamos dizer que foi recente demais e que queremos ser discretos. Thomas já saiu em várias fotografias ao meu lado. Além do mais, ninguém precisa saber disso. Vamos fazer o jogo do esconde-esconde.

— Você disse ao Alex que estava noiva — ela falou um pouco mais alto, depois começou a rir. — Puta que pariu um milhão de vezes. Não dá para confiar em você sozinha. Por que fez isso?

— Eu não sei. — Sentei na escada derrotada, passando a mão no rosto limpando o restante das lágrimas.

— Quer saber? Encontrei ele e Anita na praia. O casal perfeito e o seu lindo filhotinho.

— Lindo mesmo, né? — Eu sabia que ela sorria.

— Miranda!

— Mas ele é lindo!

— Ele é o filho da cobra traidora, graças a Deus falecida.

— Que horror! — Respirei fundo colocando minha cabeça no lugar.

— Merda! Você tem razão. Coitada da Tiffany, deve estar ardendo no inferno até agora.

— Charlotte! — E ela me repreendeu de verdade.

— Droga! Eu estou doída, Miranda. Estou doída como não imaginei que ficaria.

— Por quê?

— Como por quê? Ele está com Anita, entendeu? Alex. Está. Comendo. Anita.

— E o seu vocabulário está cada vez pior desde que resolveu ser a noiva do vagabundo do Thomas.

— Miranda vá... — Ele não está dormindo com Anita. De onde você tirou isso?

— Pela forma como eles agiram lá na praia — ela riu alto.

— Meu Deus, Charlotte! Se Alex estivesse com Anita você seria a primeira a saber. Eu te contaria.

— Contaria nada — rebati.

— Claro que sim. E ainda compraria chocolate para comermos enroladas na beira da lareira. — sorri.

Miranda era a melhor amiga do mundo. — Você ainda ama aquele imbecil com a mesma intensidade.

Santo Deus! Eu deveria ter te deixado na Inglaterra.

— Não é nada disso. — Fui rebelde. — Foi um choque, apenas isso. Você sabia que eu choraria. Já passou.

— Claro que sim. Vou passar a noite aí.

— Não precisa. Você... — Está decidido. E vou levar chocolate.

Desligamos e eu me abracei ao pé da escada, certa de que realmente precisava da minha amiga naquela noite.


Capítulo 4


“Atiramos o passado ao abismo, mas não nos inclinamos para ver se está bem morto. William Shakespeare Charlotte Eu tinha consciência dos meus olhos vermelhos assim como a ponta do meu nariz que insistia em escorrer. De nada adiantava estar sentada embaixo da escada fria, encostada na parede, bebendo vodca gelada e comendo chocolate. Eu não consegui tirar da minha cabeça a presença de Alex.

Como eu ainda podia achá-lo tão lindo que até perdia o ar? Como podia permitir que tantos sentimentos me conduzissem a momentos ruins e conflitantes? Eu estava com raiva e triste, e a verdade era que mais triste do que com raiva.

— Patrício vai me odiar. — Miranda riu. — E ele vai contar a Alex que eu liguei chorando e você precisou passar a noite comigo.

— Ele não vai não — ela disse sem temer.

— Por que você acha que ele vai preferir me proteger ao invés de se divertir a minha custa com o irmão?

— Porque eu não disse que você ligou chorando. — Encarei a minha amiga sem entender. Ela sorriu maliciosamente. — Eu disse que você ligou para me contar que ficou noiva e que eu tinha que vir aqui tentar colocar algum juízo em sua cabeça.

— Meu Deus! — Ri, dando mais um gole em minha bebida. — Obrigada. — Ela bateu a garrafa dela na minha em um brinde que selava a nossa cumplicidade.

— Digamos que Alex merece se atormentar mais um pouco.

— Alex está bem com a vida dele — rebati, sentindo o gosto amargo da minha afirmação. Ela me olhou enviesado.

— Alex não está transando com Anita e ponto final.

— Ok. — suspirei pesadamente.

— E você ainda o ama. — Ela aguardou pela minha confissão. Eu nada disse. — Droga, Charlotte!

— Esqueça, Miranda. Não há chance de eu perdoar o que ele me fez.

— Eu sei — ela afirmou me olhando de uma forma estranha.

— O que foi? — Minha amiga desviou os olhos e virou a garrafa em sua boca. — Miranda?

— O quê?

— Você quer me dizer alguma coisa.

— Quero nada. — Ela fez uma careta que indicava que queria mesmo, só não sabia como.

— Quer sim. Desembucha! — Outra careta.

— É só que vodca e chocolate não foi uma ideia muito legal. — Ela estava me enrolando.

— Até parece. Diz logo o que quer dizer. É sobre ele, não é? Alguma namorada? Alguma coisa que você imagina que eu não vou suportar? Fala de uma vez, que merda! — Seu olhar se estreitou e ela fez cara feia pra mim.

— Tá certo. Eu vou falar porque eu acho que três anos é tempo suficiente para você aguentar ouvir algumas verdades.

— Lá vem.

Encostei na parede imaginando o que ela me diria. Que as vezes essas coisas acontecem, que Alex gostava de mim e que depois de tanto tempo, talvez, uma segunda chance fosse possível. Eu estava cansada daquela conversa.

— Charlotte, você tem quase vinte e cinco anos.

— Nem me lembre. — Revirei os olhos, lembrando da festa que ela imaginava que conseguiria fazer para mim.

— Verdade seja dita, você amadureceu muito nos últimos anos.

— Ai, ai, ai... — Ela riu.

— É verdade. Por isso eu vou te dizer o que penso e nunca disse.

— Isso vai me render alguns anos de análise?

— Não. — Deu mais um gole em sua vodca e sorriu largamente para mim. — Lottie, você era a garota mais infantil que eu já conheci, mas eu não te culpo. — Tratou de se corrigir antes que eu protestasse.

Como se eu fosse realmente protestar — Porra, você conseguiu enlouquecer aquele professor.

Engasguei com a vodca e comecei a rir lembrando de todas as loucuras que fiz até que Alex cedesse.

Merda, não eram lembranças boas.

— Ele me traiu. — Minhas palavras não saíram com raiva, e sim com um pesar que nem eu acreditava mais sentir. Uma nova lágrima brotou e rolou pelo meu rosto.

— Eu espero que você tenha consciência de que praticamente atirou Alex nos braços de Tiffany.

— Eu? — Virei encarando a minha amiga. — Não faça isso. Não me culpe pela falta de caráter dele.

— Isso não tem nada a ver com falta de caráter, Charlotte. Olha, eu tô quase me corrigindo e dizendo que você é muito infantil e não que foi um dia. — Ri sem acreditar. — Sabe onde está o erro? No tempo.

Você era uma menina que vivia em um mundo só seu e adorava isso, mas Alex já era um homem quando te conheceu. Ele já tinha vivido todas as experiências que desejou, enquanto você... — Desviei o olhar.

Eu sabia o que ela diria e no fundo, eu sempre acreditei nisso, apenas não tinha coragem para falar em voz alta, nem para ouvir de alguém. Era uma droga saber. Entornei a garrafa ansiosa por finalizar aquela conversa.

— Você sabe o que fez de errado — ela continuou. — A madrinha morreu e eu entendo o seu sofrimento, só que você praticamente expulsou Alex da sua vida por não conseguir conviver com a sua dor.

— Eu estava sofrendo — defendi-me apesar de saber muito bem que Miranda tinha toda razão.

— Todos estávamos, mas tudo bem, ela era a sua mãe e eu sei como é difícil. — Acariciei a mão da minha amiga. Eu lembrava de quando ela passou por isso e foi bem ruim. — Só que Alex era seu marido, estava ao seu lado, foi gentil, companheiro, paciente. — Fez uma pausa me encarando, depois sorriu descaradamente. — Porra, ele foi paciente até demais. Não foi nada justo com ele, Charlotte. Deixá-lo voltar sozinho, fazê-lo acreditar que tinha acabado.

— Eu não fiz isso.

— Fez. — E me olhou como se quisesse arrancar a confissão.

— Ok! Eu não consegui lidar com tanta dor. Não consegui conciliar Alex e o meu sofrimento, nem soube perdoá-lo por ter mentido. Eu assumo que fui muito além de infantil, que fui egoísta pra cacete, que não fui nem um terço da mulher que ele precisava. Agora vamos ser justas, se não dava mais, então ele deveria ter caído fora e não ter levado Tiffany pra cama.

— Ele estava bêbado e acreditando que você tinha assinado o divórcio. Pelo amor de Deus! Ele estava desesperado.

— Ah, claro! Então ele transa com Tiffany e fica tudo certo.

— Eu não estou dizendo isso. Não acredito nesta história de que ele não sabia o que estava fazendo.

Porra, se o cara gozou sabia muito bem o que estava fazendo — Encolhi-me com aquela verdade. Doía imaginar eles dois juntos. — Na cabeça dele, e devo ressaltar que era uma cabeça confusa, sofrida e cheia de álcool, você tinha desistido. É foda para qualquer pessoa, Charlotte.

— Problema dele. Se eu tivesse transado com Thomas ele me perdoaria? — Ela riu.

— Não seja infantil. E eu tenho certeza de que a cachorra da Tiffany se aproveitou da situação. Você lembra o que ela fez na despedida de solteiro dele. — Outra lembrança péssima. Meu coração afundou no peito. — Deus me perdoe e coloque a alma dela em um bom lugar para as almas das cachorras.

— Porra — ri, batendo minha garrafa na dela.

— Então digamos que Alex deveria ter 70% de chance de ser absolvido.

— Aonde você quer chegar, Miranda? Eu admito minha parcela de culpa nesta merda toda, mas sério, você acha mesmo que eu algum dia em minha vida conseguirei superar o fato de ele ter dormido com ela?

Como você acha que cabe em minha vida um Alex pai de um filho da Tiffany?

— Isso eu não sei, Lottie, mas tenho certeza que você é capaz de encontrar esta resposta. — Encarei minha amiga sentindo o acelerar do meu coração. Depois neguei com a cabeça. — Por mais errado que tenha sido, por mais difícil que seja superar, vocês se amam, e se pertencem.

Ri com sarcasmo voltando a beber minha vodca. Ela fez o mesmo ficando em silêncio por um tempo.

— Me diga uma coisa, Lottie, com quantos carinhas você ficou depois do divórcio? — Ela riu da minha cara de estranhamento. Era uma mudança muito súbita de assunto. — Quatro?

— Três — corrigi sem muito interesse.

— Três — ela repetiu pensativa. — E com quantos deles você transou? — Me mexi, incomodada. Ela sabia a resposta e mesmo assim me forçava a dizer.

— Nenhum — respondi com amargura.

— Nenhum — ela entornou a garrafa acabando com o líquido. Depois colocou a garrafa ao lado e riu debochada. — Como eu disse: vocês se pertencem.

Alex Subi rapidamente as escadas ansioso demais para aguardar pelo elevador. Lana estava aflita com os preparativos para a Bienal e com os problemas na gráfica, cada segundo era importante para a editora. A capa do último romance a ser publicado estava pronta, e ela ainda queria me informar como seria a sessão de autógrafos das nossas autoras.

A parte mais incrível de todas era que, mesmo após quase três anos, os livros de Tiffany ainda vendiam muito e precisávamos fazer mais uma tiragem para os dias de trabalho na maior feira do livro do país.

Lógico que meu filho era o único herdeiro dos seus direitos autorais, mas eu não mexia no dinheiro, guardava tudo em uma poupança para que ele pudesse usar quando tivesse maturidade para isso. No momento o que eu ganhava era o suficiente para nós dois.

— Boa tarde, Sr. Alex.

Amanda, a secretária de Lana, cumprimentou-me assim que me viu. Ela levantou para me dizer algo, mas eu estava com pressa e continuei andando sinalizando para que me seguisse enquanto eu entrava na sala que eu dividia com a minha irmã, isso quando eu trabalhava no escritório, já que dava preferência para fazer tudo em casa.

— Amanda, eu preciso que você imprima a capa do... Parei chocado quando vi quem estava na sala. Charlotte levantou, visivelmente assustada também. Ela não esperava que eu chegasse, assim como eu não esperava encontrá-la.

— Eu ia avisar que havia... — Tudo bem — calei Amanda sem tirar os olhos de Charlotte.

Ela estava linda! Cabelos soltos, descendo pelos ombros e emoldurando seu rosto impecável. O tempo, mesmo pouco, fez bem à sua beleza. Eu ainda podia ver as suas sardas, mas Charlotte usava maquiagem, o que não fazia parte da sua rotina quando éramos casados e que, confesso, ficava maravilhosa nela.

Vestia um vestido azul, de alças, que deixava os belos seios em evidência. O tecido descia em seu corpo bem feito, como uma carícia sensual, e as pernas claras, torneadas e mais trabalhadas do que na nossa época. Ela estava incrível.

— Charlotte? — cumprimentei educadamente sem saber ao certo como agir. — Alex. Como vai? — Ela procurou pelos óculos, como sempre fazia, mas não os encontrou. Provavelmente usava as lentes de contato. — Eu estava esperando por Lana, combinamos um almoço. Eu não sabia... — Eu não vinha trabalhar hoje, mas precisei, Lana... ela não me disse que você vinha.

Ficamos nos olhando como se não restasse mais nada no mundo, até que nos demos conta da presença de Amanda.

— Como eu ia dizendo, preciso que você imprima as novas capas para que eu possa conferir as cores, como ficarão impressas.

— Certo.

— Faça o quanto antes, precisamos aprová-las ainda esta tarde.

— Ok! Quer que eu traga alguma coisa, um café... — Um café para mim. Charlotte? — Ela me olhou outra vez assustada, como se fosse estranho estarmos ali e nos falando.

— Água. Por favor!

Amanda saiu e assim que a porta foi fechada o clima ficou estranho. Charlotte evitava me olhar, mas falhava, enquanto eu... bom... eu não conseguia parar de olhá-la, apesar de saber que a melhor coisa a ser feita era não olhá-la.

Eu não podia permitir que todo o sentimento voltasse. Não havia como evitar o sofrimento caso a porta se abrisse e eu desejasse que ela entrasse outra vez. Eu jamais seria capaz de fazer Charlotte feliz e Charlotte nunca conseguiria fazer Lipe feliz, então era algo definitivo e sem volta. Abaixei o olhar e fui até a mesa que ocupava.

— Lana deve chegar a qualquer momento. Ela foi resolver um problema, logo estará de volta.

— Tudo bem. — Ela alisou a saia, visivelmente desconfortável.

Amanda entrou outra vez trazendo nossas bebidas. Charlotte pegou o copo com água e foi para a janela.

Era desconcertante. Porra, era mais do que desconcertante.

— Quando você viaja? — Ela começou me pegando de surpresa.

Juro que nunca passaria pela minha cabeça que Charlotte algum dia puxaria conversa comigo sem um motivo sério. Engoli em seco e senti minha garganta arranhar. Merda, outra vez eu me sentia um adolescente diante da primeira namorada.

— Em dois dias. — Ela concordou e bebeu um pequeno gole da sua água. O meu café já estava esquecido sobre a mesa. Eu estava tão atento a ela que mal conseguia me mover.

— Anita vai?

Tenho certeza de que o meu rosto entregou o quanto a pergunta me deixou confuso. Por qual motivo Anita viajaria comigo para um compromisso da editora?

— Não. — E aguardei pelo que ela diria. Mas Charlotte se calou e voltou a olhar para fora da janela. — Peter chegou hoje, não? — Ela me olhou admirada, e balançou a cabeça se conformando com o fato de eu nunca ter perdido contato com o pai dela.

— É. Ele não consegue viver sem mim — sorriu divertida. Foi impossível não sorrir também, porém logo em seguida entendi que aquele não era um bom caminho.

— Ele vai viajar com você? — Fingi interesse em alguns papéis.

— Ele não te disse? Pensei que vocês fossem melhores amigos. — Mordi o lábio, evitando o sorriso que ameaçava se destacar em meu rosto.

Eu sentia falta dos nossos diálogos. Da forma como conversávamos quando ainda nem sabíamos o que seria de nós dois. Era divertido, ousado e instigante. Parecia que seguíamos um padrão, no entanto pensar assim me assustava também, pois eu bem sabia o percurso deste padrão e o final não era feliz. Nunca seria.

— Não, ele não me disse. Na verdade, eu não perguntei.

— Ah! — Ela cruzou os braços na frente do peito e se voltou para a janela. Foi impressão minha ou havia decepção em seu tom de voz?

— Mas, se ele não consegue viver sem você, eu devo deduzir que sim. — Observei todos os gestos dela, aproveitando que estava de costas para mim. Charlotte abaixou a cabeça, respirou fundo e depois disse com muita segurança.

— Não. Meu pai finalmente entendeu que eu não sou mais uma criança. — Fez silêncio e depois, pegando-me de surpresa, virou-se em minha direção e sorriu outra vez. Tão linda! — E ele tem compromissos importantes que não podem ser adiados — ri.

— Peter não vai mudar nunca.

— Eu o amo do jeito que ele é. Certas coisas nunca precisam mudar, não é mesmo? — Encarei a minha ex-esposa e senti meu coração apertar.

— Algumas coisas mudam mesmo contra a nossa vontade. É inevitável.

A última parte saiu sem força e meus olhos não conseguiram mais encará-la, muito menos o meu sorriso conseguiu se manter em meus lábios, tamanha era a veracidade daquelas palavras.

— Você tem razão — ela disse depois de um tempo consideravelmente longo de silêncio. — Será que Lana ainda vai demorar muito? Eu tenho horário agendado no salão e se eu faltar ou me atrasar, Miranda me mata.

Charlotte em um salão por vontade própria? Realmente algumas coisas mudaram mesmo contra a nossa vontade.

— Ela vai escolher os nossos penteados para o casamento — justificou-se e algo dentro de mim se sentiu feliz por alguma coisa ainda ser do mesmo jeito. — Você deve saber, eu sou a madrinha. — Olhei admirado para ela e ao mesmo tempo sem conseguir entender como não me dei conta disso?

— Eu não sabia. — Avaliei como ela reagiria e então anunciei – Eu sou o padrinho.

Charlotte abriu a boca e fechou várias vezes. Ela estava indignada, mas apenas balançou a cabeça com um riso sarcástico e nada disse. Ela também não sabia. O que Patrício e Miranda pretendiam com aquilo eu nem procuraria saber. Amanda bateu à porta e entrou logo em seguida.

— As capas impressas. — Levantei antes que ela chegasse a minha mesa e fui a seu encontro para avaliar como ficaram. — Mais alguma coisa?

— Só um minuto. — Conferi as imagens não gostando muito do resultado. — Vamos tentar com verniz no título. Passe o pedido para a gráfica e peça uma prova. Obrigado.

Amanda saiu da sala e quando pensei em voltar à mesa, Charlotte caminhava em minha direção. Foi só o tempo de largar tudo no chão e segurá-la. Não sei como, nem por que, mas em segundos minha ex-esposa estava em meus braços.

Charlotte O clima estava sufocante. Eu tentei de todas as formas não deixar que o ar pesado caísse sobre nós dois.

Éramos maduros e já havíamos sido casados, então, mesmo com tudo o que aconteceu, o mínimo de cordialidade era necessário, contudo a cada revelação dele eu sentia vontade de sair dali correndo por não saber como lidar com o que estava sentindo.

Então aproveitei que a secretária entrou mais uma vez e decidi que era a minha deixa. Eu inventaria qualquer coisa, o celular que ficou no carro, o esquecimento de algum compromisso importante... eu só precisava sair de lá. A qualquer custo.

Como eu jamais conseguiria deixar de ser eu mesma, no momento em que adiantei o passo aproveitando a distração de Alex e desejando ganhar tempo e espaço, meu salto prendeu no tapete e eu me vi desabando para logo em seguida ser agarrada firmemente pelo meu ex-marido.

E foi justamente o que faltava para que eu compreendesse a verdade que Miranda tinha afirmado. Porque, no momento em que suas mãos seguraram meu corpo, foi como se um filme passasse em minha mente e faíscas saíssem da minha pele. Queimou, ardeu e me fez esquecer o mundo.

Merda!

Estava tudo ali ainda. Como podia? Como eu ainda me sentia arder com os seus toques? Como seus olhos conseguiam me sugar para um mundo que por muito tempo julguei ser só nosso? Como estar tão perto parecia não ser o suficiente?

Miranda tinha razão. Nada mudou, só ficou adormecido, ou escondido pela dor e mágoa, mas estava tudo lá. Com a mesma intensidade, ou mais forte. Provavelmente intensificado pela raiva, incinerada pelo ciúme, corroído pelo desespero de ter perdido. Sim, porque durante muitos meses era como eu me sentia.

Eu havia perdido o jogo e Tiffany havia ganhado.

Alex me manteve firme. Nossos corpos quase se tocavam. Suas duas mãos agarravam com segurança os meus dois braços me mantendo suspensa, seus olhos não deixavam os meus. Eu podia sentir a sua respiração acelerada, algo que gritava e cortava o silêncio. Era como se nós dois sentíssemos e soubéssemos o que queríamos, embora não tivéssemos coragem para agir. Porque nossos lábios pareciam implorar pelo beijo, ali, entreabertos, aguardando o passo que não daríamos.

— Você está bem?

Ele foi o primeiro a se atrever a cortar o silêncio que parecia nos atirar ainda mais um nos braços do outro. Pensei que não encontraria minhas palavras. Minhas pernas tremiam e minha mente não funcionava muito bem.

— Charlotte?

— Sim — sussurrei sem conseguir acreditar na força que aquele olhar tinha sobre mim. Então ele me colocou no chão, testando o meu equilíbrio e me largou. Pensei que meu mundo desabaria.

Que droga era aquela? Onde eu estava com a cabeça? Aquele homem diante de mim tinha me traído da maneira mais sórdida possível. Tinha acabado com a minha confiança, jogado a nossa história no lixo, engravidado uma filha da puta que vivia nos atormentando e eu estava ali, entregue, praticamente implorando para ser beijada.

Eu, definitivamente, me odiava.

— Meu salto... — Ele sorriu e... porra! Ele nunca mais deveria sorrir para mim.

— Imaginei. — E aquele sorriso torto, debochado, cheio de malícia, estava lá para me fazer surtar de vez.

— Lana não veio, então eu vou... A porta abriu e a irmã do meu ex-marido entrou esbaforida, com vários papéis nas mãos e com passos largos. Ela estava agitada, e parou bruscamente assim que nos viu em uma situação, no mínimo, constrangedora.

— Ah... — Olhou para a porta e depois para nós dois. Alex deu um passo para trás enquanto eu tentava ajustar os óculos que não estavam em meu rosto. — Alex? Eu não te esperava hoje. — Seu tom parecia tanto se justificar comigo quanto acusar o seu irmão.

— Vim resolver o problema das capas, não sabia que você estaria aqui no horário do almoço. Só quis adiantar. Como estão as meninas?

Sim, Alex sabia persuadir as pessoas e distraí-las. Com Lana ele precisou apenas perguntar pelas gêmeas e pronto, já tinha toda a sua atenção. Lana abriu um sorriso imenso e me abraçou forte enquanto falava.

Estreitei meus olhos para o meu ex-marido, que sorriu inocentemente.

— Elas são terríveis! A casa virou uma bagunça hoje pela manhã. Não dá para manter nada organizado com aquelas duas. E você, Charlotte? Está linda! Parece que ganhou mais corpo, não parece? — Fez a pergunta para o irmão, mas se arrependeu por ter sido tão indiscreta e ela mesma respondeu. — Sim, ganhou mais corpo e está infinitamente mais bonita. O sucesso lhe fez bem. —Tentei sorrir, porém estava tensa demais. — Então vocês dois já se encontraram. — Tentou não fazer daquilo um problema e me soltou indo até a mesa sem fazer alarde pela nossa situação.

— Eu não sabia que ela estaria aqui — Alex disse sem rodeios. Sua atenção não estava mais em mim e sim nos papéis que a sua irmã dispôs sobre a mesa. — Pedi para colocar verniz no título. Pode ser que funcione melhor.

— Eu pensei exatamente nisso. Ele gostou mesmo desta capa? — Ela continuou trabalhando e eu fui me sentindo cada vez mais distante. — Isso pode ser um problema.

— Vamos ver com o verniz e depois resolvemos. Tem as plantas para o nosso estande? Charlotte poderia ficar feliz em ver o destaque que daremos a ela. — Ele me olhou rapidamente e depois sorriu sem chamar muita atenção. Lana notou e mordeu o lábio nos observando.

— Sim, venha, Charlotte. Sente aqui para eu te mostrar como o nosso estande ficará maravilhoso.

— Ah, Lana... na verdade se não sairmos agora eu não vou conseguir encontrar Miranda. Combinei com ela um horário no salão.

— Miranda. — Fez cara de desagrado. — Acredita que ela não me convidou para ser madrinha? Disse que queria algo simples, com apenas você ao lado dela. Uma traidora. — Alex riu e eu entendi muito bem o motivo do seu riso.

— Pois é. — Fiquei sem graça. — Ela bem que poderia escolher mais pessoas. Desassociar essa coisa de casal. — Alex mordeu o lábio e continuou olhando para os papéis, comparando-os.

— Por que casal? Não me diga que... — Ela olhou para Alex, que deu de ombros — Puta merda! — E riu alto. Será que ninguém ali entendia que aquilo era constrangedor? Miranda teria que dar um jeito naquela história. Fiquei séria.

— Não é tão estranho — Alex começou. — Charlotte é a única irmã que Miranda tem, já que assim elas se consideram, e eu sou o único irmão do Paty. — Lana apertou o lábio inferior entre os dedos e tentou não rir. — Talvez se colocássemos laranja ao invés do verde ficasse melhor, não acha? — Ele mudou de assunto como se aquilo não fosse realmente um problema.

Mas era.

Alex Eu ainda tremia pela sensação única de tocá-la outra vez. Charlotte corou e apenas este detalhe acabou comigo. Meu Deus! Eu queria ser mais forte. Queria não sentir meu coração latejar tanto. Não queria sentir tudo o que eu sentia, porque eu sabia que nada mais fazia sentido. Ela não era mais minha e Lipe seria para sempre meu.

Mesmo assim eu senti sua pele quente se arrepiar sob as minhas mãos, eu assisti encantado as suas pupilas se dilatarem com o prazer, pude saborear a sensação de ter seus lábios mais uma vez implorando pelos meus. E Deus sabe o quanto eu quis lhe dar aquele beijo.

Eu quis, Charlotte. Mas não podia.

Principalmente porque aquela maldita aliança ardia no dedo dela e ganhava a minha atenção a cada movimento. Um inferno!

Passei na casa da minha mãe para pegar Lipe e Marta, a babá. Ele fazia natação todas as quartas-feiras e depois ia para a casa dos avós lanchar e ser mimado. Era uma festa que me obrigava a sair mais cedo, pegar um trânsito horrível e ainda, muitas vezes, ficar para jantar com eles, o que quase sempre resultava em carregar um Lipe sonolento para sua cama.

Durante todo o percurso eu não conseguia parar de pensar nela. Charlotte estava diferente e eu não sabia dizer qual era a diferença. Era física? Sim, havia realmente um corpo mais bonito, apesar de eu amar o corpo de antes, porém ainda não era isso. Tinha algo em sua beleza que mexia comigo de uma forma especial. Que ia muito além do amor enterrado no peito e que eu lutava para manter escondido. Muito mais do que a necessidade que eu sentia de ser confrontado, de ouvir dela tudo o que realmente ela teria para me dizer.

Eu não sabia o que era, só sabia que Charlotte se tornou muito mais interessante para mim justamente quando ela não poderia se tornar.

— Você quase não comeu — minha mãe me acusou enquanto acariciava os cabelos do meu filho.

— Comi um pouco antes de sair da editora — menti.

— Lana me contou que Charlotte voltou. — Ela foi direta e eu precisei respirar fundo quando ouvi meu filho repetir o nome dela. Bom... não propriamente o nome dela, mas a versão dele do que deveria ser Charlotte.

— Thathoti — ele disse e minha mãe riu, como sempre fazia.

— Voltou. Como está o papai? Ele tem trabalhado demais — disfarcei.

— Ele tem trabalhado a mesma quantidade de sempre. E ele preferiu jantar com Peter. — Mais uma informação que envolvia a minha ex-mulher.

— Ah foi?

— Foi. Eles se gostam, então que fiquem juntos um bom tempo e me deixem curtir meu filho e meu neto.

— Thathoti? — Lipe repetiu levantando os óculos e encarando a avó.

— Charlotte, meu amor. É uma amiga do papai — minha mãe explicou e eu me mexi incomodado. Ela não era minha amiga. Era a mulher da minha vida. — E como foi? — Levei alguns segundos para entender que ela falava comigo e não com o meu filho, que fazia careta com a cenoura que acabara de colocar na boca.

— Hum! Foi estranho e normal ao mesmo tempo — revelei e coloquei comida na boca para que ela não me obrigasse a falar mais.

— Estranho e normal? — Sondou-me aproveitando para dar mais um pouco de cenoura a Lipe. — E Anita?

— Dinda! — Lipe disse alto, espalhando comida pela mesa.

— Filho! Não pode falar de boca cheia, é feio — repreendi.

— Ora, deixe ele. Você fazia coisa pior. — Minha mãe assumiu a situação e brincou com meu filho.

— Você está estragando a educação que eu tento dar a ele — reclamei, apesar de saber que de nada adiantaria.

— É para isso que as avós servem, agora me conte, como foi encontrar com Charlotte.

— Thalothe — Lipe tentou mais uma vez.

— É Charlotte. Você ainda não terminou a sua comidinha.

— Mãe, este não é um assunto que eu gostaria de falar na frente do Lipe.

— Por que não? Foi tão ruim assim? Lana me disse que... — Charlotte está noiva. Nós combinamos que vamos manter a cordialidade, vamos ter uma relação sadia, já que teremos muitos e muitos eventos tanto profissionais quanto familiares, apenas isso.

— Noiva? Adriano não comentou nada sobre isso.

— Pelo visto, todo mundo tentou esconder este detalhe de mim — resmunguei pela primeira vez desde que tinha descoberto aquela infeliz realidade.

— Não, querido. Não é estranho? Miranda e Patrício estariam sabendo com certeza. Adriano trabalha junto com Johnny e fala sempre com Peter. Você mesmo manteve uma amizade com o pai dela. Como ninguém nunca comentou nem o fato de ela estar namorando alguém?

— Eu não sei — rendi-me. — Só sei que é verdade. Vi a aliança no dedo dela e sei que é com o imbecil do Thomas.

— Thomas? Não acredito.

— Nem eu. — Ficamos em silêncio observando Lipe fazer bagunça com a comida.

— Você se certificou de que não tem nenhum ingrediente que ele tenha alergia, não foi?

Ela me olhou com cara feia. Eu sabia que minha mãe jamais seria descuidada, mas era bom sempre ter certeza. Eu bem sabia como era uma crise alérgica em meu filho e não podia arriscar.

— Eu sei exatamente tudo o que ele pode e o que não pode comer.

— Nunca saberemos exatamente, mãe. Fico feliz por se preocupar. — Ela sorriu e acariciou minha mão.

— Você gosta muito dela ainda, não é?

Pensei no que deveria responder. Eu sabia que não adiantaria responder com mentiras, minha mãe sempre saberia a verdade, então apenas me calei e desisti da comida.

— Eu não acredito neste noivado — disse firme. Tentei rebater e ela não deixou. — Charlotte está magoada, mas ela te ama, Alex, e não vai ser um garoto mimado como o Thomas que vai fazer mudar os sentimentos dela. Insista, ela vai te perdoar, — Eu nunca vou fazer isso, mãe. — Ela me encarou aturdida. Lipe levantou e correu para o sofá com o meu celular nas mãos. — Eu amo Charlotte. Nunca deixei de amar e provavelmente vou amar a vida toda, porém tudo o que aconteceu... — Você estava bêbado. — Fiz uma careta. Estava cansado demais de explicar como eu via a situação. — E estava triste. Você pensou que ela havia te largado.

— Mãe, por favor! — Olhei meu filho entretido com os joguinhos que eu havia liberado no celular — Eu estava bêbado, mas nem isso me impediu de transar com Tiffany.

— Não fale como se tivesse sido uma opção sua.

— Mas foi! — Joguei os braços sobre a mesa me sentindo derrotado. Se minha mãe sequer imaginasse o que eu fui capaz de fazer quando me dei conta de que era Tiffany em minha cama e não Charlotte... — Mãe, independentemente do meu estado, eu transei com Tiffany e nós dois tivemos o Lipe — abaixei a voz. Não era a hora de o meu filho saber a verdade.

— E Charlotte vai ser capaz de perdoar. Ela beijou aquele garoto, como é mesmo o nome dele?

— Henrique, e foi muito, mas muito diferente, mãe! — falei antes que ela continuasse argumentando. — Eu não quero Charlotte de volta. — Ela se assustou com a minha afirmação. — Você não entende, não é?

Eu não posso querer Charlotte de volta. Ela nunca vai aceitar o Lipe. E ele... — Olhei o meu filho que sorria e ajustava os óculos fazendo-me lembrar dela cada vez mais. — Ele é muito mais importante para mim.

Minha mãe sorriu com tristeza e voltou a acariciar minha mão.


Capítulo 5


“Aquele que é atingido pelo amor não pode esquecer o tesouro do seu coração.” William Shakespeare Charlotte — Pai!

Eu não aguentava mais aquela conversa. Por que ele não podia simplesmente aceitar que meu casamento acabou e ponto final? Era sempre a mesma coisa, ele conferia como eu estava e começava a falar de Alex sem parar.

— E eu vou contar que esta história de noivado é mentira. Onde já se viu uma coisa dessa? Você vai fazer vinte e cinco anos, Charlotte. Quando vai amadurecer?

Olhei feio para ele. Era uma droga ter um pai controlador que só lembrava que eu estava prestes a fazer vinte e cinco anos quando precisava me dar uma bronca.

— Você não vai contar — ameacei. — Eu fiquei nervosa. Não havia motivos para Alex vir até aqui e acabou saindo a mentira. Além do mais, que diferença faz? Alex está muito bem com a vida dele e pouco importa se eu estou noiva, namorando, casada ou se virei lésbica. Coloque logo em sua cabeça: não existe nenhuma chance de eu voltar com Alex, mesmo ele sendo o seu queridinho.

Caminhei nervosa pelo seu escritório no hospital. Como se não bastasse a dor de cabeça que eu estava por Miranda ter me feito experimentar os piores penteados para casamento no dia anterior, eu ainda precisava ouvir sermão do meu pai só porque inventei uma pequena mentira.

— E Thomas adoraria ser o meu noivo — provoquei.

— Thomas não é para você, Charlotte.

— E quem seria? Alex? Mesmo ele tendo levado Tiffany para cama? — Meu pai ficou vermelho e depois sua cor foi mudando até ficar roxo. Fiquei imediatamente arrependida.

— Foi uma confusão. Um erro — ele rebateu.

— Eu não entendo porque o senhor defende tanto ele. Alex me traiu e você acha certo?

— Não acho certo. Alex não agiu corretamente, além disso eu tenho uma culpa especial nisso tudo. — Ele encostou na cadeira e desviou o olhar. — Se eu não tivesse me metido tanto para tentar te trazer de volta nada disso teria acontecido, Lottie. Eu pedi para que todos fossem embora. Eu mandei o próprio Alex embora e disse para ele dar a entender que não queria mais a relação. Eu... — Ele me olhou e respirou fundo. – Droga, Charlotte! Eu prometi a sua mãe e olha só o que eu fiz?

— Você não fez nada além de tentar me salvar, pai. — Sentei na cadeira de frente para ele me sentindo derrotada.

Não era justo ele se sentir tão mal, quando tudo só aconteceu porque eu fui infantil. Tudo. Tudo mesmo.

Até o meu relacionamento com o meu professor só começou porque fui mimada e infantil até não haver mais espaço.

— Ele me ligou — começou a falar e pela sua expressão eu sabia que não deveria interrompê-lo. — Naquele dia... — Passou a mão nos cabelos e me encarou com firmeza, como o homem de negócios que era. — Eu entendi tudo errado e disse a ele que você assinou os papéis e estava feliz com o que estava acontecendo.

— Eu sei — admiti, sem muito ânimo. — Ele pensou que eu assinei o divórcio e bebeu muito por causa disso.

— E Tiffany apareceu, e... — Chega, pai — falei baixinho. — Eu sei o que aconteceu. Não tem um só dia em que eu não pense em tudo que aconteceu. A culpa não é sua. Eu e Alex somos os únicos culpados. Eu fui uma idiota, tola, criança. Abandonei ele primeiro, eu sei muito bem. Sei que Alex viveu no inferno enquanto eu estive longe, mas não posso aceitar e justificar o que aconteceu. É demais para mim, você não entende? — Ele me deu um olhar de compreensão que para mim significou muito. — Não é apenas pela traição. Deus! Eu não sei. — Puxei meus cabelos para trás e fiz um coque que logo se soltou e desceu pelos meus ombros.

— Eu não sei até que ponto o meu amor superaria o que ele me fez. Essa não é a única questão: Alex agora tem um filho. Uma criança que vai me lembrar a cada segundo o que eu mais quero esquecer na vida.

— Você já o conheceu?

— Sim. — Encolhi-me na cadeira. — Na praia. — Meu pai sorriu largamente.

— O garoto é a cara do pai.

— É como dizem: filho de puta tira a mãe da culpa.

— Charlotte!

— Desculpe! — Encolhi-me ainda mais. Era uma merda ser reprimida todas as vezes que precisava usar um palavrão.

— Tiffany morreu, tenha mais respeito.

— Desculpe! — E revirei os olhos. Respeito ela deveria ter por mim quando resolveu engravidar do meu marido.

— Lipe é um menino apaixonante. E cheio de problemas, coitado!

— O senhor o conheceu? O senhor... é muita traição — Levantei indignada.

Alguém tinha que ficar do meu lado. Ele riu como se aquele fosse mais um dos meus ataques infantis. Fui até a poltrona e peguei a minha bolsa, mas uma coisa que ele disse ganhou a minha atenção.

— Que tipo de problemas ele tem? — Meu pai arqueou uma sobrancelha e me encarou divertido.

— Foi por isso que o conheci. É aqui que Alex faz todo o acompanhamento do Lipe.

— Acompanhamento? — Coloquei minha bolsa outra vez na poltrona e voltei para a cadeira. — Ele tem alguma doença grave?

— Não. — Fez descaso. — Nasceu prematuro, como você sabe. Tem asma e é alérgico a muitas coisas.

— Não sei o porquê, mas me senti aliviada.

— Menos mal. Já pensou se ele nasce bipolar igual a mãe?

— Não é uma possibilidade descartada. — Encostei na cadeira e pensei sobre o assunto. Que carga genética miserável o menino carregava. Era como se precisasse pagar pelos pecados da mãe. Estremeci.

Eram pensamentos egoístas.

— Eu preciso ir, pai. Vejo o senhor no jantar?

— Não. — Ele sorriu largamente e não me deu mais nenhuma informação. Estreitei os olhos.

— Vai trabalhar até tarde? O senhor não tem mais idade para tanto, e Johnny... — Não vou ficar trabalhando. Pode ficar tranquila. Boa viagem amanhã.

— O quê? Vai dormir fora também? — Ele riu alto.

— Não, só pretendo chegar bem tarde. Não ocupe sua cabecinha comigo. Vá de uma vez porque eu tenho muito trabalho por aqui.

Peguei minha bolsa, dei um beijo em meu pai e saí com a cabeça fervilhando de pensamentos. O que ele estava aprontando? Será que havia alguma mulher envolvida? Não era cedo demais? Meu coração acelerou apesar de saber que não era justo cobrar nada dele, mas fazia tão pouco tempo que mamãe havia nos deixado. Eu estava ficando tempo demais longe de casa, precisava mudar essa situação. Precisava investigar o que ele estava aprontando.

Alex — Amendoim? — Anita cruzou os braços e se encostou na bancada da cozinha me observando colocar mais um item na lista de alimentos proibidos para o Lipe.

— Sim. Ele ficou empolado ontem e tinha amendoim no sorvete dele. É melhor não arriscarmos.

— Foi tão ruim assim?

— Não porque eu notei ele ficando vermelho e apliquei a injeção.

— Tadinho. Que bom que você me avisou. Vou cortar os sorvetes dos finais de semana.

— Não o sorvete, só as coberturas com amendoim. Você sabe o quanto Lipe adora sorvete. — Olhei para a madrinha do meu filho e ela sorriu satisfeita.

— Pode ficar tranquilo este fim de semana. Eu vou cuidar muito bem dele — falou com ternura.

— Eu sei. Você tem sido uma grande amiga. — Ela tentou disfarçar, mas eu vi quando seu sorriso perdeu um pouco da força. — E a melhor madrinha que Lipe poderia ter. — Fez muxoxo.

— Eu sei que você preferiria a Lana e só me aceitou porque foi a vontade de Tiffany — ri. Era verdade, mas no final das contas deu tudo certo e Anita realmente era ótima para o meu filho.

— Bom, eu sei que não preciso recomendar nada e nem indicar onde fica cada coisa dele. Você conhece esta casa tão bem quanto eu.

— Não tão bem quanto gostaria — disse, sorrindo com deboche.

— Bem o suficiente para tudo o que precisa, e tudo o que você precisa, está ligado ao Felipe.

— Com toda certeza, Alex — continuou com o mesmo tom. Eu detestava quando ela se insinuava. Quase me fazia desistir de confiar meu filho a ela durante um final de semana inteiro. — O pai do Felipe está ligado a ele.

— Mas não está disponível. Vamos manter o clima amigável, Anita.

— Só por que Charlotte voltou? — Suspirei me afastando dela.

— Não tem nada a ver com Charlotte e você sabe muito bem disso.

— Eu só não sei por que não? Nós somos ótimos como pais do Lipe. Formamos uma ótima equipe.

Somos amigos e amigos também transam, Alex. — Ri sem vontade.

— Nós já tivemos essa conversa tantas vezes — falei, sem paciência.

— Eu merecia uma chance. Pelo menos uma, por cuidar tão bem do seu filho.

— É o que você espera? — Eu sabia que com essa ela recuaria. — É por este motivo que gosta do Lipe?

Apenas para ter o pai dele?

— Você sabe que não — rebateu ofendida. Arqueei a sobrancelha e lhe dei as costas. — Só que seria muito mais sensato. Além de prático.

— Não existe nada de prático nisso — falei por cima do ombro. — Somos amigos. Eu gosto de você assim e não como minha amante.

— Isso porque nunca foi para cama comigo — provocou e depois riu. — Ok! Já fiz a minha tentativa de hoje. Vou dormir no quarto do Lipe, tá?

— É uma escolha sua. Você sabe que pode escolher qualquer um dos outros quartos.

— Eu preferia o seu, mas adoro dormir com o Lipe. — Virei para encará-la e ela sorriu diabolicamente.

— Se mudar de ideia.

— Não vou mudar. — E acabei rindo. Era sempre assim. — Vamos jantar?

— Claro!

Charlotte — Tem certeza de que vai ficar bem sozinha com Alex em Curitiba? — Olhei feio para Miranda e apertei ainda mais o meu casaco enquanto aguardava para despachar a mala. — Charlotte, você não pode continuar aborrecida comigo!

— Era para ter me dito que eu dividiria o altar com o meu ex-marido. Pelo menos me comunicado e não deixado que eu descobrisse por ele.

— Você se negaria — choramingou.

— Ah, claro! E eu voltar da porta da igreja era realmente algo mais seguro.

— Você não vai fazer isso comigo. — Seus olhos ficaram imensos. — Vai?

— Claro que não! — Revirei os meus e sorri. — O pior já passou. O meu problema era encontrar Alex e constatar que ainda sentia a mesma coisa.

— Amor — ela cantarolou.

— Mágoa — rebati com rebeldia. — Raiva, tristeza, humilhação, quer que eu liste mais alguns sentimentos?

— Charlotte! — repreendeu-me.

— Você está parecendo minha mãe. Pelo amor de Deus, me dê espaço! Eu quero poder xingar Alex e Tiffany quando eu bem entender e quero poder me rebelar quanto ao que eu sinto no momento em que tiver vontade.

— Então você ainda é a minha madrinha?

— Contanto que eu não tenha que dar o braço a ele na entrada e na saída. — Ela cruzou os braços e me encarou com os olhos estreitos. — Nem pensar, Miranda. Estar ao lado dele já é o suficientemente maduro.

— Tudo bem — suspirou derrotada. — Você vai participar do ensaio, não é?

— Que ensaio? Céus! Que coisa mais antiga! Ninguém mais ensaia para um casamento. Principalmente quando tem apenas um padrinho e uma madrinha.

— E o Lipe como o meu guarda de honra — O quê? Respirei fundo e decidi não discutir.

— Não existe ninguém neste mundo que consiga guardar a sua honra, imbecil! — Ela me empurrou com o ombro e começou a rir.

Alex Olhei para todos os lados e nenhum sinal da minha ex-mulher. Lógico que ela não estaria passeando pelos corredores daquela feira. Ela era uma celebridade, deveria estar na sala de imprensa, ou na sala destinada aos autores, a qual eu tinha acesso, e que deveria me policiar para não ir, ou até mesmo no hotel se preparando para a sua palestra.

O local estava lotado e eu bem sabia que muitas das jovens que ali estavam buscavam por autoras como Charlotte, para conseguir um autógrafo ou até mesmo uma foto.

Merda! Tudo isso eu sonhei para ela. Eu sonhei com ela. E agora teria que participar de longe, como seu representante da editora, alguém sem a menor importância em sua vida. Eu me odiava por isso.

— Alex!

Samuel, o milionário amante de cultura e arte que, juntamente com o governo, patrocinava e fazia aquele evento ser o que era, veio em minha direção. Olhei o homem baixo, quase careca e gordo, muito gordo, aproximar-se com passos curtos e que lhe roubavam o ar, além de deixá-lo suado, apesar da baixa temperatura.

— Samuel, como vai? — Apertamos as mãos e ele olhou ao redor, orgulhoso. — Está uma maravilha, não? Viu as notícias? Vamos ter repercussão mundial. — Sim, está tudo perfeito. — Corri os olhos outra vez pelo amplo salão ainda procurando por Charlotte, sem querer deixar isso claro em minhas atitudes. — Todas as senhas da sua palestra esgotaram. Não está feliz? Tem muita gente querendo ouvir o que o maior editor tem a dizer. Um grupo considerável de blogueiros.

— Sim, estamos felizes. O pessoal da organização já recebeu o meu material e eu acredito que será uma palestra muito prazerosa. — Eu me vi pensando se ela estaria na plateia.

— Ótimo! O governador está aí. Quer ganhar o mérito. — Ele deu de ombros e tal atitude ressaltou o seu queixo duplo. — Eu não me importo. O mundo está vendo a minha companhia como principal patrocinador.

— É o melhor que faz, Samuel — ele olhou orgulhoso mais uma vez para as pessoas que transitavam.

— Recebeu o convite para o jantar de hoje?

— Oh, sim. O jantar. Eu não estava muito animado, mas... — Estarei lá com certeza.

— Ótimo! Faça um bom trabalho, rapaz. Eu vou circular um pouco por aí. Observei Samuel se afastar e senti meu celular vibrando indicando uma mensagem.

Peguei o aparelho e tinha uma mensagem de Anita. Abri sentindo o coração disparar. Qualquer coisa relacionada a Lipe já me deixava ansioso. Era a primeira vez que eu precisaria ficar tantos dias longe dele.

A mensagem era uma foto deles dois, abraçados e rindo e uma mensagem de voz, do Lipe, com a sua forma toda especial de falar, dizendo que me amava e estava com saudade. Ao fundo ouvi a voz de Anita corrigindo-o, dizendo “nós estamos com saudade” e fiquei incomodado. Ela parecia gostar de me provocar com essas insinuações.

Conferi mais uma vez o relógio, percebendo que já era hora de ir para o auditório.

Eu não tinha conseguido ver a minha ex-esposa e não sabia se isso era bom ou ruim, só sabia que meus olhos continuariam buscando por ela.

Charlotte Após uma longa palestra, onde um mediador conversou comigo e mais dois colegas sobre a literatura nacional e as suas dificuldades, fui encaminhada para uma mesa onde atenderia uma imensa fila de leitores ansiosos por autógrafos e fotos.

Ainda era surreal para mim. Claro que eu queria muito que meu livro fosse lido, mas nunca imaginei que isso aconteceria em diversos lugares do mundo, com tanto entusiasmo e que eu teria uma legião de fãs ansiosas por cada vez mais.

Márcia, a assessora que estava designada a me acompanhar, colocou uma garrafa de água mineral ao lado da minha cadeira e piscou satisfeita com o sucesso. Eu adorava, embora deva confessar que nunca entenderia aquele frenesi pelo autor quando deveria ser pela história apenas.

Elas gritavam, tremiam e se emocionavam quando me viam e isso nunca seria encarado de uma forma natural por mim. Quem eu era? Uma mulher normal como qualquer outra. Profissional como muitos médicos, advogados, arquitetos, cozinheiros e empregadas domésticas, e eu nunca via ninguém se emocionar quando a comida era servida, ou encontrava a cama arrumada, ou quando seu médico assinava a receita... Não, eu nunca entenderia. Esse era um fato.

A fila estava longa, elas gritavam de tempos em tempos, traziam os livros para eu autografar e tirávamos fotos. Eu sorria genuinamente, afinal de contas, não vou ser absurda a ponto de dizer que não era agradável saber que elas de verdade amavam os meus livros e ansiavam pela parte final, a que definiria tudo.

O que elas não faziam ideia era que eu não sabia como terminar aquela história. Não sabia como escrever o final, como colocar um fim naquela história que me acompanhou, e foi minha única companheira, durantes estes péssimos últimos três anos. E eu não tinha coragem de colocar um ponto final.

— Eu amo os seus livros, Charlotte. — A garota ruiva e com sardas me olhava parecendo estar encantada. — Quem não sonha com um amor como este? — Sorri educadamente, mas estremeci.

Quem não sonhava com um grande amor? Eu bem sabia o que amar demais era capaz de fazer. O amor inflava as pessoas, colocava-as no ponto mais alto, só para depois derrubá-las de lá e assistir ao estrago.

Era assim que eu estava. Derrubada, no chão, sem condições de me levantar.

Por baixo de toda a minha pose de superioridade, de superação, ainda existia uma Charlotte ferida, ressentida e ansiosa para acabar com aquele amor que insistia em me acompanhar.

— Obrigada! — Fechei o livro dela devolvendo-o. Foi quando o vi.

Alex estava no fundo do auditório. Ele conversava com mais dois homens e uma mulher. Usava um conjunto de paletó que caía com perfeição em seu corpo, deixando-o ainda mais bonito. Ele passou a mãos no cabelo e sorriu para a mulher, mas seus olhos seguiram em minha direção, e ele me encarou por alguns segundos, até eu sentir braços ao meu redor, com mais uma leitora ansiosa para demonstrar o quanto estava emocionada em me conhecer.

Perdemos o contato visual e me esforcei para que minhas mãos parassem de tremer. O que ele fazia ali?

Miranda havia me certificado que nossos horários seriam diferentes e o previsto era que Alex estivesse no hotel, preparando-se para o jantar de mais tarde, o qual eu daria uma desculpa e não compareceria.

Ele estava ali, no mesmo auditório que eu, conversando com pessoas que tinham interesse em minha carreira e agindo como deveria ser se ainda estivéssemos casados. Mas nós não estávamos, não mais.

— Quer fazer uma pausa? — ouvi Marcia me perguntar baixinho.

— Não. Está tudo bem. Você consegue um café? — Sorri, fingindo estar tudo bem, porém a presença dele me desconcertava e me desconcentrava.

— Claro. Já volto. — Ela saiu apressadamente e eu continuei com o meu trabalho, me esforçando para ser agradável com todos, afinal de contas, ninguém tinha nada a ver com os meus problemas pessoais.

Durante toda a tarde aguardei que ele fosse até mim, contudo não foi o que aconteceu. Alex ficou em meu campo de visão o tempo todo. Ele conversou com as pessoas da organização, com minha assessoria, até mesmo com algumas leitoras, mas em momento algum se aproximou de mim. Ele circulava, olhava-me uma vez ou outra e continuava conversando.

No último instante ele sumiu, como se nunca tivesse estado ali. Simplesmente autografei o último livro e quando procurei outra vez por ele, não o encontrei mais. Alex havia desaparecido e eu fiquei com os meus pensamentos confusos, cheios de dúvidas e incertezas.

*** — Não acredito que você foi? — Miranda gritou do outro lado da linha, deixando-me sem graça.

Eu circulava entre os quase cem convidados daquele jantar que eu tinha jurado que não participaria. Era com uma outra feira. Como aquele homem podia oferecer um jantar, íntimo, para tantas pessoas? Parecia um outro evento, e eu estava sozinha, com uma taça de vinho na mão e o telefone na orelha, procurando alguma forma de não me sentir tão ridícula.

— Fiquei entediada — menti mesmo sabendo que ela sabia o meu motivo. — E está frio demais para ficar sozinha em um quarto de hotel.

— Claro! — disse com animação. — E Alex? Ele está aí também? Está na programação dele o jantar.

— Eu não sei, Miranda. — Fingi desinteresse. Continuar mentindo me manteria firme entre tantos desconhecidos. — Ainda não o vi.

— Vai ver ele pensou que você não ia e desistiu — revirei os olhos.

Por qual motivo Alex desistiria do jantar? Ele esteve perto de mim a tarde inteira e não me dirigiu uma palavra. Não seria diferente daquela vez. E tal fato me incomodava consideravelmente.

— Tá bom. Eu preciso desligar, as pessoas estão olhando para mim.

— Se você me dissesse que pretendia ir, eu mandava a Márcia te acompanhar.

— Eu estou ótima sozinha. Só vim para tomar um vinho sem me sentir solitária em um quarto frio. Logo, logo estarei de volta ao hotel.

— Tente se divertir. — Seu tom foi preocupado, o que me deixou péssima. Eu não queria ninguém sentindo pena de mim.

— Depois de algumas taças pode ser que eu consiga — ela riu. — Vou desligar. Estou na varanda e está muito frio aqui.

— Ok! Amanhã cedo vou te ligar para saber como foi tudo. E não se atreva a esconder nenhum detalhe de mim.

— De jeito nenhum — sorri, sentindo a tristeza me dominar. — Eu vou te contar sobre cada autógrafo que dei e cada leitora que chorou.

— Combinado.

— Tchau. — Desliguei e olhei para fora do prédio de dois andares que fora reservado para aquele jantar.

Alex estava lá em algum lugar e eu não sabia onde.

— Já acostumou com o frio?

Aquela voz, aquele tom debochado, aquele calor que emanava dele e que me atingia em cheio, me fez perder o ar. Levei alguns segundos para me recuperar e conseguir responder.

— Alex. — Não consegui evitar o sorriso e a alegria em minha voz. Por que esconder?

Bebi um gole do meu vinho tinto antes de me virar e encarar aqueles olhos azuis, que pareciam mais profundos do que nunca. Seu blazer preto só ressaltava ainda mais a cor dos seus olhos. Suspirei e tarde demais percebi o que havia feito.

— Surpresa? — Ele estreitou os olhos e me observou. Pensei no que responder.

— Para alguém que passou a tarde toda sem se aproximar de mim, é realmente uma surpresa. — Ele recuou, seus olhos fixos em mim buscando por alguma coisa.

— Apenas te dei espaço, Charlotte. Eu precisava verificar como estava o seu evento, mas não queria gerar mais comentários a nosso respeito, nem atrapalhar o seu momento.

Mordi o lábio pensando em suas palavras, ele não queria que nos vissem juntos. A mídia poderia divulgar, a notícia vazar e alguém, alguém que provavelmente ele não queria que soubesse, descobriria que ele passou a tarde me rondando. Senti raiva, mas sorri.

— Muita gentileza de sua parte. Obrigada! — Não havia emoção em minha voz e ele notou.

— A noite está muito fria. — Colocou as mãos nos bolsos, ainda me encarando. — Por que não entramos?

Ah, claro! Não podíamos ser vistos sozinhos.

— Vá na frente, eu já vou. — Dei as costas e me encostei na sacada.

— Por quê? Não quer ser vista comigo — ri com sarcasmo e não me preocupei em esconder este detalhe dele. — Pensei que teríamos o mínimo de convivência pacífica. — O deboche em sua voz me irritou de uma maneira absurda.

Virei de volta para encará-lo, no instante em que o fiz, choquei-me com seu corpo. Ele estava perto demais e minha taça foi direto para o seu peito, arruinando sua camisa clara. Puta merda! Eu não dava uma dentro.

— Que droga! — Praguejei insatisfeita com a minha incapacidade de ser graciosa. — Droga, Alex! Eu não queria... eu... merda!

Tentei limpar o estrago, ele segurou a minha mão e a manteve em seu peito. Seu coração acelerado, junto ao líquido frio que atingia o local me fez estremecer.

— Tudo bem, Charlotte. Está tudo bem. — Sua mão continuava na minha e seus olhos buscavam os meus.

— Não. Ainda estamos no início da noite e eu já estraguei a sua roupa. Vamos, eu preciso dar um jeito nisso. — Ele riu, relaxando imediatamente.

— O que vai fazer? — Parei confusa.

— Não consigo lembrar se é com gelo ou com vinagre, mas acho que consigo os dois na cozinha — ele riu ainda mais.

— Vai tentar tirar a mancha? — Parecia duvidar da minha capacidade, o que me deixou ainda mais determinada.

— Vou sim. Posso ser uma patricinha criada em uma redoma, mas sei que aprendi alguma coisa sobre manchas de vinho nas roupas. — Ele riu divertido e não desviou a mão da minha quando o puxei para me seguir.

Cortamos o salão seguindo os passos de alguns garçons que passavam com as bandejas vazias ou com copos sem nada dentro e logo encontramos a cozinha. Esta funcionava a todo vapor, com pessoas dando ordens, panelas fervendo, dois homens saíam com bandejas abastecidas de drinks e canapés parando quando nos viram.

— Posso ajudá-los?

— Sim — Alex tomou a frente assumindo a situação. — Poderia conseguir um pouco de gelo e um copo com vinagre? — O rapaz nos olhou com curiosidade, sem entender um pedido tão exótico para um jantar tradicional. — Eu derrubei um pouco de vinho em minha camisa — Alex se justificou e o rapaz logo entendeu.

— Só um minuto. — Ele saiu e voltou mais rápido do que eu poderia imaginar. — Aqui está, mas vocês precisam sair daqui da frente da porta ou vão causar um acidente. — Ele ia saindo quando o abordei.

— Desculpe, onde encontro o toalete mais próximo. — Ele olhou para os dois lados, conferindo a informação que nos passaria.

— No final daquele corredor tem um mais privado.

— Obrigada! — Sorri e puxei Alex na direção indicada.

Alex parou no momento em que percebeu que se tratava de um ambiente destinado às mulheres e que era apenas uma cabine. Ele me olhou sem jeito, segurando o copo contendo gelo.

— Tem certeza de que quer fazer isso? — A insegurança em seus olhos me fez recuar. O que ele imaginava que faríamos? Era apenas uma mancha que precisava ser urgentemente removida. — Eu posso fazer, Charlotte, é só me indicar... — Não seja tolo — tentei ser casual. — Eu já conheço tudo o que você tem embaixo desta roupa. — Ele sorriu timidamente e foi lindo. — Tire a camisa — ordenei assim que consegui levá-lo para dentro.

Fechei a porta, peguei o copo na mão dele e coloquei ao lado do copo com vinagre que eu levava. Abri a torneira e lavei as mãos e quando finalmente levantei a cabeça encarei um Alex perfeito no espelho. Ele estava desabotoando a camisa, revelando seu peitoral definido que eu tantas vezes havia admirado, e seus olhos estavam em mim, como se ele precisasse verificar cada reação minha.

Senti meu rosto esquentar consideravelmente e não resisti ao desejo de levar a mão ao rosto procurando pelos óculos. E lógico, não os encontrei. Desviei o olhar e encarei os copos dispostos sobre a pia. Mordi o lábio pensando em qual eu deveria tentar primeiro.

Puta merda, eu nem sabia que daria certo mesmo. Voltei a olhar meu ex-professor e ele ainda aguardava por mim, a camisa na mão e o peito nu. Ele nada dizia e parecia tão concentrado em não fazer nada errado quanto eu.

— A camisa.

Estendi a mão e ele me entregou a peça. Abri sobre a pia e analisei a mancha. Peguei uma porção de papel toalha e tentei tirar o excesso. Alex deu um passo, ficando as minhas costas para observar o que eu faria. Fiquei desconcertada e me esforçando para não ficar ofegante. Céus, era difícil raciocinar com ele tão perto.

Coloquei a mão no gelo, retirei um e cuidadosamente comecei a passar pela mancha. Começou a clarear, mas ainda não era o que eu queria e comecei a considerar se estava fazendo certo. Ele se aproximou ainda mais. Senti minha mão tremer. Ansiosa, peguei o copo com o vinagre e despejei um pouco do líquido no tecido, depois voltei a passar o gelo.

— Achei que você tinha dito um ou outro.

O calor do seu hálito atingiu meu pescoço e eu fiquei arrepiada imediatamente. Senti o bico dos meus seios endurecerem e me amaldiçoei por isso. Eu não deveria me sentir daquela forma. Merda, eu não deveria!

— Tá funcionando, mas... — Virei para tentar justificar meus atos, mas o espaço mínimo entre nós dois me fez ficar de cara com Alex.

Muito perto.

Muito.

Eu juro que podia sentir o tanto de eletricidade que escapulia de nós dois. Foi um choque tão forte que me deixou muda. Nos encaramos sem nada dizer. Sua camisa em minha mão. Completamente esquecida.

— Charlotte... — ele sussurrou como um pedido de desculpas e antes que eu pudesse detectar o que aconteceria, Alex me beijou.

No primeiro segundo o espanto me fez puxar o ar. Foi apenas a reação para que eu me perdesse nele também. Quando Alex me segurou pela nuca e puxou meu rosto eu não tive nenhuma vontade de fugir, ou de impedi-lo. Foi como se meu corpo assumisse a situação e me deixasse de fora.

Seus lábios deslizaram nos meus em uma carícia saudosa e nós dois gememos no mesmo instante. E então sua língua pediu passagem e tudo começou a ficar mais urgente. Deus! Senti minhas costas no frio mármore da pia enquanto a frente do meu corpo esquentava à medida que se dava conta da presença do corpo dele grudado em mim.

Alex usou as duas mãos, segurando meu rosto e depois usando-as para me levantar e me sentar sobre a pia. Sem que eu percebesse, estava tão grudada a ele que era impossível saber onde um começava e o outro terminava. Ele se colocou entre as minhas pernas enquanto meus braços ganharam vida e minhas mãos se afundaram nos sedosos cabelos negros que eu tanto sentia falta. Nossas línguas se entrelaçaram e eu pensei que explodiria quando senti suas mãos subirem por minhas coxas, adentrando o meu vestido.

Tudo em mim arrepiou e eu fui forçada a abandonar seus lábios e gemer, jogando a cabeça para trás. Alex deslizou os lábios pelo meu pescoço, descendo até meu busto, onde depositou beijos provocantes.

Ainda perdida entre sonho e realidade, senti que o calor se desfazia e a urgência se perdia. Alex pressionou a testa em meu busto e suspirou fazendo com que as mãos abandonassem meu vestido. Meu coração acelerou ao se dar conta do que acontecia.

— Desculpe! — ele sussurrou de maneira quase inaudível. — Desculpe, Charlotte! — Se afastou e me encarou com vergonha. — Eu não posso. — E se afastou de vez.

A vergonha me atingiu como um raio. Como assim ele não podia? Como ele simplesmente me traía, magoava-me, beijava-me e me dizia que não podia? E então a raiva contida por três anos explodiu em mim e antes que eu pudesse me controlar, senti o calor na palma da minha mão e ouvi o estalo.

Sim, eu acertei Alex com um tapa no rosto. E foi dado com tanta raiva, com tanta mágoa, que as pontas dos meus dedos ficaram dormentes. O rosto dele virou para o lado. Ele fechou os olhos e não voltou a abri-los. Se era para se conter ou pela vergonha eu não sabia. Na minha mente constava apenas a rejeição dele, o único homem que não tinha o direito de me esnobar.

Desci rapidamente da pia, abri a porta e fui embora batendo-a com violência. Apenas os meus passos ecoavam no corredor. Ele não me seguiu. Humilhada, desviei dos convidados e corri para o meu quarto de hotel, decidida a nunca mais voltar a encontrar Alex Frankli.


Capítulo 6


“Amor é uma fumaça que se eleva com o vapor dos suspiros; purgado, é o fogo que cintila nos olhos dos amantes; frustrado, é o oceano nutrido das lágrimas desses amantes. O que mais é o amor? A mais discreta das loucuras, fel que sufoca, doçura que preserva.” William Shakespeare Charlotte Meus olhos vermelhos denunciavam o quanto chorei. Eu estava arrasada. Aquilo nunca deveria ter acontecido. Eu jamais deveria ter permitido que ele se aproximasse. Nunca deveria ter sido tão fácil, não depois do que ele me fez. E se eu cedi, se fui fraca para resistir ao que estava em meu coração, deveria ser eu a desistir e não ele. Alex perdeu o direito de desistir de mim no momento em que me traiu.

Ele até tinha o direito de não me querer mais, porém jamais deveria ter a ousadia de me beijar e depois me esnobar. Eu o odiava! Mais soluços explodiram em meu peito junto com mais choro de humilhação.

Alex não tinha o direito de me causar mais dor, de me magoar ainda mais. Como se transar com Tiffany e ter um filho com ela não fosse o bastante.

Ouvi a batida fraca em minha porta e não precisei nem de dois segundos para saber quem era. Lógico que Alex me procuraria. Ele seria sempre o bom moço. Não abri nem respondi, apenas levantei as pernas abraçando-as e escondi meu rosto entre os joelhos. Ele bateu outra vez, mais forte. Não me movi.

— Charlotte, eu sei que você está aí e que não quer abrir a porta — ele falou sem medo de que outras pessoas escutassem. Não respondi me encolhendo ainda mais. — Pare de ser infantil e converse comigo como adulta.

Claro! Eu era a infantil por não querer olhar na cara dele. E ele era o quê?

— Eu não vou desistir, Charlotte. Abra a porta e converse comigo de uma vez por todas.

— Vá embora! — gritei de dentro do quarto sentindo raiva da prepotência dele. — Quem você pensa que é para falar da minha infantilidade? Quem foi o garoto mimado e arrogante agora? — Ele ficou em silêncio. Perguntei-me se Alex havia desistido e ido embora me deixando falando sozinha. — Você é um babaca, Alex! — gritei para testar se ele ainda estava lá. Nenhuma resposta.

Merda! Ele era muito idiota mesmo. Me beijar para logo em seguida me dizer que não me queria mais, já fora um problema imenso para a minha cabeça. Ele voltar e me deixar falando sozinha era revoltante.

Levantei da cama, batendo os pés e abri a porta para conferir a sua ausência e dei de cara com ele. As mãos espalmadas dos lados da porta. A cabeça que levantou quando abri e os olhos que me encaravam como se quisessem me prender em seu mundo. Ofeguei e recuei imediatamente. Ele aproveitou para entrar e fechar a porta atrás de si. Engoli em seco. Alex estava tenso, a mandíbula apertada, os olhos selvagens. Ele respirava com força, como se tivesse corrido.

— Vamos conversar — anunciou.

— Não temos nada para conversar. Vá embora. — Seu olhar raivoso me fez temer.

— Não vou. Nós vamos conversar como deveria ter conversado desde o início.

— Quando você me traiu? — Desafiei-o e seu olhar me pareceu surpreso. Alex levou a mão aos cabelos, deixando que os dedos afundassem nos fios escuros.

— Exatamente, Charlotte. Quando eu te traí. — A voz baixa e controlada indicava que ele não recuaria e eu estremeci. Não queria ter aquela conversa. O que ele poderia me dizer que eu ainda não soubesse?

— E o que tem de novo nesta história? O que sobrou para ser contado? Todo mundo sabe a sua versão, Alex, e eu não preciso revivê-la.

— Eu sei. — Percebi a mágoa em sua voz e o quanto ele se esforçava para se manter firme e equilibrado.

— Mas nós precisamos conversar, Charlotte.

— Por quê? Por causa do que acabou de acontecer? — Eu não conseguia mencionar o beijo. Não podia.

— Porque você se arrependeu... — Eu não me arrependi! — esbravejou, então respirou fundo se controlando. — Eu só não tinha este direito.

— Não tinha mesmo. — Minha raiva foi reduzida pela metade e me culpei por ser tão frágil quando o assunto era Alex Frankli.

— Pois é, eu não tinha. — Encaramos-nos em desafio. Ele foi o primeiro a quebrar o silêncio. — Eu não deveria ter te beijado.

Ele soltou o ar que estava preso nos pulmões e me pareceu derrotado. Alex deixou que os ombros caíssem, seus olhos percorriam meu quarto enquanto ele organizava mentalmente o que iria me dizer.

Percebi que meu próprio ar ficou suspenso, aguardando suas palavras. Ele andou até a cama e sentou nela. Eu não fazia ideia do que ele poderia me dizer, mas senti medo do que ouviria.

— Eu... — ele começou ainda sem coragem para me encarar. — Eu não tinha este direito, Charlotte. Não podia deixar que acontecesse.

— Você me beijou — acusei e ele ficou impaciente. Passou a mão no rosto buscando clareza e me olhou.

— Sim, eu te beijei. Eu quis a droga do beijo e parei o que estava acontecendo antes que se tornasse uma merda maior — recuei com as suas palavras.

Alex foi agressivo e me machucou profundamente. Era assim que ele nos via? Seria tão ruim e absurdo estar comigo novamente? Pera aí, o que eu estava pensando? Esta nunca seria uma alternativa. Eu não queria Alex de volta então o fato de ele achar que seria bom ou ruim não deveria me machucar. Só que machucava.

— Droga, desculpe! Eu não sei como te dizer mais nada.

— Então não diga. — Minha frieza começou a voltar, fazendo-me assumir o papel que ensaiei durante os anos que passamos separados. — Vá embora!

— Você não entende — ele continuou com raiva. — Não é tão fácil como parece.

— Eu não... — Você nunca poderia voltar a minha vida, Charlotte — continuou se explicando e minha mente se cobriu com uma névoa de rancor e mágoa.

— Por causa de Anita? — Ele estreitou os olhos com indignação e demorou tempo demais para responder. Tempo o suficiente para me fazer perder o juízo. Fui até aporta abrindo-a com força. — Eu não quero saber de mais nada. Não quero voltar para sua vida, então vá embora e continue me ignorando.

— Mantive a porta aberta enquanto ele me encarava assustado.

— É por causa do Lipe — respondeu sem força para lutar contra mim.

— Lipe? — Alex respirou fundo, cansado, e escondeu o rosto nas mãos. Depois levantou, colocou as mãos nos bolsos e me encarou.

— Meu filho. O fruto do meu envolvimento com Tiffany. — Senti-me encolher à medida que ele falava.

— Que é abominável para você, mas que é o que existe de mais importante na minha vida. Eu não podia te beijar porque eu não posso te dar tudo de volta. Não posso te prometer o que tínhamos antes de Tiffany estragar o que vivíamos, porque eu tenho ele e o amo. E se eu tiver que escolher alguém em minha vida eu escolho ele.

Impactada me vi fechando a porta do quarto e me afastando na direção oposta. Eu tentava ouvir e assimilar enquanto minha mente trabalhava freneticamente. Eu não tinha pedido a minha vida de volta, no entanto, se eu me olhasse lá no fundo, se fizesse aquela viagem, era exatamente o que eu queria, uma chance de nunca ter deixado Alex voltar sozinho ao Brasil e nunca permitir que ele dormisse com Tiffany.

Este não era o meu maior pesadelo? Sim, era. E existia um filho, fruto deste meu temor. Tiffany morreu, mas estaria sempre entre nós dois. Era isso o que Alex me dizia.

— Desculpe, Charlotte! Eu quis aquele beijo porque não aguentei a saudade, mas fui um irresponsável, porque não pensei no Lipe e nem em como seria horrível para você. Desejei esta conversa franca entre nós dois durante todos estes anos. Palavras que definiriam o que somos e o que poderíamos ser. Me angustia não saber o que você pensa, como se sente, porém não será te beijando que vou conseguir saber.

— Por qual motivo você quer saber como eu me sinto. — Mantive-me de costas, sem coragem para encará-lo, principalmente, por ainda precisar reorganizar os meus pensamentos.

— Porque eu preciso saber que, apesar do seu ódio por mim, você está bem, que eu não te destruí, que não te limitei, que eu posso sentir todo o peso em meus ombros por ainda te amar, mas que você conseguiu continuar leve. Para mim já basta a culpa do que fiz, do que causei a você e a Tiffany, isso já é o suficiente, mas você... você não mereceu nada disso.

Abaixei a cabeça e me dei alguns segundos apenas me sentindo. Durante três anos meu coração parecia uma pedra. Eu vivia dominada pela raiva, rancor e mágoa. Vivia me culpando, buscando palavras, conversas, qualquer coisa que me mostrasse que a culpa não era minha, que eu não o tinha jogado nos braços de Tiffany, porém nunca encontrei estas palavras.

Eu me sentia pouco, nada, humilhada e abandonada por aquele que mais confiei. Então me arrastei fingindo ser o que não era, levando uma vida que eu não desejava e me esforçando para ao menos parecer ter superado. Na verdade, isso nunca aconteceu. Até aquele momento.

Quando consegui olhar para dentro de mim entendi o que Alex dizia e, por incrível que pareça, fazia todo sentido. Então, pela primeira vez em três anos me vi desarmada. Eu era apenas a mesma Charlotte e ele continuaria sendo o mesmo Alex, independentemente de todas as besteiras que fizemos. Ele ainda era o cara que confiei para me iniciar em uma vida maravilhosa. Era o mesmo homem com quem eu não tinha dificuldade em conversar, o mesmo que me entendia e me aceitava como eu era. E foi por isso que ali, naquele momento, senti vontade de falar.

Não apenas falar, mas conversar e confessar como estava sendo para mim como eu nunca havia feito.

Como jamais tive coragem de admitir aos meus amigos. Era com ele que eu precisava falar, era para ele que eu deveria dizer cada palavra que me sufocava e me consumia. Então me voltei para Alex e finalmente o encarei.

Ele havia voltado para a cama, onde me aguardava sentado, sem saber ao certo o que fazer.

Estranhamente calma fui em sua direção e sentei diante dele. Alex nada disse. Eu olhava seus olhos marejados e sentia a força que ele fazia para não se render ao choro. Eu não tinha a mesma força, então me concentrei apenas em falar e deixei as lágrimas caírem.

— Eu te odiei estes anos todos — comecei e ele não se abalou com as minhas palavras.

Alex continuou me observando, aguardando até que conseguíssemos dar um fim àquele marco histórico e, finalmente, cada um pudesse recomeçar. Ali sim seria o nosso ponto final. O encerramento de uma linda história de amor, como Romeu e Julieta. A diferença era que em vez de morrermos, nós matamos o que poderíamos viver. Juntos, cada um com sua parcela de culpa, fomos inconsequentes e deixamos tudo se perder.

— Não posso ser injusta e deixar de assumir a minha parte da culpa. — Ele tentou falar, se calando imediatamente quando segurei a sua mão. — Não sei quem posso culpar mais, Alex. Não vou te dizer que errei em perseguir você porque eu faria tudo outra vez. — Ele abaixou o olhar e mordeu o lábio, tentando evitar um sorriso. Sim, eu sabia que Alex também faria. — Depois parece que entramos em um redemoinho e, se pararmos para analisar, a tendência era mesmo afundarmos cada vez mais até morrermos afogados.

— Charlotte! — ele gemeu um protesto, porém não continuou, dando-me o direto de finalizar as minhas palavras.

— Nós vivemos tudo rápido demais. — Seus olhos voltaram para mim e eu deduzi que aquelas também seriam as suas palavras. — Eu não tinha maturidade para viver o que vivemos. Errei em muitos pontos e você também errou sendo tão passivo, aceitando cada infantilidade minha, justificando os meus erros.

Nossos pais erraram quando aceitaram e apoiaram todas as decisões loucas que tomamos. Meu pai principalmente. — Encolhi-me envergonhada por sempre ter permitido que Peter decidisse por mim. — Eu não namorei, Alex. Tudo o que tive de relacionamento foram os poucos meses que passei ao seu lado e este tempo curto teve que suportar todas as etapas, inclusive o fim trágico — sorri.

Era mesmo hilário falar da traição com tanta leveza, no entanto eu realmente não me sentia mais pesada.

Assumir para meu ex-marido todas as minhas fraquezas e erros me fazia entender mais claramente a nossa situação.

— E eu nunca deveria ter deixado você. — Seus olhos ficaram intensos. — Se eu fosse mais madura... — Respirei fundo me enchendo de coragem para dizer o que precisava ser dito. — Se eu te entendesse e respeitasse mais... Se não tivesse sido tão egoísta... Você nunca teria voltado sozinho e nunca teria se enganado quanto aos meus sentimentos e decisões. — Ele apertou minha mão com força.

— Você era jovem demais — ele disse quase sussurrando. — E imatura. Foram muitos acontecimentos.

Muitas situações para te derrubar de um pedestal que foi criado apenas para você. Eu jamais poderia esperar outra reação, Charlotte. Eu te conhecia e aceitava, porém... — Ele abaixou a cabeça envergonhado. — Eu surtei. Fiquei tão cansado e magoado, tão cheio de coisas para resolver não apenas por mim, mas por nós dois e, de repente, este peso me pareceu insuportável. — Foi a minha vez de apertar a mão dele passando-lhe força.

— Está tudo bem, Alex.

— Não. Não está. — Ele ficou tenso de repente e cheio de mágoa. — Você não entende porque não sabe de tudo.

Então ele largou a minha mão e levantou. Todos os seus músculos estavam rígidos. Imediatamente fiquei na defensiva. Havia algo de errado, algo que ele nunca havia contado e que o machucava e envergonhava na mesma proporção.

— E o que mais eu preciso saber? — Ele me olhou assustado.

O terror em seus olhos me fez recuar. O que Alex tinha feito de tão absurdo que conseguia ultrapassar a revolta pela traição?

— Nada — disse com medo. Depois respirou fundo, passou as mãos pelos cabelos e começou a andar.

— Nada, Charlotte — repetiu como se ele mesmo precisasse acreditar em suas palavras.

— Alex... — Levantei, mas ele se adiantou, caminhando para longe de mim.

— O mais importante já dissemos — e me encarou confiante.

Analisei as suas feições. Alex tinha se fechado. Ele não me contaria. Desisti de tentar entender.

Realmente o mais importante já havia sido dito e assim colocávamos um ponto final em nossa história.

— Então... — Fiz uma careta me afastando. Não entendia o porquê, apesar do alívio, machucava-me finalizar a conversa. — Fico feliz pela sua decisão.

— Que decisão? — Não virei para reconhecer a confusão em seu rosto, contudo percebi pela sua voz.

— Em escolher o seu filho, e não a mim. — Também tenho certeza que não consegui evitar a forma amarga que as palavras saíam. — Ele é seu filho, e por pior que isso seja para mim, é a decisão certa.

— Eu tive uma escolha? — A mudança do clima foi inevitável. Respirei fundo decidida a encerrar o assunto e me voltei para meu ex-marido.

— Não, Alex. Nunca teve. Mesmo assim me sinto bem em saber que ele seria a sua escolha. Abandonar um filho, não amar o seu próprio fruto, nunca faria jus a imagem que tenho de você e seria uma enorme decepção. Apesar de tudo — acrescentei, voltando a deixar de olhá-lo.

Ouvi seus passos pelo quarto levando-o para próximo da porta. Aguardei a despedida, mas ela não aconteceu. O silêncio foi constrangedor, forçando-me a conferir o que ele fazia. Alex estava virado para mim, olhando-me com intensidade e não ficou constrangido quando o encarei.

— Eu sinto muito, Charlotte — disse, deixando a emoção o dominar.

— Eu também — admiti.

— Eu não queria... não quis... — sorri complacente.

— Se não fosse Tiffany seria outra mulher, Alex. Como você mesmo disse: estava pesado demais. Em algum momento alguém te faria ver isso. — Ele mordeu o lábio e me olhou com pesar.

— Não foi assim. — Meu coração pesou. Independentemente do que ele alegasse, nada mudaria o fato de ele ter transado com Tiffany.

— Não importa — falei por fim, quebrando o silêncio que mais uma vez imperou.

— É. — Ele me olhou com mágoa. — Não importa. Foi bom conversar com você, Charlotte. Obrigado.

— Havia uma frieza em suas palavras que me congelou imediatamente. Era o ponto final que faltava.

Sorri sentindo meu coração sangrar.

— Obrigada. — E ele foi embora sem olhar para trás.

Alex Dei mais um trago em meu cigarro e olhei a praça que abrigava o jardim de inverno do hotel. Alguns casais se aventuravam no frio da manhã, ganhando a minha atenção. Olhei para o cigarro evitando o ressentimento da noite anterior. Eu pensei que quando conseguisse ter aquela conversa a dor diminuiria, mas não foi o que aconteceu. Ver Charlotte tão forte, madura, ciente do problema e o encarando de frente, abalou-me ainda mais.

Eu a queria de volta, apesar de não poder querer.

— Merda! — Joguei o cigarro no chão, pisando-o e senti o movimento atrás de mim.

— Ninguém nunca te ensinou que jogar cigarro no chão é falta de educação. — Fechei os olhos e sorri.

Ela sempre me afetaria. Sempre. — Bom dia, Alex!

— Charlotte.

Virei em sua direção sendo presenteado com uma imagem linda, da garota mais bonita que conheci, usando uma calça justa, bota com saltos altos e uma camisa gola rolê na cor vermelha. Ela sorriu e eu me senti mais leve.

— Bom dia — respondi tardiamente ao perceber seu rosto começando a corar. Ela sabia o que eu sentia.

— Voltou a fumar? — Coloquei as mãos nos bolsos, envergonhado.

— Só quando estou longe do Lipe. — Vi que mencionar o nome do meu filho fazia com que ela perdesse um pouco do brilho. Droga! Eu não podia querer Charlotte de volta. — Ele é alérgico. — Sua boca formou um “O” nítido, afirmando que ela entendia. — E asmático. — Seus olhos ficaram imensos.

— Deveria ser um incentivo para você deixar — comentou em tom acusatório. Mordi o lábio inferior e depois ri.

— Você tem razão. Vou pensar nisso quando sentir vontade de acender outro.

— Faça isso. Já tomou café? — Fiquei confuso com a sua mudança imediata de assunto.

— Ainda não.

— Não comer, mas fumar. — Estalou a língua. — Francamente, Alex! Você está entregue às baratas — ri com vontade.

— Devo estar mesmo.

— Vamos, deixe-me alimentá-lo. — Ela me pegou pelo cotovelo e eu respirei fundo sem conseguir me mexer.

Charlotte estava me convidando para o café? Mas... pensei que o máximo que poderia acontecer entre nós dois seriam os cumprimentos tradicionais e ditados pelas regras da sociedade.

— O que foi? — Ela me encarava com aqueles olhos azuis encantadores, agindo como se nada tivesse acontecido.

— Você tem certeza? Nós... ontem... — Nos tornamos inimigos? — Pareceu assustada, como se estivesse abusando da minha boa vontade.

— Não! — Apressei-me em desfazer aquela ideia. — Só fico preocupado em estar invadindo demais o seu espaço. — Ela me olhou com curiosidade, depois arqueou uma sobrancelha, cruzou os braços e falou: — Desde que você não volte a me beijar. — Olhei sua mão em torno do corpo. O anel de noivado ganhou a minha atenção de imediato.

— Não vai voltar a acontecer, Charlotte. Eu já disse antes.

— Claro — balançou a cabeça concordando. — Lipe.

— E o seu noivo. Não posso deixar de respeitar a sua vontade. — Por um segundo imaginei que Charlotte se perdeu na conversa, como se ela não soubesse do que eu estava falando.

— Oh! Sim, meu noivo. — E começou a agir desconsertadamente. Provavelmente por causa da traição da noite anterior, afinal de contas ela correspondeu ao beijo.

Sim, ela correspondeu e ficou ofendida quando eu recuei. Escrutinei seu rosto tendo a certeza de que transaríamos naquele banheiro se eu tivesse continuado. Thomas merecia aquela resposta, mas eu não podia ser tão petulante, nem egoísta. Charlotte tinha feito a escolha dela e eu a minha. Contudo não consegui evitar meu sorriso convencido.

— Vamos, Alex! Aqui está gelado e eu estou morrendo de fome. — Se apressou caminhando em direção ao salão onde era servido o café da manhã.

Com passos vacilantes segui a minha ex-esposa. Por trás eu podia analisar suas curvas mais definidas.

Charlotte estava maravilhosa e me atraía de uma forma que me deixava desconfortável. Eu tentava pensar em tudo, menos na sua bunda, que desfilava na minha frente como um convite.

— O que vai comer. — Ela se virou rapidamente. Parei constrangido por estar mesmo secando a minha ex-esposa. Ela sorriu vaidosa. Mais uma novidade. — E então?

— Por quê?

— Porque o café da manhã daqui é uma perdição. Cada bolo... hum! — Fechou os olhos e minha boca salivou.

Não pelos bolos, mas pelo gemido gostoso que ela emitiu. Tive uma ereção instantânea. Que merda!

Graças a Deus eu usava um casaco grosso e jeans. Se estivesse com calça social já estaria mais do que envergonhado.

— Entendi. Nada de frutas, pão integral e queijo branco para você. — Ela negou com a cabeça como uma garota sapeca, prestes a aprontar alguma coisa. Seus olhos brilhavam. Deus! Eu sentia falta daquela Charlotte. — Então vamos de bolo — respondi sem tirar os olhos do seu rosto. Estava louco de vontade de beijá-la.

Que merda! Eu não podia sentir vontade de beijar uma mulher que não era mais minha. Charlotte estava noiva, eu tinha Lipe, ela odiava a ideia de Lipe existir. O que eu estava pensando?

— E chocolate quente? — Pisquei algumas vezes encantado demais para desvencilhar o olhar daquele rosto corado e cheio de vontade.

— Tudo o que você quiser, Charlotte. — Ela ia falar, mas imediatamente parou envergonhada e abaixou o olhar.

— Então vamos. — Saiu na frente para buscar pratos para nos servirmos.

Segui-a colocando o mesmo que ela escolhia, sem conseguir pensar em nada diferente de arranjar uma forma de esquecer aquela menina. Ela me tentava, sorrindo nas horas certas, colocando as mechas de cabelo atrás da orelha e corando quando percebia o quanto eu a encarava. Charlotte me contou sobre o mundo, sobre as suas viagens, o seu público, tudo o que eu sabia, mas que nunca tive a oportunidade de ver através dela. Foi incrível!

— Então... — Ela colocou as mãos para baixo da mesa e me pareceu sem jeito. — Você e Anita estão juntos. — Fiquei tão chocado com o que ela disse que não consegui responder de imediato. Abri e fechei a boca várias vezes querendo entender o que exatamente Charlotte perguntava. Porque eu tinha certeza que ela nunca pensaria que eu poderia... oh, droga!

— Não! — Minha voz saiu ofendida. Ela sorriu, apesar de tentar esconder este fato. — Eu pensei que sim. Vocês... — Ela é madrinha do Lipe, uma escolha da Tiffany, lógico, que acabou sendo de muita serventia.

— Ah! — Ela encostou na cadeira acolchoada e olhou para fora.

— Eu nunca dormiria com Anita, Charlotte. — Ela deu uma risadinha de sarcasmo e não voltou a me olhar. — Não tenho motivos para mentir para você. Não somos mais casados. — E me arrependi-me imediatamente daquelas palavras. Ela se ofendeu.

— E você pode transar com quem quiser — acrescentou me olhando de forma fria e dura. Completamente diferente da Charlotte de alguns minutos. A coluna ereta indicava a sua posição defensiva. — Assim como eu.

Pois é, ela me atingiu em cheio. Não respondi, voltando a minha atenção para o restante do chocolate quente e evitando pensar em mais um cigarro. Não pude deixar de me sentir aborrecido, e me aborrecia muito mais saber que eu não tinha esse direito.

— Já está pronta para o seu evento hoje?

Ela teria uma coletiva de imprensa e uma palestra com blogueiros, onde apresentaria o livro novo. Eu queria acompanhá-la, só que não faria isso, nem que eu precisasse me amarrar em uma cadeira.

— Ainda não. Vou me trocar e depois Márcia vem me buscar. — Olhei o relógio conferindo as horas.

— Ainda dá tempo. — Ela estreitou os olhos — De você se arrumar, descansar... — enrolei. — Você volta hoje ou amanhã?

— Amanhã. — Continuou me olhando como se buscasse alguma resposta. — E você?

— Amanhã bem cedo. — Ela concordou com a cabeça. — Hoje eu tenho reunião com os livreiros. — Não sei por qual motivo comecei a ter necessidade de falar. Provavelmente por causa do clima tenso que ficou após as palavras inúteis que utilizei com ela. — Outras três editoras também vão apresentar as novidades.

— Que ótimo! Então... — Ela levantou e meu coração acelerou. — Boa sorte!

— Para você também. — Permaneci sentado vendo Charlotte partir mais uma vez sem que eu pudesse fazer algo para mudar a nossa situação.

Charlotte — Eu achei ótimo ele ter forçado esta conversa. Vocês dois precisavam — Johnny falava enquanto eu esperava a banheira encher.

Eu estava exausta. Cansada de verdade. Sentia meus pés, meus ombros e minha cabeça doerem. Testei a temperatura da água me certificando que era exatamente o que eu precisava.

— Vou colocar no viva-voz — anunciei já fazendo o processo e descartando o roupão para entrar na água quente e cheirosa.

— Nem acredito que você ainda curte isso, Lottie — ele ria enquanto falava.

— Isso o quê?

— Conversar com alguém enquanto toma banho.

— Eu não faço isso. Quer dizer... só com você e Miranda — ele riu mais. — Então, eu achei que tomar café juntos selaria a paz entre nós dois e nos manteria em um bom nível de trabalho.

— Uau! Muito maduro da sua parte. — Revirei os olhos, deitando até que meus ombros estivessem dentro da água. — Me diga, ele tentou algo?

— Não!

Lógico que escondi o episódio do beijo. Por dois motivos: eu não estava pronta para dizer que aceitei tão fácil, e eu estava ainda menos pronta para dizer que ele me recusou. Podem me julgar.

— Hum! — Silêncio. O que significava perigo em se tratando de Johnny.

— Ele sabe que não tem chance. — Fiquei imediatamente na defensiva. — E ele tem coisa melhor para pensar do que tentar me convencer a voltar.

— Eu não disse nada, Charlotte.

— Eu sei. — Mais silêncio. Comecei a ficar tensa. — Johnny?

— Eu estava aqui pensando... — Cuidado!

— Com o quê?

— Você pensando é mesmo algo de extraordinário. Pode ser que sua cabeça exploda.

— Tão engraçada você! Como eu ia dizendo: porque será que ele te procurou para conversar e não quis ficar com você? Quer dizer... ele é louco por você, seria imaginável que ele tentaria pelo menos algo, afinal de contas vocês estão sozinhos e tal... — Que imaginação!

— Eu quero te contar uma coisa importante.

— Quem você engravidou? — Ele deu uma risada gostosa.

— Desse mal eu não morro.

— Nem eu — falei baixinho me encolhendo ainda mais.

— Lottie... — Não quero conversar sobre isso, Johnny. Não hoje, por favor!

— Tudo bem. Mas não era sobre isso o que eu queria conversar. Eu queria te contar porque Anita não está dormindo com o Alex — suspirei, tentando relaxar na água.

— Por que ele não quer?

— Com certeza por isso também — riu sem jeito.

— Por que ela tem uma doença grave e vai morrer em breve?

— Que horror! Eu não quero que fique tentando adivinhar. Posso contar ou não?

— Pode.

— Porque eu estou dormindo com ela. — Levantei imediatamente olhando o aparelho sem acreditar na sua revelação. — E isso vem acontecendo desde antes da sua formatura.

Puta merda!


Capítulo 7


“Se ela soubesse o que ela é pra mim! Quem me dera ser a luva dessa mão, para poder tocar aquele rosto!” William Shakespeare Alex Segurei a prancha e percebi João Pedro na areia, de paletó e gravata, parecendo um idiota almofadinha.

Balancei o cabelo tentando tirar o máximo de água possível e quando voltei a olhar meu amigo ele ria.

— Parece uma bicha sensualizando — riu com as mãos nos bolsos. — E você presta muita atenção em mim. Até parece que está apaixonado. — Você não tem o que eu gosto — ele parou e fez uma careta. — Não tem tudo o que eu gosto — salientou o tudo e sorriu largamente. — Mas dá para o gasto. — É. Eu tenho uma coisa aqui que você com certeza gosta muito. — Coloquei a mão no pau sem deixar de olhar o meu cunhado. — Não conhece ainda, mas se conhecer vai adorar.

— Vá se foder! — Ele pegou no próprio pau como se estivéssemos em uma disputa e eu ri.

— Era para você estar aqui cedo, não no final do dia.

— Final do dia? Todos os trabalhadores estão neste momento indo para os seus empregos. Você é um playboy desgraçado.

— Você está ficando velho, João. Nem consegue mais acordar cedo. — Eu tenho duas meninas em casa.

Você sabe que Lana não gosta que eu saia cedo.

Ela precisa de ajuda com as crianças e fica aborrecida quando eu deixo tudo para ela. — Eu também tenho um filho que é da mesma idade das suas filhas — rebati, levantando o rosto para o sol secar minha pele. O cabelo comprido grudava na testa e atrapalhava a minha visão.

— Você tem Anita que não se importa em fazer todo o trabalho do Lipe desde que você lhe dê a devida atenção. — Fez um gesto com a mão indicando que eu comia a Anita.

— Você sabe que eu não tenho nada com ela. Anita se dedica a Lipe porque o ama. — Sei. O que você queria mesmo? Eu tenho que dar aula sabia? Não vivo da praia, do sol e da areia.

— Então por que veio? — Andei em direção ao quiosque e ele me seguiu de perto. — Porque quero saber como foi com Charlotte. — Seu sorriso amplo me ofendia. — Você parece uma velha fofoqueira.

— Pareço muitas coisas, mas tenho pouco tempo e quero saber como foi então desembucha.

Parei, acomodei a prancha, passei a mão no cabelo, respirei fundo e comecei. — Foi horrível! — Ele pareceu espantado com as minhas palavras. Seus olhos se arregalaram.

— Não me diga que Charlotte se transformou naquele tipo de ex-mulher insuportável. Que não perdeu nenhuma oportunidade de jogar em sua cara o que você fez. Ela virou uma megera. — Fez cara de nojo. — Aposto que você ficou todo fodido, não foi? Tenho certeza que ficou como um idiota atrás dela e ela como a diva que esnoba o ex. Puta que pariu!

— Cala a boca, João!

— Ok! Conte — ele falou ofendido, colocando as mãos nos bolsos e aguardando eu falar.

— Não foi nada disso. Deus! Às vezes acho que você é mulher, porque estou para conhecer alguém que consiga criar mais histórias fantasiosas do que você. — Então deu tudo certo.

Vocês transaram.

— Não! João, fique de boca fechada. — Ele fez o sinal de estar trancando a boca.

Ri. João Pedro era ridículo. — Charlotte foi... — Pensei em como eu poderia descrever a situação. — Madura.

João fez uma careta descrente. Certo, até eu achava difícil ser verdade. Juro que imaginei e vivi a cena um milhão de vezes em minha cabeça, onde Charlotte me acusaria, me daria uns tapas e depois fingiria não me conhecer. Se recusaria a estar próxima de mim. Se bem que me bater ela bateu, mas o motivo não foi nada relacionado ao nosso caso.

— Ela foi incrivelmente madura, João.

— Estou quase enfartando. Preciso de uma água. — Ele saiu do sol e entrou no quiosque sinalizando para o garçom. — Uma água — gritou e sentou em uma das mesas. Depois me olhou e sinalizou para que eu sentasse também. — Conte tudo. — Pior do que Lana — resmunguei. — Então. Ela foi gentil e agradável. Não me ignorou em momento algum e finalmente tivemos a conversa.

— Vocês transaram?

— Não! — falei alto demais e ofendido, sem saber porquê. Depois fiquei envergonhado. — Mas nos beijamos.

— O quê? — Foi a vez dele de gritar. O garçom, que estava se aproximando, se assustou. Dei um tempo enquanto ele deixava a água e se afastava para voltar a falar. — Eu a beijei e ganhei um tapa na cara. — João riu alto, voltando a chamar a atenção do garçom. — É sério, João! Por causa disso tivemos a conversa. — Porra, Alex! — continuou rindo. — Charlotte me deu material para um ano inteiro. Você está fodido. Agora me conta, o que conversaram? — Respirei fundo organizando os pensamentos.

— Basicamente concordamos que não podemos ficar juntos. E... ela está noiva. — Lana me contou. Que loucura é essa?

— Ah, João! Ela tem este direito e eu devo me conformar. — A verdade é que eu não me conformava.

— E você não vai fazer nada? Alex, eu tenho um plano.

— João, você não entendeu, eu não... — Cala a boca, Alex! Eu tenho um plano.

Ele me olhou determinado e eu sabia que não poderia escapar do que quer que ele estivesse armando.

Charlotte Eu estava com medo.

Não. Eu estava morrendo de medo. Tanto que tremia, suava e não conseguia ficar parada.

Olhei para Miranda que conferia mais uma vez o celular. Aguardávamos apenas a chegada do noivo e do seu irmão, Alex. Céus! Encontrá-lo sem os olhares expectadores era uma coisa. Encontrá-lo sabendo que todo mundo estaria olhando e aguardando para saber como seria era uma droga sem tamanho.

Havia uma cobrança de conduta em cada olhar que eles me davam. Eles no caso seriam Miranda, Peter e Johnny, que não tinha nada para fazer ali, mas foi mesmo assim.

— Calma, Charlotte — ele sussurrou no meu ouvido. — Não vai ser tão ruim assim. Vocês já se encontraram, já conversaram e ele não te atacou.

— Anita vem? — Ele sorriu amplamente.

— Não. E pare de implicar com ela.

— Vocês estão namorando?

— Não. — Fez uma careta ofendida.

— Pretendem namorar?

— Não! De onde você tira essas coisas? Nós só transamos.

— Deus! Tenho vontade de te bater.

Virei para frente encarando o altar e vi meu pai conversando com o novo padre, Fernando, que havia substituído o padre Messias. Ele havia falecido alguns meses antes, já bem velhinho. Padre Fernando era novo, alto e bonito e eu nunca conseguiria me confessar com ele. Nunca.

— Lembre que meu rolo com Anita salvou a sua pele.

— Nunca vou te agradecer por isso, embora tenha achado ótima a sua ameaça. Hipócrita dos infernos.

Transando com você e querendo acusar Alex. Minha vontade é contar tudo para ele.

— Você não vai fazer isso, eu te disse... — Não vou contar. Esse é um problema seu, e Alex não é mais meu marido para eu me preocupar com as pessoas que fazem parte da vida dele.

— Preocupada você está, só não quer dar o braço a torcer.

— Oh, Johnny, por que você não vai... — Graças a Deus! — Miranda levantou indo para o fundo da igreja. Estremeci imediatamente. — O que aconteceu?

— Meu celular acabou a bateria, Alex passou o tempo todo falando no dele e pegamos congestionamento.

— Ouvi som de estalos de lábios se tocando. Tive medo de virar.

— Lipe! — Minha amiga disse com alegria. Fechei os olhos e respirei fundo.

— Relaxe — Johnny sussurrou e levantou para encontrar o meu pesadelo. — Lipe — falou com alegria indo em direção ao garoto.

Permaneci sentada, olhos fechados como se estivesse fazendo uma oração. Eu não precisava passar por aquilo. Não era possível que todo mundo encarasse aquela situação tão naturalmente. Deus! Alex havia me traído e o tal Lipe era o fruto daquela traição. Meu Deus, eu precisava parar de tremer.

— Oi! — A voz infantil ao meu lado me fez estremecer.

Abri os olhos bem devagar e virei o rosto encontrando o mesmo menino tímido que eu tinha visto na praia. Ele me olhava com curiosidade. Os olhos exatamente como os do pai. Lindos! Ele passou a mão nos cabelos lisos que desciam pela testa e ajustou os óculos, como eu fazia. Meu coração perdeu uma batida.

— Eu sou Lipe. — A voz infantil era encantadora. Ele não sorriu, apenas ficou me observando. — Quem é voxê?

— Eu... — Pisquei e precisei respirar fundo. Era o filho de Tiffany. Dela e do meu ex-marido. Ele era o meu pesadelo... nem assim eu conseguia sentir mágoa ao olhá-lo. — Eu sou Charlotte.

— Chachote? — Encarei a criança doce a me olhar com curiosidade.

— Não. Char-lo-tte — falei pausadamente para ele entender. Sua cabeça inclinou um pouco para o lado e ele cruzou os braços gordinhos.

— Cha... cha... ti — repetiu seriamente.

— Quase isso. — Meus ombros relaxaram e tive vontade de rir.

— Lipe. — Alex estava ao nosso lado. A mão no ombro do filho indicava a postura de defesa que ele se colocava. Como se eu fosse capaz de maltratar a criança. — Tudo bem?

— Papai, oh Cha... cha... — Charlotte — disse e se abaixou na frente do filho para igualar as alturas. — O que faz aqui?

— Papai do céu. — Apontou para a imagem de cristo crucificado. — Bonito!

— É lindo. — Alex sorriu e eu nunca tinha o visto sorrir de forma tão esplêndida. O amor que ele sentia pelo filho era puro, real e completo. E então ele olhou para mim. — Como vai, Charlotte?

— Cha... lhoti — Lipe disse sendo carregado pelo pai.

— É Charlotte — Alex ensinou e sorriu para o filho.

Percebi muito tarde que eu não havia respondido à sua pergunta, mas não havia mais como encaixar uma resposta na imagem à minha frente. Fiquei parada, congelada, encantada e engasgada com o que eu via.

Alex com uma criança em seus braços, uma cópia fiel dele. Alex feliz com um filho. Um filho que não era meu. Nunca seria. Minha cabeça girou e de repente eu me vi de pé, sufocando.

— Com licença. — E saí antes que ele pudesse dizer qualquer coisa.

Do lado de fora da igreja o ar fresco me fez sentir melhor. Eu respirava com dificuldade, tentando reorganizar meus sentimentos, rezando internamente para não surtar. Não ali. Por favor, não! Uma mão em meu ombro me sobressaltou.

— Que susto, pai!

— Você está bem? — Ele encostou ao meu lado e generosamente ficou olhando a rua, ao invés de me encarar exigindo respostas.

— Não — confessei. Eu não queria fingir ser forte, queria só fazer com que a ferida se fechasse.

— É por causa do Lipe?

— É por causa de tudo. De tudo mesmo. Do que eu não tenho mais, do que eu nunca poderei ter, do que eu jamais poderei sonhar em ter.

— Lottie... — disse sentido. — Eu queria poder arrumar uma forma de mudar tudo, filha.

— Mas não pode, pai. O senhor precisa compreender que não pode construir a minha estrada. Eu tenho eu que sentir o chão, escolher os caminhos e seguir sozinha. — Fui áspera sem precisar ser. — Desculpe!

Desculpe! — Abracei meu pai, que apenas retribuiu o abraço.

— Eu preciso de vocês. — Miranda se aproximou. Ela parecia se desculpar por me forçar a dar continuidade aos seus planos.

— Charlotte não está bem.

— Estou sim — rebati, sem deixar que aquele problema me afogasse de vez. — Podemos ir. — Saí na frente deles, posicionando-me ao lado da cerimonialista, que já organizava as pessoas.

— Os padrinhos entram primeiro. A música será uma surpresa, a Cibele, aquela garota de cabelos pretos ali. — Apontou uma menina que sorria amplamente e acenava para a gente. — Ela vai indicar o momento certo para vocês começarem a entrar, entendido?

— Sim — Alex falou decidido e eu só concordei com a cabeça.

— Logo depois o noivo e a mãe da noiva. — Encolhi-me. Como alguém poderia substituir a minha mãe naquele momento? Ela com certeza estaria tão eufórica quanto Miranda, e se divertiria com cada detalhe.

— Eu vou entrar com a minha mãe — Patrício respondeu com certa curiosidade. — O noivo não entra sempre com a mãe? — A mulher olhou em seu tablet e ficou sem graça.

— Perdão. A informação está aqui, desculpem-me. Então — conferiu mais uma vez o tablet —, o noivo vai entrar com a mãe. Onde ela está?

— Não pôde vir. Pode ficar tranquila que com ela está tudo certo. — Mais uma vez Patrício esclareceu as coisas.

Eu apenas tentava manter o foco em qualquer coisa que não fosse naquela criança sentada na entrada da igreja com um celular nas mãos.

— Depois da entrada do noivo teremos a criança. Onde está a criança?

— Lipe — Alex o chamou. O menino saiu correndo e ficou próximo ao pai.

— Oi, coisa linda! Está preparado para ser o centro das atenções? Onde estão as daminhas?

— Ficaram presas no congestionamento. Vamos dar seguimento sem elas. — Miranda pareceu aborrecida ao responder. As daminhas com certeza eram as filhas da Lana.

— Ok! — A mulher mexeu em seu tablete mais uma vez. — A noiva vai entrar com o padrinho. Vamos nos organizar?

Formamos uma fila ridícula, cada um em seu lugar, as conversas sussurradas com contos engraçados e a movimentação do Lipe que sempre saía do seu lugar. Nada disso me deixou relaxada. Alex estava do meu lado. Muito próximo. Mais do que deveria. Vi quando ele me ofereceu o braço, fingi não ter notado.

— Charlotte, você precisa me dar o braço. — Olhei a cerimonialista, que gesticulava impaciente para que começássemos a andar.

— Olhem para ela. — Apontou para Cibele, que caminhava na nossa frente com passos lentos, demonstrando como deveria ser.

Deus, eu sabia como deveria ser! Eu já fui casada. Sabia como uma festa de casamento era desgastante, cansativa, apesar de linda e fantástica. Foi inevitável não pensar no meu casamento. A cerimonialista continuava me aguardando. Respirei fundo e coloquei meu braço no dele. Alex pareceu relaxar imediatamente. E eu fiquei ainda mais tensa.

Por que as malditas faíscas continuavam surgindo? Que inferno me sentir atraída por ele quando eu deveria esquecer que ele existe! Frustrada, andei rápido demais e ele acabou me puxando para trás para que eu acertasse o passo. A reação inesperada fez com que eu me jogasse para frente e em dois segundos estávamos os dois no chão.

Atordoada, pois bati a testa no chão de madeira, já que o tradicional tapete vermelho não estava lá, só consegui identificar que Alex estava em cima de mim. Em cima mesmo. Pensei que meu rosto explodiria.

— Merda!

Comecei a empurrar para que ele saísse, pois, a cena embaraçosa, somada ao meu desespero só piorava as coisas. Alex tentava levantar e me ajudar ao mesmo tempo, eu o empurrava, dificultando o seu trabalho e, para piorar tudo, Lipe, o diabinho em corpo de criança, achou que estávamos brincando de montinho e se atirou nas costas do pai, rindo e pulando.

Eu queria morrer!

*** — Charlotte, seja razoável Miranda estava furiosa comigo. Eu não tinha como julgar a minha amiga. Depois que conseguiram tirar Alex e Felipe de cima de mim eu simplesmente fui embora. Exatamente. Não aguentei a minha vergonha nem as risadas incessantes do Patrício e do Johnny. Levantei, dei as costas e saí ajeitando minhas roupas. Consegui um táxi antes que eles se dessem conta do que eu pretendia fazer e assim cheguei em casa com o celular me alertando o tempo todo de novas mensagens e ligações perdidas.

Que se dane!

Mas Miranda nunca seria Miranda se não fosse até o nosso apartamento, ou meu apartamento, já que ela morava com o Patrício, tirar satisfações. Minha cabeça estava estourando.

— Cortejo é brega — rebati, voltando a dar atenção as minhas calcinhas que eu fingia organizar em meu closet.

— Brega é essa calcinha que você está segurando. Que coisa horrível! Graças a Deus você está solteira.

— Foda-se!

Eu sentia raiva de mim, de Alex, de todos que estavam lá, menos do menino. O menino sim, de tempos em tempos, chegava a minha mente de uma forma estranha. Era como se ele fosse uma assombração, eu estremecia, mas me via indo sem sua direção.

— Você é a minha madrinha e disso eu não abro mão. Alex é padrinho do Patrício e ele também não abre mão. Não podemos desistir de vocês faltando uma semana para o casamento. — Seu olhar triste me deixou mal. Droga! Não dava para acreditar que eu estava sendo tão infantil. Respirei fundo deixando as calcinhas e fechando a gaveta.

— Desculpe! É que... — Eu sei. Eu estou pedindo demais.

— Você sempre pede demais. — Fiz uma careta de desgosto e ela riu, pois sabia que eu cederia. — Tudo bem, mas sem ensaios. Eu sei muito bem o que tenho que fazer no dia. — Miranda soltou o ar e se abraçou.

— Certo. Sem ensaios. — Olhei Miranda para ter certeza de que ela não me envolveria em mais nenhum dos seus joguinhos.

— Ok! Desculpe mesmo. — Comecei a ficar envergonhada. Era tudo muito constrangedor. Miranda mordeu os lábios e depois, vencida, começou a rir. — Para com isso! — Eu também já ria sem conseguir me conter.

Meu Deus! Foi mesmo engraçado. Se não fosse tão constrangedor ter meu ex-marido em cima de mim e o seu filho pulando sobre nós dois, dentro de uma igreja com todo mundo olhando, seria uma situação que me faria rir muito.

— Céus! — Miranda limpou a lágrima que descia de tanto rir. — Aquilo foi sem comentários, Lottie.

Desta vez você se superou. — E voltou a rir com vontade.

— E eu fugi. — Já não conseguia mais parar de rir — O menino deve ter achado que eu era uma estraga-brincadeira.

— Tadinho! — Miranda falava com a voz esganiçada. — Ele até correu atrás de você. — Parei na mesma hora encarando a minha amiga.

— Como assim? — Ela ainda ria, porém, percebendo como eu fiquei com aquela informação, começou a parar.

— Não sei. Quando vimos ele já estava indo na mesma direção que você. Alex correu para segurá-lo. — Ela ficou me observando, aguardando a minha reação.

Respirei fundo várias vezes tentando fazer minha mente não criar um milhão de situações. O menino era inocente, não fazia nem ideia de quem eu era, não conhecia a minha história com o pai dele, muito menos com a sua falecida mãe. Não podia sequer imaginar o mal que ela havia feito em minha vida por ter sido obcecada pelo meu ex-marido.

Inocente! Repeti como um mantra.

— Ainda bem que Alex o segurou. — Dei as costas fingindo voltar o interesse pelas minhas calcinhas. A imagem da criança correndo atrás de mim tinha me abalado demais.

— Ele é só uma criança, Charlotte. — Suspirei.

— Não é isso. É que seria arriscado ele sair na rua atrás de mim. Que bom que Alex é um pai atento e preocupado.

— Sim ele é. Por que está fingindo que isso não te machuca? Charlotte, sou eu aqui.

Deixei as calcinhas de lado e, levando as mãos ao rosto, comecei a chorar. Droga! Ela sabia que aquilo me machucaria de uma forma absurda, então porque contou? Eu não conseguia superar aquela situação.

Nunca conseguiria.

— Lottie... — Senti suas mãos me envolverem e seu queixo de encaixar em meu ombro. — Talvez ele seja uma oportunidade.

— Não faça isso! Pelo amor de Deus, não faça isso.

— Você está sofrendo — ela gemeu em meu ouvido.

— Como espera que eu conviva com ele, Miranda. Não ouviu o que acabou de dizer? Lipe é só uma criança, ele é inocente, não tem noção do peso que a sua história carrega, eu... eu... Deus, eu não consigo falar sobre isso ainda — funguei e limpei o nariz no braço de maneira bastante deselegante. — Eu nunca vou ser boa o suficiente para ele.

— Não pense assim.

— É a verdade. — Bati a gaveta com força. — Pronto, passou.— Limpei as lágrimas e respirei profundamente. — Vamos esquecer este episódio e seguir em frente.

— Tá certo.

Saí do quarto me afastando da gaveta como se pudesse com isso me afastar daquele pesadelo.

Alex — Isso é loucura, João! Você não viu como ela reagiu ontem. — Peguei minha caneca de café e saí da cozinha para ter mais privacidade equilibrando o telefone na orelha.

Marta organizava as coisinhas do Lipe e se preparava para lhe servir o café da manhã tão logo ele acordasse. Olhei a escada conferindo se a portinhola de ferro, colocada estrategicamente para evitar acidentes, estava fechada e fui para o escritório. Ela pelo menos vai confessar que quer ficar com você.

— Eu não quero que ela faça isso. — Liguei o computador e aguardei.

— Claro que você quer, seu imbecil! Minta para o idiota do Patrício. Ele sim está tão desligado da vida que não percebe a sua mentira, eu não, Alex. Porra, eu presenciei o seu sofrimento durante estes três anos, então não dê uma de filho da puta desentendido e confesse.

Suspirei profundamente vendo a tela acender. Como se eu precisasse de mais doses de tristeza, cliquei na pasta proibida e abri uma foto dela.

Charlotte apareceu sorrindo para mim. Estava tão feliz e solta. Meu coração se apertou. Poderia ser de outro jeito, mas se eu tivesse escolha não seria. Eu não podia cogitar a falta de Lipe em minha vida.

Vamos fazer como eu falei, Alex.

— João, você parece ter merda na cabeça.

— Você vai ficar bastante agradecido quando ela te disser o quanto ainda te ama.

— Charlotte está noiva e eu tenho o Lipe. Não existe como armar este quebra-cabeça, não consegue perceber? Ela tem outra pessoa, mesmo se não tivesse, como conseguiríamos fazer com que ela aceitasse o Lipe? Você não estava lá ontem quando ele foi falar com ela.

— Ela foi grosseira?

— Não, só ficou assustada como se ele fosse uma assombração.

— Isso é uma merda, cara, mas ainda confio em meu plano.

— Esqueça. É sério! — Ouvi a batida leve em minha porta e vi Anita parada e sorrindo. O que ela fazia ali? Ela acenou. — Falo com você depois, pode ser?

— Você é um covarde. Vai trabalhar em casa hoje?

— Vou sim. Tenho uma caixa cheia de e-mails da sua esposa. Ela não dorme mais não?

— Nos segundos que as gêmeas apagam. — ri. Valentina e Catarina eram cheias de energia, iguaizinhas a mãe.

— Certo. Nos falamos depois — continuei, observando Anita parada a minha porta. — O que faz aqui tão cedo? — Aproveitei e fechei a foto de Charlotte. Eu não precisava de mais aborrecimentos.

— Esqueceu? — Estreitei os olhos sem saber do que ela falava. — A primeira vernissage do Lipe. Não acredito que esqueceu.

Merda! Eu tinha realmente esquecido. Ele estava empolgado porque pôde participar das aulas de pintura na escola, já que conseguimos importar as tintas antialérgicas. Que droga, eu estava atrasado.

— Ele não acordou ainda — avisei já levantando para conseguir me arrumar. Anita me olhou com atenção conferindo meu corpo. Uma calça solta de moletom não ajuda em nada, apenas atiçava a sua imaginação.

— Mandei Marta acordá-lo. Relaxe que ainda temos tempo. — E eu teria que, mais uma vez, mostrar para as pessoas que Anita não era a minha esposa, muito menos a mãe do meu filho. Era um saco!

— Vou me arrumar. Volto em alguns segundos.

Subi correndo, vesti uma calça jeans e uma camisa polo, procurei meu sapato favorito. Olhei-me no espelho e vi a barba crescendo. Não daria tempo de fazer. Arrumei o cabelo fazendo uma anotação mental para lembrar de cortar antes do casamento. Coloquei um pouco de perfume e procurei a carteira.

Em posse de tudo, desci de volta encontrando um Lipe preguiçoso sentado na sua cadeira enquanto Marta tentava fazê-lo comer alguma coisa.

— Não está animado? — Brinquei beijando o seu rosto. Ele se encolheu ao contato com a barba, mas riu.

— Precisa comer para ficar forte e me mostrar tudo o que pintou.

— Uma casa — disse com voz de sono. Eu amava a voz do meu filho. Sorri largamente.

— Uma casa grande?

— Gandona. — Abriu os braços para mostrar o tamanho e acabou fazendo os óculos saírem do lugar.

Anita riu e brincou com o cabelo dele.

— Vamos, Lipe. Estou ansiosa para ver essa casa. — Arrumou a camisa dele enquanto falava, como uma boa mãe faria. Não consegui evitar a careta que fiz pela ideia.

Assim que Lipe acabou fomos para o meu carro. Anita foi com a gente, afinal de contas, não fazia sentido ela ir no carro dela se tinha se dado ao trabalho de ir até a minha casa para levar o Lipe.

A escolinha estava cheia de pais, amigos, irmãos, todo mundo sorrindo e festejando os desenhos dos seus filhos. Lipe segurou em minha mão e na de Anita e entrou todo orgulhoso, praticamente puxando-nos para encontrar os seus desenhos. A professora tentou falar com ele, mas meu filho tinha pressa em conseguir achar a sua parede.

— Ali, papai! Ali! — disse animado, pulando de alegria.

Cinco desenhos eram exibidos logo abaixo do nome do meu filho. Ele mostrou satisfeito um por um. Um passarinho, segundo a lógica dele, o que nos fez dar risada. A praia e o que ele disse ser a minha prancha. Um cachorro, que era o sonho da vida dele, infelizmente não podíamos ter um cachorro em casa sendo ele tão alérgico. Um coração, que ficou lindo, por sinal e por último, a casa que ele tinha dito. Na frente dela uma criança e dois adultos.

—Veja, papai. — Puxou minha mão indicando a casa. — Papai, Lipe e Dinda.

Senti meu coração disparar. Lipe tinha desenhado a nossa casa, mas na cabecinha dele, a nossa família era composta por nós três. Estremeci.

— Que menino lindo! — Anita o carregou e beijou a sua bochecha.

— E quem é essa aqui?

Apontei um desenho borrado ao fundo da casa, no mesmo estilo dos outros, um monte de bolas indicando o corpo e dois traços na cabeça, quando curto significava que era homem e grande, mulher. Ele se debateu para Anita colocá-lo no chão.

— Mamãe — disse inocentemente.

Fiquei sem saber o que dizer. Olhei para Anita, que me encarava boquiaberta e depois voltei a olhar o desenho. Aquela não era Tiffany. De forma alguma. Ele havia pintado os traços que seriam o cabelo de marrom e Tiffany era loira.

Aquela era Charlotte.

Puta que pariu. Eu estava enlouquecendo.


Capítulo 8


“Se o amor é cego, não pode acertar o alvo.” William Shakespeare Alex — Vai ver alguém falou da Charlotte para ele — Patrício falava ofegante enquanto impulsionava a bola em direção a cesta. Parei puxando o ar.

— Ele só tem dois anos. Mesmo que alguém dissesse quem era Charlotte ele não entenderia para associá- la a mãe.

Eu não conseguia tirar aquela ideia da cabeça. Lógico que tentar encaixar Charlotte naquele contexto chegava a ser uma loucura. Aquele desenho poderia ser inclusive a professora do Lipe, mas naquele momento, no segundo em que vi a figura, eu tive a certeza de que era ela. E Anita também. Tanto que ficou emburrada e foi logo embora.

— Pelo amor de Deus! — Johnny pegou a bola e partiu correndo para o outro lado.

Há mais ou menos um ano ele tinha aceitado jogar basquete com o meu grupo de amigos e desde então não faltou a nenhum encontro. No início eu achei que ele traria notícias de Charlotte, porém Johnny apenas chegava, jogava e partia. Só falava sobre a minha situação se eu perguntasse, e eu quase nunca fazia isso. Deixei o pessoal correr atrás dele e fiquei ao fundo.

— E se ele realmente enxergar Charlotte como a mãe, não é bom para você? — Patrício parou ao meu lado, curvando o corpo e segurando os joelhos.

— Primeiro. — Tentei respirar corretamente. — Ele não pode estar associando Charlotte a mãe dele.

Não tem como — Vi Johnny arremessar e marcar três pontos. — Merda! — Resmunguei sem muita vontade de correr para buscar a bola. — Segundo: Charlotte jamais vai aceitar conviver com ele. Ela não consegue nem ficar perto do Lipe.

— Foi a primeira vez dela, Alex. Dê tempo ao tempo. — Começou a se posicionar para receber a bola.

Vi meu irmão pegá-la e errar mais uma cesta. — Miranda me disse que o problema não é apenas o fato de o Lipe ser filho da Tiffany, mas não quis me dizer o restante.

— O restante é que ele é fruto da minha traição. Será como lembrá-la todos os dias o que aconteceu.

— Você quer mesmo voltar com ela, não é? — Ele me encarou, com as mãos na cintura e deixou passar uma bola boa.

— Por que está todo mundo achando isso? Lógico que não! — Meu coração martelava no sentido contrário à minha informação. Patrício riu com escárnio.

— Tudo bem! Então não vai se importar em saber que ela está logo ali. — Largou essa e saiu em busca da bola. Fiquei atordoado, olhando para os lados, querendo entender o que ele queria dizer com aquilo.

Foi quando a vi. Charlotte andava tranquilamente ao lado de Miranda, fazendo uma caminhada matinal.

As duas conversavam alheias a tudo ao redor. Usavam roupas próprias para atividades físicas e tênis.

Charlotte estava com os cabelos presos, usava boné e óculos escuros, nem assim eu deixei de reconhecê- la, nem meu coração de acelerar.

Elas não se importavam com nada, nem com as notícias ruins sobre recentes assaltos na Lagoa. Fiquei apreensivo e então a bola me acertou em cheio.

— Porra, Alex! — Gustavo gritou. — Presta atenção, cara!

— Tá tudo bem? — Johnny bateu em meu ombro. — Algum problema? — Ele seguiu meu olhar e entendeu. Com uma cara de quem deixava claro que era solidário, saiu para voltar ao jogo.

— Tô fora, hein — Patrício gritou e ouvi os gritos de protesto. — Minha mulher chegou, porra! — ele rebateu rindo e saindo da quadra para ir em direção a Miranda.

Fiquei parado sem saber o que fazer. Elas duas estavam distantes ainda. Era melhor eu me aproximar?

Era melhor eu ignorá-la? O que eu deveria fazer?

— Alex? — Rodrigo cobrou a minha presença.

Afastei-me recebendo a bola, fiz a jogada e voltei a olhar na direção dela. Vi Patrício e Miranda conversarem e depois se despedirem, deixando Charlotte sozinha na Lagoa. Ela não deveria estar ali sozinha. Johnny passou por mim, correndo com a bola e eu nem fiz menção de impedi-lo. Meus amigos protestaram.

— Vá ficar com ela — Johnny disse ao voltar.

— Não acho que eu deva. — Voltei a minha atenção para os meus amigos tentando me situar no jogo.

— Ela está vindo pra cá — ele passou por mim falando enquanto tentava emparedar o Cláudio.

Olhei para onde ela estava e vi que Charlotte se aproximava. Ela abraçava o corpo com insegurança e seus olhos também estavam fixos em mim. Suspirei desistindo de tentar me manter distante. Johnny riu atrás de mim e bateu em meu ombro.

— Vamos reorganizar — gritou enquanto eu me afastava do grupo e ouvia os protestos de desagrado.

Andei até Charlotte. Ela tentava não demonstrar a sua ansiedade, falhando consideravelmente. Eu não sabia se estava fazendo a coisa certa, se não a incomodaria depois do que aconteceu na igreja, mas a verdade era que meu coração disparado me dizia que eu não poderia fazer diferente.

Ela começou a ficar agitada à medida que eu me aproximava e, como sempre, sua mão procurou os óculos, ainda que desta vez fosse o escuro ajustando-o no rosto, depois correu a outra mão pelo rabo de cavalo e enrolou os fios nos dedos. — Oi. — Mantive distância enquanto avaliava a sua reação.

— Oi. Hum... Miranda inventou uma desculpa e... fiquei sem carona. — Olhei na direção que meu irmão tinha ido com a noiva. — Vou aguardar o Johnny para voltar para casa.

— Está sem carro?

— É... — ela gaguejou e eu tive vontade de sorrir, mas não fiz. — Eu achei que seria exagero alugar um carro, já que só vou ficar um pouco mais de um mês. Já vi que não foi uma boa decisão.

— Bom, eu posso te dar uma carona. — Dei de ombros me sentindo um idiota por temer tanto por aquela oferta. — Johnny ainda vai demorar um pouco — menti descaradamente.

Eu sabia quem em menos de quinze minutos todos eles desistiriam de continuar jogando. Charlotte corou e não conseguiu olhar em minha direção. Merda! Lógico que ela nunca aceitaria uma carona minha.

— Se você quiser, claro. Eu posso avisar ao Johnny que você só está aguardando por ele.

— Não. Na verdade, eu queria mesmo falar com você. — Fui pego de surpresa. Ela ficou me encarando transpirando a sua insegurança a respeito da revelação. Suas mãos se torciam uma na outra.

Olhei para o lado e vi, mais distante, os restaurantes.

— Se quiser podemos... — sinalizei sem conseguir terminar o convite.

Merda! Eu me sentia tão adolescente! Respirei fundo contendo a ansiedade enquanto Charlotte ponderava se deveria me acompanhar ou não. Então ela concordou com um aceno de cabeça e começou a andar na direção indicada. Andei ao seu lado, tentando analisar as minhas emoções. Eu estava nervoso demais e não sabia o motivo. Também sentia uma mistura de felicidade plena e tristeza imediata, o que estava me deixando louco.

Assim que chegamos escolhemos uma mesa voltada para a Lagoa. Charlotte não estava tão confortável como ficou em Curitiba.

— Quer beber alguma coisa? — Ela sorriu e cruzou as mãos sobre a mesa.

— Uma cerveja. — Novamente fui pego de surpresa. Desde quando Charlotte bebia cerveja? — Não estou dirigindo. — E seu sorriso ficou ainda maior.

— Uma cerveja e uma água — indiquei ao garçom que prontamente saiu para nos atender. — E então? — Charlotte voltou a ficar tensa. Era incrível como ela mudava de humor.

O garçom se aproximou entregando o nosso pedido. Abriu a cerveja de Charlotte, que recusou o copo e levou a garrafa long neck à boca. Acompanhei o seu movimento que, mesmo sendo novo para mim, não deixou de ser sexy. Ela engoliu o líquido e, retirando os óculos escuros, encarou-me.

— Eu queria desculpar pelo ocorrido na igreja — falou sem titubear.

Respirei fundo, atingido em cheio pelas suas palavras. Fiquei em silêncio, incapaz de dizer qualquer coisa. Exatamente pelo que ela se desculpava?

— Eu fiquei nervosa — sorriu timidamente, encarando sua cerveja. — Você sabe que é difícil, e... Caramba, Alex, seu filho é um pestinha — começou a rir, fazendo-me sorrir amplamente. Ela pegou a garrafa e tomou outro gole. — Como ele pôde se jogar em cima da gente daquele jeito?

Ri. Aquele era o meu Lipe. Engraçado e inocente.

— Costumamos brincar daquele jeito e ele acabou achando que era isso, desculpe! — Ela continuou rindo, leve, sem se importar com Lipe, o que me deixou feliz.

— Um pestinha — disse com doçura, sem se dar conta deste detalhe. — Acho que o assustei. — Seu semblante mudou outra vez.

— Não. Ele gosta de interagir, de conversar com todo mundo — hesitei. Eu não sabia se era certo continuar falando do meu filho com ela.

— Miranda disse que ele correu atrás de mim — continuou cautelosa, atenta a forma como eu reagia.

Abri a garrafa de água e dei um longo gole.

— Parece que ele se encantou por você. — Só depois percebi que falei como se estivesse me desculpando. Charlotte ficou em silêncio, os dedos roçando a garrafa e os olhos na lagoa.

— Isso é estranho — falou por fim.

— Não. Não é. — Ela me olhou com relutância. — Lipe é inocente, não se reconhece nesta história. Você parece uma boneca, Charlotte, é normal ele se sentir encantado. — Ela sorriu gentilmente, o que me deixou um pouco mais relaxado. — E Lipe, como eu te disse, gosta de conversar, de conhecer as pessoas.

Ele nunca tinha te visto, é normal a curiosidade.

— Desculpe — quase sussurrou. — Eu não convivo muito com crianças. Fico sem reação perto delas.

A forma como ela falou chamou a minha atenção. Havia uma tristeza real, algo que incomodava de verdade e não parecia ser a nossa história, nem a presença de Lipe em minha vida, apesar de eu ter certeza de que estava de alguma forma ligado a isso.

— Percebi. — Ela piscou algumas vezes, me olhando como eu tivesse falando alguma coisa reveladora.

— Não conheceu as gêmeas ainda?

— As de Lana e João Pedro? Não — riu, deixando as bochechas ficarem rosadas. — Lana está muito ocupada com tantos compromissos.

— Você ficaria assustada com aquelas meninas — ri um pouco lembrando como as minhas sobrinhas eram.

— Sério?

— Elas são... — pensei um pouco. — Debochadas como o João e espevitadas como a Lana.

— Eu tenho fotos — revelou sorrindo. — Lana me enviou algumas. Elas são lindas e bem diferentes.

— Muito diferentes. Quando aquelas meninas se juntam com Lipe, a casa fica de cabeça para baixo. — Ela riu. Logo em seguida mordeu o lábio inferior, para depois suspirar e voltar a ficar com aquele olhar triste.

— Você curte ser pai — afirmou sem perder a tristeza.

Merda! Eu não queria que Charlotte seguisse aquele caminho.

— Eu amo o Lipe. Tudo o que ele faz é mágico para mim. — Ela concordou com a cabeça e bebeu mais um gole da sua cerveja.

Eu sabia que doía em Charlotte me ouvir falar de Lipe com tanto amor, infelizmente eu não podia agir de outra forma. Não podia fazer com que ela acreditasse que ele era menos importante, pois não era. Como eu disse: ele seria a minha escolha. Sempre.

— Eu não imaginava que seria assim. Não tinha planos e você sabe disso, apesar de todas as nossas dúvidas.

Sem pensar duas vezes segurei a mão de Charlotte sobre a mesa, sobressaltando-a. Ela me olhou em choque, no entanto não recolheu a mão. Acariciei seus dedos, relembrando a textura da sua pele. O anel estava lá. O seu anel de noivado, lembrando-me que ela não era mais minha e que agora outro cara fazia planos com ela, sonhava com filhos e em envelhecerem juntos. Meu coração acelerou e eu já não tinha mais certeza se deveria ou não continuar falando.

— Alex... — Eu planejava esta vida com você — comecei, ainda inseguro. — Durante todos estes anos era com você que eu sonhava ter este filho. — Ela puxou a mão da minha com força. Seus olhos indignados e aterrorizados me diziam que eu havia passado dos limites.

— Desculpe, Charlotte! — Ela me olhava com mágoa, respirando rapidamente.

— Você não entende. — A dor em sua voz me atingiu com força. — Eu nunca vou ser mãe dos seus filhos.

— O pavor em seus olhos quase me tirou o ar.

— Eu sei. Desculpe! Desculpe mesmo! Eu não devia... nunca deveria fazer essas coisas com você.

Vamos. — Levantei pegando a carteira para tirar o dinheiro. Sinalizei para o garçom indicando estarmos de partida. — Vou levar você para casa.

— Alex, não... — Ela balançou a cabeça e fechou os olhos. Os lábios formaram uma linha fina. — Você não entende.

— Eu entendo, Charlotte, e você tem toda razão. Eu não posso simplesmente chegar aqui e ficar te dizendo essas coisas. Não sei o que acontece comigo.

— Tudo bem! — Ela levantou também quando o garçom se aproximou. Entreguei uma nota de cinquenta reais, consciente de ser um exagero.

— Pode ficar com o troco. Vamos. — Charlotte me acompanhou sem acrescentar mais nada.

Charlotte Alex dirigia em silêncio, encarando o trânsito que prolongava mais o tempo dentro daquele carro. Estava sufocante. Ele não entendia, e eu não podia julgá-lo. Ele não sabia. Fechei os olhos e tentei absorver a dor. Ela era somente minha e eu não fazia questão de compartilhá-la com ninguém, nem mesmo com ele.

Com um suspiro pesado meu ex-marido ganhou outra vez a minha atenção. Sim, ele também sofria, e o pior de tudo era que ambos sabíamos que não havia solução para o nosso problema. Estava decidido.

Definido. Não voltaríamos atrás.

— Quando você pretende casar? — perguntou por fim e eu quase me engasguei. Céus! O que eu poderia dizer? Por que ele tinha que falar justamente daquela mentira idiota que inventei?

— Hum! — Limpei a garganta tentando pensar em algo que não fosse me afundar ainda mais naquela merda. — Ainda não decidimos. Foi tudo muito rápido.

— E Peter está de acordo? — Por que ele continuava querendo mais e mais detalhes daquele noivado de mentira?

— Vou fazer vinte e cinco anos, Alex. Meu pai não pode mais decidir por mim.

Ele fez uma careta e entendi que ficou parecendo que eu casei com ele por causa da pressão dos meus pais. Puxei o ar com força. Era uma merda ter que tomar cuidado com qualquer coisa que eu falasse.

Aliás, era uma merda estar tão preocupada em não ferir os sentimentos do homem que pisoteou os meus.

Que droga! Eu sabia que essa seria uma mágoa que provavelmente nunca passaria, ainda assim, sentia vontade de me esbofetear por ter consciência do quanto colaborei para que tudo acontecesse. Eu queria simplesmente ter o direito de odiá-lo infinitamente e de machucá-lo quando me desse vontade. Só que eu não podia.

Merda, eu não podia. Mesmo que a culpa daquela traição não fosse dividida entre vários personagens, eu jamais poderia machucar Alex, porque eu sabia que o seu sofrimento sempre seria o meu sofrimento, e era sufocante saber disso.

— Olha, eu estou tentando — ele começou. — Estou realmente tentando fazer com que isso funcione. — Indicou nós dois com a mão que tirou do volante. — Aparentemente estou fazendo uma merda atrás da outra e não sei mais o que posso fazer sem me sentir quebrando todos os ovos possíveis.

Fiquei chocada com o seu desabafo. Nos últimos dias eu vi Alex se abrir diante de mim. Vi a sua dor pelo nosso destino, a sua obstinação quanto ao filho, a paixão por mim e agora o desespero quanto a sua conduta. Juro que quando pensava em Alex nunca o imaginei tão perdido quanto eu, mas era como ele estava.

Então, sem conseguir me conter, comecei a rir, e logo minha risada virou uma gargalhada e então perdi o controle. Meu ex-marido ficou me encarando como se eu fosse louca, contudo, incapaz de resistir, começou a rir também.

— O que eu disse? — Enxuguei uma lágrima que desceu pelo meu rosto.

— Meu Deus! Você é realmente absurdo.

Continuei rindo quando ele parou o carro defronte ao flat. Ali era o fim da carona, do contato e da conversa. Alex ainda riu um pouco, então se juntou a mim na tensão que cercou o momento. Limpei a garganta e tentei sorrir.

— Foi só porque... Bem... Foi só engraçado, Alex. Eu... eu também me sinto assim. Engraçado, não?

Nós fomos casados, dividimos segredos, vivemos situações que qualquer pessoa acharia inadmissível, e agora estamos assim. — Foi a minha vez de indicar nós dois. — Pisando em ovos.

— Porque a nossa situação é peculiar e delicada, Charlotte. Quando estou longe de você eu enxergo tudo com muito mais clareza, mas quando estamos juntos... — O toque do seu celular nos interrompeu. Alex pegou o aparelho e ficou sem graça.

Uma reação como aquela só significava uma coisa: namorada. Senti meu coração acelerar e meu rosto esquentar. O celular continuou insistindo, no entanto ele não atendeu, apesar de parecer ansioso para atender.

— Não vai atender? — provoquei.

— Não é importante — rebateu sem tirar os olhos de mim.

Não era importante? O que ele queria? Fingir que não havia ninguém em sua vida apenas para que eu não soubesse. Ah, tenha santa paciência!

— Não precisa se preocupar em atender a sua namorada, Alex. Eu já estou de saída. — Coloquei a mão na maçaneta, no mesmo instante ele segurou em meu braço.

— Eu não tenho namorada — fez questão de deixar claro. Alex era um idiota, cretino e descarado. Ainda fazia questão de mentir, me enganar enquanto arrumava uma maneira de me ter de volta.

— Namorada, paquera, ficante... qualquer nome que você quiser dar. — Dei de ombros me controlando para não demonstrar o meu ciúme. — Não me interessa. — O celular voltou a tocar insistentemente, deixando-me irritada demais. — Atenda a droga do telefone! — falei mais alto.

— Não — ele foi incisivo, desligando o aparelho com raiva. — Qual é o seu problema? Porra, Charlotte, eu não sei como agir com você.

— Comece não tentando esconder de mim o fato de estar dormindo com alguém. — E senti vontade de me socar por ter dito aquilo.

— Eu não estou... — Sua voz, antes doce e cuidadosa, saiu alta e cansada. — Meu Deus! Você consegue ser tão irritante — O quê? Senti a raiva subindo pela minha garganta.

— Irritante porque estou dizendo que não me importo? — O choque em seu olhar me deixou mais satisfeita.

— Irritante porque não consegue ficar um segundo sem estragar tudo.

— Eu não consigo? Você me traiu!

Joguei em sua cara de uma forma nada respeitosa. Alex fechou os olhos e com a mandíbula apertada voltou ao volante. Respirei com dificuldade. Por que estava tão incomodada? Amar ainda o homem que me traiu era realmente ultrajante, e sentir ciúme então era algo que eu não planejava. Aliás, eu não planejava encontrá-lo, beijá-lo, confessar meus sentimentos e muito menos aceitar a sua carona.

— Você estragou tudo — acusei com um sussurro, constatando que finalmente a porta foi aberta e toda a minha mágoa precisava sair, ser colocada para fora. — Você estragou tudo me envolvendo em seu jogo para apressar o casamento, escondendo de mim a doença da minha mãe, indo embora quando eu precisava de você só porque meu pai pediu e depois dormindo com a mulher mais desprezível que já conheci. É você que é tão fraco que aceita em sua vida a mulher que tentou me destruir, que tentou acabar com o nosso casamento incansáveis vezes. É você que sempre disse estar ao meu lado, mas que no fundo foi quem mais me tratou como criança. Você, Alex. Só você. A culpa é sua — gritei a última frase sentindo meu corpo inteiro tremer. — E não venha me dizer que eu estrago tudo porque outra mulher te ligou e eu entendi a jogada. Eu não me importo. Saia, fique, transe com quem você quiser. A sua vida não está mais ligada a minha e nunca mais vamos deixar isso acontecer, entendeu? Nunca mais.

Eu pensei que falaria tudo o que ainda estava preso em minha garganta, mesmo tendo certeza de que eu não o culpava por tudo, não acreditava que a culpa era dele e exclusivamente dele, mas eu estava tão abalada, e sabia que não era apenas pelas suas palavras, pela sua acusação e sim pelo fato de ele ter realmente alguém e eu não entendia como podia doer tanto.

O que eu não imaginava era que ele fosse reagir da forma como reagiu. Sim, Alex não ficou quieto ouvindo as minhas acusações e se encolhendo a cada palavra dita. Ele me ouviu reclamar e, no instante em que me confundi com as palavras, fui puxada ao seu encontro e beijada como nunca havia sido antes.

E o pior de tudo foi que eu me rendi no primeiro segundo. Ele me beijou com paixão, mas eu o beijei com raiva, ressentimento e posse, porque, por mais que eu soubesse que Alex continuaria a sua vida, eu não queria que isso acontecesse.

Agarrada a ele, firmei minha mão em seus cabelos, puxando-o para mim o máximo possível e abri espaço para que minha língua se adequasse melhor a sua, recebendo-o e relembrando. Todas as sensações de volta e o desejo escapando por todos os meus poros.

Eu queria tanto esquecer qualquer dor, qualquer momento ruim, esquecer todo o tempo que vivi sem ele, sem seus braços, seus beijos, seu corpo, eu só queria esquecer, arrancar de mim a realidade e simplesmente me deixar ser sugada pela sua força.

Alex me abraçou e intensificou o nosso beijo. Eu sentia seus dedos em meus cabelos e costas, enquanto seus lábios doces alimentavam os meus e sua língua me explorava, arrepiando a minha pele. Sim, eu o queria. O desejo que nunca deixou de existir se apresentava com toda a sua intensidade, deixando-me úmida imediatamente.

O ímpeto dos nossos corpos não conseguia evitar as nossas necessidades e logo meus pulmões protestavam, implorando por ar. Alex se afastou ofegante, mantendo a mão firme em minha nuca, a testa colada à minha.

— Você é absurda — seu sussurro comprovava o quanto éramos iguais em nossas reações.

— E você é um babaca — rebati ainda com a raiva correndo em minhas veias.

— Babaca por que não deixei de te amar?

— Babaca porque bebeu e se deixou enganar por uma oportunista e... Ele me puxou outra vez, calando-me com seus lábios urgentes. Céus! Eu não conseguia pensar coerentemente quando Alex me dominava daquele jeito. Quando me exigia sem limites e, principalmente, quando sua boca estava na minha. Era a minha perdição.

Uma batida forte no vidro do Alex nos sobressaltou. Olhamos para o lado, querendo conferir o que estava acontecendo e vimos Patrício com o sorriso mais idiota que já vi na vida. Ele ainda usava a camisa suada que estava antes de me deixar na Lagoa, mas não se importava com isso.

Levamos alguns segundos para entender que o idiota do meu ex-cunhado, futuro marido da minha melhor amiga e praticamente irmã, estava mesmo ali, nos atrapalhando e rindo do que fazia. Alex saiu do transe, abaixando o vidro do carro.

— Você está obstruindo a entrada do flat — avisou com um sorriso que me fazia ter vontade de matar.

— Como é que é? — Alex ainda estava confuso. Só poderia ser esse o motivo para ele não acertar o irmão com um soco.

— Oi outra vez, Charlotte! Vejo que conseguiu uma carona.

Meu rosto ficou quente e logo em seguida ficou insuportavelmente quente e à medida que ele esquentava, o sorriso de Patrício evoluía para uma gargalhada que quase, quase mesmo, me fez pular em seu pescoço.

Só não aconteceu porque Alex estava entre nós dois.

Abri a porta do carro ignorando o imbecil do Patrício e para isso tive que ignorar os chamados de Alex também, contudo, assim que consegui me livrar do cinto e descer do carro dei de cara com Miranda, que me olhava apreensiva. Tenho certeza que minha cara assassina contribuía para minha amiga ter aquela reação.

— Tem certeza que quer casar com esse imbecil? — Disparei.

— Charlotte! — Miranda me repreendeu com um sussurro que implorava para que eu não lhe causasse problemas nas vésperas do seu casamento. Respirei fundo e procurei meus óculos, ajustando-os.

— Dane-se. — Bati a porta e comecei a subir as escadas do flat quando Alex apareceu na minha frente me impedindo de continuar. — Pelo amor de Deus, eu só quero chegar em casa — gritei assustada e envergonhada.

— Charlotte, espere um instante — ele tentou, mas não conseguiu.

— Deixe-me, Alex! — empurrei-o e subi o mais rápido possível. Eu sabia que ele não iria atrás de mim.

Tremendo, suando e ainda com a sensação dos lábios dele nos meus, alcancei a chave de casa e abri a porta. Eu estava ofegante e irritada. Tenho certeza que meu rosto estava vermelho, entregando o meu estado deplorável. Encostei a porta depois de trancá-la, como se com isso eu pudesse realmente manter Alex longe de mim, mas eu não podia. Não mais.

— Algum problema? Você está bem?

Abri os olhos e vi meu pai preocupado vindo em minha direção. Eu não precisava dele e de todo o seu cuidado. Eu precisava de Alex, de preferência sem roupa e sobre uma cama. Puta que pariu! Ele me queimava de dentro pra fora. Era angustiante.

— Charlotte, eu preciso saber se você está bem. — Sua voz saiu mais urgente. Merda!

— Estou bem. — Endireitei os ombros e tentei normalizar a minha respiração. Era impossível.

— Não é o que parece. Está se sentindo mal? — Ele segurou meu pulso, como um bom médico faria.

— Estou ótima! — Puxei minha mão da sua. — Só não quis esperar o elevador e subi correndo.

— O quê?

— Correndo, pai. Atividade física. — Afastei-me ainda mais indo em direção às escadas. — Você não vive pegando no meu pé para que eu tenha uma vida mais saudável? Então, estou seguindo os seus conselhos. — Ele me encarava confuso enquanto eu subia cada degrau.

— Tem certeza? Você sabe que... — Tenho certeza! Eu estou ótima! Vou subir e tomar um banho.

— Thomas ligou. — Eu já estava quase no final da escada e não seria Thomas a me impedir de chegar ao meu quarto. — Ele pediu para você ligar. Ele... — Ele que vá para o inferno — resmunguei.

— Charlotte! — Lógico que meu pai me corrigiria, só que eu não pediria desculpa. — Pensei que ele era o seu noivo — sua voz debochada me alertou. Parei no último degrau virando para encará-lo.

— Você sabe que... deixa pra lá. — Ele sorriu amplamente e eu segui em direção ao meu quarto, meu banheiro, meu chuveiro e meus desejos.


Capítulo 9


“Este amor em botão, depois de amadurecer com o hálito do verão, pode se mostrar uma bela flor quando nos encontrarmos novamente.” William Shakespeare Charlotte Após passar um dia da noiva no salão SPA escolhido por Miranda, e que foi o meu presente como madrinha de casamento, estávamos prontas, maquiadas, vestidas e nervosas.

— Não acredito que você vai casar. — Meus olhos marejados me certificavam que fiz a escolha certa quando pedi maquiagem à prova d’água. — E você está tão linda!

Ela sorria imensamente, observando-se no espelho que ocupava toda a parede do quarto reservado para a noiva. Miranda estava incrivelmente linda. O vestido valorizava o seu corpo e lhe dava sutileza. Era lindo e de muito bom gosto. Seus cabelos cacheados estavam escovados e presos no alto da cabeça, onde uma coroa discreta fazia par com os brincos e colar de única pedra, presentes do meu pai. Uma pequena fortuna que ele fez questão de gastar para casar a sua segunda filha. Palavras dele.

Ela tremia e tentava conter as lágrimas. Eu sabia que ela pensava na mãe e na madrinha, a minha mãe, e sentia a falta das duas naquele momento tão especial. Mas eu não tocaria naquele assunto. Não estragaria o seu dia com pensamentos tristes.

— Patrício é mesmo um babaca de sorte.

— Charlotte — ela me repreendeu rindo. — Meu Deus! Eu não acredito que estou casando! — Seus olhos dançavam pelo espelho, conferindo cada detalhe da sua produção.

— Comoção total no Rio de Janeiro. Miranda Middleton está fora de combate — brinquei e ela riu.

— Com certeza tem uns dois ou três carinhas frustrados com o meu casamento.

— Eu contaria uns seis ou sete — ela riu animada e mordeu o lábio.

— Nem eu estou acreditando — revelou hipnotizada pela sua imagem no espelho. — Nunca me imaginei assim, vestida de noiva, prestes a me tornar esposa de alguém.

— Confesse que lá no fundo você sabia que este também era o seu destino. Meu pai jamais permitiria que ficasse solteira para sempre. — Ela mordeu o lábio mais uma vez e ficou séria.

— Eu nunca imaginei que algum dia da minha vida eu seguiria a vontade do padrinho com tanto desejo.

— Havia tanto naquele olhar. Como se ela estivesse revivendo cada detalhe da sua história e o que fez até chegar ali. — Nunca me imaginei sendo tradicional, ou desejando uma vida pacata, a dois, e quem sabe mais para frente, a três ou quatro. — Tentei não desfazer o meu sorriso. Era o dia dela e Miranda merecia construir uma família e ser feliz.

— Quem é você e o que fez com a minha amiga? — Nos encaramos no espelho e depois rimos.

— Ah, Lottie, eu estou tão feliz! Estou sendo egoísta por estar realmente feliz?

— Não! — Estreitei os olhos cansada daquela conversa. — E eu vou suportar algumas horas ao lado dele apenas porque te amo demais.

— Tem certeza? Nós podemos modificar... — Miranda, não! — Fui firme e ela parou. — Eu já disse: não vai ser mais do que cinco minutos e depois disso eu estarei livre do Alex.

— Obrigada! — Ela me abraçou. — Me ajuda com o véu?

— Claro!

Fizemos como indicado e eu, mesmo atrapalhada, consegui prender o véu da minha amiga, que descia até metade das suas costas e tapava o seu rosto.

— Como estou?

— Perfeita — suspirei sentindo-me grata.

Casamento era algo tão mágico que contagiava. Naquele momento eu me sentia feliz, leve e grata a Alex por ter mentido para mim e me jogado naquela loucura. Pelo menos minha mãe pôde me ver vestida de noiva e suspirar com a mesma sensação que a minha. Eu seria infeliz se fosse diferente.

Ponto para Alex. Era menos um motivo para ter mágoa.

Desde o último acontecimento, o beijo apaixonado no carro, eu não tinha visto nem ouvido falar no meu ex-marido. Miranda até tentou, contudo a proibi de falar sobre o ocorrido. E assim consegui quatro longos dias sem ouvir falar nele.

Aquela noite seria a nossa prova de fogo. Estávamos destinados a passarmos alguns minutos juntos e estes seriam os minutos mais longos da minha noite. Comecei a ofegar. Céus! Eu não podia cair. Não podia cair. Seria vergonhoso!

— Você já vai? — Pisquei voltando a minha realidade.

— Sim. Meu pai já chegou e está só me aguardando. Não se preocupe, você vai logo depois. É só tempo de eu chegar o cerimonial organizar tudo — ela concordou com olhos imensos e brilhantes. — Você vai ficar bem?

— Porra, eu merecia uma cerveja agora — ri. Ela caminhou até o balde com a garrafa de champanhe, ofertado pelo espaço e serviu duas taças, voltando para mim. — Tome. Não é cerveja, mas quebra um galho.

— Quem ouve você falar assim pensa que foi criada por lobos — ela riu. Esta com certeza seria a frase utilizada por minha mãe e Miranda sabia. Minha amiga secou a taça dela e se serviu mais uma vez. — Vá com calma, Miranda, ou vai ser você a cair na frente de todos — ela riu com vontade.

— Beba logo ou o padrinho vai acabar nos surpreendendo — revirei os olhos.

— Quantos anos temos mesmo? — E só por rebeldia virei a minha taça também. Ela aproveitou e encheu outra vez. Não reclamei. Eu também precisava de um pouco de álcool.

— Não consigo acreditar que vou casar antes dos trinta.

— Eu casei com vinte e um. Você ainda está no lucro. — E com essa bebi quase a taça toda.

Odiava lembrar do meu casamento. Especificamente, do fato de ele não existir mais. Bebi mais um pouco. Miranda levantou a mão me pedindo a taça, o que me forçou a beber o restante todo de uma vez.

Minha mente começou a ficar mais leve.

— Vá. Anda anda, anda. — Começou a me levar até a porta. — A madrinha não pode atrasar.

— Pensei que era a noiva que não podia.

— A noiva principalmente, como eu só vou quando você me ligar... — Revirei os olhos mais uma vez, só que de maneira bem teatral.

— Ele vai estar lá — ela riu.

— O seguro morreu de velho. Me ligue quando Patrício estiver muito bem posicionado no altar.

— Tudo bem, eu ligo. — Voltei e abracei minha amiga — Você está linda e vai ser muito feliz. — Ela me envolveu com seus braços.

— Obrigada! Espero que sim.

— Vai ser ou então eu, pessoalmente, esmago as bolas do babaca do seu marido — Miranda riu alto e me deixou partir.

*** Meu pai precisou retirar a minha mão do seu braço quando me recusei a ficar sozinha na frente da igreja no meio de tanta gente com quem eu não tinha vontade de falar. Ele queria que eu encontrasse os amigos.

Quais? E me disse que eu deveria ser mais aberta para as pessoas.

Quase mostrei a língua para ele, mas preferi manter minha pose de mulher madura. Então fiquei parada, observando a grande escadaria onde os convidados se amontoavam conversando alegremente enquanto não precisavam entrar. Do lado de dentro estava ainda mais cheio. Miranda tinha transformado o casamento dela em um desfile de carnaval.

— Charlotte! — A voz aguda e alegre de Lana me fez pular.

Não que eu não quisesse encontrar Lana, longe disso, só que eu realmente estava vigiando a entrada de Alex, com medo de estar muito ansiosa e acabar entregando o temor.

Como eu poderia encará-lo depois do nosso último encontro? Só de pensar meu rosto já esquentava. Sem contar que Patrício nos viu, e nos atrapalhou, o que me levava a pensar que com certeza já havia espalhado para a família inteira.

— Lana — sorri com carinho. Sim, eu sentia falta da minha ex-cunhada, porém eu sabia, e ela também, que a distância era necessária. Deixei que Lana me abraçasse.

—Você está linda — ela sussurrou em meu ouvido.

Quando enfim me soltou eu tive certeza de que ela sabia do ocorrido. Seus olhos cheios de pesar e expectativa, ambos sentimentos conflitantes, não deixavam dúvidas.

— Onde está João Pedro? E as gêmeas. — Ela revirou os olhos, mas sorriu amplamente.

— Elas estão aproveitando o espaço para deixar a cerimonialista com os cabelos em pé — ri. — João Pedro está com elas. Eu vim tomar ar e conferir as mensagens, claro! Avisei a Patrício que era um momento complicado de trabalho para a gente, mas Miranda fez questão da data. — Ela sacou o celular e começou a trabalhar.

— Lana... oh, Charlotte? — Minha ex-sogra apareceu do nada. — Meu Deus, quanto tempo. — E mais uma vez me vi entre braços amigos. — Que saudade de você, filha. — Suas palavras refletiam o brilho do seu olhar, o que confirmava a sua veracidade. Meus olhos ficaram úmidos.

— Como estão as coisas, Dana?

— Caminhando. Adriano trabalhando cada vez mais. Ele acompanha de perto a saúde de Lipe e vive preocupado... oh, desculpe, querida! Eu estou sempre tão ligada ao menino que acabo esquecendo que... — Tudo bem. — Acariciei seus braços. Eu nunca poderia impedir que uma avó falasse do seu neto. Não com tanto amor como ela falava. — Não encontrei com Adriano ainda. — Olhei rapidamente pelo espaço com o coração saindo pela boca com medo de encontrar Alex antes da hora. Não precisávamos de mais uma cena.

— Seu pai já o monopolizou — ela riu. — Nossos filhos estão casando... mais uma vez. — Seu olhar de tristeza não me passou despercebido.

— Que pelo menos desta vez dure — resmunguei baixo, ela ouviu e entendeu.

— Finalmente — falou um pouco mais alto, uma mão ainda em meu braço, o corpo todo voltado para o início da escada.

Olhei na direção em que ela olhava e confesso que não sei como não caí. Meus olhos ficaram marejados e minha mandíbula travada. Eu não sabia se ela estava assim pela raiva ou se era o meu esforço para não chorar.

Ao pé da escada, cumprimentando alguns amigos, estava Alex, lindo em seu terno de padrinho. O cabelo arrumado e engomado para trás, o que ressaltava seus olhos azuis como o céu. A postura perfeita que exalava poder. Ao seu lado, a mãozinha na sua, estava um Lipe seguindo o mesmo padrão do pai, cabelo arrumado, olhos azuis escondidos atrás de óculos de grau e uma roupa que lhe conferia título de celebridade master naquele evento. Era um linda pintura, se não fosse pela mulher que segurava a outra mãozinha.

Anita estava radiante ao lado do meu ex-marido. Os cabelos soltos descendo até a metade das costas, um vestido prata que desenhava muito bem o seu corpo escultural e, quando ela se virou para cumprimentar uma mulher que estava no grupo com que Alex falava, pude ver o decote profundo em suas costas, revelando o quanto ela era fisicamente perfeita.

Alex riu alto e Anita passou a mão em seu braço, como se eles fossem um casal. Uma família feliz.

Fechei os olhos e virei o rosto. Como ele podia levar aquela mulher para o casamento da minha irmã?

Como podia aceitar que ela estivesse inserida em sua vida a tal ponto que representavam uma linda família? E o mais importante: como acreditar que não havia nada entre eles?

— Tome isso — Johnny apareceu do nada e colocou uma taça em minha mão. Champanhe. Não precisei perguntar nada. Meu amigo me conhecia muito bem e sabia que naquele momento eu precisava de uma bebida.

— Johnny, onde está Miranda? — Lana quebrou a nosso momento. — Patrício já está ansioso.

— Droga! Eu tinha que ligar para ela. Merda! — Johnny riu enquanto eu procurava meu celular dentro da bolsa minúscula.

— Miranda deve estar querendo ser realmente o centro das atenções — meu amigo falou mantendo a mão em minhas costas. — Eu já liguei, Lottie — avisou quando finalmente consegui puxar o aparelho para fora, derrubando o gloss pela escadaria.

— Merda!

Acompanhei o produto quicar pelos degraus e parar junto a sapatos limpos, muito bem engraxados. Ele abaixou, pegou o gloss e me encarou. Merda, merda, merda! Eu não estava preparada. Não queria aquele encontro e definitivamente, não queria ali, na frente de todo mundo. Ele me deu aquele sorriso torto, o mesmo que conseguia sugar o meu ar. Com o gloss brincando em seus dedos subiu levando o filho pela mão e a “amiga” ao lado.

— Isso é seu. — Seus olhos me forçavam a encarar, fazendo-me esquecer todos ao nosso redor. — Charlotte?

Engoli em seco e com a mão trêmula peguei o produto, colocando-o dentro da bolsa imediatamente.

Quando voltei a olhar o nosso público pude ver Lana e Dana com os sorrisos tão bobos que me deixaram constrangida.

— Quem é esse príncipe? — Dana brincou com Lipe.

Fugindo do olhar do pai acabei encarando o filho e fiquei perdida. Meu Deus! Ele me encarava com aqueles olhos azuis desconcertantes, a boquinha entreaberta e a cabeça inclinada um pouco para o lado.

Ele, o filho fruto da traição que destruiu a minha vida, olhava-me como se eu fosse um conto de fadas.

Tive vontade de chorar.

— Não vai me dar um beijo? — Dana segurou o neto, quebrando os fios que me prendiam a ele, para beijá-lo. Ele riu e se encolheu. Era uma risada doce e contagiante.

— Por que demorou tanto? — Lana falava com Alex e eu não sabia para onde olhar.

— Anita teve problemas com o carro — ele disse sem parecer querer esconder o nível de amizade e compromisso entre os dois.

— Meu carro está querendo ser trocado — ela brincou. Lana não me pareceu muito disposta a bancar a cunhada.

Vi a troca de olhares entre Johnny e Anita e fiquei enojada. Como ela podia ser tão vagabunda? Dormir com o meu amigo e com meu ex-marido ao mesmo tempo. Senti minha boca secar e minha mente dar um nó. Alex não me olhava, ele sorria e conversava com a mãe e a irmã e, em determinado momento, Anita passou outra vez a mão em seu braço. Ele não se incomodou e continuou a interagir com a família.

— Miranda chegou — Johnny falou me arrancando do torpor em que me encontrava.

Olhei para o carro maravilhoso parado em frente à igreja, mas não consegui raciocinar direito.

Rapidamente os funcionários do cerimonial começaram a se movimentar entre os convidados, solicitando que todos entrassem para que eles pudessem fechar as portas para a entrada da noiva.

Notei que Lana e Dana saíram do meu lado. Vi meu pai se posicionar para receber Miranda. Também percebi quando Anita, relutantemente, precisou entrar. Não sem antes desejar boa sorte a Alex e brincar com Lipe como se fosse a sua mãe.

— Eu preciso entrar. Você vai ficar bem? — Johnny falou bem baixinho em meu ouvido, seus olhos preocupados.

Mantive minha atenção em seu rosto e confirmei com um aceno de cabeça. Meu amigo saiu e eu me concentrei em continuar olhando em sua direção. Eu não queria olhar para Alex, nem conversar sobre qualquer assunto. Também não queria olhar para baixo e encontrar seu filho me encarando com se eu fosse feita de massinha de modelar.

— Vamos, vamos! — Cibele, a funcionária do cerimonial que havia tentado me ensinar a andar, nos chamava apressadamente. — Já vamos fechar as portas e anunciar a entrada de vocês. — Ela conferiu o celular. — Droga! Estamos atrasados.

— Vamos, Lipe — ouvi Alex chamar pelo filho e depois passar por mim sem nada dizer. Permaneci quieta, dura e congelada naquele degrau, com medo que qualquer movimento meu acabasse me forçando a extrapolar.

— Srta. Charlotte — Cibele me chamou outra vez.

Olhei para o local onde estavam todos que entrariam no cortejo e vi as meninas de Lana correndo ao redor do pai, que havia ficado do lado de fora para tentar organizá-las. Elas riam e eram lindas em seus vestidos lavanda e com as flores delicadas em seus longos cabelos.

Vi Alex mantendo Lipe ao seu lado, apesar de o menino estar agarrado em suas pernas com a atenção fixa nas primas. Testei minhas pernas que ainda tremiam e tive medo de andar. Merda! Eu estava com tanta raiva! Ficar ao lado de Alex, segurando em seu braço e fingindo contentamento apenas para agradar aos outros parecia ser algo realmente sacrificante.

— Srta. Charlotte, por favor — Cibele me indicou o caminho.

Levantei o vestido e me forcei a andar. Que droga! Eu não queria fazer aquilo. Não queria! Como Miranda pôde me colocar em uma situação como aquela? Ela sabia que estar ao lado do meu ex-marido exigiria muito de mim. Piorava o peso do meu sacrifício quando eu somava a isso o fato de ele ter levado Anita como se ela fosse a sua esposa, e a presença de um monte de pessoas com olhares curiosos querendo saber como nos sairíamos. Era mesmo um show de horrores.

Minha respiração começou a ficar mais acelerada. Meus passos lentos não me impediam de chegar ao destino. Como se eu estivesse vivendo uma maldição, Alex olhou em minha direção e seus olhos me absorveram como um redemoinho. Eu o odiava... e amava na mesma proporção. E odiava amá-lo depois de tudo, sobretudo depois dos últimos minutos.

Eu não deveria me importar tanto, mas me importava e doía. Não havia traição maior do que a dele com Tiffany que não fosse a dele com Anita. Depois de tudo o que ela nos fez ele se apoiava nela como se ela fosse a sua tábua de salvação. Puxei o ar me forçando a continuar respirando.

Cibele me colocou ao lado de Alex e levou Lipe para se posicionar ao lado das primas, o que fez com que o menino abrisse um sorriso imenso para mim antes de sair correndo. Ele era tão perturbador quanto o pai, com seus olhos e sorrisos encantadores.

Esforcei-me para olhar para frente, encarando as portas fechadas. À frente, Patrício e Dana, emocionada, tomavam seus lugares. Alex parou ao meu lado. Respirei fundo e decidi enviar uma mensagem desaforada para Miranda. Eu estava muito puta da vida para ficar ali, parada ao lado dele, sem poder xingar alguém.

Com a minha sorte, quando abri a bolsa e retirei meu celular, o maldito gloss caiu, junto com minha pequena carteira de documentos e cartões. No mesmo instante Alex tentou falar comigo. Atrapalhada e sem saber o que fazer primeiro, cometi um imenso erro.

— Aqui.

Entreguei a ele a bolsa e o celular e me abaixei para pegar o gloss e a carteirinha. Foi quando meu celular começou a tocar. Levantei rapidamente e encontrei Alex desviando os olhos da tela e levantando-o para mim.

— Atenda. — A fúria contida em sua voz me deixou alarmada. Eu que deveria estar com raiva e não ele.

Peguei o celular e entendi o que estava acontecendo. O nome de Thomas brilhava no visor. Menos mal.

Eu não faria como ele. Não me recusaria a atender. Se eu teria que passar a minha noite com raiva ele que engolisse a dose dele também.

— Com licença. — Peguei minha bolsa da sua mão e saí tentando equilibrar o celular entre o ombro e a orelha. Apontei o aparelho para Cibele quando ela tentou me impedir. — Thomas! — Olhei para trás para ter certeza que estava distante o suficiente.

— Charlotte... — Precisa ser rápido. Já estamos prontos para entrar. É o casamento de Miranda, esqueceu?

— Esqueci. Desculpe. Não resisti ao desejo de falar com a minha linda noiva — ele riu e eu fiquei ainda mais tensa.

— O quê? Como... — Seu pai não te contou? Quer dizer que agora eu sou seu noivo? Não sei se estou satisfeito com isso.

— Thomas, eu... merda! Não tenho como me explicar agora, mas não é como você está pensando.

— Se for para manter o imbecil do seu ex-marido longe de você eu até aceito interpretar o papel.

— É para manter Alex longe de mim. Quer dizer... era. Droga! É uma história complicada. Eu ligo amanhã e conto tudo.

— Charlotte, seu pai não te contou mesmo?

— Contou o quê? — Cibele gesticulava loucamente, mandando eu voltar para a fila.

— Eu chego amanhã ao Brasil — ele informou sem nenhum drama. Pensei que o chão abriria e me engoliria.

— Como assim? — Fiquei histérica. — O que você vem fazer no Brasil, Thomas?

— Resolver algumas coisas da empresa. Meu pai insistiu e eu não tive como me negar a passar alguns dias com minha noiva. Não vai ser maravilhoso?

— Ai meu Deus, Thomas! Como eu vou administrar isso?

— Não sei. A invenção é sua. E ficarei hospedado na sua casa, então se a sua intenção não é deixar Alex com ciúme é melhor contar logo a verdade.

— Não posso contar a verdade — sussurrei com raiva enquanto acompanhava Cibele caminhar em minha direção. — Eu preciso ir. Que horas você chega?

— Final da manhã. Vai me buscar? — Gemi alto. Eu não precisava de mais problemas.

— Ligo para você. Agora preciso realmente desligar.

— Não vai mandar um beijo para o seu noivo?

— Tchau, Thomas. — E desliguei me sentindo pior que antes de atender. Minhas mãos suavam. Andei de volta ao cortejo com a outra garota do cerimonial me acompanhando de perto.

— Tudo bem? — Ela se aproximou para se certificar de que eu não sairia outra vez da fila. Não resisti.

— Quanto tempo ainda temos? — Ela me olhou admirada. Mais distante um pouco vi um garçom servido água para as crianças.

— Precisa de alguma coisa?

— Sim. Uma taça de champanhe. — Não olhei para Alex e mantive minha postura séria e equilibrada para que a mulher não achasse que eu era uma alcoólatra prestes a dar um show no casamento do ano.

— Vou providenciar. — E saiu em direção ao garçom.

— Vai beber antes de entrar? — Alex parecia indignado com a minha atitude. Que se dane! Eu estava com uma bomba relógio nas mãos. Precisava aliviar aquela tensão.

— Não é da sua conta. — Mantive meus olhos na porta e tentei, com todas as minhas forças, não demonstrar o quanto eu tremia.

— Qual é o problema, Charlotte. — Sua voz baixa indicava que ele não queria que as pessoas presenciassem uma cena entre nós dois.

— Você, Alex! O maior de todos os problemas que já existiram na minha vida. — Ele soltou um risinho nervoso, típico de quem não concordava com o que eu dizia.

— Aqui. — A mulher me entregou a bebida. — Me devolva a taça antes de entrar, por favor.

Agradeci e dei um longo gole, sentindo as bolhas estourarem ainda em minha língua e escorrerem pela garganta.

— Vá com calma ou vamos cair outra vez — ele rosnou.

— Cuide da sua vida — sorri quando Dana olhou para trás e sorriu ao nos ver lado a lado. Quando ela virou para frente tomei outro longo gole, quase acabando a bebida.

Meu Deus! Thomas estragaria tudo. Ele tornaria tudo ainda pior.

— É o casamento da sua melhor amiga — Alex me condenou com essas palavras.

— Engraçado como eu tenho que ter certos comportamentos por ser o casamento da minha amiga, enquanto algumas pessoas — deixando claro ser dele que eu estava falando — não se importam nem um pouco com isso.

— Do que você está falando? — Ele deixou de lado a cautela e se virou para mim.

— De nada, Alex! — rosnei sem querer ser ridícula ao demonstrar o meu ciúme.

Puta merda! Eu estava me rasgando de ciúme. Odiava me sentir assim. Senti que meus olhos estavam úmidos e odiei ainda mais Alex por me fazer ter vontade de chorar e me esconder justamente no dia do casamento de Miranda. Ele puxou o ar e se virou para frente. Bebi o que sobrou do champanhe e devolvi a taça para a garota que aguardava um pouco afastada.

— Você precisa me dar o braço — alertou-me sem me olhar diretamente.

— Não se preocupe. Quando as portas se abrirem eu estarei representando o meu melhor papel. — Ele riu com sarcasmo.

— Já prestou atenção que você sempre busca o álcool como refúgio pelo que sente? — O quê? Que filho de uma... — Engraçado, não? — Virei para ele sentindo que segurar o meu gênio ruim seria impossível. — Não foi exatamente o que você fez quando transou com Tiffany? — falei alto demais e Patrício e Dana viraram para nos encarar.

— Charlotte, você está chamando atenção das pessoas. — Meus olhos estavam tão úmidos que me impediam de ver corretamente.

Alex era um filho da puta e eu tinha vontade de dizer estas palavras bem alto, para que todos os convidados pudessem ouvir. Eu não queria chorar e tinha consciência de que minha lente sumiria no meio de tantas lágrimas que queriam descer.

— Vá se foder! — rosnei. — E eu não vou entrar com você.

— O quê? — ele recuou espantado. — Você não pode.

— Tente me impedir. — Comecei a me afastar ouvindo Patrício e Dana me chamando. Cibele logo estava perto do grupo.

— O que houve?

— A nova madrinha se chama Anita. Ela está com um vestido prata e vai adorar entrar ao lado deste senhor. Eu não vou entrar mais.

— Charlotte, Miranda vai morrer se Anita entrar em seu lugar — Patrício me alertou completamente em pânico. Fechei os olhos e me concentrei em minha amiga. — Você é a madrinha, Charlotte, não estrague o dia de Miranda.

Merda, merda, merda!

— Tudo bem. Eu continuo sendo a madrinha, só não vou entrar. Aguardo vocês lá na frente.

— O quê? — Foi Cibele que me interrompeu confusa e assustada com a confusão. Adeus os créditos pelo casamento do ano. — Não pode. Os padrinhos... — Os padrinhos são pessoas normais e que não se suportam. O que não é novidade para ninguém. Não vai ser estranho se aguardarmos, cada um do seu lado, no altar. — Afastei-me rapidamente e entrei pela porta lateral, antes que mais alguém tentasse me persuadir.

Alex Olhei para Charlotte do outro lado do altar. Ela olhava para todos os lados menos para mim. Eu estava furioso com ela, mas sabia que ela estava também comigo e que tinha razão. O que eu podia fazer? Foi ela quem me mandou deixá-la em paz, e foi o que eu fiz. E fiz porque, sinceramente, eu não tenho mais paciência para tantos altos e baixos.

Minha vida seguia um caminho diferente do que eu tinha com ela e precisar parar tudo para entender o que passa na cabeça confusa da minha ex-esposa não estava mais em meus planos. Charlotte precisava aprender a se resolver sozinha e não ficar aguardando para que todos compreendam as suas reações.

Também não estava disposto a continuar aceitando a devastação que era quando ficávamos juntos. A imensidão dos conflitos internos, as dúvidas, a insegurança... eu não queria mais nada disso! Charlotte entrava em minha vida e em segundos bagunçava tudo.

Agora ela acreditava que tinha motivos para estragar o casamento da melhor amiga. Sim, porque por mais que eu não fosse muito a favor de Miranda com o meu irmão, pude acompanhar o quanto ela idealizou e programou tudo, enquanto Charlotte pensava apenas nela.

Sem contar que aquele arranjo, nós dois já no altar, um de cada lado, chamaria muito mais atenção do que se entrássemos juntos. Puta que pariu! Eu apenas queria beber e comemorar o casamento do meu irmão, e não ser sabatinado por cada convidado curioso sobre a minha situação com a minha ex-mulher.

E para piorar a minha dor de cabeça, ainda havia Thomas como o seu novo parceiro, futuro marido, o cara que estava comendo a minha ex-mulher. Puta. Que. Pariu!

Massageei minhas têmporas tentando acalmar a dor de cabeça que estava me consumindo. Porra, eu também merecia um pouco de álcool. Não. Depois de Tiffany eu não confiava mais em mim.

O som suave calou o murmurinho dos convidados. Olhei para frente e vi Patrício entrando elegantemente, levando minha mãe pelo braço, que não escondia a emoção, apesar de ainda estar chocada pela infantilidade de Charlotte.

Eles caminhavam lentamente e eu não pude deixar de lembrar do meu próprio casamento. Deus! Era massacrante pensar em Charlotte com tanta saudade quando eu estava com raiva por ela ainda ser essa menina infantil e inconsequente. Respirei fundo e olhei outra vez para a minha ex-esposa. Ela encarava meu irmão e minha mãe. A julgar pela forma como o seu maxilar estava travado, eu imaginei o quanto estar ali a devastava também.

E então, como se ela soubesse o que eu estava fazendo e pensando, seu rosto virou em minha direção e nossos olhos se encontraram. Meu coração parou por um segundo, que foi o suficiente para fazer meu mundo girar.

Os olhos de Charlotte diziam tudo o que eu quis ouvir naqueles três anos que ficamos afastados, nos momentos em que eu me sentia perdido com as chantagens de Tiffany, quando eu me via obrigado a aceitar e agradecer pela presença amigável de Anita, quando me sentia tão envergonhado pelas minhas atitudes que me negava a buscar ajuda na minha família, quando me vi sozinho, com uma criança recém-nascida sem nem ao menos saber o que fazer com ela, quando via o tempo passar e eu não ter construído o que sempre sonhei, não apenas para mim e agora para Lipe: uma família. Uma família que eu desejei construir apenas com ela.

Quando Charlotte me encarou com olhos úmidos, peito arfante e a mesma saudade que eu sentia foi como se nada mais fizesse sentido. Eu senti a falta dela como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado e levado embora, e ali, olhando para aquela menina perdida e sofrida, eu tive certeza que o mesmo sentimento a cercava.

Tive vontade de ir até ela. Tive vontade de conseguir, milagrosamente, uma forma de fazer dar certo, eu, ela e Lipe, mesmo que as peças parecessem não se encaixar. Tinha que haver uma maneira.

Fomos forçados a nos desconectar, pois minha mãe passou por ela, tocando em seu braço e ganhando a sua atenção ao se posicionar ao seu lado, enquanto Patrício parava do meu, ansioso e os olhos grudados na porta que havia sido fechada mais uma vez.

O som de cornetas anunciando a entrada da noiva ocupou toda a igreja, e a comoção foi geral quando Miranda apareceu na entrada, Lipe e as gêmeas a sua frente, tentando seguir o que foi ensaiado. Meu filho andava entre as primas, com os ombros encolhidos e os olhos apreensivos. Tive que sorrir quando ele ajustou os óculos nervosamente, quase deixando a almofada com as alianças caírem.

Lana, que estava na primeira fileira, não parava de fotografar as filhas e as vezes parava para limpar uma lágrima. Minha irmã podia ser durona, mas aquelas meninas conseguiam quebrar qualquer muralha.

Fiquei atento a Lipe, percebendo que ele olhava para todos os lados me procurando. Dei um passo para o lado de Patrício aguardando que ele me visse para que pudesse ficar mais confiante.

Mas o que aconteceu comoveu toda a igreja. Lipe, que já demonstrava estar bastante ansioso, quando me viu abriu um sorriso lindo, encantador e, sem se importar com as alianças, correu em minha direção.

Confesso que eu também estava apreensivo. Pensar em Charlotte tendo-a tão perto estava me sufocando, isso, somado ao fato de ver o meu filho tão inseguro à minha procura, quase me fez caminhar em sua direção e segurar em sua mão.

Abaixei e recebi Lipe em meus braços e, para minha surpresa, as gêmeas, Catarina e Valentina, quando viram Lipe correr, fizeram o mesmo e se atiraram sobre mim, fazendo com que todos rissem. Tudo bem que isso tirou um pouco do brilho da entrada de Miranda, mas até ela riu e continuou a sua marcha lenta, ganhando aos poucos a atenção dos convidados novamente.

Com Lipe no colo e organizando as meninas, vi Charlotte me observar atentamente, sem sorrir, com olhos tristes e sem esconder este detalhe. Com um suspiro ela voltou a encarar a amiga e tentou sorrir, mas eu sabia que aquele sorriso não era nada além de sua tentativa em parecer feliz.

E ali, com meu filho em meus braços, olhando a minha ex-esposa, a mulher que eu amava e assistindo a sua infelicidade, eu tive, pela primeira vez, a noção do quão devastadora fora a minha traição. E então eu tive a certeza de que precisava consertar aquela bagunça. Por mim, por ela e por Lipe.


Capítulo 10


“Serei teu à tua ordem, apenas chama-me de amor.” William Shakespeare Charlotte Olhei o salão já quase vazio e senti minha cabeça girar. Oh, droga, eu estava tão bêbada!

Todos tentavam me demover da ideia de continuar bebendo, mas eu não podia. Eu queria aquele momento em que nada mais fazia sentido, em que a mente não conseguia sentir mais nada, e, consequentemente, o coração.

Johnny não me entendia. Miranda jamais seria capaz. Meu pai havia desistido e ido embora sem se importar em como eu voltaria para casa. Alex me censurava visivelmente. Aquele filho de uma puta traidor!

Permiti que o garçom trocasse minha taça por outra devidamente completa e sorri ciente de que meu sorriso era débil. Provavelmente minha maquiagem estava borrada devido a todas as vezes que chorei abraçada a minha amiga dizendo estar orgulhosa dela e feliz pelo casamento, quando na verdade eu estava desesperada, sentindo o buraco em meu peito se expandir a ponto de não me deixar alternativa.

Apenas Thomas seria capaz de compreender a minha necessidade de beber até apagar e no dia seguinte me permitir sentir a ressaca que com certeza me impediria de pensar em qualquer outra coisa. Apenas ele era idiota o suficiente para me deixar fazer isso e ainda rir, como se fosse algo normal.

Céus!

— Se eu soubesse que casar cansaria tanto teria pulado a parte da festa — Miranda reclamou, os pés descalços sobre uma cadeira, os dedos mexendo buscando alívio e os olhos atentos na pista de dança que continha apenas alguns casais mais velhos que resistiam ao avançar da noite.

— Sua lua de mel só vai acontecer quando você conseguir acordar — brinquei tentando parecer um pouco mais sóbria.

— E você acha que já não dei um jeito nisso? — Olhei minha amiga que me lançou um sorriso sacana.

Puta. Merda!

Mirada era uma mulher incrível. Ela nunca, jamais, seria insegura e infantil a ponto de ser traída pelo marido. Não como eu fui e com certeza jamais por sua culpa. Aliás, Patrício mal sabia onde estava se metendo. Se ele pensava que estar casado com Miranda seria o mesmo que estar namorando estava muito enganado. Eu bem conhecia a minha amiga e ela não daria sossego ao marido. Tive que rir. — Vou deixar você em casa antes. — Ela tirou os pés da cadeira e tentou levantar. — Não! — quase gritei.

Eu não estava bêbada o suficiente ainda. Se eu fosse para casa seria para chorar e me sentir um lixo. Sem contar que Alex ainda estava lá, mesmo seu filho tendo ido embora, levado por Lana, junto com as suas meninas e João. Anita também estava por lá, sempre com ele, participando das conversas, como se ela fosse a sua esposa.

Maldita Anita! Eu queria que uma bomba caísse bem na cabeça dela. Pronto. Problema resolvido. Eu me sentiria bem melhor. Sem pensar, levantei a mão com a taça e fingi atirar bem na direção dela.

— Charlotte! Pelo amor de Deus! — Miranda, segurou minha mão, abaixando-a. — Você já bebeu demais — ri tomando mais um gole do champanhe.

— Isso aqui é bom demais — brinquei e ela riu.

— Tudo isso por causa dele? — disse com tristeza. Balancei a cabeça negando e senti náuseas.

— Tudo isso por minha causa. Porque eu deveria estar sapateando no coração daquele babaca, mas olha só. — Abri os braços. — Estou aqui como a pobre ex-esposa infeliz, enquanto aquele filho de uma puta desfila com aquela vagabunda, esfregando a sua felicidade em minha cara.

— Ah, Charlotte! — ela suspirou derrotada. — Você está bêbada demais para notar que é Anita quem está forçando a barra. Alex já tentou se desvencilhar várias vezes, mas ela grudou nele como um carrapato.

— Eles que morram — Fui infantil. Não havia como não ser. Miranda riu.

— Ele ama você! — Passou a mão em meu rosto limpando minha maquiagem.

— Ele me traiu — falei mais alto e com raiva. — Ele. Me. Traiu — E novas lágrimas se formaram em meus olhos. — E ainda tem aquele menino... perturbador. — Puxei o ar com força. — Viu quantas vezes ele se agarrou ao meu vestido? Aquilo foi... desconcertante. — Minha amiga sorriu amplamente.

— Você gosta dele.

— Não gosto não — tentei parecer ofendida, falhando totalmente. — Ele me deixa desarmada. É só porque é uma cópia fiel do pai. — Miranda continuou sorrindo. — E o menino não tem culpa, e... não quero falar sobre ele. Alex deveria prestar mais atenção no filho e mantê-lo longe de mim.

— Você fugiu do Alex a noite toda. Ele se aproveitou do fato de o Lipe estar tão encantado por você, mas você não lhe deu nenhuma chance. — Ela mantinha a mão na minha para me impedir de beber mais.

— Não tenho mais nada para conversar com ele — sussurrei, voltando a olhá-lo no meio do salão, conversando com um casal de senhores enquanto Anita fingia ser a sua esposa. Deus, eu a odiava.

— Charlotte, você está bêbada — ela falou outra vez e riu. — Pare de olhar para eles como se quisesse matá-los. — Tive que rir.

— Eu posso?

— Não! — Ela riu alto. — Fique bem aqui. Patrício já fez um milhão de sinais para irmos embora. Só vou se você concordar em ir também. Vou ao banheiro e já volto. Caralho, nem sei como faço para conseguir fazer xixi com este vestido. Fique aqui.

Ela levantou tirando a taça da minha mão. Fiz biquinho e minha amiga não se comoveu, seguindo em direção ao banheiro. Levantei rapidamente e tudo girou. Descalcei os pés para ter mais equilíbrio e saí em busca de um garçom. Vi que alguns circulavam próximo ao palco, servindo aos poucos convidados que ainda se agitavam na pista cansando a banda que não via a hora de ir embora.

Fixei os olhos no palco e caminhei tentando não cambalear. Tudo bem que eu queria me embebedar, no entanto, deixar que os convidados me vissem em uma situação constrangedora era outra conversa.

Vencendo a primeira etapa da pista de dança senti uma mão em meu cotovelo e não tive dúvida de quem se tratava.

Eu nunca teria.

O toque de Alex nunca seria indiferente para o meu corpo e eu teria que conviver eternamente com isso.

— Para onde está indo? — Ele me puxou de forma a forçar meus olhos a focarem nele. Ri nervosamente e fingi procurar algo próximo de nós dois.

— Pensei que Felipe tinha ido embora com Lana.

— Charlotte... — Não fale comigo como se fosse o responsável por mim. — Puxei meu braço e me arrependi por ser tão brusca. Algumas pessoas começaram a prestar atenção em nós dois.

— Por que está se embebedando? — ele me repreendia e eu o odiava ainda mais por isso. Como ousava?

— Alex — me aproximei bem dele —, ponha uma coisa em sua cabeça: eu não sou mais a sua esposa. Se preocupe com a sua vida. — Tentei virar, mas ele me segurou outra vez, os olhos fixos nos meus, penetrando-me de forma a tocar a minha alma. — Você me traiu — cuspi as palavras que estavam me sufocando.

— Deus! — Ele fechou os olhos e eu me senti agradecida por isso. Era melhor não estar sob o poder daqueles lagos azuis que tanto me enfeitiçavam.

— Me deixe, Alex! — Dei um passo para trás me livrando dele.

— Por que você faz isso? — Seus olhos se abriram me acusando. Ele também estava magoado. Com que direito? — Me diz o que posso fazer, Charlotte? Me diz como resolver isso? Você não suporta mais. Eu não suporto mais!

Ri ansiosa demais para me livrar daquela conversa. O que ele queria que eu dissesse? Tudo bem, eu sei que tenho culpa no cartório, então eu te perdoo?

Eu não podia. Céus, eu não conseguia! Não dava para simplesmente fechar os olhos e esquecer que Alex me traiu com Tiffany, principalmente quando ele tinha um filho com olhos desconcertantes que me encarava como se eu fosse algo místico e insistia em ficar perto de mim.

Deus, eu não podia! Jamais seria capaz de fazer ele feliz. Nunca conseguiria dar a ele o que ele imagina ser o certo para nós dois. Nunca conseguiria me livrar da mágoa, das lembranças e do quanto aquilo tudo me machucava. Eu simplesmente nunca conseguiria e pronto.

— Charlotte? — ele sussurrou suplicante. Eu precisava acabar com aquilo.

— Vai ficar melhor se você finalmente me deixar em paz — rebati com mágoa. — Eu não sou mais a mesma Charlotte, Alex. Nós nunca teremos a nossa vida de volta. — Ele se enfraqueceu diante de mim, deixando os ombros caírem e eu sabia o motivo: Lipe. Ele entendia que nós três não formávamos uma equipe. Nada mais era como antes.

— Ele é só uma criança, Charlotte — rebateu magoado. — Você não entende porque não tem filhos, não sabe ainda como funciona e... — Pare — gritei com raiva. Porra, eu não queria aquela conversa, não queria tocar naquele assunto. — Você tem o seu filho. Seja feliz com ele! — Novas lágrimas brotaram em meus olhos e me amaldiçoei por chorar na frente de todos.

— Você o odeia tanto assim? — Alex não entendia. Ele nunca entenderia. Suas palavras me sacudiram.

— Eu não odeio o seu filho — revelei, sentindo-me uma idiota. — Eu odeio o fato de precisar passar por cima de toda a minha dor quando ela ainda é uma ferida aberta. Odeio a forma como tudo aconteceu.

Odeio ser colaboradora dessa merda toda. Odeio você. — E não consegui evitar o choro. — Odeio você por ter aceitado que Tiffany nos destruísse, por ter permitido tantas e tantas vezes que ela se aproximasse, por não termos um destino diferente.

— Charlotte não foi assim... — Odeio a forma como você convive com Anita porque para mim é como se você me traísse diariamente. E me odeio, porque... — parei alarmada, ciente do que eu diria.

— Porque você ainda me ama — ele completou me olhando com compreensão. Senti raiva por ouvir aquela verdade saindo dos seus lábios, pois era humilhante amá-lo. Era horrível não ter sido capaz de esquecê-lo. — Não é verdade?

— Porque me permito perder meu tempo ouvindo você — rebati com ódio. Alex não tinha o direito de falar do meu amor, assim, quando eu estava bêbada, confusa e cheia de rancor. Alex suspirou e colocou uma mão em meu braço.

— Eu vou te levar para casa — anunciou amigavelmente. Afastei-me como se a mão dele me queimasse.

Ele não se abalou.

— Você não vai me levar para lugar nenhum! — Tentei manter a dignidade, no entanto eu sabia que estava bêbada e possivelmente sendo muito infantil.

— Charlotte, não tem mais nada para fazermos aqui. Todo mundo já foi embora. — Olhei ao redor vendo alguns poucos convidados perambulando por lá, a banda já anunciava a última música.

— Eu vou ficar. — Precisava de outra taça de champanhe. — Ainda preciso... — procurei alguma coisa que pudesse me ajudar — cantar uma música. — Ele riu.

Alex riu como se fosse absurdo eu cantar uma música. Por que era um absurdo eu cantar? Que idiota. Vi Miranda se aproximando preocupada e decidi que eu deveria agir rápido. Levantei a barra do vestido e dei as costas ao meu ex-marido.

— Charlotte? — ele gritou atrás de mim, mas eu já estava decidida.

No caminho para o palco peguei mais uma taça de Champanhe e virei todo o líquido de uma vez. Eu nunca me orgulharia disso, então... subi correndo os degraus e invadi o palco, ganhando a atenção dos músicos. Aproximei-me do cantor.

— Posso cantar uma música? — Ele me avaliou. Acredito que estava acostumado com bêbados em fim de festa, então me entregou o microfone e alertou a banda.

— O que quer cantar? — Olhei para a pista de dança e vi Alex, Miranda, Patrício e Johnny me observando como se eu fosse uma aberração.

— I’m not the only one. — Ele sorriu, demonstrando conhecer a letra e pediu a guitarra ao colega.

— Quando você quiser, docinho. — Indiquei com a cabeça que poderia ser naquele momento e seu colega deu as primeiras notas no teclado.

Fechei os olhos e timidamente comecei a cantar, rezando para não esquecer a letra e ciente de que os poucos convidados que estavam presentes poderiam simplesmente não entender o que a música dizia, porém, meus amigos e Alex saberiam cada palavra dita.

Eu cantava em inglês, embora a tradução simultânea em minha mente me deixasse cada vez mais deprimida e irritada. Eu dizia “Você e eu fizemos uma promessa. Na alegria ou na tristeza. Não acredito que você me decepcionou. Mas a prova está no jeito como isso dói. Por meses a fio eu tive minhas dúvidas. Negando cada lágrima...” Foi quando abri os olhos e vi o cantor se afastar dando espaço para Alex que assumia o outro microfone, o que ele estava fazendo? Ele não se importou com a minha reação de contrariedade e simplesmente me substituiu na música, cantando em um perfeito inglês “Você tem estado tão ocupada. Agora, infelizmente, eu sei o porquê. Seu coração é inalcançável. Apesar de, só Deus sabe, você tem o meu. Você diz que sou louco. Porque acha que não sei o que você fez. Mas quando você me chama de ‘amor’. Eu sei que não sou o único”.

Porra! Era a minha música. Era o meu protesto, a minha forma de jogar na cara dele a sua traição. Ele não podia simplesmente entrar e roubar a cena, acusando-me de algo que eu não fiz.

— O que está fazendo? — falei fora do microfone, confrontando-o, mas tive que assumir a música antes que ele continuasse. — “Eu amei você por muitos anos. Talvez eu não seja o suficiente. Você despertou o meu medo mais profundo. Mentindo e nos destruindo” — solucei nesta última parte, sentindo raiva daquela verdade. — Seu babaca — falei ao microfone sem me importar com a plateia.

— Cale a boca, Charlotte!

Ele rosnou deixando o microfone e vindo em minha direção mais rápido do que a minha mente fosse capaz de tomar consciência do que ele fazia. Em poucos segundos eu estava em seus braços e mais rápido ainda estávamos nos beijando.

Foi saudoso, forte e decisivo.

Alex Tirar Charlotte da festa foi mais fácil do que eu esperava. Da mesma forma que não encontrei resistência em seus lábios, não encontrei em colocá-la dentro do quarto, mesmo tendo que carregá-la até lá, o que só me deixou mais ansioso.

Guiei até a minha casa e em momento algum ela reclamou. Ficou quietinha deitada em meu ombro de olhos fechados. Assim que estacionei o carro recomeçamos os beijos. Eu queria pegar leve, sabia que era necessário, afinal de contas, Charlotte estava bêbada e, mesmo sabendo que ela realmente queria, não era justo deixar acontecer justamente quando ela não estava em condições normais para decidir sobre o passo que estava dando.

Eu jamais agiria como Tiffany. Nunca. Se bem que engravidar Charlotte provavelmente seria a solução dos nossos problemas. Não. Merda! Eu precisava pensar em Lipe. Ele não poderia sofrer com as minhas decisões. Como pensar nele tendo a mulher da minha vida em meus braços, entregue, disposta a tudo, puxando-me para ela e me desejando como eu sonhei durante todos os anos de separação?

A porta bateu com um estrondo enquanto nos enroscávamos e nos desequilibrávamos encostados na parede. Eu sentia a mão de Charlotte em meu corpo e tentava me convencer de que era hora de parar, mas minha mente traidora me dizia que um pouco mais não causaria nenhum estrago, que eu poderia esperar mais alguns minutos.

Arrastei minha ex-esposa até a escada, decidido a levá-la até o quarto e convencê-la a tomar um banho, no entanto eu não conseguia descartar a ideia de que um banho juntos não seria ruim, que não causaria estragos. Porra, eu precisava coordenar e controlar meus pensamentos ou daria em merda.

Charlotte levantou o vestido me dando livre acesso a suas coxas assim que alcançamos a metade das escadas. Eu sabia que ela só se equilibrava porque não precisava se preocupar com os seus movimentos, meu corpo mantinha o dela firme e ela precisava só corresponder. Tal constatação fazia uma luz chamativa acender em minha mente me alertando do perigo. Era hora de parar. Porém, como eu não conseguia, minhas mãos levantaram seu corpo pelas coxas permitindo a deliciosa fricção entre os nossos sexos.

Deus, eu queria tanto aquela mulher!

Por mais horrível que fosse eu pensei em como Tiffany se sentiu quando eu insisti em continuar, fingindo ser Charlotte em meus braços, e me perguntei se era justo julgá-la tendo consciência de que eu mesmo estava prestes a fechar os olhos e me deixar levar?

Charlotte se insinuou, colando o corpo ao meu e aprofundando o nosso beijo. Caralho! Eu amava aquela mulher, o jeito doce e meigo como ela se movimentava, o sabor dos seus lábios, mesmo misturado ao gosto da bebida, a pele quente e arrepiada, os gemidos que escapavam.

Tiffany me amava loucamente e não resistiu quando teve oportunidade. Eu faria o mesmo? Usaria a mesma justificativa para possuir Charlotte? Não. Eu não podia. Por isso me afastei.

— Charlotte...— Minha voz ofegante deixava claro o quanto eu não queria parar.

— Me beije — ela suplicou, levando o rosto até o meu.

— Não, Charlotte. Precisamos parar. — Tentei afastá-la um pouco e vi seus olhos abertos em choque.

— Não se atreva, Alex — me ameaçou. Porra, como fazer aquilo?

— Charlotte, entenda, você está bêbada, você... — Não importa — disse com raiva, segurando meu braço com força como se quisesse me forçar a continuar.

Eu queria. Muito! Mas nunca faria isso com Charlotte.

— Você não quer, Charlotte! Acredite em mim.

— Eu ou você? — acusou com os olhos cheios de lágrimas.

— Você. — Me aproximei e beijei seu rosto, sentindo a dor daquelas palavras. Ela se aninhou em meu corpo.

— Faça amor comigo, Alex! — Seus olhos suplicantes, cheios de lágrimas me comoviam quase me fazendo ignorar a minha consciência.

— Você bebeu demais, amanhã... — Amanhã é outro dia! — Ela chorou. Merda! — Eu não quero pensar no amanhã, quero pensar no hoje, no aqui e no agora. Você me trouxe até aqui e... — Ela estava muito bêbada. Olhou ao redor se dando conta de onde estava e começou a chorar.

— Não faça assim. — Abracei minha ex-mulher distribuindo beijos em seu rosto. Ela fechou as mãos em minha camisa soluçando e escondendo o rosto em meu peito.

— Eu sou tão idiota!

— Não, Charlotte! Pare com isso. — Levantei seus olhos para que ela me encarasse mesmo sabendo que nada do que eu dissesse ficaria em sua mente no dia seguinte. — Eu te amo! — Novas lágrimas desceram pelo seu rosto. — Eu te amo tanto, minha menina! Por amar demais não posso fazer isso com você.

— Você não me quer? — perguntou debilmente, com a voz arrastada e os olhos fechando.

— É o que mais quero em minha vida, mas não assim. Não com você quase inconsciente. — Ela despencou em meus braços, ainda chorando e já se rendendo ao álcool. — Venha. — Carreguei Charlotte levando-a para o quarto. Ela chorava baixinho. — Shiiiii! Não chore mais. — Deitei ao seu lado abraçando e segurando-a firmemente junto a mim. — Eu vou consertar tudo, amor. Prometo! — Acariciei seus cabelos e ninei minha garota até que finalmente o cansaço venceu e ela dormiu.

Charlotte Abri os olhos me arrependendo imediatamente. Puta que pariu, eu consegui! Consegui uma merda de uma ressaca prontinha para explodir meu cérebro.

— Porra! — resmunguei e imediatamente fui invadida por algumas lembranças. — Oh, Deus! — gemi, cobrindo o rosto com as mãos.

— Beber bastante água e tomar alguns analgésicos ajuda um pouco.

Levantei rápido demais, sentando na cama e me contorcendo com a dor de cabeça e a vontade absurda de vomitar. Era Alex, em algum lugar daquele quarto estranho e escuro. Merda! Não era um quarto estranho, era o quarto dele. E aquela era a cama dele... e eu estava sem roupa. Ah, Jesus! Eu estava pronta para morrer.

— Assim piora muito, Charlotte — ele falava com calma, sem demonstrar qualquer ansiedade pela noite anterior. Sentado na sua poltrona, Alex, completamente vestido, observava-me com atenção.

Foi impossível não me lembrar da minha primeira noite naquela casa e de perceber a incrível ironia da vida ao repetir a situação.

— Puta. Merda! — falei alto demais e me deixei cair no colchão de costas. Minha cabeça latejou — Ai!

— Venha, beba um pouco de água. — Abri os olhos e o vi parado ao lado da cama. Puxei o lençol tentando cobrir minha nudez, sentindo-me realmente ridícula.

Para quem estava implorando ao ex-marido para transar, ficar com vergonha de mostrar o corpo chegava a ser hipocrisia. Alex não me olhou com malícia, ele me encarava e deixava claro que olhava apenas para o meu rosto enquanto me entregava o copo e um comprimido.

— Deus! Eu não quero água, eu quero morrer. — Ele riu baixinho, aguardando eu me sentar.

— Eu avisei para não beber tanto. Isso está virando uma constante.

— Por favor, nada de sermão. Eu já tenho motivos suficientes para me sentir péssima. — Levei o comprimido a boca e o engoli bebendo toda a água. — Mas da próxima vez me amarre em uma cadeira e não me deixe beber tanto.

— Pode contar com isso. — Pegou o copo da minha mão, colocou sobre a peça e voltou, sentando na cama. — Preciso fazer você comer algo. Vai ajudar com a ressaca.

— Como eu vim parar aqui? — Alex abaixou o olhar e mordeu o lábio pensando no que poderia me dizer.

— Eu te trouxe — respondeu com calma. Os olhos se fixaram nos meus, aguardando por uma explosão ou pela acusação que certamente viria. — Você estava bebendo e... — Nós nos beijamos.

Poupei-o daquele constrangimento. Não era nada justo ficar bancando a inocente quando eu lembrava muito bem o que havia acontecido e a forma patética como praticamente implorei para transarmos.

— Eu só não lembro como vim parar em sua cama. — Olhei atentamente para os seus olhos. — E sem roupas — Alex ficou envergonhado. Engoliu com dificuldade, pigarreou para limpar a garganta e olhou para todos os lados, menos para mim.

Puta que pariu! Então nós transamos? Era isso? Transamos enquanto eu estava bêbada? Merda! Calma, Charlotte! Você implorou a ele que fizesse isso. Porra, eu implorei! Implorei realmente, mas eu estava bêbada. Como ele pôde?

— Não aconteceu nada, Charlotte. — Notei que eu respirava com dificuldade quando ouvi seu tom preocupado. — Aquele vestido com certeza te machucaria, então resolvi tirá-lo, mas foi só isso. Eu sequer encostei em você depois que tirei a sua roupa.

Quanto mais ele se explicava, pior eu ficava. Suas palavras me deixavam ainda mais constrangida, além de magoada. Era a prova de que Alex podia até me beijar, podia sentir saudade do que vivemos, porém ele não me queria mais e essa verdade se consolidava a cada encontro nosso.

Eu não deveria me incomodar, mas me incomodava consideravelmente. Se era para alguém decidir que não queria mais, esse alguém deveria ser eu. Nunca ele. Eu fui humilhada. Eu fui traída. Então era eu que deveria dizer a ele para ficar longe de mim. Contudo não era o que acontecia. Alex me rejeitava e eu corria atrás dele como um cachorrinho.

— Onde está a minha roupa? Eu preciso ir embora. — Tentei expulsar os pensamentos. O que estava feito não tinha mais volta. Eu precisava ir embora antes de piorar tudo.

— Charlotte, não... — Ele segurou a minha mão, o que me congelou completamente. — Não saia assim.

— Assim como, Alex? — Minhas têmporas latejaram. — Deus! — Massageei minha testa tentando encontrar conforto.

— Tá doendo muito? — Ele parecia se sentir culpado por cada atitude que precisava tomar. Olhei para Alex e levei um longo minuto encarando o seu rosto perfeito. Depois suspirei pesadamente, dando-me conta de que precisava dizer alguma coisa.

— Dói tudo. — deixei-me cair de costas no colchão, apoiando-me nos travesseiros. — Parece que levei uma surra. — Fiz uma careta ao movimentar a coluna para melhorar o meu estado.

— Deixa eu te ajudar.

Lentamente, sem tirar os olhos dos meus, Alex se abaixou e pegou minhas pernas, segurando meus pés em suas mãos. Ele demorou tempo o suficiente para se certificar de que não estava passando dos limites.

Meu único pensamento era que sentindo suas mãos em minha pele eu apenas queria que ele ultrapassasse todos os limites. Eu era muito idiota mesmo!

Ele apertou meus pés e a dor prazerosa me fez fechar os olhos, jogar a cabeça para trás e gemer. Se havia uma coisa que eu adorava era massagem nos pés. Principalmente após uma noite de porre tão tensa e humilhante. Alex parou e eu fui forçada a abrir os olhos. Ele estava me encarando de uma forma estranha.

— O que foi? — Ele piscou os olhos como se tivesse se dado conta naquele momento, que havia parado com a massagem.

— Nada. — Com dedos hábeis reiniciou a massagem.

— Céus, Alex — gemi outra vez e voltei a fechar os olhos. Ele era incrível com as mãos. Ouvi o seu pigarro e senti quando ele se movimentou na cama. Abri os olhos e encontrei um Alex desconcertado.

— Você estava dizendo... — continuou, sem me olhar diretamente.

— Hum! Deixe eu ver... ah, Deus! Isso está mesmo muito bom. — Mordi o lábio saboreando a deliciosa sensação.

— Fale, Charlotte! — rosnou me fazendo recuar.

O que havia de errado? Meus pés estavam sujos? Eu estava com chulé? Ai, Jesus! Minhas unhas estavam acabadas, sujas e podres. Tentei tirar meus pés, ele os segurou com mais força.

— Eu disse que nós precisávamos conversar. — Continuou massageando e, apesar de ainda estar gostoso eu podia sentir a sua tensão, o que roubava um pouco o prazer do momento.

— Ah, sim — pigarreei, limpando a garganta e me ajeitei nos travesseiros, tentando conferir como os meus pés estavam. — Nós já conversamos sobre tudo e acontece sempre igual, você me beija, me recusa, me diz que não me quer em sua vida, nós brigamos, fica tudo uma merda e depois recomeça. É melhor eu ir embora. Melhor para nós dois.

Desta vez consegui puxar meus pés. Alex me segurou pelas pernas com as duas mãos. Mais uma vez me vi congelada, tensa e ansiosa pela sua reação.

— Não! Espere. Por favor!

— Qual é o seu problema? — fui rude e minha cabeça doeu. Respirei fundo. — Olha, Alex... me desculpe por ontem. Eu... — Merda! Meu enjoo me atrapalhava e eu precisava falar tudo de uma vez e encerrar aquele assunto. — Não sei o que me deu. Eu bebi demais e acabei fazendo uma besteira atrás da outra. E você... — Olhei para ele, que me encarava atentamente, as mãos ainda em mim, o lábio presos entre os dentes e a respiração pesada. — Você não pode sair me beijando quando bem quiser. Isso é... constrangedor.

— Constrangedor? — Segurei o lençol em meu corpo com mais força.

— Sim. Nós nos beijamos, eu bêbada e simplesmente acordo assim — gesticulei para que ele entendesse o que eu dizia. — Mesmo sabendo que nada aconteceu. — Ele voltou a pegar os meus pés.

— O problema é esse? — Escrutinei seu rosto tentando organizar os meus pensamentos. Alex recomeçou a massagem, com calma e força na medida certa. Gemi abertamente.

— Charlotte... — me advertiu. Ele queria uma resposta.

— Eu vou falar. — Tentei manter o foco. — Isso é muito gostoso, Alex! — Abri os olhos e vi os dele quentes em mim. — São muitos os problemas. Primeiro você me beija, logo em seguida me diz que não deveria ter feito aquilo e que não existe mais espaço em sua vida para mim, depois me beija outra vez, e outra, e outra, e tantas que já perdi a conta, para sempre me abandonar. E esse nem é o maior de todos os nossos problemas.

— Você está aborrecida porque não transamos? — Segurou o dedão puxando-o para cima.

— Ah, Alex — gemi me entregando ao prazer de ter um pé dolorido massageado.

— Por favor, Charlotte, não faça assim. — Ri sem graça. O que eu poderia dizer?

— Assim como?

— Assim tão... — Ele parecia que explodiria a qualquer momento. — Só responda. Você está aborrecida porque não transamos?

— Não! — Afastei-me um pouco. — Quer dizer... — Encarei meu ex-professor e me senti perdida. O rosto esquentando consideravelmente. — Eu não posso estar, não é? Para falar bem a verdade, você tem razão. Nada disso deveria estar acontecendo. Você não deveria ficar me beijando e eu jamais deveria ficar bêbada a ponto de suplicar que você transe comigo.

Ok! A esta altura eu já sentia meu rosto pegar fogo. A ressaca e as lembranças me faziam ter vontade de abrir um buraco no chão e me enterrar nele. Era tão humilhante!

— Merda! Desculpe! Eu não sei o que me deu. — Tentei levantar e outra vez ele me manteve no lugar. — Deixe-me ir, Alex! — Implorei. Eu estava no meu limite. — Pare de massagear meus pés.

— Pare de gemer deste jeito — ele disparou, fazendo-me parar imediatamente. — Nós não transamos, Charlotte. Não porque eu não quis. Você estava bêbada e... — Céus! Alex... — Massageei minhas têmporas tentando conter a dor que ameaçava se alastrar. — Eu sei o que vai me dizer e concordo. Nós não precisamos ter esta mesma conversa, todas as vezes em que eu faço a besteira de querer transar e você gentilmente declina.

— Por Deus, Charlotte! Só fique calada. — Sua voz arrastada e rouca indicava que ele estava nervoso.

— Eu não quis fazer com você o mesmo que Tiffany fez comigo. Você estava bêbada, nós nos beijamos e eu fiquei muito mexido, mas nunca poderia deixar acontecer. Você não queria de fato, era só o álcool, as lembranças, a situação... não sei. — Ele se levantou afastando-se de mim. — Eu pensei em atender porque te amo, porque vivo doente de saudade desde a sua volta, porque não consigo aceitar o fim, mesmo tendo passado os últimos anos acreditando que eu havia aceitado, mesmo tendo consciência do quanto isso seria complicado para mim, para você e principalmente para o Lipe... — Ele me olhou e eu vi o quanto ele sofria com o que dizia. — Se eu transasse com você eu estaria concordando com o que Tiffany fez comigo. Estaria tirando a parcela de culpa dela, porque estaria aceitando que o amor justifica tudo, até mesmo enganar e destruir. Eu não podia fazer isso com você porque sabia que quando você se desse conta do que estava acontecendo iria me odiar ainda mais e eu não posso conviver com o seu ódio.

Meu coração martelava no peito. Eu estava sentada na cama, segurando o lençol que escondia a minha nudez e ouvindo aquele homem que eu tanto amei e odiei nos últimos anos, dizer-me que ainda me amava e queria. Eu o ouvia dizer que não me deixaria cometer o mesmo erro que ele cometera comigo e simplesmente não sabia o que fazer com aquela declaração.

— O que fazer quando você sabe que não pode ter o que deseja? Tem consciência de que é a pior de todas as suas escolhas, que mesmo que fuja será sempre como andar em círculos, pois estará constantemente voltando ao mesmo ponto? Como evitar a dor que você sabe que virá e mesmo assim não ter forças para evitá-la? — Só então percebi que eu pensava alto.

Ele sentou diante de mim com cautela, observando-me como se eu fosse quebrar a qualquer momento.

Sem desgrudar os olhos dos meus, seus dedos se cercaram das minhas mãos. Eu não tinha mais forças para lutar contra nada e nem fazia ideia de como agir.

— É assim que você se sente? — Sua voz baixa e cheia de emoção me atingiu com força.

— Você disse que ainda me ama. — Ele concordou. — Eu não entendo, Alex.

— O que não entende?

Abaixei os olhos sem coragem para dizer a ele como realmente me sentia. Eu não podia dizer que ele era o errado da história, então ele deveria me implorar e eu recusar e não o contrário. Seria infantil demais até mesmo para mim.

— Deixa pra lá.

— Charlotte, não! Converse comigo.

Merda! Eu queria dizer tanta coisa, mas não podia. O que eu poderia fazer que não parecesse tão infantil ou errado? O que eu poderia dizer que não soasse absurdo, que não o fizesse rir de mim e simplesmente se afastar.

— Não sei. — Meu rosto esquentou ainda mais. Eu podia sentir as bochechas pegando fogo. — Você me recusa sempre e eu não estou bêbada em todas as situações.

— Eu não te recusaria em nenhuma situação, Charlotte. Nós sempre nos demos muito bem neste quesito.

Nossa química continua sendo incrível, e eu... — Ele ia falar algo importante, então apenas se calou, depois de um tempo levantou a mão e acariciou o meu rosto, colocando os fios atrás da minha orelha. — Ter você comigo era tudo o que eu mais queria. Tudo o que eu mais desejei nos últimos anos. Mas... — Mas?

— A nossa história é complicada. — Suspirei. Enfim chegáva a um denominador comum.

— Eu não estou te pedindo em casamento — rebati com raiva. — Mas você tem razão. É complicado e não vale a pena. — Tentei me levantar outra vez e ele me segurou, forçando o lençol para baixo.

Abracei-me para me proteger do seu olhar.

— Qualquer coisa que eu tenha de você sempre vai valer a pena. A mínima coisa que seja.

— Não é o que parece — rebati me sentindo rebelde o bastante para desafiá-lo. — É o que é. E você acredite se quiser.

Nos encaramos por longos minutos. Eu não queria ceder e ele parecia lutar contra seus próprios pensamentos. Eu queria ir embora, esconder-me em meu quarto, chorar minhas mágoas e me sentir mais forte, no entanto eu estava ali, defronte ao meu ex-marido, com raiva, mágoa, sentindo-me humilhada e ao mesmo tempo saudosa, ansiosa, além de estar vivendo o maior conflito sentimental da minha vida.

— Charlotte! — disse, por fim, aproximando-se.

Nossos rostos próximos. Meu coração acelerou e meu sangue correu em minhas veias, fazendo-me esquecer da ressaca. Alex acariciou meu rosto, decorando cada detalhe por onde seus dedos passavam.

Pensei em fechar os olhos, mas não pude. Eu queria vê-lo, saber como ele se sentia, observar seus olhos e ter certeza de que ele estava realmente ali.

Ao mesmo tempo sentia o medo da rejeição. Eu queria ser beijada, mas não queria, porque sabia que ele recuaria, que me diria que era um erro e eu já estava bastante cansada de encontrar tantas justificativas para as nossas atitudes. O estresse do depois não compensava o antes.

Além do mais, eu estava envolvida naquela névoa de saudade, naquele encanto que eram os seus olhos me hipnotizando, seus lábios convidativos e seus toques mágicos, porém, no fundo eu não sabia como me sentiria depois e não tinha certeza se queria descobrir. Só havia a certeza de que me quebraria em tantos pedaços que seria impossível me reconstruir.

— Minha menina! — sussurrou deixando que as pontas dos seus dedos alisassem meus ombros e descessem vagarosamente pelos meus braços, fazendo com que toda a minha pele se arrepiasse. Eu não suportaria por muito mais tempo. Ou colocava um fim naquele momento ou não teria mais volta.

— Eu nunca te rejeitei — continuou com a voz provocante, os lábios subindo, roçando meu pescoço. A ponta do nariz me provocando. — Eu te protegi.

— Alex... — Tentei me desvencilhar. Meu coração acelerado me deixava tonta.

— Não fuja de mim — implorou, depositando um beijo logo abaixo do meu lóbulo, o que refletiu no centro das minhas pernas.

— Alex, não... — encolhi-me com o contato tão íntimo.

— Eu cansei, Charlotte. — Ele se aproximou ainda mais. O calor do seu corpo aquecendo o meu. — Deixe eu te amar! — Implorou mais uma vez com a voz sussurrante. O arrepio que percorreu meu corpo me devastou com um prazer que me fez fechar os olhos e suspirar. — Deixa eu te fazer minha mais uma vez.

Seus lábios, próximos aos meus, aguardavam a minha permissão. Eu não tinha mais nenhum controle sobre a minha mente, muito menos sobre o meu corpo. Incapaz de responder, deixei que minha cabeça se inclinasse e juntei os nossos lábios, numa permissão muda e deliciosa.


Capítulo 11


“Minha alma é que me chama pelo nome. Que doce som de prata faz a língua dos amantes à noite, tal qual música langorosa que ouvido atento escuta?” William Shakespeare Charlotte Era uma sensação única. Como se minha mente se fechasse e se recusasse a pensar em qualquer motivo que me fizesse desistir. Eu nunca desistiria, porque aquele beijo foi diferente dos outros. Não foi de saudade, foi de reconhecimento, como se, finalmente, depois de anos me torturando por ainda desejá-lo, eu encontrasse a paz tão necessária para me permitir.

E eu me permiti.

Alex não me tomou com ânsia. A urgência antes presente em nossos encontros desastrosos, cedeu lugar para a calma, para a necessidade de aproveitar cada segundo, cada detalhe, cada pedaço de mim. Ele me sentia, tocava, cheirava e me beijava, tudo no tempo certo, completando, sem deixar nada de fora. Era como se ele quisesse gravar em sua memória cada pormenor, para reviver o momento eternamente.

E eu me sentia plena, como uma deusa, uma soberana, sendo adorada e amada como toda mulher merece ser.

Eu sentia seus lábios nos meus, mas também sentia e aceitava quando estes deixavam minha boca para se aventurar em meu rosto, meu pescoço e meu busto. Suas mãos me cercavam, não como se quisessem me impedir de partir, ele sabia que eu nunca partiria. Elas simplesmente me tocavam, reconhecendo e se certificando de que tudo ali lhe pertencia.

Uma mão estava em minha cintura e a outra subia pelos meus cabelos conduzindo o nosso beijo. A sua língua pediu passagem e imediatamente um arrepio percorreu meu corpo me fazendo arfar. A sensação era a de que eu não conseguiria trilhar aquele caminho até o final, eu me perderia no meio e recomeçaria inúmeras vezes porque, se existia uma coisa que Alex sabia fazer era me conduzir naquele mar de prazer, até que não restasse mais nada de mim.

De olhos fechados eu percebia todo o meu corpo reagindo. Como se cada poro fosse atacado por mini orgasmos, como se todo o meu corpo estivesse conectado por inúmeros fios que lançavam choques, fazendo-me reagir a cada segundo.

Alex roçava os dedos em minha pele, como se eu fosse frágil, ou como se fosse uma miragem, que poderia se dispersar com movimentos mais bruscos. Eu não reclamava. Eu simplesmente amava a forma como ele estava fazendo, porque a sua lentidão me permiti ter o meu próprio reconhecimento.

Seu cheiro continuava o mesmo. Ele ainda usava o mesmo shampoo e o mesmo pós-barba. Sua pele continuava fresca e tentadora no período da manhã logo após o banho. Seus lábios continuavam doces e hábeis. Sua língua continuava a me causar a mesma sensação de perdição. Eu simplesmente o reconhecia e me reconfortava em estar novamente em seus braços.

Como ele, deixei meus dedos sentirem-no apenas com a pontinha deles. Acariciando gentilmente a sua pele e deixando que a imagem de cada detalhe dele se projetasse em minha mente. Eu o conhecia completamente. Conhecia aquele corpo incrível, os seus músculos, cada pedacinho de Alex. Ele liberou os meus lábios e imediatamente senti falta do seu gosto, então aproveitei para segui-lo nas carícias e deixei que minha boca explorasse o seu pescoço com a mesma calma que ele me dedicava.

E então eu senti sua mão descendo, tocando meu pescoço e seguindo até quase alcançar os meus seios.

Ele correu os dedos no vão entre eles e suspirou. Céus! Eu queria, precisava, que ele me tocasse.

Sentindo-me ousada, levei minha mão até o seu pescoço e continuei com a língua brincando em sua pele.

Meus lábios depositavam beijos curtos e cheios de sentimento. Alex gemeu e estremeceu ao meu toque, abraçando-me com cuidado e beijando meu ombro para depois mordiscar.

Eu não sabia se era certo seduzi-lo, se o que aconteceria depois não acabaria de uma vez por todas com nós dois, se o que eu havia me tornado seria o suficiente para ele, ou até mesmo, se a minha vida conseguiria se encaixar na dele e a dele na minha. Eu nem sabia se queria isso tudo realmente, no entanto, nenhum pensamento coerente me faria desistir de estar ali, nos braços do meu ex-marido.

Alex pareceu perdido por um tempo, como se o fato de eu reagir tão bem a ele o estivesse confundindo.

Ele se afastou, olhou-me nos olhos. Encarei de volta sem saber o que viria em seguida e confesso que senti meu coração acelerar com a possibilidade de mais uma rejeição, ou proteção, como ele havia dito.

Então Alex acariciou meu rosto com devoção e logo em seguida seus olhos vasculharam a parte exposta do meu corpo, já que o lençol havia sido descartado. Meu rosto esquentou, mesmo assim não me escondi ou evitei aquele olhar quente que descia sobre a minha nudez me fazendo arfar.

— Tão linda — ele disse em um momento só dele e eu me senti plena, perfeita.

Sem esperar por mais nada e, consciente de que não havia mais a alternativa de voltar atrás, nem para mim, nem para ele, resolvi agir mais uma vez. E ainda sob seu olhar, enfiei minhas mãos por baixo da camisa do meu ex-marido, retirando-a. Ele não me impediu, levantando os braços para facilitar meu acesso. Seus olhos continuavam em mim e eu podia sentir o calor do seu corpo emanando em direção ao meu.

Desci meu olhar por sua pele bronzeada, músculos definidos e trabalhados e fui atingida pela falta que sentia dele. Toquei seu peitoral com cuidado e entendi o motivo de Alex estar agindo como estava. Era uma falta, uma saudade que doía. Uma necessidade física de vê-lo, de saber que havia sido real, que não foi um sonho ou mais uma história criada na minha cabeça. Alex era real. Tudo o que vivi e lembrava era real, e estava ali, na minha frente, disponível para mim. A saudade e as lembranças de todos os nossos momentos me invadiram confundindo-me, fazendo-me questionar se realmente estávamos ali ou era mais uma alucinação?

Sem conseguir me conter subi em seu colo, sendo recepcionada pelos seus braços firmes. Rapidamente senti suas mãos em minha cintura, a pressão certa e o calor correto em minha pele nua. Ao mesmo tempo seus lábios estavam nos meus e o beijo se tornou mais intenso. Foi como se finalmente acordássemos e entendêssemos que estávamos ali, dispostos a tudo.

Suas mãos viajaram pelo meu corpo, puxando-me para perto. Montada em seu colo, vestindo apenas a calcinha da noite anterior, eu podia sentir a sua ereção e meus olhos se fechavam de prazer e contentamento, porque eu sabia que ali era o meu lugar preferido no mundo. Nenhuma dor, nenhuma traição, decepção ou mágoa mudaria essa realidade. Alex era o meu porto seguro, mesmo quando eu não podia mais estar nele.

A sensação da estarmos pele com pele me deixava extasiada. Meu corpo foi invadido por calafrios que só me incentivavam a aprofundar ainda mais a nossa intimidade. Afundei minhas mãos em seus cabelos, arfando com a sensação saudosa que era sentir seus fios sedosos entre os meus dedos. Por um segundo eu me perguntei se havíamos mesmo nos afastado por tanto tempo? Como conseguimos?

Naquele instante eu não acreditava nesta capacidade. Era humanamente impossível sobreviver sem seus lábios, sem seus toques, sem o seu amor devotado, sem aqueles olhos intensos me dizendo a todo momento o quanto eu era importante, o quanto cada movimento nosso era sagrado.

Ele, lentamente, me desceu sobre o colchão, alojando-me com todo cuidado. Seus lábios estavam nos meus até que minha cabeça descansasse no travesseiro. Seu cheiro inconfundível logo foi reconhecido imediatamente pela minha memória, fazendo-me inclinar a cabeça para melhor senti-lo na fronha macia.

Alex então desceu os lábios pelo meu pescoço e não parou por aí.

Senti a quentura da sua boca em minha pele, arrepiando todo o percurso por onde passava. Meu corpo se contorceu e meu sexo úmido começou a latejar. Sim, eu o queria. Muito. Queria exatamente como ele estava fazendo, aos poucos, sem deixar passar nada, roubando cada tentativa da minha mente de encontrar uma saída, de encontrar justificativas. Sua boca me roubava a capacidade de pensar e eu agradecia muito por isso.

Quando sua língua atrevida circulou meu mamilo, umedecendo-o, fui assolada por um espasmo que fez meus olhos se fecharem e eu me contorcer em uma necessidade animal. Gemi abertamente. Céus, como pude ficar tanto tempo sem sexo? Com pude ficar tanto tempo sem ele? Agora meu corpo cobrava de mim todo o castigo que lhe dei quando me afastei, e me mostrava, sem deixar mais dúvidas, a quem eu pertencia.

Então seus lábios se fecharam em meu seio e o sugar gracioso, revezando com a carícia da sua língua, lançou chamas ao meu corpo e eu me vi flutuando sobre nuvens em um orgasmo escandalosamente gostoso. Como aconteceu? Eu não fazia a mínima ideia, mas a realidade era que Alex tinha conseguido me fazer gozar sem nem mesmo me tocar nos pontos mais delicados.

Mordi o lábio tentando controlar os espasmos e a vergonha por ter sido tão precipitada. O que fora tudo aquilo? Que turbilhão de prazer avassalador foi aquele que me atingiu me varrendo para um mundo que só Alex era capaz de me levar. Santo Deus! E era tão bom que eu poderia continuar nele sem nenhuma vontade de retornar.

Meu orgasmo precipitado não fez Alex recuar. Ele apenas diminuiu a sua intensidade, aceitando e, aguardando o meu tempo, sem afastar seus lábios de minha pele, indo de um seio ao outro, com beijos quentes que mantiveram minha excitação latente. E assim eu vi que meu corpo não apagava a labareda.

Ela ainda estava ali, um pouco mais fraca, mas ainda queimando.

Sem me dizer uma palavra, assim que percebeu que meu corpo se acalmava, ele retornou às carícias ousadas e íntimas. Sua boca ficando mais urgente e suas mãos mais incisivas. Ele desceu para a minha barriga, os lábios e língua trabalhando sem cansar, minha pele voltando a formigar enquanto a mente se voltava para a coleção de lembranças que eu tinha de seus carinhos. No mesmo instante eu já ansiava pelas promessas silenciosas que me fazia.

No entanto, ao mesmo tempo em que me permitia viver todas aquelas sensações, sentindo Alex me explorar com devoção, sentindo sua língua brincar com a barra da minha calcinha, sentindo o familiar latejar entre as minhas pernas e desejando insanamente que ele concluísse o seu propósito, eu tive um súbito momento de clareza, onde minha mente registrava o que ele fazia e se antecipava para o que ele faria, alertando-me.

Ok. A verdade é que em todos os grandes romances a mocinha e o mocinho não se importam com quanto tempo cada já tem depois do último banho. Eles simplesmente amam o sabor dos corpos dos seus parceiros, são fascinados pelo cheiro e, convenhamos que em nenhum romance qualquer um deles estava malcheiroso.

Mas ali era o mundo real e nele, estar há mais de doze horas sem banho, além de ter passado uma boa parte deste tempo me embriagando, jamais seria um bom resultado. Não, não seria. Principalmente depois de um orgasmo. Eu não podia deixar que Alex continuasse. Então me debati, a princípio fracamente, apenas para indicar que ele não deveria continuar. Porém meu ex-marido estava tão perdido em seu momento que sua única reação foi segurar as minhas mãos ao lado do corpo e continuar com a sua tortura angustiante.

Puta merda! Alex estava me enlouquecendo. De duas formas. Eu queria que ele fizesse o seu trabalho e me desse mais um orgasmo como o primeiro. Aliás, eu queria que ele me fizesse relembrar todos os orgasmos que já me proporcionou algum dia. E também precisava urgentemente tirá-lo dali sem perder a doçura do momento ou fazê-lo desistir de estar comigo.

Forcei meu corpo para baixo, impedindo-o de enfiar a cara entre as minhas pernas. Puta que pariu aquilo era tão embaraçoso que eu estava com vontade de chutá-lo forte o suficiente para deixá-lo desmaiado. Aí eu correria para o banheiro, tomaria um banho rápido e voltava para acordá-lo. Seria fantástico!

— O que foi?

Ele estava de volta. Os olhos atentos aos meus, seu rosto bem próximo, me encarando com uma expressão confusa. Quanto tempo eu perdi divagando sobre as mil formas que eu poderia mudar aquela situação?

— Nada. — Meu rosto começou a esquentar e eu tive a certeza de que estava vermelha o bastante para entregar a minha mentira.

— Nada? — Ele continuou me olhando como se eu fosse um E.T.

— Hum! — Me mexi incomodada sem saber o que dizer.

— Charlotte?

Era o momento. Ou eu dava uma desculpa aceitável ou ele pensaria que eu não queria continuar. Que era a minha vez de esnobá-lo, o que não seria má ideia. Aliás, seria sim. Seria uma péssima ideia. Eu ainda queria o meu orgasmo. Respirei fundo tentando encontrar alguma mentira que tornasse tudo menos constrangedor. Não encontrei nada mais justo do que a verdade.

— Eu não tomei banho... ainda. — Ele me olhou confuso, as sobrancelhas unidas.

— E daí? — Merda!

— E daí que você tomou banho — retruquei, sentindo-me ridícula. Seria ótimo se o teto desabasse naquele momento para me poupar de continuar.

— E daí, Charlotte?

Seu corpo sobre o meu afastado apenas para que ele pudesse me olhar nos olhos, sem deixar nem por um segundo de me garantir que ele cumpriria todas as suas promessas mantinha o meu próprio corpo aquecido. Levantei o rosto para beijá-lo, mas Alex recuou sem deixar de me olhar. Ele queria respostas e eu queria ações. Revirei os olhos.

— Não me force a responder, por favor! — Meu rosto esquentou mais alguns graus e ele sorriu.

Porra, ele deu aquele sorriso sacana que eu tanto amava. Aquele que me fazia paralisar como uma idiota apaixonada. Que arranca de mim qualquer vontade de negar qualquer que seja o seu pedido. Sim, era aquele sorriso que me domava e me submetia ao seu bel-prazer.

Ele se abaixou lentamente, observando atentamente a minha reação, deixando que seus lábios me provocassem. E então ele me beijou com cuidado. Um beijo leve, que logo abandonou minha boca e marcou meu rosto, em direção ao meu pescoço. Meu sangue voltava a ganhar velocidade, fazendo tudo em seu caminho reviver. Mordi as bochechas por dentro para me impedir de sorrir. Droga, eu gostava quando ele me tratava daquela maneira, como uma menina perdida, inexperiente.

— Sinto saudade de você — sussurrou após morder o lóbulo da minha orelha. Latejou no centro entre as minhas pernas, forçando-as a se abrirem uma pouco mais para recebê-lo. — Sinto falta de você todinha.

— Seus dentes brincaram com a minha pele e eu gemi despudoradamente. — Sinto falta de tudo em seu corpo. — Suas mãos levaram as minhas acima da cabeça, mantendo-as cativas. Deus, eu não queria que ele me convencesse a fazer aquela loucura. — Mas vou respeitar a sua vontade. — Selou a promessa com um beijo longo. — Com uma condição — falou, ainda entre meus lábios.

— Alex... — Uma condição — repetiu segurando minha mão com apenas uma sua, deixando a outra descer até o meu pescoço. — Diga que sim.

Abri os olhos encarando aquele mar aberto, intenso e profundo, que me aguardava com ansiedade. Meu Deus! Como eu poderia dizer sim se tinha medo do que ele me pediria em troca? E como eu poderia dizer não se me sentia tão entregue que apenas um pedido dele seria uma ordem para o meu corpo.

— Sim?

Balancei a cabeça concordando e engolindo em seco. Porra, eu não fazia ideia no que estava me metendo, porém ansiava para que ele continuasse. Alex então sorriu e o resto do mundo deixou de existir para mim.

Santo Deus, como sobrevivi tanto tempo sem aquele sorriso?

Imediatamente ele se posicionou ao meu lado, seus lábios voltando ao seu lugar de direito, que era a minha boca, e as mãos reivindicando a minha pele. Como deveria ser, todo o meu corpo se acendeu.

Fechei os olhos me entregando ao que quer que Alex estivesse planejando. Ele não havia dito qual era a condição, apenas reiniciou o processo, deixando-me ansiosa.

Senti suas mãos em meus seios. A carícia leve, sexual e provocante, capaz de tirar o juízo da mais perfeita santa, da mais recatada das mulheres, conduzia-me para um caminho sem volta, fazia-me flutuar na luxúria, flertar com o perigo e rir do pecado como se ele não significasse nada. Sim, enquanto Alex mantivesse as mãos em mim eu pecaria sem medo, sem receio e sem limites.

A leveza dos seus toques era absorvida pelo meu corpo com violência, com chamas que me invadiam, queimando, incendiando todas as minhas veias. Um fogo avassalador. Um incêndio impossível de ser contido. Uma distração eficiente, pois só quando sua mão invadiu a minha calcinha e se alojou em meu sexo eu me dei conta do que Alex fazia.

Porra!

Meu corpo se contorceu e espasmos me dominaram quando seu dedo hábil circulou em meu clitóris com a pressão certa. Naquele instante nada serviria como barreira nem me forçaria a impedi-lo.

Institivamente, minhas pernas se abriram, meus olhos rodopiaram na órbita, minha boca ficou seca e meus quadris se movimentaram. Ele gemeu em meus lábios ao enfiar um dedo em mim.

Santo Deus! Aquilo não podia ser real. Quantas vezes, na escuridão da noite saudosa, fingi tê-lo da mesma forma, fantasiei com o seu corpo, o seu toque, os seus beijos... Quantas noites era apenas eu e ainda assim, era Alex também. Sempre foi ele.

Ali era ele de verdade e, devo admitir, nenhuma fantasia fez jus ao Alex real. Nunca, em nenhum momento eu consegui chegar perto de toda a sua experiência, sabedoria e destreza. Alex era o meu professor e eu sempre seria a sua aluna, a sua discípula. E naquele momento eu era apenas a sua menina, permitindo-se ter um pouco mais de tudo o que ele poderia me proporcionar.

E eu sempre iria querer mais. Incansavelmente.

Sua boca abandonou a minha e desceu em busca dos meus seios, os dentes arranhando minha pele, a respiração brincando com minhas terminações nervosas, enquanto seu dedo me acariciava sem parar, tocava minha intimidade, pressionava, se esfregava e me fazia arfar.

Foi no mesmo instante em que seus lábios se fecharam em meu bico endurecido que seu dedo finalmente me invadiu. Meu gemido alto e o encurvar do meu corpo revelavam que eu estava em meu limite. Alex foi impiedoso e sua mão trabalhou incansavelmente, dois dedos me invadindo, tocando minhas paredes e me forçando para o lugar onde eu sabia que não haveria mais volta.

Eu sentia sua língua circular meu mamilo, testando-o e provocando-o. A barba de um dia roçando a minha pele, eletrizando onde tocava. O vai e vem dos seus dedos e o esfregar do seu polegar em meu ponto mais sensível. Então, aos poucos, surgindo em um ponto e se alastrando com força por todo o meu corpo, senti o orgasmo me dominar em mais um momento de puro êxtase.

Foi como se eu estivesse em um mar de sensações, onde tudo acontecia com uma fúria sem tamanho, e ao mesmo tempo, lentamente, de forma a possibilitar que cada pedacinho meu estivesse envolvido.

Nos meus últimos espasmos ele diminuiu o movimento dos dedos em meu sexo e seus lábios eram apenas um leve roçar em meus seios. No meu último suspiro senti meu corpo pesar e minhas pálpebras fraquejarem. Sim, eu estava esgotada, aparentemente, Alex não.

A névoa que tentava me dominar rapidamente se dispersou quando senti a movimentação ao meu lado.

Levantei os braços e me espreguicei e foi assim que senti Alex se posicionar entre as minhas pernas.

Puxei meu corpo buscando liberar mais energia e me senti pesada, cansada, embora acesa. Uma chama inabalável ainda queimava dentro de mim. Ele riu baixinho e iniciou uma série de beijos leves em meu rosto e pescoço. Sorri aceitando o seu carinho. Tive vontade de abraçá-lo, mas meus braços não me obedeceram, então fiquei quieta e apenas aceitei.

— Cansada?

Sua voz rouca e cheia de desejo me atingiu com força. Abri os olhos e o encontrei um pouco acima de mim. Eu podia sentir seu membro entre as minhas pernas, duro como eu havia imaginado por três longos anos. Ansioso por mim, como desejei pelo mesmo espaço de tempo. Forcei os braços e consegui acariciar o seu rosto. Seus olhos azuis profundos eram um oceano de promessas sem fim, capazes de me ludibriar, me enganar e convencer a me jogar nele.

E eu me atiraria.

— Sinto saudade de você — disparei as palavras que ele havia usado para me convencer a continuar naquele jogo. — Sinto falta de você todinho. — Ele sorriu me deixando encantada. Acariciei seu rosto sentindo a barba arranhar a ponta dos meus dedos. — Sinto falta de tudo em seu corpo.

E tenho certeza que esta última parte, sussurrada e revelada com tanto sentimento, demonstrou para ele, assustando na mesma medida, o quão verdadeira ela era. Impedindo-me de seguir por um caminho mais profundo, busquei seus lábios em uma súplica muda que ele rapidamente silenciou.

Foi como o nosso primeiro beijo, com a diferença de que este estava repleto de saudade. Alex me beijou com quem saboreia o melhor de todos os doces, se entregando a aquele beijo como quem se rende. Como quem confessa não ter mais forças para lutar e se ajoelha diante do seu oponente. Era assim que ele se entregava para mim e era assim que eu o aceitava.

Aceitava?

Eu não podia pensar naquele momento. Então apenas me deixei levar, com a promessa de pensar depois.

Sim, eu pensaria depois, quando ele não pudesse mais colocar as mãos em mim. Quando seus lábios não conseguissem mais me alcançar. Quando seus olhos dominadores não me submetessem a todas as suas vontades. Quando seu sorriso não mais me hipnotizasse. Quando eu estivesse distante o suficiente para que sua voz não mais me confundisse. Quando... — Charlotte? — ele sussurrou, deixando seu hálito delicioso assoprar em meu rosto. Abri os olhos e me dei conta de que estava divagando. Pisquei confusa. Ele sorriu. E eu me perdi mais uma vez. — Eu amo você! — declarou e me beijou como se não quisesse aguardar por uma resposta que certamente não chegaria.

Impactada pela sua declaração, senti seu membro duro me invadindo bem devagar e suspirei. Alex não tinha pressa, mesmo depois de me dar dois orgasmos fabulosos. Ele girava os quadris e me penetrava um pouco mais. Só um pouco.

Minhas mãos afundaram em seus cabelos, sem se demorarem lá. Sentindo Alex se movimentar, deixei que a saudade me invadisse e logo minhas mãos o buscavam, apalpando-o e puxando-o para mim.

Rapidamente iniciamos um ritmo nosso. Ele me penetrando conforme a sua vontade e eu o recebendo.

— Ah, Charlotte — gemeu em meu pescoço, incapaz de se manter longe daquela entrega. Gemi deliciada com a sua voz cheia de tesão.

Eu o sentia entrar e sair. Minhas paredes eram forçadas, alargadas, resistindo ao que eu já deveria estar adaptada, mas não estava mais. Foi tempo demais sem ele, sem ninguém. E mesmo com os orgasmos que me deixaram mais úmida, com o tesão que não me abandonava, eu sentia a dificuldade daquela relação resistir em meu sexo.

Aprofundei o beijo e cruzei minhas pernas em sua cintura, acreditando que a posição facilitaria, percebendo que ficava cada vez mais ressecada e incomodada.

Alex sentiu e parou. Ele arfava e eu podia perceber que seus braços tremiam devido ao esforço que fazia para se controlar. Ele respirou fundo e me encarou. Não, eu não queria parar. Eu tinha desejo, vontade de estar ali com ele de uma maneira mais fácil mas, infelizmente, não era como mandar e meu corpo obedecer.

Então Alex sorriu e acariciou meu rosto. Um sorriso presunçoso e convencido, como se estivesse ciente de que a situação se complicou porque eu não havia transado com mais ninguém. Senti raiva, mas acima de tudo, senti-me excitada. Eu odiava e amava a sua presunção.

Ele segurou meus braços e os levantou acima da cabeça. Seu membro entrando um pouco mais. Abri as minhas pernas, como um convite. Ele não movimentou os quadris, mas beijou a região interna do meu braço e teceu beijos na pele sensível. Gemi abertamente e meus olhos voltaram a se fechar. Eu nem imaginava que aquela região poderia ser tão sensível.

Contorci-me quando sua língua se arrastou pela minha pele e sua mão quente desceu pela lateral do meu corpo. Alex se acomodou no meio das minhas pernas enquanto sua mão alcançava o meu quadril. Ele apertou aquela parte fazendo-me arfar ao descobrir mais aquele ponto desconhecido. Alex estava me conduzindo de forma a me mostrar que eu poderia ser apenas prazer, que o desejo estava em mim, em qualquer parte do meu corpo.

Senti seu quadril empurrando, com cuidado, enquanto ele deixava que sua língua me experimentasse, contornando meu seio, deixando os lábios se juntarem em minha pele aquecida. O conjunto de mãos, língua e lábios de Alex, todos agindo ao mesmo tempo, sem contar com o bônus que era ter seu corpo se esfregando manhosamente no meu e seu sexo me invadindo, começou a me fazer colaborar um pouco mais.

Eu podia sentir Alex escorregar mais facilmente, ainda que encontrando alguma resistência em minha elasticidade. Estava bom demais! Fechei os olhos e me entreguei, permitindo-me apenas sentir.

Ele se movimentou com mais força, um pouco mais rápido, forçando a sua entrada como se eu ainda fosse virgem. Porra. Não era nada justo precisar perder a virgindade duas vezes. Eu já tinha vivido o suficiente para saber que preferia a vida pós-virgindade, apesar de não ter motivos para reclamar da minha primeira vez, e também do que estava acontecendo naquele momento.

Meus pensamentos evaporaram quando senti a mão do meu eterno professor buscar outro ponto que eu sabia que me levaria às nuvens. Seus dedos longos e a palma quente se alojaram em minha bunda, levantando meu quadril e, no mesmo instante em que os lábios dele encontraram os meus, seu sexo se afundou em mim e seu dedo encontrou aquele ponto que eu tanto temia, ansiava e me desfazia em prazer.

Gemi alto com a certeza de que não precisaria de mais nada. Tudo em mim passaria a colaborar, porque Alex conhecia a fórmula certa para me estimular. Ele me conhecia, sabia como e o que fazer. Ele gemeu também. Algo tão animal, que indicava o quanto estava deliciado, e eu reagi ao seu gemido como se este fosse capaz de me tocar também.

O ritmo não poderia ser melhor. Ele estava em mim, em todos os lugares e ao mesmo tempo, sem parar, sem barreiras. Em minhas mãos eu sentia seus músculos cada vez mais tensos, enrijecendo, tremendo, indicando o orgasmo iminente. Em mim funcionava da mesma forma. Enquanto seu sexo duro arranhava minhas paredes estimulando todas as minhas terminações nervosas, seus lábios brincavam comigo e seu dedo entrava e saia daquele outro ponto, daquele jeito que me jogaria no inferno. E eu não faria nada para mudar essa situação.

— Deus! — ele resmungou tentando manter o controle, mas falhando totalmente.

Eu sentia seus braços tremerem com o seu esforço em não liberar seu peso sobre mim e continuar no ritmo que estávamos. Sabia que Alex não aguentaria muito tempo. Meu corpo já dava sinais de que acompanharia o meu ex-marido até o final, o que não me surpreendia. Eu sempre correspondia, não importava quantas vezes transássemos. Era como se eu fosse uma máquina que acatava a todos os comandos do meu senhor. E, se ele queria que eu gozasse, então eu gozaria.

— Charlotte... — aquela voz rouca e arrastada me avisava do seu limite.

Alex diminuiu as estocadas, que passaram a ser mais curtas e lentas, roçando meu sexo, se esfregando em mim. Enquanto isso, sua mão em minha bunda me fazia permanecer com os mesmos movimentos, agora com mais intensidade, porque, quando meu quadril se projetava para frente, eu sentia o membro duro de Alex forçando minhas paredes e ao mesmo tempo seu corpo forte roçando meu ponto de prazer. Quando se projetava para trás, era o seu dedo que fazia tudo ficar mágico.

Abri os olhos e o flagrei me olhando. Meu mundo ficou totalmente azul. Eu me vi mergulhando naquela imensidão que eram os seus olhos. Um mundo só meu e dele, cheio de promessas, pleno e feliz. Alex gemeu baixinho e meu corpo explodiu em luz. Cada pedacinho meu se duplicou, triplicou, quadriplicou e explodiu, se espalhando pelo quarto, fazendo-me flutuar.

Eu me senti pulverizando, tornando-me fumaça, partículas de ar que subiam me levando para as nuvens. E imediatamente, de maneira prazerosa, foi se solidificando e voltando a compor o meu corpo. Em segundos eu visitei o paraíso e fui devolvida à realidade. E, verdade seja dita: a realidade era uma delícia.


Capítulo 12


“Se você não tem fracassos na sua vida, é porque deixou de assumir os riscos que deveria.” William Shakespeare Charlotte Deitada de costas na cama de Alex eu encarava o teto. Não tínhamos trocado nem uma palavra após o sexo. Eu sabia que ele estava ali, quietinho, esperando por mim, com certeza se martirizando devido ao meu silêncio. Não tinha como evitar a enxurrada de pensamentos que me invadiram assim que fui transportada de volta à minha realidade.

Bom... para começar eu havia transado com meu ex-marido. O homem que, confesso, eu amo. A pessoa que, confesso outra vez, confio. Que também foi a pessoa que me traiu e teve um filho com a mulher que mais detestei na face da Terra. A mesma que tentou inúmeras vezes nos separar e, que, no final das contas, conseguiu.

Eu podia me entupir de culpa, julgar-me uma idiota, uma imbecil, levantar revoltada daquela cama, exigir que ele nunca mais me procurasse e ir embora chorar minha culpa durante três dias, depois de muito tentar encontrar explicações para o que aconteceu, então voltar para a Inglaterra e me enterrar por lá por sabe Deus mais quantos anos.

Acontece que não era o que eu queria. Eu sequer me sentia tentada a fazer isso. O que eu queria? Não sei dizer. Não conseguia formar uma linha coerente de raciocínio. Minha cabeça parecia um HD desgovernado. Eu estava sendo bombardeada por lembranças boas e ruins. Uma parte me dizendo que não valeria a pena e outra me dizendo que valia mais do que a pena. Era uma loucura só.

Ali, deitada na cama de Alex, encarando o teto e sentindo-o tenso e preocupado e, ainda assim, sem tirar a mão da minha cintura, mantendo meu corpo preso ao seu como se quisesse me impedir de escapar, eu sabia de uma coisa: não havia arrependimento em mim.

Primeiro porque sexo era realmente algo que me fazia falta. Verdade seja dita: eu sou uma idiota, romântica e cheia de pudores, o que me impediu de ir para a cama com qualquer outro homem, que era o mais certo a ser feito, já que até então eu jamais voltaria a frequentar a do meu ex-marido.

Segundo ponto era que sexo com Alex era realmente algo glorioso e eu seria muito ingrata se me sentisse mal pelos três orgasmos maravilhosos que ele me proporcionou. Foi louvável e eu poderia aplaudi-lo de pé, se realmente conseguisse levantar daquela cama naquele momento.

E o terceiro e último ponto era reconhecer meus sentimentos e entender que, apesar da mágoa e da tristeza que me causava, eu não mais culpava Alex pela traição. Ok que ele transou com Tiffany e não tem cachaça que faça um pau subir. E ele mesmo admitiu que apesar de tudo, de ter pensado que era eu ali, de ter sido manipulado e tudo mais, em determinado momento recuperou a consciência e ainda assim foi até o final.

Bom... esta ainda era uma parte sombria de toda a sua revelação, porque Alex ficava nervoso e parava de falar. Como se aquele detalhe revelasse mais do que seria capaz de dizer em voz alta. O que eu poderia cobrar dele? Se já era difícil admitir todo o ocorrido, imagine confessar essa parte. Não, Alex não dizia. Só deixava subentendido que não foi algo legal. E eu não tinha a menor vontade de cavar mais a fundo esta história.

A verdade era que a traição não tinha mais o peso de antes. Não me fazia mais rejeitá-lo. Não me impediria de aceitá-lo de volta. O que cumpria este papel era tudo o que a traição deixou como herança.

Sem contar tudo o que aconteceu nesses três anos longe. Eu não era mais a mesma mulher. Não era a mulher que Alex idealizava. Não poderia jamais ser tudo o que ele sonhou para nós dois.

Suspirei. Nunca imaginei que aquele segredo me faria lamentar algum dia. Quando tudo aconteceu, eu simplesmente me fechei e aceitei que era para ser assim e ponto final. Nunca me permiti sonhar com algo além disso, mas ali, naquele momento, de volta aos braços do homem com quem eu desejei passar a vida, a verdade era dura e cruel.

Eu nunca mais seria a mulher que Alex sonhava. Fato.

Para finalizar havia a minha incapacidade de conviver com Lipe. Lipe... pensar nele me fez suspirar outra vez. O menino era um problema. Ele e aqueles olhos azuis desconcertantes. Ele e o seu fascínio por mim, fazendo questão de me enlouquecer quando batia pé firme de que queria estar perto de mim, olhando-me como se eu fosse um ser místico. Lipe e as suas mãozinhas que insistiam em me tocar, em segurar o meu vestido, em me fazer lembrar o quanto Tiffany foi melhor do que eu.

Lipe e a sua ingenuidade em acreditar que o fato de ser filho de quem era não seria nenhum obstáculo para o nosso relacionamento. E era? Eu não sabia mais. Não sabia se sua presença me travava no lugar devido ao fato de ser o fruto da traição ou se me lembrava a cada segundo tudo o que eu não poderia voltar a ser para Alex.

E ainda tinha Anita como bônus. Sim. Eu vivia inconformada pela importância que Alex deu a aquela mulher em sua vida. Anita nunca deveria ser uma peça tão importante na vida dele. Jamais deveria ter a sua permissão para dividir a criação do seu filho. Em momento algum poderia ser cogitada a possibilidade de ela entrar com ele no casamento do seu irmão com a minha melhor amiga.

Sim, Alex tinha Anita entre nós dois e eu não me sentia à vontade para fazer exigências quando nem eu mesma sabia se deveria permanecer na vida dele.

Fechei os olhos e balancei a cabeça para expulsar os pensamentos. Eu precisava parar de pensar. Porra eu estava nua, nos braços de Alex, depois de três orgasmos e estava pensando em como resolver os problemas da minha vida? Pelo amor de Deus, Charlotte!

Aquele não era o momento. Haveria a hora certa para me trancar dentro de mim e tentar encontrar uma solução, não ali e não naquela hora. Teria que estar sozinha para decidir até onde queria ir e se eu realmente queria dar algum passo mais sério nesse relacionamento.

— Charlotte? — Sua voz baixa me despertou do meu devaneio.

Abri os olhos e o encontrei acima de mim. Seus olhos azuis perfeitos refletiam a sua insegurança. Eu não estava insegura. Confusa talvez. Arrependida jamais. Levantei a mão e acariciei seu rosto intrigada com a minha facilidade em desejar sempre mais do que ele poderia me oferecer. Alex fechou os olhos e enterrou o rosto em meu pescoço.

— O que foi? — Acariciei seus cabelos tendo uma ideia do que ele diria. Não consegui evitar o sorriso imenso que se abriu em meus lábios.

— Você. — A voz abafada pelos meus cabelos me fez sorrir ainda mais. Alex parecia uma criança perdida.

— Eu? O que eu fiz? — Tentei olhá-lo, mas ele se mexeu enterrando ainda mais o rosto. Com um suspiro revelou o que o incomodava.

— Você se arrependeu?

— Não! — Tentei não rir.

— Sim, você se arrependeu. — Ele levantou para voltar a me encarar, mas não havia mais tanta insegurança.

— Claro que não. — Alex estreitou os olhos me encarando, percebendo que eu dizia a verdade.

— Por que está tanto tempo calada e encarando o teto? — Mordi o lábio inferior avaliando se falaria a verdade ou não. E se sim, se faria de forma real ou romantizada. Eu estava realmente confusa. — Charlotte?

— Como você esperava que eu reagisse? Não pode querer que depois de tudo eu encare o que aconteceu aqui de uma maneira tranquila. — Fiquei atenta a sua expressão e vi quando ele fez uma careta de desagrado. Alex levantou sustentando o corpo no braço para me encarar.

— Você se arrependeu.

— Não, eu não me arrependi. A prova disso é que continuo aqui. — Ele levou alguns segundos me encarando e depois concordou. — Às vezes você não parece um homem de quase quarenta anos.

— Eu não tenho quase quarenta anos! — Afirmou indignado. Sorri amplamente.

— Trinta e oito é quase quarenta — provoquei.

— Tinta e oito é trinta e oito, não quarenta. Eu ainda tenho mais de um ano para chegar aos quarenta. Até lá tudo pode acontecer. Eu posso morrer e ficar eternizado com trinta e oito. — Ele sorriu e passou as mãos pelos cabelos. Suspirei. Eu amava o Alex debochado e relaxado. Ele era lindo! — E você não é mais nenhuma menininha.

— Claro que sou! Não tenho nem vinte e cinco ainda.

— Puta merda, Charlotte! Você é uma menininha para mim.

— Isso porque você é um velho que se acha um garotinho surfista. — Ele me encarou ficando sério.

Droga! Eu sabia o que significava e não estava disposta a ter aquela conversa. — Acho que agora vou tomar o meu desejado banho. — Porém não saí do lugar. Alex parecia querer me dizer algo, no entanto ele também não sabia se seria um bom momento. — Quer dizer... não tenho tanta certeza se quero entrar em seu banheiro.

— Por quê?

— Não sei o que vou encontrar por lá. — Ele me encarou confuso, rapidamente entendeu o que eu dizia.

— Nada mudou, Charlotte. — A segurança da sua voz já não estava presente. Alex colocou meu cabelo atrás da orelha e acariciou meu rosto.

— Você ainda tem sabonete líquido de morango? — Ele sorriu pela lembrança, embora houvesse tristeza em seu sorriso.

— Não. Esse não tem mais. Só o meu sabonete mesmo. — Fiz muxoxo.

— É. Vou ter que me conformar em sair daqui com o seu cheiro. — Ele riu baixinho.

— Não é uma má ideia. Tem toalha no armário de baixo.

— Como sempre. — Ele nada disse, só ficou me olhando.

Levantei sem me importar com a minha nudez. Quase nada havia mudado e o que de fato estava diferente, ele nunca veria apenas me olhando.

Entrei no banheiro e me olhei no espelho não me atrevendo a fechar a porta. Eu estava com uma aparência horrível, mesmo assim, estava feliz. Deixei os cabelos soltos e fui para o boxe. Era melhor abusar um pouco do shampoo de Alex do que deixar os fios bagunçados e embaraçados. Liguei o chuveiro e logo estava me esfregando por completo. Eu queria muito tirar a sensação de ressaca do meu corpo sem apagar a de estar muito bem comida. Ri do meu pensamento e me assustei quando mãos grandes cercaram a minha cintura.

— Alex — arfei com a sua ereção em minhas costas.

— Porta aberta é sempre um convite, Charlotte. — Ri. Quem sabe este não foi o motivo para eu não ter me dado ao trabalho de trancá-la.

— Obrigada por avisar. — Enfiei minha cabeça na água para tirar o excesso de condicionador.

Enquanto isso as mãos do meu ex-marido brincavam com minha barriga, subindo em direção aos seios, onde se fecharam com propriedade. Não reclamei, apenas deitei minha cabeça em seu peito, dando-lhe mais espaço. Se eu já estava lá, se já tinha chegado à conclusão de que não estava arrependida, por que não abusar um pouco mais da sua boa vontade?

— Eu disse que tinha uma condição — brincou no meu ouvido me fazendo arrepiar por inteiro.

— Ah é? E qual seria a sua condição?

— Você já está limpa o suficiente? — Fiquei confusa, porém nem pude pensar no assunto, pois Alex me girou em seus braços, deixando-me de frente para ele.

— O quê... Alex! — Ofeguei quando ele abaixou e imediatamente cobriu meu sexo com sua boca — Puta que pariu! — Encostei na parede e agarrei o cabelo dele. O chuveiro ainda ligado jogava água em meu corpo, estimulando meus seios enquanto Alex chupava impiedosamente o meu ponto de prazer. — Ah, Deus!

Gritei quando senti seus dentes se fechando em meu clitóris e dois dos seus dedos me invadirem. Logo em seguida sua língua lambeu todo o meu sexo fazendo minhas pernas fraquejarem. Sem tirar os dedos de dentro de mim, ele me lambia e chupava enquanto buscava dentro de mim a válvula que ele sabia conseguir acionar.

Minhas pernas tremeram e meu ventre se contraiu. Eu me sentia fraca, no entanto não havia nada em mim que quisesse desistir. Estava no banheiro do Alex, usando o shampoo do Alex, o sabonete do Alex e com o próprio Alex entre as minhas pernas serpenteando sua língua em meu sexo já entregue. Tinha como melhorar um pouco mais?

Ah, com certeza! Com Alex sempre tinha.

Quando pensei que começaria a ver estrelinhas e que meu corpo mesmo destruído pelo cansaço conseguiria mais um pouco de prazer, meu ex-marido me abandonou e me virou de costas para ele.

Choquei minhas mãos no azulejo e gritei assustada e animada com o que poderia acontecer. Ele abriu minhas pernas, puxou meus quadris para trás de encontro ao seu e eu senti seu sexo duro roçando o meu ansioso. Sua boca estava colada em meu ouvido.

— Eu queria sentir você gozando em minha boca. — Sua voz tão explicitamente excitada fez meu corpo inteiro tremer.

— E por que não faz isso. — Senti meu rosto esquentando pela ousadia. Graças a Deus eu estava de costas.

— Porque depois eu te comeria e seria abusar demais de você. — Minhas pernas cederam literalmente com a sua doce promessa e eu precisei ser amparada por Alex, que riu descaradamente as minhas costas.

O safado sabia o quanto mexia comigo e abusava do seu poder.

Ele se abaixou e lentamente me penetrou, sem nenhuma dificuldade. Sua respiração, assim como a pressão que suas mãos faziam em minha cintura, denunciavam o quanto ele se esforçava para seguir aquele ritmo. Ele testou o meu corpo, minha elasticidade, como se meu sexo ainda precisasse se adaptar ao dele. Tolinho! Não sabia Alex que minha pele jamais esqueceria a sua impressão digital, minha carne nunca apagaria o prazer de ter a dele.

Senti minhas paredes sendo tocadas em todos os ângulos e meu sexo se moldando ao dele, causando uma fricção deliciosa. Céus! Como eu ainda suportava tanto? Foram três orgasmos fantásticos. Tudo bem que não exigiram muito de minha agilidade. Meu eterno professor havia sido bastante gentil, porém eu sabia que estava esgotada, com fome, sono e prestes a ter mais um orgasmo maravilhoso.

Ele continuou o seu ritmo lento, entrando e saindo enquanto a água morna escorria por nossos corpos. O seu roçar me conduzia. Deixei minha cabeça relaxar em seu peito e meus seios ficaram intumescidos com a sensação da água escorrendo luxuriosamente enquanto ele me consumia como bem entendia. Gemi sentindo-me fraca.

— Fique quietinha. — Ele pediu levando minhas mãos de volta ao azulejo. — Firme assim.

E então iniciou uma série de carícias leves que desciam pelas minhas coxas, subiam por minha barriga, brincavam com meus seios, acarinhavam meu pescoço — ao mesmo tempo seus lábios quentes e gentis depositavam beijos molhados em meus ombros, pescoço e costas e algumas vezes em meus lábios, quando suas mãos me conduziam ao beijo, levando o meu rosto ao dele.

— Eu amo você! — Sua voz estava baixa, embora firme, e eu sentia a veracidade delas. — Amo tanto você, minha menina!

— Alex... — Não, Charlotte! Deixe-me falar.

Ele me manteve de costas e suas estocadas seguiam o padrão lento e sensual. Eu fechava e abria os olhos tentando me concentrar enquanto suas mãos me tocavam com gentileza e sensualidade.

— Não quero mais lutar contra você. Não quero mais te perder. Não quero mais o medo e a insegurança de não tê-la. Eu quero você de volta.

Seus lábios depositavam beijos leves enquanto faziam a declaração e suas mãos hábeis me distraíam juntamente com o seu entrar e sair ritmado que acendia todo o meu corpo.

— Eu sei que é o que você quer também, então vamos encontrar um meio, vamos fazer dar certo, juntos, não mais separados. Não mais com um noivado estúpido entre nós dois.

— Oh, Deus! — Seus dedos se fecharam em meus seios, puxando os bicos e mandando ondas de prazer para o centro das minhas pernas.

O que Alex estava fazendo? Querendo me convencer com sexo a voltar para ele? Mostrando-me as maravilhas de quando estávamos juntos? Porra! Ele me convenceria com toda certeza, porque se aquela era a sua promessa, eu estava no paraíso.

— Quero você de volta, Charlotte! Vou lutar para conseguir, nem que eu tenha que te provar todos os dias que essa é a melhor decisão que você já tomou na sua vida.

— Tomei? — Ri da sua prepotência, mas o sexo delicioso não me deixava pensar em nada de maneira coerente.

— Tomou. — Ele estocou mais fundo. — Só não se deu conta ainda.

Quanta prepotência! Ri e mordi o lábio inferior ao recebê-lo depois de uma girada de quadris deliciosa.

Gemi tentando não parecer tão entregue.

— Volta pra mim? — sussurrou ao puxar meu rosto em direção ao seu. Seus lábios bem próximos dos meus.

— Você está louco. — Ele mordeu meu lábio e me puxou de encontro a sua ereção, fazendo-a ir bem fundo. Porra!

— Volta pra mim, Charlotte — ordenou e mordeu meu pescoço.

Suas estocadas ficaram mais fortes. Ele entrava com tudo e saía lentamente, gemendo como se cada centímetro tocado lhe proporcionasse o mais puro prazer. O êxtase dos deuses do Olimpo, a mais deliciosa sensação.

— Eu não estou mais bêbada — brinquei e ele parou na mesma hora. Merda! — Alex! — gemi descaradamente.

— Não brinque comigo. — A advertência foi dada com uma mordida em meu ombro que me fez gritar, descarregando em meu corpo castigado uma adrenalina que me deixou em alerta.

— Não pare — implorei.

— Fique comigo — rebateu com a mesma intensidade.

— Não é aqui que eu estou? Não é por você que estou gemendo? Não é a você que estou implorando por mais? Que estou me desfazendo em gozo a cada pedido seu?

— Porra, Charlotte!

Quando Alex mordeu meu ombro, se enfiou em mim e precisou parar para respirar, eu entendi que aquele era o seu limite. Ele estava com uma mão em meu seio e a outra em minha cintura para me manter firme para as suas entradas. Eu queria que ele gozasse. Queria ouvir os seus gemidos reservados para mim.

Queria saber que ele ainda se desmanchava em prazer com o meu corpo. Que me desejava profundamente. E pouco me importava se eu estava esgotada, se depois de tudo o que ele quisesse fazer comigo eu precisasse fazer uma visita ao hospital. Não importava. Eu queria que ele gozasse clamando por mim.

Rebolei em seu sexo ciente de que aquela seria a sua rendição. Ele gemeu alto, xingou algo que eu não entendi e cravou seus dedos em meus quadris, fazendo-me parar. Mas eu não queria parar. Joguei meu rosto para trás buscando seus lábios e logo fui atendida.

— Fique quietinha — ele sussurrou a sua súplica.

— Não! — Vi seu sorriso descarado se abrir, puxando para um dos cantos e deixando-me encantada. — Fale o meu nome — exigi e ele sorriu ainda mais entendendo o meu pedido.

Sem pensar duas vezes, ele saiu um pouco de mim e voltou com mais força. Gritei ao senti-lo tão fundo, me regozijando-me ao reconhecer sua respiração ofegante. Ele me penetrou mais rápido, cada vez mais forte e, para tirar todo o meu juízo, seus dedos se embrenharam entre as minhas pernas, acariciando meu sexo.

— Oh, Charlotte — ele gemeu atendendo ao meu pedido.

— Céus! — Eu fui atirada em um espiral de sensações enquanto o sentia me penetrar ferozmente e seus dedos pressionarem meu clitóris, forçando-me a um orgasmo devastador.

— Charlotte... eu... Deus... Charlotte!!!

Alex gozou como eu queria. Para mim, em mim e apenas por mim.

Alex Precisei levar Charlotte para a cama, secá-la e cobri-la totalmente nua enquanto ela se enroscava em meus lençóis completamente derrotada pela maratona que havíamos passado. Eu ainda estava desperto, ansioso demais para dormir. Precisava de respostas.

Fiz um suco de laranja e aninhei minha ex-esposa em meus braços como uma criança para que ela ingerisse o líquido. Não seria nada legal deixá-la dormir por mais longas horas sem colocar nada no estômago. Depois desci, coloquei uma água para esquentar, separei um fettuccine, escolhi um molho de camarão e descongelei enquanto cortava umas torradas. Nada de vinho ou algo parecido. Tomaríamos água.

E teríamos aquela conversa.

Meu celular tocou inúmeras vezes. Conferi para saber se era Lana com alguma novidade sobre Lipe, mas como era Anita, preferi ignorar. Aquele não era o momento ideal para conversar com ela. Também ouvi o celular de Charlotte tocar várias vezes dentro da sua bolsa que acabara esquecida na sala quando chegamos.

Então meu celular tocou logo após o dela e ficaram se revezando até que entendi que quem estava ligando sabia que estávamos juntos. Peguei meu aparelho e vi que era Peter. Respirei fundo e atendi.

— Alex! Graças a Deus!

— Ela está dormindo, Peter — fui direto ao assunto.

— Hum — ele pigarreou para esconder o embaraço. — E ela está bem? Miranda me contou que Charlotte passou dos limites ontem.

— Verdade.

— Vou ter uma conversa com essa mocinha sobre os perigos do álcool. — Sorri para a superproteção do Peter. Ele, por mais que se esforçasse, ainda não tinha entendido que a filha era uma mulher. Uma linda mulher por sinal.

— Acho que será mesmo necessário — colaborei com a sua bronca, afinal de contas, ir contra o ex-futuro-sogro não era nada esperto ou sensato.

— Então... — ele pareceu hesitar. — Vocês se acertaram? — falou bem baixo, como se quisesse esconder de alguém a nossa conversa.

— Não sei exatamente, Peter, mas não posso esconder que esta é a minha vontade.

— Eu sei. — Pareceu sorrir. Sim, meu ex-sogro aprovava o nosso relacionamento. — E eu espero que minha filha não seja tão cabeça dura. — Imediatamente lembrei de Charlotte no chuveiro comigo, resistindo à ideia de voltarmos embora seu corpo inteiro estivesse gritando que sim.

— Ela é cabeça dura, mas eu sou persistente — sorri abertamente, sentindo-me leve.

— Bom... boa sorte! Mande ela ligar para casa. Preciso realmente falar com Charlotte.

— Algo grave? — Peter riu.

— Depende do que você acredita ser grave. Nesse caso só Charlotte pode responder. Eu espero mesmo que você seja persistente.

Não sei o porquê, mas senti algo na voz de Peter que eu sabia que não ia gostar de saber, então o movimento no andar de cima da minha casa me fez encerrar a ligação.

— Assim que ela acordar eu aviso que você ligou. — Olhei para a escada aguardando-a.

— Faça isso. Um abraço. — Ele desligou e Charlotte não apareceu.

Voltei para a cozinha e quando estava acabando de escorrer o fettuccine ouvi passos na escada. Confesso que fiquei tenso. Eu não sabia como seria a nossa conversa, apesar da certeza de que a queria de volta.

Eram muitos pontos para acertar.

— Meu Deus! Eu preciso de três disso — ela resmungou e se atirou no banco, debruçando-se sobre o balcão.

Olhei minha ex-aluna e fiquei satisfeito por ela estar vestindo uma camisa minha e não o seu vestido de festa, o que significava que ela ficaria, que não fugiria de mim. Seus cabelos embaraçados desciam sobre os ombros, deixando-a ainda mais bonita.

— E você sabe o que é isso? — brinquei enquanto pegava dois pratos fundos.

— Não faço a mínima ideia. Cheira tão gostoso que se você dissesse que eram as suas cuecas eu comeria com prazer. Pode me servir um copo com água? — Ri alto.

— Você nunca vai deixar de ser absurda. — Coloquei água no copo e entreguei a ela que bebeu rapidamente e de uma vez só. — Espero que goste das minhas cuecas. — Servi um belo prato com a massa e depois despejei o molho sobre ela.

Charlotte olhava o prato atentamente enquanto eu o colocava diante dela. Antes mesmo de deixar sobre a mesa ela prendeu um camarão com o garfo e o levou a boca. Estava quente. Ela gemeu, mas comeu mesmo assim.

— Hummmmmmmm! A melhor cueca que eu já comi na vida. — Ri balançando a cabeça enquanto ela enfiava o garfo na massa comendo sem me aguardar.

— Você foi deseducada durante este tempo que passamos separados. — Ela me olhou com o garfo cheio de fettuccine a caminho da boca. Pensou por alguns milésimos de segundo e depois deu de ombros, entupindo a boca de comida.

— A culpa é sua — falou de boca cheia sem se importar com o meu comentário anterior.

— Você não tem classe, Charlotte — provoquei e ela riu.

— Não depois de ser devorada sem piedade, professor Frankli. Estou faminta. — Tive que sorrir e sabia que meu sorriso era convencido.

— Está perdoada.

— Isso aqui está uma delícia. — Mastigou, revirando os olhos.

— O tempero da comida é a fome.

— Pode ser, mas neste momento, isso é tudo com o que eu poderia sonhar. — Aproveitou que eu completei o seu copo e bebeu mais um pouco de água. O que era ótimo.

— Ah é? — Estreitei os olhos e ela sorriu amplamente.

— Estou aplacando uma fome de cada vez.

Porra, eu amava aquela Charlotte! Amava nossas conversas descontraídas com sentidos dúbios. Amava sua maneira relaxada quando estávamos juntos. E como eu senti falta disso tudo. Nenhuma outra mulher conseguiu fazer com que a hora do almoço ou do jantar se tornasse um momento tão interessante. E amava a maneira única como ela me fazia ficar cada vez mais apaixonado só por causa das bobagens que dizia.

Quando dei por mim estávamos em silêncio. Ela já não comia com tanta avidez, pelo contrário, jogava a comida de um lado para o outro do prato, aguardando pelo que sabia que aconteceria.

— Nós precisamos ter a conversa — comecei.

— Precisa ser agora? — Covarde como era, foi incapaz de levantar os olhos para me encarar. — Não podemos só comer e falar bobagens?

— É o que você quer? — continuei, encarando o seu rosto mesmo sem ter os seus olhos nos meus.

— Eu não sei o que quero, Alex. Eu... — Largou os talheres e escondeu as mãos embaixo do balcão. — Eu acabei de voltar. Passei três anos te odiando. Tomei um porre homérico, transei com você e... transei com você... — Olhou-me e deu um sorriso torto que conseguiu me fazer perder o foco. — Transei com você... — Deu de ombros. — Já dei passos enormes para a nossa relação.

— É isso o que vamos fazer? — Não sei por que, mas saber que Charlotte me queria e que lutava contra isso somente para não dar o braço a torcer me irritava.

— Isso o quê? — Colocou um camarão na boca fingindo desinteresse.

— Transar. — Fui direto, o que fez com que ela me encarasse. — Nós vamos nos encontrar, transar e depois dizer tchau e até a próxima transa? — Ela engoliu com dificuldade e abaixou os olhos para o prato. — É o que você quer?

— Eu não sei o que quero — repetiu.

— Mas eu sei. Eu quero você! — Mesmo com a cabeça baixa eu pude ver o sorriso em seus lábios, ainda que escondido pelos cabelos que caíam sobre o seu rosto. — E sei que você me quer de volta. Então por que não... — O telefone dela tocou ganhando a sua atenção. Charlotte ficou agitada. — Está na sala.

Provavelmente é o Peter. Ele pediu para avisar que precisa falar com você.

— Meu pai? Você atendeu meu celular? Disse a ele que eu estava aqui? Droga, Alex! E agora? — Revirei os olhos.

— Você vai fazer vinte e cinco anos. Nós já fomos casados e sim, eu disse a Peter que você passou a noite aqui comigo. — Ela puxava o ar com dificuldade. — Pelo amor de Deus! Amadureça!

— Vá à merda!

— O quê?

— Eu não sou mais a sua esposa, então vá à merda. — Levantou-se com rebeldia para buscar o aparelho que gritava em sua bolsa.

Respirei fundo e aguardei que ela voltasse. Charlotte fez silêncio por tempo demais, o que me fez debruçar sobre o balcão para observá-la. Ela estava na sala, o celular na mão, encarando-o como se ele fosse uma bomba, mas não o atendia.

O aparelho parou de tocar e recomeçou. Eu nem conseguia acreditar que ela estava com tanto medo de enfrentar o pai só porque dormiu com o ex-marido. Charlotte era inacreditável. Não. Charlotte era absurda. Então ela desligou o celular e o colocou outra vez na bolsa, voltando sem coragem alguma para onde eu estava.

— O que houve? — Ela sentou no banco e encarou a comida. — Charlotte?

— Eu preciso ir. Meu Deus! Nem imaginava que horas eram. Perdi o dia todo — ela sussurrava, como se conversasse consigo mesma.

— Perdeu? — Charlotte levantou a cabeça e me encarou. Ela estava nervosa. — O que aconteceu?

— Nada. Eu... — Charlotte, o que aconteceu?

Fiquei tenso imediatamente. Eu sabia que ela estava escondendo algo de mim, não apenas pelo vermelho em seu rosto, mas pelo torcer das suas mãos. Ela me encarou e depois suspirou desistindo de mentir.

— Thomas. — Meu coração disparou. Como eu sabia que em algum momento teríamos que conversar sobre aquele noivado, mantive a calma e aguardei. — Eu acabei esquecendo.

— Nós podemos resolver isso. — Tentei parecer seguro, afinal de contas eu estava tomando de volta a garota que sempre foi minha, mas que naquele momento era noiva de outro.

— Você não entende. — Sua voz ficou ainda mais baixa.

— Ele vai entender, Charlotte.

— Céus! — Passou as mãos nos cabelos e me encarou com determinação. — Thomas está aqui no Brasil.

— Parei, congelado, assimilando o que ela dizia. — Eu esqueci que devia buscá-lo hoje pela manhã.

Droga! Eu realmente preciso ir.

— Espere um pouco — falei mais alto tentando me situar naquilo tudo. — Você está me dizendo que Thomas, o seu noivo, está aqui no Brasil?

— Mais precisamente, hospedado na minha casa.

Puta que pariu!


Capítulo 13


“Que os sentimentos que aparecerem em teu coração sejam como esses do meu peito!” William Shakespeare Charlotte Alex se apoiou na bancada da pia e sacudiu a cabeça como se quisesse reorganizar os seus pensamentos.

Eu estava gelada. Minha ressaca que havia desaparecido depois da longa sessão de sexo, das horas de sono e da comida deliciosa, voltava com tudo ameaçando expulsar do meu corpo a comida tão bem recebida.

Eu precisava ir embora. Precisava me desculpar com Thomas e mesmo assim ainda estava ali, parada naquela cozinha, usando apenas uma camisa do meu ex-marido e louca para desfazer aquela confusão.

Como conseguir desfazer aquele problema? Eu não podia confessar que havia mentido. Alex jamais me perdoaria e eu também não tinha vontade de contar a verdade só porque transamos.

Ele continuava calado, ora passava a mão pelos cabelos, ora segurava a bancada com força e respirava fundo. Eu, congelada, não sabia se fugia ou ficava para ser atacada.

— Alex, fale alguma coisa! — Ele levantou o rosto e me encarou com dor. — Você estava transando comigo enquanto seu noivo te aguardava em sua casa? Foi direto, me ferindo sem dó nem piedade. E eu senti a porrada como um tapa no rosto. Uma ofensa. Uma forma nada sutil de me chamar de vagabunda. Doeu e também me revoltou.

— Qual o problema? Você não esteve na cama com Tiffany enquanto ainda estava casado comigo? — rebati com raiva.

Alex se assustou com a minha resposta. Ele piscou várias vezes e passou as mãos pelos cabelos, fechando os olhos para se controlar. Eu já estava na defensiva.

— É o que vai fazer? — Encarei ele sem entender. — Vai revidar o mal que eu te fiz? Vai dormir comigo apenas para me mostrar o quanto eu errei? Vai me transformar em seu caso, seu amante, seu... — Caminhou pela cozinha desorientado. — É o que está fazendo, Charlotte? Está se vingando de mim?

— Não! — Sua dor me perturbou, machucando-me tanto quanto suas palavras. Eu já tinha superado aquela fase e não poderia fazê-lo sofrer mais pelo nosso passado doloroso. — Eu esqueci que ele vinha, Alex. Juro! Ontem quando ele me ligou eu estava atordoada demais para dar atenção ao que planejamos e depois... — Nos encaramos, as respirações pesadas.

Por longos segundos nos encaramos, até que ele, com passadas largas, alcançou-me rapidamente puxando-me para si. Suas mãos grandes seguraram meu rosto forçando o contato.

— Desculpe! — sussurrou apaixonadamente. — Eu me sinto um idiota quando estou perto de você. Perco minha capacidade de raciocinar. Me perdoe!

Meu coração acelerado me dizia que era melhor eu ir embora. Que fazer ou aceitar aquelas juras só me causaria mais dor. Que eu precisava de espaço para pensar, para ponderar até onde eu poderia ir, até que ponto nossas vidas poderiam estar entrelaçadas. Com Alex tão próximo eu não conseguia nem respirar se não pudesse tocá-lo. Era uma distração que não poderia ser bem-vinda naquela hora.

— Charlotte — gemeu colando a testa a minha. — Não vá! Você não ouviu nada do que eu disse? — Minha mente girava ao sentir suas mãos em minha pele, seus lábios tão perto.

— Alex, eu preciso de espaço. — Consegui dizer, não sem um grande esforço.

— Olhe para mim — implorou. Com uma dor absurda o obedeci. — Diga que não me ama mais, assim, olhando em meus olhos, que eu a deixo livre para voltar para aquele... — Ele se deteve com raiva. — Diga olhando em meus olhos.

— Eu não posso — admiti, sentindo que poderia chorar a qualquer momento.

— Você me ama, Charlotte!

— Amo — revelei sem receio. — Mas o fato de amá-lo não significa que vou voltar para você. Eu preciso de um tempo.

— Ah, Deus! E o que eu devo fazer? — Seus olhos cheios de temor quase me fizeram abraçá-lo, no entanto eu não podia. — O que quer que eu faça? Que eu sente aqui e continue com a minha vida sabendo que você vai estar nos braços de outro homem?

— Eu não sei. — Tentei me afastar. Ele me segurou firme. — Alex, por favor!

— O que aconteceu hoje não foi apenas tesão Charlotte.

— Droga! — resmunguei fechando os olhos. — Eu amo você! O que mais quer que eu diga?

— Nada.

E ele me puxou para um beijo apaixonado. Imediatamente o enjoo cedeu e a paixão se reacendeu com força total. Alex me puxou para perto, colando nossos corpos, exigindo de mim qualquer resquício de sanidade. Ele queria me deter, paralisar-me, impedir-me de continuar com aquele noivado. Uma farsa. E depois disso eu jamais poderia contar que era mentira.

Eu me entreguei ao beijo como quem se entrega ao seu último pedido antes da morte. Eu sabia que com Thomas no Brasil tudo ficaria mais difícil. Alex poderia ou não suportar. Thomas com certeza encontraria maneiras de pirraçar Alex, o que, na visão dele, era mais do que merecido.

E na minha? Bom... talvez Alex merecesse passar por algo do tipo para que nunca mais permitisse que outra mulher entrasse em sua vida, fingindo ou não ser eu, estando ou não bêbado. Eu precisava amadurecer, enquanto Alex precisava aprender a conversar comigo, diretamente, olho no olho, e dizer a verdade, mesmo que ela doesse.

A semana que eu passaria fingindo ser a noiva devotada de Thomas me ajudaria a analisar a situação.

Provavelmente nos ajudaria a estabelecer limites, a entender o lado um do outro e quem sabe, talvez, por um milagre de Deus, saíssemos daquela semana mais maduros e com a certeza do que queríamos.

Logico que muito precisaria ser superado, mas uma semana longe me faria pensar e repensar, além de medir até que ponto eu suportaria... ou superaria. Todos esses pensamentos evaporaram da minha mente quando as mãos de Alex entraram por baixo da camisa, alcançando a minha bunda, tocando-me de maneira íntima, forçando-me a suspirar em seus lábios.

Ele me encostou no banco alto, agarrando-me pela bunda e me obrigando a sentar nele para logo em seguida abrir minhas pernas e se encaixar entre elas. Eu não usava nada por baixo da camisa folgada e já podia sentir meu sexo úmido e quente, pronto para recebê-lo.

Mas nada aconteceu.

Primeiro eu consegui ouvir o risinho infantil, acompanhado da risada madura e feminina. Pensei em empurrar Alex para fora das minhas pernas e subir correndo as escadas, porém não tive tempo.

Imediatamente o “clique” da fechadura me congelou no lugar e o feixe de luz que iluminou o corredor deu lugar para uma criaturinha minúscula, com cabelos abastados e negros, e um rostinho infantil que sustentava um óculos mais adulto do que ele deveria usar.

Logo em seguida Anita entrou, rindo, levando na mão uma sacola de uma doceria conhecia da região. Ela usava um vestido curto e saltos altos, deixando à mostra pernas bonitas e torneadas, além de ostentar um bronzeado perfeito que eu sabia ter sido adquirido nas diversas idas à praia acompanhando o meu ex-marido.

Meu sangue ferveu quando nossos olhos se encontraram, mas rapidamente congelaram quando a voz infantil me gritou da maneira como acreditava ser correta.

— Xacote! — Ele riu alto.

Durante vários segundos eu vi aquele pequeno ser correr, passo após passo, em minha direção. As mãozinhas gordas a frente, como se quisessem garantir que elas me alcançariam. O sorriso em seu rosto contradizia o de mau grado da sua madrinha. O dele era puro e verdadeiro. Ele me alcançaria, não havia dúvidas e o que eu faria?

Congelada no lugar tive tempo de ver Alex agir rapidamente, entrando na minha frente e impedindo que o menino me alcançasse. Por Deus! Eu estava nua, excitada e coberta apenas por uma camisa do pai dele.

Não. Aquela criança jamais poderia pôr as mãos em mim. Não naquelas circunstâncias.

— Ei, rapazinho! Chega e nem dá um beijo no papai? — Alex enfiou o rosto no pescoço do filho que começou a rir e se contorcer devido a barba de um dia que já pinicava. — O que aconteceu? — Vi que ele olhou para Anita, que olhava para ele e fingia timidez. — Ele não quis ficar com Lana?

— Eu liguei algumas vezes, mas você não atendeu. — Olhou para mim indicando o motivo. Meu rosto ferveu. Lipe, no colo de Alex, olhava fixamente para mim e sorria. — Peguei Lipe para irmos a doceria.

O dia estava bonito e eu estava com saudade dele. — Ela se aproximou e bagunçou o cabelo do menino.

— Como vai, Charlotte?

— Bem. — Minha voz praticamente não saiu. Lipe se debateu no colo do pai.

— Tem doche, tem doche — ele dizia com alegria. Enquanto descia para pegar a embalagem das mãos de Anita. — Vem, papai. Tem doche.

— Doce? De que tipo? Venha, vou pegar um prato para você — Alex o levantou e o colocou dois bancos depois do que eu estava, sentado na cadeirinha que parecia ser própria para refeições de crianças. Anita me olhou conferindo minha roupa. —Tem bolo?

— Não — Lipe riu ao responder alto demais. — Tem pão com doche.

— Doce, Lipe — Alex o corrigiu e me olhou preocupado.

— Desculpe, eu não sabia... — Anita começou, como se fosse uma santa.

— Tudo bem! — Alex respondeu, tenso. Era difícil para ele ter nós três no mesmo lugar. E eu estava furiosa.

— Eu tenho que ir. — Levantei e desta vez ele não tentou me impedir, o que me aborreceu ainda mais.

Subi correndo para o quarto enquanto Alex fingia interesse pelos doces do filho. Procurei minha calcinha, mas me recusei a vesti-la. Coloquei o vestido e preferi não calcar as sandálias. Enrolei os cabelos em um coque mal feito e desci as escadas rapidamente para alcançar minha bolsa e o celular.

— Eu levo você — Alex já estava lá, as chaves nas mãos e decidido a me levar para casa. Filho da puta.

— Não precisa. — Tentei não parecer ofendida, falhando totalmente. — Eu pego um taxi, ligo para Thomas... — sorri perversamente.

— Charlotte! — advertiu com a mesma irritação. — Eu te trouxe, então eu te levo para casa.

— Fique aqui com a sua família, Alex. É domingo — pirracei e ele estreitou os olhos para mim.

—Você vai entrar naquele carro nem que eu tenha que te colocar lá dentro à força.

Tentei argumentar, mas a ferocidade das suas palavras não me ajudou a pensar em nada que pudesse me fazer vencer aquela batalha. Por isso caminhei até a porta, mas a criaturinha estava lá, petrificando-me.

— Eche é pá Chachothi. — Estendeu um brigadeiro para mim. Sem conseguir me impedir, estendi a mão e aceitei o doce.

— É Charlotte, filho — Alex o corrigiu logo atrás de mim. — E ela já está indo para casa. Diga tchau.

Lipe se atirou em mim e me abraçou com aqueles braços minúsculos, presos em meu pescoço. Sem que eu contasse com isso, ele beijou o meu rosto e sorriu ajustando os óculos. Sem perceber eu sorri também.

Minimamente, é verdade, mas fui pega de surpresa.

— Obrigada, Felipe... pelo doce. — Levantei fingindo arrumar o vestido e lutando para não demonstrar o quanto aquele abraço me impactou. — Até mais.

— Na paia. — Ele me seguiu, mas Anita segurou na sua mão o impedindo de continuar. Olhei para Alex que me encarava com receio.

— Quem sabe. — Fui gentil e consegui sair.

Do lado de fora puxei uma grande quantidade de ar, dando-me conta de que lá dentro era quase impossível respirar. Alex passou por mim destravando o carro e abrindo a porta.

— Desculpe por isso. — Foi frio.

— Não sabia que Anita tinha a chave da sua casa — disparei sem aguardar que estivéssemos suficientemente afastados. Ele suspirou fechando a porta.

— Ela me ajuda com Lipe. Foi necessário — avisou quando entrou e deu partida no carro. Eu ri com sarcasmo. — Eu sei que você não aceita ela, mas Anita foi o que eu tive quando precisei de ajuda com Lipe, quando Tiffany morreu.

Eu já conhecia aquela história, apesar de não a aceitar. Como Alex podia? Aquela sim era a maior de todas as suas traições. Cruzei os braços e encarei a janela, determinada a não conversar.

— Anita é o menor dos nossos problemas, Charlotte — ele disse sem muita paciência.

— Ah, claro! Nós — sinalizei nós dois para que ele entendesse — não temos problemas em comum. Você tem a sua vida e eu tenho a minha. — Ele puxou o ar com força e segurou firme no volante.

— Quantas vezes mais vamos discutir isso?

— Isso o quê?

— Que não dá mais para evitar o que somos.

— O que somos? E o que somos, Alex?

— Nós nos amamos — ele respondeu depois de levar um tempo pensando no que poderia dizer.

— E daí? Seja sincero. Como vamos fazer isso funcionar? Anita é praticamente a dona da sua casa. Ela entra e sai quando quer. Ela divide a guarda do seu filho com você.

— Não é bem assim... — Ela decide pelo Lipe. Decide quando pegá-lo e quando levá-lo de volta para casa.

— Eu não atendi o celular, por isso ela foi sem minha autorização.

— E você acha isso normal!

— Claro que é! Ela é madrinha dele. É quem está ao lado dele quando eu não posso estar. Foi quem me ajudou a criá-lo.

— Ela foi a mulher que tentou chupar o seu pau um dia antes do nosso casamento só porque não aceitava que você havia me escolhido — gritei enfurecida. — Puta merda, Charlotte!

— Ela tentou me destruir, nos destruir! Ela ameaçou anular o meu projeto, te chantageou, o que mais ela precisa fazer para provar que não é uma pessoa equilibrada.

— Isso tudo já passou. A doença de Tiffany modificou Anita. Ela é outra pessoa.

— Ela é a mesma pessoa que espera a oportunidade de estar na sua cama. Se é que não frequenta de vez em quando.

— Pare, Charlotte! Você está criando problema demais em sua cabeça.

— Para você é muito conveniente. Anita está sempre ali, ao alcance das suas mãos... — Eu mandei parar, Charlotte! — ele falou mais alto. — Anita sabe o lugar dela e este não é na minha cama. Nunca foi e nunca será. E você precisa acreditar nisso ou... — Ou o que? Acha mesmo que vamos retornar o nosso relacionamento com Anita desfilando como governanta da casa? Acha mesmo que vamos engatar um relacionamento com tantas coisas impossíveis de serem superadas? Não seja ingênuo, Alex. Nós transamos e foi só.

— Não foi — ele gritou para me calar. — Você sabe que não foi. Eu sei que Lipe te assusta. Sei que com ele é um pouco mais complicado, mas eu também sei que você não o odeia, você só tem medo. — Tentei falar, as palavras não saíam. — Anita não é e nunca será um problema. Ela sabe o quanto eu te amo e que, no segundo em que você quiser, você volta para a nossa casa. O que vai nos impedir de ficarmos juntos, Charlotte, vai ser, outra vez, a sua infantilidade.

— A minha o quê?

— Isso que você ouviu. Amadureça. O tempo passou, você é uma mulher. Seja segura, independente. Eu amo você! É com você que eu quero ficar e não tenho dúvidas. O resto vai se ajustando, se adaptando e sendo superado. Só quero que você se decidida. Quero você forte e disposta a assumir os riscos comigo.

Eu estou colocando tudo o que tenho em suas mãos. Estou arriscando meus sentimentos, meu filho, minha estrutura, tudo o que lutei para erguer enquanto você estava longe curando a sua ferida, mas chegou a hora de parar e definir. Ou você segue comigo, como minha mulher... — Ele me olhou com intensidade. Nunca antes vi Alex tão decidido, tão cheio de certezas. — Ou segue o seu caminho com Thomas.

— Eu... — Este é o ponto em que você precisa decidir. Ou fica comigo e encara os nossos problemas de frente, me deixando te amar, me deixando te ajudar a superar, ou sai de vez da minha vida e o que fizer da sua não vai me interessar mais.

Ele estava decidido. Nada em Alex me dizia que ele blefava. Ele dizia a verdade e eu precisava decidir.

— Chegamos — anunciou, parando o carro. Olhei para fora percebendo o flat. Já era quase noite. O clima tenso dentro do carro não suavizava em nada. Alex não me olhava. Com as mãos no volante ele aguardava que eu saísse. Eu não conseguia simplesmente abrir a porta e ir embora como se nada tivesse acontecido.

— Você não pode me fazer exigências. — Tentei, minha voz fraca e insegura demonstrava o meu medo.

— Posso sim. Estamos falando da minha vida também. Eu errei com você e passei três anos fodidos da minha vida me condenando por isso. Achei que nunca mais teria você de volta, então você voltou e ainda me ama. Reconhece que não fui tão culpado quanto acreditava. Sente a minha falta com a mesma intensidade que eu sinto a sua. Eu tenho trinta e oito anos, Charlotte! Tenho um filho, uma carreira para cuidar, não quero mais esse joguinho, essa insegurança. Eu quero você de volta, mas para acontecer você também precisa querer.

— Eu não posso ter você como eu quero — revelei. — Não posso mais ser o que você quer.

— Você é o que eu quero. — As lágrimas se formaram. Alex não sabia o que o que estava dizendo.

— É melhor eu ir. — Coloquei a mão na maçaneta do carro sem coragem para abrir a porta. Alex suspirou.

— Por causa do seu noivo? — Outra vez fiquei sem saber o que responder. Eu nem me lembrava de Thomas. — É com ele que você quer ficar?

— Não — respondi rápido demais. Não deveria ser assim. Estava tudo fugindo do controle. — Eu preciso de um tempo — repeti, implorando para que ele entendesse.

— Tudo bem. É melhor você ir — respirei fundo e senti que naquele carro não havia ar suficiente para nós dois.

— É melhor assim. Thomas pode te encontrar aqui e não gostar.

Abri a porta e saí. Todo meu ser gritava para voltar para aquele carro, mas eu não podia. Eu precisava de espaço. Precisava pensar sem a interferência dele. Sem olhar para trás, subi o primeiro degrau percebendo Vitor na porta aguardando por mim. Foi quando Alex me segurou firme e me virou ao seu encontro.

— Que se foda! — ele rosnou antes de exigir os meus lábios em um beijo possessivo.

Incapaz de resistir, agarrei-me a ele e me deixei ser exigida pelo seu beijo. Permiti que meu corpo fosse demarcado e meus lábios dominados, para que ninguém, nunca mais, pudesse me tomar dele. Porém, tão rápido quanto começou, acabou.

— Sonhe comigo. — E se afastou com o sorriso mais escroto que eu já vi em seus lábios.

Ele sabia que eu sonharia e que jamais permitiria que outra pessoa tirasse o gosto dos seus lábios dos meus. Alex havia me estragado para qualquer outro homem, e a verdade era que eu não estava me importando.

*** — Você não poderia escolher horário pior para passear na praia — resmunguei. Meus olhos estavam atentos e todas as vezes que eu via um surfista, corpo bronzeado, cabelos negros, caminhando pela praia meu coração acelerava. Thomas estava disposto a azucrinar a vida de Alex. Foi a condição para que ele não desmentisse aquela criancice minha.

Na verdade, ele me convenceu a aceitar, argumentando que seria ótimo que Alex soubesse que não era o único. E ressaltou que se ele teria que fazer o papel de corno, que fosse nos termos dele.

Mesmo assim eu não conseguia deixar de me sentir tensa, caminhando pela praia do Rio de Janeiro, de mãos dadas com um típico turista, brincando de ser noiva e de mostrar o país onde passei a minha vida, ao homem com quem, teoricamente, iria me casar.

Frustração era o meu nome do meio.

— Ora, Charlotte! Se alegre! Olha que imagem mais linda! O Rio é realmente incrível! — E mais uma vez posicionou o seu Iphone de última geração para tirar uma foto da praia.

— Eu vou me sentir melhor se você esconder este celular. O Rio de Janeiro não é o lugar mais seguro do planeta. — Olhei para os lados, tentando identificar prováveis trombadinhas. Se é que no momento em que vivemos isso é possível. Atualmente ladrões usavam paletó e gravata e estavam inseridos em todas as classes, credos e países.

— Não tenha este complexo de vira-lata. O Rio é lindo!

— E cheio de trombadinhas ansiosos para pegar um turista desavisado como você. Esconda isso. — Tomei o celular da mão dele, colocando-o em seu bolso da frente.

— Você está de péssimo humor hoje — reclamou, aceitando guardar o celular. — Qual é o problema?

Alex ainda?

— Alex sempre. — Fiz careta me incomodando com o sol. — É melhor passar mais um pouco de protetor, você está ficando vermelho. — Thomas riu e aceitou que eu espalhasse o creme pelo seu rosto, enquanto ele mesmo passava um pouco nos ombros e braços.

— Se você quer tanto ficar com ele, então por que não voltam de uma vez?

— E o que eu faço com o filho dele e Anita? — Ele riu voltando a pegar a minha mão para continuar o passeio.

— Anita é fácil. É só pedir a seu pai e ela recebe uma promoção para outro país. — Piscou para mim.

— Eu jamais pediria algo desse tipo para o meu pai. Sem contar que não desejo Anita para nenhuma pessoa do planeta. Pobres coitados. Você não faz ideia do que é aturar aquela mulher.

— Isso porque ela tentou fazer um boquete no seu ex-marido — ele riu e eu parei puxando a sua mão.

— Não tem graça. E não foi só por causa disso. Ela ainda o quer. Eu posso ver na forma como o olha e na raiva que tenta esconder quando o encontra comigo.

— Johnny não dá conta dela? — Sim, ele sabia de Johnny e minha ex-professora Anita. Thomas tinha se tornado um grande amigo e muitas vezes era também meu confidente.

— Johnny não está interessado em dar conta de ninguém. Ela é só uma diversão — continuei vasculhando a praia com os olhos. Qualquer indicio de que Alex poderia aparecer já me faria correr para casa.

— Uma diversão que dura quase quatro anos. — Olhei meu amigo me conscientizando da veracidade das suas palavras. — Alex sabe?

— Não sei. — Parei pensativa.

— O outro problema, o Lipe, você pode enviá-lo para um colégio interno na Suíça.

— O quê? — praticamente gritei.

— Você não disse que ele era uma pestinha? — Thomas sorria enquanto analisava a minha reação.

— Ele não é uma pestinha. — Fui rude. — Quer dizer... ele me assusta. Apenas isso. — Recomecei a andar sem me preocupar se ele me seguiria. — E ele criou uma obsessão por mim. Quer sempre me pegar, quer falar, erra o meu nome o tempo todo. — Ele parou a minha frente, sorrindo, e só então percebi que eu também sorria. Rapidamente me corrigi, ficando séria. — Ele me confunde.

— Porque você gosta do pestinha, admita.

— Não! Não tem nada a ver com gostar. Ele é uma criança, pelo amor de Deus!

— Você gosta dele — afirmou e parou para comprar um picolé no carrinho que passava por nós.

— Dois de limão, por favor — eu falei, já que Thomas não falava nada em português. Paguei e seguimos em frente. — Anita é madrinha do menino e tem direitos sobre ele, ou seja, é uma confusão tão grande que não sei se vale a pena.

— Não vale a pena. — Provou o picolé. — Hum! Bom esse!

— Você precisa decidir se quer que eu fique ou não com Alex — brinquei, limpando o canto da sua boca que havia ficado melada com o picolé.

— Não quero. Você deveria ficar comigo. Casar comigo e passar a vida viajando pelo mundo. Seria muito mais divertido. E eu realmente não penso em ter filhos. — Fez uma careta, mas meu coração afundou no peito. — Desculpe, querida! — Alisou meu cabelo e beijou minha testa. Quando levantei os olhos dei de cara com o que eu mais temia.

Dois olhos azuis felinos, profundos, sufocantes, encaravam-me como se quisessem me matar. Recuei um passo e senti minha respiração pesar. Thomas, alheio ao que acontecia, segurou em minha mão para continuarmos o nosso passeio e acabou esbarrando na prancha de Alex. Os dois se encararam pelo que pareceu uma eternidade.

— Alex — quebrei o silêncio tentando resolver a situação de maneira civilizada. — Como vai? — E me dei conta do quão ridícula eu estava sendo.

Ele virou lentamente em minha direção e me encarou como se eu tivesse falado o maior de todos os absurdos da face da terra. Thomas, como eu já imaginava que faria, passou o braço em minha cintura e sorriu.

— Alex! Que coincidência te encontrar! Uma praia deste tamanho e você está justamente aqui, na nossa frente — provocou. — Não é mesmo, querida? — Não consegui falar. Alex não tirava os olhos de mim e, porra, seus olhos diziam tantas coisas que minha vontade era arrastá-lo para casa e contar toda a verdade.

Ele estava lindo! Cabelos molhados, pele bronzeada e com gotinhas escorrendo, morrendo no limite da sua bermuda, os músculos definidos, os lábios perfeitos... Céus!

— Charlotte! — ele disse por fim. A voz aveludada e os olhos cheios de cobrança. — Pelo visto você pensou no que eu te disse. — Ele realmente não estava se importando com Thomas e falava em português.

— O quê? Eu... não... Alex... merda!

— Algum problema, querida? — Thomas se impôs, falando em inglês o que fez minha mente dar um nó.

— Alex, não seja difícil — praticamente rosnei, agradecendo por Thomas não entender o que dizíamos.

— Difícil, eu? — Ele sorriu e passou a mão livre nos cabelos.

— Charlotte? — Thomas me cobrou.

— Só um minuto — consegui dizer em inglês, voltando a olhar para o meu ex-professor.

— Eu tenho que buscar Lipe na escola. Bom passeio para vocês — Ele tentou passar por mim, impulsivamente, larguei a mão de Thomas e segurei o braço de Alex.

— Você sabia que ele estaria aqui. O que queria que eu fizesse? — Alex riu sem se importar com o meu sofrimento.

— Eu disse: você precisa decidir. Eu não vou ficar em casa enquanto você brinca de casinha com o seu noivo.

— Charlotte? — Thomas me puxou pelo braço. — O sol está forte. — Era a sua deixa para irmos embora.

— Leve seu noivo para casa, Charlotte — Alex falou em inglês justamente para que Thomas o ouvisse.

Uma pirraça desnecessária, e uma forma de deixar claro para meu amigo que ele não era bem-vindo.

Thomas riu.

— Ah, claro! Então é isso. — Ele me abraçou por trás, uma atitude de posse que não passou despercebida para Alex. — Sim, estamos noivos. — Beijou meu rosto que quase pegou fogo. — Charlotte me contou que vocês conversaram e que as diferenças foram resolvidas. Muito maduro, da parte dela, claro.

Alex ia saindo, mas parou quando Thomas o provocou. Seu sorriso sacana estava lá e eu sabia, antes mesmo de ele falar, que ele atiraria com a arma que tinha.

— Sim. Realmente estamos muito bem resolvidos. Aliás — ele me dirigiu um olhar perverso. — Nossas conversas têm sido muito proveitosas, e... prazerosas. Não é mesmo, Charlotte? — Senti a pressão das mãos de Thomas aumentar em minha cintura e não consegui engolir, nem responder. — Charlotte tem se esforçado bastante para termos um bom convívio. O melhor possível.

Filho. Da. Puta.

Thomas riu.

— Eu estava inclusive falando sobre a opção dela de viver na Inglaterra. Pelo que pude ver no pouco tempo que estamos juntos aqui no Brasil, Charlotte está sofrendo com a má qualidade de... vida satisfatória. Pelo visto este já é um caso resolvido — provocou e eu pensei que meu rosto explodiria.

— Você tem razão, Alex — Thomas continuou no jogo. — Charlotte estava mesmo precisando desse clima brasileiro, e eu estava negligenciando a minha noiva, apesar de mimá-la de todas as formas. — Vi a mão do meu ex-marido apertar firme a prancha, embora ele continuasse com o rosto relaxado, encarando Thomas. — Realmente o Brasil tem um clima que ninguém resiste, não é mesmo? E eu já estou cuidando desta... carência de Charlotte. Vamos ter dias prazerosos e proveitosos. Eu... — Já chega! — praticamente gritei. — Eu vou para casa agora. Vocês podem ficar aí alimentando o ego inflado de vocês. — Ambos se assustaram com a minha explosão. — E não se atrevam a falar da minha carência, ou da falta dela, ou da forma mentirosa como os dois afirmam tê-la resolvido. Essa é a minha vida e só eu posso falar se meus dias estão sendo ou não prazerosos.

— Mas... — Thomas tentou sem conseguir prosseguir.

— Nem mais uma palavra.

Dei as costas e saí, sem me importar com o que eles fariam.


Capítulo 14


“Um gélido temor passa pelas minhas veias e quase congela o calor da vida.” William Shakespeare Charlotte Lana andava na minha frente completamente frenética. Estávamos a dois dias da Bienal e ela parecia estar ligada na tomada. Era a primeira vez que ela participaria como a editora-chefe de fato em uma bienal.

— Eu só queria que você pudesse conferir — ela dizia animada. — Vamos fazer algumas fotos e usar para divulgação. Normalmente Miranda cuida disso para você, mas como ela está em lua de mel, achei melhor que você estivesse aqui.

— Tudo bem, Lana. Thomas está em uma reunião e meu pai e Johnny viajaram hoje cedo, então fiquei sem ninguém e com nada para fazer — revelei, sentindo-me realmente só.

Depois do encontro na praia com Alex eu não conseguia parar de pensar nele. Imaginei que ele me procuraria, que enviaria alguma mensagem, que fosse brigar ou qualquer outra coisa, mas não. Alex simplesmente me ignorou e seguiu como se nada tivesse acontecido.

— Uma escritora nunca fica sem ter o que fazer. Por falar nisso: como está o livro? — Revirei os olhos.

Lana fazia o papel dela como editora-chefe, porém a pressão pelo livro novo estava acabando comigo.

Como ter cabeça para escrever enquanto eu ainda precisava resolver a minha vida com o meu ex-marido.

— Estou escrevendo — informei sem muito ânimo.

— Ótimo! Desculpe não estar muito presente. Você passou tanto tempo fora e agora a minha vida está uma bagunça. Tem as meninas, a Bienal, a editora, João Pedro... Deus do céu! Nem sei como consigo dar conta de tudo. Não sei o que seria de mim se Alex não tivesse voltado a trabalhar ativamente na editora.

Você sabia que ele parou de escrever outra vez? — Fiquei chocada, mas não quis demonstrar o quanto aquela revelação me aborrecia.

— Não. Ele não me falou nada — continuei acompanhando os seus passos rápidos enquanto ela abria uma das portas do corredor.

— Alguém sabe onde o Arthur está? — Algumas pessoas olharam para Lana e negaram com a cabeça. — Droga! Eu preciso dele para arrumar os livros antes de despachá-los. — Ela bateu a porta e continuou.

— Eu pensei que você e Alex estavam se entendendo, aí você aparece com Thomas e eu não entendo mais nada.

— Você sabe que eu e Alex somos um caso complicado.

— São mesmo — ela riu. — O que não os impede de se agarrarem por aí. — Meu rosto esquentou e eu nada respondi. O que eu poderia dizer? Nada. Principalmente depois do vexame no casamento do irmão dela. — Amanda, eu preciso que encontre o Arthur com urgência. Avise a assessoria que Charlotte já chegou.

— Claro, Lana! Quer alguma coisa, um café, uma água?

— Um café, por favor! Charlotte?

— Ah... — pisquei algumas vezes tentando espantar a vermelhidão em meu rosto. — Uma água.

Obrigada!

— Vamos aguardar aqui enquanto eles não aprontam tudo.

Lana abriu a porta e meus olhos rapidamente se instalaram na imagem no centro da sala. Sentado no chão, sem paletó, ainda com a gravata e vários papéis ao seu redor, estava um Alex concentrado entre fazer o seu trabalho e dar atenção a sua miniatura, sentado entre as suas pernas, com papéis sobre a pequena peça de centro e vários lápis de cor espalhados por cima dela.

— Ai que delícia! — Lana gritou indo em direção ao sobrinho. — O príncipe veio trabalhar hoje? — Alex levantou os olhos sorrindo para a irmã e me viu. Foi perceptível o seu choque. Ele logo se recuperou e o gelo que me deu fez até a minha alma congelar. — E a escola?

— Marta precisou faltar — anunciou para a irmã sem se importar com a minha presença. — E ele teve um leve ataque de asma hoje. Nada grave. Achei melhor ficar por perto.

— Oh Deus! — Ela fez voz de criança e colocou a mão na testa do sobrinho. — Você está bem? — Lipe balançou a cabeça confirmando e deixando os óculos descerem em seu nariz ainda muito pequeno. — Quer um suco de laranja?

— Oba! — ele gritou e ela riu.

— Vou providenciar. — Lana levantou e só então percebeu a situação. — Ah, Charlotte! Eu vou providenciar o suco do Lipe, enquanto isso fique por aqui, leia uma revista, confira o seu e-mail... — Deu de ombros e saiu, deixando-me sozinha com meu ex-marido que havia resolvido me desprezar e aquele serzinho que já me olhava com ambição.

— “Que desenhá”? — Sua voz infantil preencheu o ambiente enquanto Alex fingia continuar o seu trabalho.

— Eu... eu... — Olhei para Alex implorando para que ele me olhasse também e me ajudasse com aquela situação, mas ele só acariciou os cabelos do filho e se voltou para seus papéis. — Eu não sei desenhar.

Desculpe! — Sentei no sofá me sentindo desconfortável. Lipe me olhou com atenção, entortando a cabeça para o lado, como o pai fazia.

— Tó. — Levantou o papel em minha direção. — Minha caja.

— Casa, filho — Alex corrigiu o filho e me olhou enquanto fazia carinho nele. — Como vai, Charlotte?

— Be-bem — pigarreei me sentindo ridícula por gaguejar.

— Tó — Lipe insistiu e eu me vi pegando o papel da sua mão.

Nele tinha uma casa que se prestasse muita atenção dava para reconhecer como sendo a casa dele mesmo, pelo menos no que se espera da arquitetura. Do lado de fora estava um homem que provavelmente era Alex, uma criança e ao lado uma mulher um pouco menor que o pai, de cabelos longos e castanhos.

Respirei fundo e quando dei por mim ele já estava a minha frente. Encarei aquela criança que tanto me assustava.

— Papai, Lipe e Xolotie. — Meu coração disparou. Rapidamente Alex já estava junto do filho, segurando-o pela cintura e o levando para longe de mim, como se eu fosse letal a criança.

Ele não entendia.

— É Charlotte — eu sussurrei ainda em choque. — Ou Lottie, como os outros me chamam. — Alex parou surpreso com a minha reação, apesar de ainda em alerta.

— Loti — Lipe testou e eu sorri sem querer.

— Mais ou menos isso. Lindo o seu desenho. — Estendi-me para colocar o papel sobre a mesa.

— Loti — ele brincou e riu, preenchendo o ambiente. Era gostoso de ouvir. — Loti vai desenhá?

— Não. Desculpe. Eu não sei desenhar — repeti me sentindo estranha.

— Desenhe um barco, filhão. — Alex o distraiu e assim que o filho iniciou o processo ele voltou a me olhar.

— Ele está doente? — Tentei iniciar uma conversa assim que a criança voltou a se dedicar a seus desenhos.

— Já está melhor — continuou sério, acariciando a cabeça do filho e me encarando.

Ele esperava que eu falasse. Eu sabia que não poderíamos conversar na frente do seu filho, então fiquei sem saber o que dizer, entrelaçando os meus dedos e mordendo o lábio para me controlar.

— Prontinho! — Lana entrou na sala com uma bandeja nas mãos. Lógico que ela notou o clima estranho, embora fingisse não ter percebido. — A titia conseguiu o melhor suco de laranja do mundo.

— Oba! — Felipe gritou, levantando para alcançar o seu suco.

—E aqui está a sua água, Charlotte. — Ela me entregou um copo, mas olhou para o irmão em uma conversa muda. Com um aceno de cabeça ele concordou com algo e eu vi Lana respirar fundo. — Conseguiu o que te pedi?

— Sim. Giovana está com todas as credenciais. Organizamos uma lista. Todo o nosso material de trabalho vai ficar em um depósito próximo do Centro de Convenções, assim fica mais fácil suprir o estoque.

— Você recebeu a sua, Charlotte? — Eu sabia que ela tentava me enrolar.

— Não — colaborei.

— Claro que não. Quem sempre cuidava de tudo para você era Miranda e ela está em lua de mel. Droga!

Patrício já devia ter voltado. Eu preciso dele para esta Bienal, não podemos esperar tanto.

— Lana, você está vendo problema demais onde não existe. Este ano até conseguimos um preço melhor para os livros, mesmo com o aumento do valor do papel. Tudo já está organizado, agora é só executar. — Alex agia naturalmente, com a calma e sabedoria de quem já havia feito tal tarefa muitas vezes.

— Executar é o grande problema. Eu vou tentar encontrar a credencial da Charlotte e procurar o Arthur.

Lipe, quer passear com a titia? — Era isso. Ela queria nos deixar sozinhos e Alex concordou. Puxei o ar com força, tentando me preparar para o que viria.

— Oba! — Lipe gritou outra vez e correu em direção a porta sendo seguido prontamente pela tia.

Ficamos em silêncio. Alex continuou o seu trabalho, olhando diversos papéis e colocando-os separadamente em três pilhas perfeitamente organizadas. A conversa e cobrança que imaginei vir tão logo fossemos deixados sozinhos não aconteceu. Eu aguardei, a ansiedade já começando a me dominar. Bati o pé inconscientemente, enquanto esfregava meus dedos uns nos outros. Ele continuava ali, imune a mim, sem sequer me dirigir um olhar.

— Vai continuar me ignorando? — Não aguentei. Se me deixar desesperada era o plano dele posso dizer que cumpriu a sua missão com êxito.

Alex suspirou pesadamente, como quem quer tirar um peso das suas costas. Eu. Eu era o peso que ele tentava se livrar. Meu coração acelerou de raiva e medo. Raiva porque aquele babaca deveria passar a vida implorando pelo meu perdão. Ele dormiu com a inimiga, não eu. Ele fez um filho nela. Que ódio!

Sim, eu estava com ódio porque estava com medo de que aquele imbecil simplesmente desistisse de mim justamente quando eu decidi que o queria de volta.

Que merda!

— Charlotte... — Ele fechou os olhos e passou a mão na testa. — Me diz o que exatamente você quer que eu faça?

— Com assim?

— Você transou comigo. Foi ótimo! Maravilhoso! Agora você está com Thomas. Ele é o seu noivo. É com ele que você está dormindo. Como quer que eu esteja nesta situação?

— Eu... — Abaixei a cabeça me sentindo confusa e envergonhada. — Thomas não... Ah!

E meu rosto queimou ao entender o motivo do desprezo de Alex. Ele achava que eu e Thomas estávamos transando. Cara, eu podia fazer a dança da chuva. Posso ser injusta, infantil, idiota, o que quer que seja, porém me senti vitoriosa por dentro, mesmo sabendo que o medo de Alex era uma bobagem Ok! Eu era absurda.

— Olha, Charlotte. — Ele deixou os papéis de lado e passou as duas mãos pelos cabelos. — Eu fui bem claro com você naquele dia lá em casa. Eu disse o que queria, mas não pense que vou ficar como um imbecil esperando que Thomas termine de se divertir com você para ser a minha vez.

Porra!

— Como você é grosso!

— Desculpe, mas essa é a única forma que consigo te dizer o que penso sem que algo se perca em sua cabeça confusa.

— Minha cabeça não é confusa — rebati indignada. — É você que já chega fazendo inúmeras exigências.

Aliás, você nem pode fazer nenhuma exigência. Você... — Ou você esquece essa história ou nem vamos continuar esta conversa. — Ele me olhou com fúria me calando. Eu queria falar, até tentei, mas fui tão surpreendida que não consegui falar nada. — Nós nos amamos, Charlotte. Eu não tenho dúvidas e você também não. O que aconteceu foi uma merda, infelizmente aconteceu e não tem como voltar atrás. Não existe maneira de voltar no tempo, então, ou vamos superar juntos e fazer dar certo, ou vamos colocar um ponto final de verdade nessa história.

Fiquei incontáveis minutos olhando aqueles olhos azuis cheios de expectativas. Meu coração acelerado fazia meus tímpanos latejarem. Minha cabeça doeu.

Por Deus! Eu não tinha dúvida do quanto queria conseguir estar com ele sem os medos ou mágoas. Até arriscaria tentar, recomeçar... sei lá! Um passo de cada vez, um dia após o outro. No entanto Alex queria tudo e de uma vez. Ele queria uma resposta que eu não podia dar sem ter plena certeza de que eu seria capaz de suportar.

Quando dei por mim ele já estava de joelhos na minha frente para que nos olhássemos nos olhos, seu corpo entre as minhas pernas e suas mãos em meu rosto. Recuei assustada.

— Charlotte... — sussurrou muito próximo. Sua voz aveludada era como uma promessa de dias felizes.

— É comigo que você quer ficar. — Seus dedos massageavam minha nuca me fazendo entrar em transe.

— Não com aquele imbecil. Sou eu quem você ama. — Seus lábios roçaram os meus, apenas como uma provocação.

Santo pai, eu queria aquele beijo. Queria poder contar a ele que eu era imatura a ponto de inventar um noivado só porque fiquei com ciúme de Anita. Queria ter a certeza de que iríamos rir e não de que ele me acusaria das piores coisas da face da terra e desistiria de mim por continuar sendo a mesma menina mimada e maluca.

Onde eu estava com a cabeça quando inventei aquela merda? Não era muito mais digno eu dizer que estava solteira por opção? Ou dizer que estava muito bem sozinha? Ou até mesmo tentar ser a moderna e dizer: solteira sim, sozinha nunca.

Eu queria me bater.

— Não suporto imaginar que ele toca você, Charlotte — lamentou, colando a testa na minha. Meu peito doeu e o nó em minha garganta me fez engasgar.

— Então você sabe exatamente como eu me sinto — confessei baixinho, deixando a dor me dominar. Uma lágrima escorreu sem a minha permissão, mas não me importei.

— Não chore — ele implorou. — Eu sei como você se sente e isso me deixa fodido, amor! — Senti seus dedos se fechando em meus cabelos. — Eu estou cansado, Charlotte! — Sua voz ganhou mais vida, mais energia. — Estou cansado de me autoflagelar. De me culpar pelo que aconteceu. Eu quero recomeçar.

Antes de você voltar eu não ousava imaginar a minha vida ao seu lado outra vez, mas agora... depois de ter você me meus braços eu não quero que seja diferente, então vamos nos dar esta chance. Acabe de uma vez com esse relacionamento ridículo e fique comigo.

— Meu Deus, Alex! — suspirei deixando que mais algumas lágrimas caíssem. — Eu não sei como fazer isso — confessei.

— Mas você quer, não é mesmo? — Concordei com a cabeça sem conseguir fazer as palavras saírem. — Então deixa que eu faço todo o resto.

— Alex... Fui puxada de encontro aos seus lábios e relaxei completamente. Alex me exigiu com firmeza, colando sua boca na minha e selando o nosso acordo com um beijo que roubou de mim todos os pensamentos.

Naquele momento eu queria apenas continuar sentindo os seus lábios nos meus e a sua língua atrevida, possessiva e segura de si, que me dizia o quanto ele sentia a minha falta.

E eu queria mais.

Agarrei-me aos seus ombros forçando meu corpo a se moldar ao dele e fui presenteada com um gemido maravilhoso do meu eterno professor. Senti suas mãos soltarem minha nuca e se apossarem das minhas costas, ajudando no processo de estarmos completamente colados.

Lembranças de momentos nossos naquele escritório povoavam minha mente, brincando com a minha sanidade. Sim, eu lembrava de cada detalhe, de cada palavra. Joguei meu corpo para trás, forçando-o a se projetar sobre mim, inclinado no encosto do sofá. Alex se afastou e eu tentei impedi-lo de parar.

— Eles vão voltar logo — disse com os lábios ainda nos meus.

— Alex! — gemi um protesto. Eu não queria parar. Em outro tempo ele trancaria a porta da sala e não se importava com quem ficasse do lado de fora.

— Temos que parar, Charlotte. — Vi quando ele olhou apreensivo para a porta quando enrosquei minha perna em sua cintura. Mesmo com medo ele não evitou apalpar minha carne e alisar minha pele exposta.

— Ah, menina! — O tesão em suas palavras fez o centro entre as minhas pernas vibrar. — Vamos parar.

— Afastou-se um pouco e me olhou ostentando um sorriso presunçoso. — Você continua a mesma menina fogosa — mordi o lábio e esfreguei meus quadris nos dele. — Não me provoque, Charlotte.

— Você quem me provocou.

— Porque você me enlouquece. — Ele levantou sem me dar chance de persuadi-lo.

— Tranque a porta. — Segurei em sua cintura. Alex sorriu e acariciou meus cabelos para logo em seguida se inclinar e me beijar com devoção.

— Não posso. — Colou os lábios nos meus como se dissesse que era um ponto perdido.

— Vamos para algum lugar. — Segurei sua nuca para que ele não se afastasse.

— Lipe está doente. Não posso me afastar dele. — Fiz muxoxo, e, por mais incrível que pareça, achei que ele estava certo. Era bom não descuidar da criança. —Venha passar a noite comigo. — Tenho certeza que meus olhos esbugalhados já eram uma resposta para ele.

— Na sua casa? — Alex umedeceu o lábio inferior. — Com o Felipe?

— Ele mora lá — disse com ironia. Estreitei os olhos.

— Você não pode estar me chamando para transar em sua casa com o seu filho dormindo sob o mesmo teto, não é mesmo? — Ele riu.

— Primeiro: estou te pedindo para dormir comigo e fazer amor... — ressaltou esta parte —, transar é uma consequência. Segundo: casais com filhos possuem vida sexual. Ou você acha que foi por isso que seus pais não tiveram mais filhos?

— Muito engraçado. — Empurrei-o para me livrar da sua tentativa de me ridicularizar. — E nós não temos filhos. — Desviei o rosto para que ele não pudesse captar a mágoa por mais aquela verdade.

— Ainda. — Olhei para Alex e ele sorria. Não consegui fazer o mesmo. Pelo contrário. Minha cabeça girou e eu senti o ar faltar. — Charlotte? O que foi? Charlotte?

— Nada — respondi tarde demais. O pânico já estava em meu rosto, em minha voz. — Não posso passar a noite na sua casa. — O calor que antes fazia minhas veias arderem cedeu lugar para um frio gélido.

— Não posso passar mais uma noite te imaginado naquele flat com Thomas — ele foi firme. Mais uma exigência.

— Não posso invadir o espaço do Felipe assim, Alex — tentei. — E eu ainda preciso de um tempo.

— Tempo para quê?

— Para mim — eu estava ofegando. — Tempo para organizar a minha cabeça, minha vida. Preciso me acostumar, me adaptar... — Charlotte, Lipe é meu filho e isso não vai mudar.

— Eu sei. — Olhei fixamente em seus olhos para lhe garantir que naquele momento Lipe era o menor dos meus problemas. — Só não quero fazer nada por impulso.

— Impulso? — Afastou-se indignado. — São três anos separados.

— Por isso mesmo. Eu mudei, você mudou, tudo mudou, Alex! — Levantei me afastando ainda mais. — Vamos com calma desta vez. Vamos ter certeza de estarmos fazendo a coisa certa. Ainda existe muito o que conversar.

— Você vai me enlouquecer se passar esta noite com ele. — E eu vi em seus olhos que era verdade. Alex não suportaria mais.

— Confie em mim. — Tive vontade de rir, contudo o desespero dentro de mim me impediu de achar qualquer graça naquela situação.

Ele nem imaginava que Thomas dormia no quarto de hóspedes e que nem chegava perto do meu quarto.

Meu pai fazia questão de garantir essa parte. Porque sim, eu já fui casada, tive uma vida sexual ativa, o que, na cabeça dele, não me dava o direito de transar quando, onde e com quem eu quisesse.

— Eu confio em você. O problema não é esse.

— E se eu te lembrar que Peter ainda é o mesmo homem do século XVIII? — Alex parou, pensou no que eu disse, sorriu lindamente e coçou a cabeça.

— Eu adoro o seu pai *** Alex — Então vocês estão juntos outra vez?

Olhei para João sentado em meu sofá, bebericando uma cerveja enquanto curtia seu momento de paz, observando as filhas brincando com Lipe um pouco mais afastados. Lana havia dado a ele a missão de cuidar das crianças enquanto ela precisava trabalhar até mais tarde. Minha irmã estava louca com a Bienal.

— Mais ou menos. Ela está insegura demais — suspirei, pensando no quanto seria bom uma cerveja, só que não dava para descuidar quando estava com Lipe.

— Claro que está, porra! Você comeu a Tiffany — ele se encostou no sofá e riu. — Porra, você é um fodido.

— E você, um idiota.

— Por que não conta de uma vez o que aconteceu naquela noite? Você disse que em determinado momento se deu conta que era Tiffany, então você traiu Charlotte realmente, e com intenção. Realmente não sei como ela te perdoou.

— Vá se foder, João! — resmunguei abaixando a voz para Lipe não me ouvir xingando. — Você não faz ideia do quanto foi horrível.

— Ah, Claro! Tão horrível que fez você gozar e ter um filho.

— João, por que você não cala a boca e bebe?

— É sério, Alex. O que aconteceu naquela noite? O que de tão grave aconteceu que se tornou um pesadelo para você, dá para ver na sua cara e eu sei que não é só porque causou a sua separação.

Estremeci. Lembrar de como tudo aconteceu acabava comigo. Destruía-me como pessoa, e me fazia um homem sem moral. Eu não queria contar. Era vergonhoso.

— Não quero falar sobre isso.

Levantei e caminhei até as crianças, que riam e faziam bagunça com os bloquinhos de montar. Abaixei e verifiquei a temperatura de Lipe, mesmo tendo consciência que ele não teve febre o dia todo. Era apenas mais uma fuga. João ficou sério, aguardando-me até que eu voltasse para perto dele.

— Ela terminou com Thomas? — Fiz uma careta de desagrado.

— Ainda não. — Ele abriu um sorriso imenso. Filho da puta. — O que foi?

— Então Charlotte ainda pode mudar de ideia. — Tive que me controlar para não mandar meu amigo se foder mais uma vez. — Calma — riu abertamente. — Só estou registrando os pontos. Se Charlotte está insegura, noiva de outro cara, esse jogo ainda não está ganho.

— João você é meu amigo ou não?

— Sou — continuou rindo.

— Então quando vai começar a parte em que você me diz coisas legais e me apoia para ajudar a diminuir a minha insegurança?

— Quando você deixar de ser um filho da puta trouxa. — Fiz muxoxo. Ele tinha conseguido me deixar inseguro. Porra! — Primeiro deixa eu te perguntar uma coisa: se você tivesse encontrado uma garota legal, estivesse em um relacionamento seguro com ela, seu filho gostasse da garota e ela fosse uma mãe para ele, quando Charlotte aparecesse você largaria tudo para ficar com ela?

Respirei fundo. Minha resposta era clara: Sim. Se bem que sabia da minha resposta porque não havia encontrado ninguém para me envolver a este ponto. E se eu estivesse com alguém. E se gostasse da pessoa e ela amasse Lipe como um filho? Não respondi. João levantou um dedo e continuou.

— Charlotte não consegue nem respirar quando está perto do Lipe. — Engoli com dificuldade.

— Ela vai se adaptar — rebati, tentando convencer a mim mesmo.

— Ela fica em pânico, Alex.

— Por causa da situação, mas ela vai se adaptar — repeti e senti minha garganta secar.

— E se não se adaptar?

— João, você sabe que Lipe é a minha prioridade, então por que está fazendo essas perguntas?

— Porque eu quero que você enxergue o que eu enxergo.

— O que? Que eu e Charlotte nos tornamos incompatíveis? Eu não quero acreditar mais nisso.

— Não, idiota. Estou te mostrando que este noivado não existe.

— O quê? Você... — Você traiu Charlotte. Teve um filho com Tiffany. Passou três anos longe. Onde um relacionamento estável, um noivado, se dissolveria tendo tudo isso contra a sua volta, Alex?

— Ela me ama. — Minha respiração começou a ficar pesada.

— Ama. Veja uma coisa: Charlotte ainda tem mágoa. Ela não consegue encostar no seu filho sem parecer que está tendo um ataque cardíaco. Ela te quer, mas foge. Ela está noiva do cara que esteve com ela nos últimos três anos.

— E daí?

— E daí que se esse noivado fosse real ela não largaria algo bom, saudável, por algo falido.

— Falido? Nós nos amamos! — Ele fez uma careta de deboche.

— Tudo bem. Vamos ver por outro lado: Charlotte se tornou uma celebridade. Existem sites e mais sites que acompanham a vida dela. O tempo todo temos paparazzi querendo uma foto dela. Ontem, por exemplo, um site publicou sobre Charlotte comprando uma água no mercadinho do bairro dela.

— Tá de brincadeira!

— Claro que não. Faz parte da minha função acompanhar as notícias dos nossos autores. Há dois dias um site britânico publicou uma foto dela andando no calçadão com Thomas e se referiu a ele como o seu amigo de infância.

— Ele é amigo de infância dela.

— E se fosse noivo todo o planeta já saberia. — Parei, chocado.

— O noivado é recente. — Tentei me convencer e ele revirou os olhos.

— Eles nunca foram vistos juntos como namorados, como parceiros, ficantes. Nenhuma foto de beijos, nenhuma foto de mãos dadas... — Charlotte não tem motivos para inventar uma bobagem dessas.

— Claro que tem. Ela é mimada e infantil. Pelo amor de Deus! Estamos falando de Charlotte Middleton, a garota mais imatura com quem você já se relacionou.

— Não fale assim dela — repreendi meu amigo por não ter nenhum argumento contra a teoria da conspiração que ele formulava. — Charlotte não tem motivos para mentir e sustentar a mentira.

— Ela é mulher. — Levantou um dedo enumerando. — Ela está magoada. — Levantou outro dedo. — Mulheres magoadas tendem a ter necessidade de fingir estar bem para o ex-namorado — Levantou o terceiro dedo.

— Você é um idiota, João! Cale a boca e beba a sua cerveja.

Meu amigo riu e se calou. Eu fiquei perdido em pensamentos, tentando me convencer de que não era verdade e que João Pedro tinha enlouquecido de vez. Poderia ser verdade? E se fosse? Eu ficaria feliz?

Sim, ficaria. Sem Thomas Charlotte seria apenas minha. Ao mesmo tempo eu me sentiria péssimo por saber que ela mentiu para mim por tanto tempo só para provocar dor e ciúme.

Não. Charlotte não seria infantil a tal ponto.


Capítulo 15


“O que mais é o amor? A mais discreta das loucuras, fel que sufoca, doçura que preserva.” William Shakespeare Charlotte — Então nós vamos terminar. — Thomas fez biquinho fingindo estar magoado.

Sorri. — Não acredito que você vai mesmo voltar com ele.

— Pois se acostume — brinquei e ouvi a campainha da casa. Logo em seguida Johnny entrou com cara de poucos amigos.

— O dia está sufocante! E ainda nem acabou. — Largou o paletó, afrouxou a gravata e se jogou no sofá. — E aí, Thomas! — Passou a conversar em inglês quando se deu conta de que nosso amigo não entendia nada o que ele falava. — Charlotte, onde está o seu pai?

— Eu não sei. Pensei que você fosse a mais nova sombra dele. — Johnny mostrou o dedo do meio para mim e Thomas riu.

— Não vou te dizer onde enfiar isso.

— Eu tenho muito lugares onde posso enfiar, amorzinho.

— Claro, Anita parece bem disposta a receber dedadas. — Fiz careta. — Todas as mulheres estão. Pelo visto a sua vida sexual está desatualizada. — Johnny! — Senti o calor tomando conta do meu rosto e descendo pelo meu pescoço. Thomas gargalhou!

— Ah, ela anda frequentando a cama do ex-marido — informou. — Cala a boca, Thomas!

— Deus! Já era hora. — Johnny levantou as mãos para o céu e fez uma reverência. — Vocês são dois imbecis.

— Eu estou com fome — meu amigo anunciou olhando para a sala de jantar. — O almoço já vai sair?

— Aqui não é restaurante, Johnny. — Ele riu, olhando-me com desafio. — E estamos aguardando por... Outra vez a campainha tocou. Johnny se endireitou no sofá, fazendo-me revirar os olhos. Era ridículo como ele fazia questão de manter uma imagem de homem sério na frente de estranhos. Como se estranhos pudessem subir até o meu apartamento sem antes serem anunciados.

Odete se apressou em abrir a porta, revelando Miranda e Patrício. Eles sorriam como todos os recém-casados deveriam sorrir. Levantei com um pulo e corri para abraçar a minha amiga.

— Pensei que você não voltaria nunca mais — resmunguei enquanto a apertava em meus braços.

Vi Johnny e Thomas se levantarem para recepcionar Patrício, que seguiu na direção deles. Miranda continuou ali, agarrada a mim, como se estar longe fosse a pior coisa que já tinha feito na vida. Comecei a rir.

— Se foi tão ruim assim nem vá para a casa nova. Já pode ficar por aqui mesmo. — Ei! Tá colocando minhocas na cabeça da minha esposa, diabinha? — Patrício se aproximou, tirando Miranda de mim. Ela riu abertamente. — Eu disse que quando Charlotte voltasse você não me amaria com a mesma intensidade. — Fez muxoxo como uma criança. Miranda abraçou o marido e lhe deu um beijo carinhoso. — Eu sempre vou te amar muito, mas Charlotte está bem pertinho de ir embora outra vez e eu já estou sentindo a falta dela. — Patrício fez cara de desânimo e suspirou teatralmente.

— Você agora é uma mulher casada. Não pode mais ter amigas. — Miranda o empurrou, livrando-se do abraço e foi até meus amigos.

— Eu tenho as amigas e os amigos que eu quiser. — Ela cumprimentou Thomas e deu um abraço apertado em Johnny.

— Ele está mesmo acreditando que é você quem está usando a coleira? — Johnny brincou, fazendo Miranda rir.

— Patrício sabe que é ele quem usa. E nem reclama.

— Como é que é? Que história de coleira é essa?

Meu celular começou a tocar. Fui até a mesa e vi aquele número que eu nunca esqueceria. Sim, fui capaz de apagar o contato dele como se fosse o suficiente para tirá-lo do meu coração. A verdade é que aquele número ficou gravado em minha mente e não havia como deletar.

Alex!

Puxei o ar com força. Eu queria atendê-lo, conversar, dizer tudo o que eu havia imaginado como desculpa para justificar o meu rompimento com Thomas, ao mesmo tempo, atendê-lo ali, na frente dos outros, seria assumir um relacionamento que eu não estava preparada para assumir. Não por enquanto. E eu não precisava de vários olhos e ouvidos atentos a minha conversa.

Também não poderia subir para o meu quarto ou me trancar no escritório, afinal de contas Miranda estava de volta e minha amiga não deixaria tal ato passar em branco. Não que eu quisesse esconder o que quer que fosse dela, só não poderia ser ali, na presença do seu marido.

Enquanto eu deliberava se deveria atender ou não, a campainha tocou mais uma vez, ganhando minha atenção e silenciando o celular. Odete já estava outra vez com a mão na maçaneta e deu entrada para o meu pai, que entrou vestindo uma bermuda, camisa polo e tênis.

O quê?

— Padrinho! — Miranda se adiantou, correndo para os seus braços. — Como foi de viagem, minha querida? — Ele beijou o seu rosto e apertou a mão que Patrício estendia.

— Foi maravilhosa! Obrigada pelo presente. — Minha amiga estava toda carinhosa com o meu pai e não fez nenhum questionamento sobre suas roupas informais. — Uma pena ter sido tão curta — meu pai falou e minha amiga me lançou um olhar estranho.

— Charlotte precisa de mim — respondeu baixinho. Peter apenas sorriu e voltou a beijar seu rosto.

— Onde está a minha menina?

— A sua menina vai fazer vinte e cinco anos daqui a alguns dias — esbravejei.

— Posso saber onde estava com essas roupas tão informais? Pensei que seu lema era: o olho do dono é o que engorda o gado — tentei imitar a voz dele e todos riram, fazendo-me corar.

— O gado já está bastante gordo. — Ele foi até onde eu estava. — E Johnny está dando conta do recado.

— Onde o senhor estava? — Cruzei os braços encarando-o. Meu pai abriu um sorriso imenso.

— Na praia — revelou, sabendo que me faria ficar boquiaberta. — Foi maneiro! Tentou imitar a forma como os cariocas falavam. Mais precisamente, a forma como ele acreditava que os cariocas falavam. E para ser ainda mais precisa, era a forma como ele acreditava que cariocas surfistas falavam. Céus! Meu pai estava enlouquecendo.

— Maneiro? Pelo amor de Deus! O senhor usou protetor solar? Não. Posso ver pela sua pele vermelha.

— Usei protetor, repelente, chapéu e observei tudo de dentro de um barzinho climatizado do outro lado do calçadão. E agora estou morrendo de fome. — Pai, está falando sério? O senhor tirou o dia de folga?

— Tirei. Johnny, como estão as coisas? — Meu amigo deu uma risada baixinha e balançou a cabeça.

— Tudo em ordem, padrinho. Já conseguimos fazer os ajustes no contrato com a Complax. Não vamos ter muitos problemas.

— Perfeito! Eu vou só tomar um banho e nós vamos almoçar, combinado? — falou para a sala toda e todo mundo, obviamente, concordou com ele. Meu pai estava estranho.

Meu celular voltou a tocar. Estremeci, pois já sabia quem era. Johnny me olhou com curiosidade e eu fiz cara de desinteressada. Se eu tivesse alguma desculpa para sair da sala... — Charlotte, temos um problema — Miranda se plantou ao meu lado falando baixo para não chamar a atenção de todos os outros.

— O que houve? — Minha mente fértil já imaginava milhares de acontecimentos absurdos e catastróficos.

— Vazou uma foto sua com Thomas. — Esqueci o celular e prestei mais atenção. — Um site britânico publicou que ele era seu amigo de infância, mas outro, americano, conseguiu uma foto onde você está limpando alguma coisa no rosto dele e vocês estão de mãos dadas. O título foi: da infância para a vida adulta? Escritora de eróticos passeia com suposto affair pelas praias do Rio de Janeiro — ela fez um gesto com as mãos, como se estivesse apresentando um título de um filme. — Puta merda! — resmunguei.

Poderia ser este o motivo para Alex estar tentando falar comigo?

— Exatamente! Não fique tensa nem se preocupe. Eu sou excelente em administrar conflitos. — Tive que rir.

— Desde quando?

— Desde que você entrou em minha vida — ela riu junto, puxando-me mais para o canto. — Patrício não sabe que é tudo mentira. Eu preciso saber o que vamos declarar no site oficial?

— Caralho! — Comecei a ficar tensa de verdade. — Você acha que meu pai pode estar com alguma namorada?

— Charlotte — ela quase gritou. Olhando para a sala para se certificar de que ninguém nos observava, ela voltou a conversar. — Se concentre porque o problema é real.

— É só não dizer nada.

— Lottie, todo mundo, fora nós da sua família, principalmente Alex e a família dele, acreditam que você está noiva do Thomas.

— E daí? Eu nunca falo nada da minha vida pessoal mesmo.

— E daí que se você quer que Alex realmente acredite, alguma coisa tem que ser dita. Ou a verdade ou a mentira, mas você precisa se manifestar.

— Não posso dizer a verdade — ofeguei.

— Você é uma idiota! Puta que pariu! Se deixarmos eles acreditarem que existe um relacionamento vão se aprofundar no assunto e podem descobrir qualquer coisa que os leve à mentira.

— Se confirmarmos que estamos juntos, Alex vai ficar aborrecido comigo — confessei e Miranda sorriu.

— Se dissermos que vocês são apenas amigos você vai ter que contar a verdade a Alex.

— Por quê? Não podemos dizer que somos apenas bons amigos e deixar Alex acreditar que fizemos isso para não termos a imprensa atrás de minha vida pessoal? — Você já pensou na situação que deixou Thomas?

— O quê?

— Ele vai ser corno até o final da vida, Charlotte! Se procurarem e deduzirem que você voltou para o Brasil e se reaproximou de Alex, não terão piedade do Thomas. Se você contar a verdade para Alex terá mais força para afirmar que só havia amizade mesmo. Inclusive podemos deixar vazar fotos de vocês três. — Não posso. — Comecei a entrar em pânico. — Alex vai me odiar. — Ela sorriu mais abertamente.

— Ele te deu mais motivos para você odiá-lo e isso não aconteceu. Ela brincou, embora fosse a mais pura verdade.

Eu precisava contar a verdade a Alex. Se ele me amasse, entenderia mais aquela criancice.

Alex Eu estava ligando e ela não atendia, o que fazia com que minha mente e meu coração entrassem em conflito. Era claro que ligar para minha ex-esposa era algo fora da minha atual rotina. Desde que nos separamos nunca havia ligado para ela, mas sabia que seu número continuava o mesmo.

Às vezes eu ficava observando o contato, pensando em como ela reagiria se eu mandasse uma mensagem.

Durante meses esta foi a minha maior tentação, até Lipe nascer, Tiffany morrer e eu me ver jogado em um espiral de acontecimentos que me afastaram mais de Charlotte.

Eu realmente acreditei que não havia mais espaço para aquela menina em minha vida. E não deveria existir mesmo. Eu era um homem maduro, com um filho pequeno para criar e sendo a sua única fonte de confiança. Inserir uma menina insegura, mimada, imatura e inconstante em nossas vidas poderia ser um risco, mas... porra, eu não conseguia mais ficar longe.

Às vezes eu me perguntava o que havia de errado comigo? Como simplesmente me rendia e desabava de amores por uma pessoa tão mais jovem e confusa. Como eu podia amar tanto Charlotte, se sabia que ela era o maior de todos os meus problemas?

E era quando eu pensava nessa confusão de sentimentos que eu entendia que o amor não fazia sentido algum, porque você não escolhe quem vai amar, você simplesmente ama, sem permissão, equilíbrio, harmonia, nada. Você ama e acabou. E o resultado final era um filho da puta babando como um cachorrinho em cima da menininha que sapateava sobre ele.

Uma droga!

Suspirei frustrado. Por que todos os pensamentos coerentes sumiam da minha cabeça quando eu me encontrava em uma situação como aquela? Ansioso como um adolescente, o coração acelerado, dolorido, um sofrimento sem definição somente porque ela não me atendia.

Puta que pariu! Quando foi que me tornei tão inseguro? Eu sabia a resposta. Quando resolvi ter Charlotte de volta. Não havia nenhuma certeza ou segurança em nós dois que pudesse me tranquilizar um pouco.

Ela me queria, mas sabia que o peso pela sua escolha poderia ser insustentável e fugir talvez fosse o caminho mais fácil. Eu mesmo fugiria se soubesse como lidar com a sua ausência. Mas eu não podia mais. Charlotte estava impregnada em mim e eu precisava daquela pirralha como precisava do próprio ar. Essa era a minha fodida realidade.

Mais uma vez ela não atendeu. E eu já estava quase em sua porta. Deus do céu, por que eu estava fazendo aquilo? Por que não conseguia agir como pessoas normais e aguardar até ela retornar a ligação e convidá-la para um passeio, um jantar... sei lá, qualquer coisa que me ajudasse a ficar mais tranquilo?

Mas não, eu estava ali, dirigindo com medo, rumo à sua casa, ligando desesperadamente e louco para passar com ela os minutos que restavam daquele dia.

Saber que Charlotte estava enfurnada em casa com Thomas, mesmo tendo consciência de que era um almoço oferecido pelo retorno de Miranda e Patrício, deixava-me fodido. Eu queria acreditar nas palavras do João Pedro, no entanto era tudo fantasioso demais, além disso, minha ex-esposa estava realmente mais madura. Não em todas as ocasiões, lógico, isso iria contra a sua própria natureza, e, porra, eu estava sorrindo, pensando em como ela era única sendo tão infantil. Porra, eu não deveria sorrir já que tinha convicção de que esta era a nossa desgraça, no entanto eu sorria e achava que a amava ainda mais por esse detalhe.

Como eu era idiota e cretino!

Parei o carro em frente ao flat e fiquei aguardando. Eu estava ali com um propósito e não queria abandoná-lo. Eu precisava fazer com que Charlotte continuasse sentindo que voltar para mim era o melhor a ser feito e a distância dos últimos dias não estava ajudando em nada.

Se ela não estava atendendo era porque não podia atender, ou não queria, ou precisava manter distância.

Não sei. Só tinha certeza de que, qualquer que fosse o seu motivo, mataria-me até o final do dia. Eu não era mais nenhum garotinho para viver aquele pânico.

Foi quando meu celular tocou, fazendo-me pular no banco do carro. Olhei o visor sem acreditar que ela estava retornando a ligação. Devo confessar que meu coração, que já estava acelerado, parecia querer sair do peito. Em segundos eu me vi como aquele adolescente inseguro, que precisava muitas vezes da Aline para conseguir chegar em uma garota e quando ficava sozinho com ela mal sabia o que deveria fazer.

Droga!

Com a mão tremendo e suando, e me amaldiçoando por ter aquela reação, atendi.

— Oi! — Forcei minha voz a não parecer nada mais do que satisfação, no entanto havia alguns tons de cobrança e outros de surpresa que conseguiram escapar estragando o meu disfarce.

— Oi! — Charlotte parecia insegura e falava tão baixinho que me perguntei o que estava atrapalhando?

— Desculpe, eu não vi o celular tocar. — Eu tive certeza de que ela mentia. Charlotte não só tinha visto a ligação como tinha decidido me ignorar. Puxei o ar com força. Eu não queria conversar por telefone.

— Estou aqui embaixo — anunciei e aguardei a sua reação.

— Aqui... você quer dizer... aqui no flat? Na minha casa? — O pânico em sua voz quase me fez desligar o telefone. O que eu estava fazendo?

— Exatamente. Estou aqui. — Ela ficou em silêncio e eu não me atrevi a quebrá-lo, fiquei contando cada maldito segundo que demorou até ela resolver falar outra vez.

— Hum, e você quer... subir? — A forma como hesitou deixou bem claro que essa não era a sua intenção.

— Não. Eu quero que você desça. — Minha raiva crescia à medida que ela demonstrava mais insegurança quanto a minha presença.

Eu poderia dizer para ela esquecer, inventar uma reunião de última hora ou qualquer situação com Lipe.

Arrumar uma desculpa perfeita para desistir daquela loucura, ou, ao menos, para me sentir melhor. Mas eu estava com raiva, sentindo-me preterido, inconformado com o pânico dela, então queria confrontá-la, zerar aquela situação e me sentir melhor, ou menos mal.

— Alex, eu estou em um almoço de família — falou um pouco mais baixo.

— Eu vou te levar para almoçar. — E quase me soquei por ser um idiota insistente e inseguro. O que eu estava fazendo?

— O quê? Mas... eu... o que está acontecendo?

— Nada. Eu só quero te ver — continuei emburrado e me odiando a cada palavra.

— Não pode ser depois?

— Não — fui incisivo. Eu sabia que estava sendo tanto quanto ou até mais infantil do que Charlotte, mas saber que ela preferia os outros a estar comigo estava me arrasando. — Desça, Charlotte. — A raiva que eu sentia ficou estampada em minha voz.

— O que eu vou dizer?

— Não me interessa o que você vai dizer — quase gritei. — Você não é uma adolescente, droga! Você é uma mulher independente. Não precisa dar explicações. Se precisar mesmo de uma, diga que vai sair comigo e acabe de uma vez com essa palhaçada. — Percebi quando ela respirou fundo, surpresa com a minha agressividade. — Desculpe! — Passei a mão na testa, tentando recuperar o que restava do meu equilíbrio. — Você pode só descer?

— Por que está tão aborrecido comigo? — Ri sem vontade. Sabia que estava sendo irônico e não conseguia evitar.

— Porque você está há dois dias trancada com o desgraçado do Thomas e eu não tenho nenhuma notícia sua. Como acha que estou me sentindo?

— Eu disse que precisava de um tempo. — Charlotte não parecia brava e sim assustada.

— Um tempo com ele? Um tempo longe de mim? — Ok! Eu estava alcançando todos os índices de infantilidade e insegurança possíveis. Era impossível me controlar.

— Alex, você não está entendendo. Eu... — Ela parou e eu ouvi uma voz masculina, um pouco distante, mas clara para mim. Senti todos os meus músculos enrijecerem. — Certo. Diga a todos que vou em alguns minutos. — A gentileza em sua voz me alertou que ela só podia estar falando com uma pessoa: Thomas. Puta que pariu! Charlotte aguardou mais um pouco e voltou a falar comigo. — Você está me pressionando — disse angustiada.

— Então esqueça. — Liguei o carro, sentindo-me um merda. — Volte para o seu almoço. Eu vou... — Alex, espere — ela falou rápido, angustiada. Que droga eu estava fazendo?

— Você está ocupada, Charlotte. Na verdade, eu também estou, só não estava conseguindo trabalhar, então... — dei um soco leve no volante para não chamar a sua atenção. — Falo com você depois.

— Espere, por favor! — implorou partindo o meu coração. Não deveria ser assim. Eu não deveria pressioná-la. Se Charlotte quisesse ficar comigo deveria ser pela sua vontade e não pela minha insistência. Que inferno!

— Charlotte, você tem razão. Eu estou te pressionando, então esqueça. Eu não deveria ter vindo.

— Eu vou descer. — Ela parecia angustiada.

— Não. Fique aí. É um almoço em família e eu não deveria ter te ligado. — O pânico começou a ser meu. Estava tão arrependido que doía, não apenas pela reação dela, também por me sentir rebaixado a um nível insuportável.

— Eu quero descer — disse determinada.

— Não, Charlotte! O que vai dizer? Isso vai criar um problema para você.

— Não importa o que vou dizer. Eu já sou uma mulher madura e independente. Posso sair quando e com quem quiser.

— Mas Thomas... — Nós terminamos. — O alívio que senti não deixou passar despercebido a angustia em sua voz.

— Quando?

— Hoje. Agora. — Parecia que ela mentia por responder tão rapidamente e sem pensar, mesmo assim não pude deixar de me sentir feliz.

Tentei conter o meu entusiasmo. Possivelmente era um momento ruim, ela precisava de apoio. Com certeza estava insegura, questionando se havia feito a coisa certa. Eu me sentia miseravelmente satisfeito, mesmo com a ideia de ela estar triste ou sofrendo. Seria mais fácil cuidar dela do que morrer diariamente imaginando os dois juntos.

— Estou descendo. Me espera? — Eu podia perceber a urgência em sua voz, meu coração martelou em outro ritmo.

— Sempre.

Charlotte Assim que saí do prédio vi que Vitor me observava. Não me importei. Meu pai estava em minha casa e, junto com todos os demais, não teve reação quando eu informei que precisava sair para resolver um problema. Corri para fora do apartamento antes que qualquer um deles conseguisse me interceptar para fazer perguntas.

Alex estava lá embaixo, sofrendo e desesperado. Eu não podia mais continuar com aquela farsa. Nós dois não merecíamos mais sofrer. Corri para as escadas e desci o mais rápido possível, ficando sem ar quando cheguei a recepção. Tentei erguer a coluna e sair com alguma dignidade, mas foi impossível. Eu puxava o ar como se não existisse mais dele no planeta. Parei dois segundos, arrumei o cabelo, limpei o rosto com as costas da mão e implorei para não ter ficado fedorenta com o meu esforço.

Saí do prédio com o coração disparado. Eu me sentia livre para viver aquele amor outra vez e estava ansiosa para começar, agora da forma certa. Um passo de cada vez. Este era mais um ponto a ser discutido com o meu ex-marido, que parecia ter urgência em me levar de volta para a sua casa. Era importante conversar e estabelecer limites.

Alex estava do lado de fora do carro, as mãos no bolso e andando de um lado para o outro com os olhos baixos. A angústia me dominou. Eu estava com saudade. Não apenas saudade dele, mas de me sentir parte daquele homem incrível, de poder abraçá-lo e beijá-lo sem me preocupar com quem estaria olhando.

Quando nossos olhos se encontraram foi como se um turbilhão de emoções tomasse conta de mim. Ele sorriu. Aquele sorriso perfeito e que me fazia ofegar. Deus! Eu amava aquele homem com tanta intensidade que doía.

Tiffany tentou e quase conseguiu. Ela fez com que as bases enfraquecessem, com que as beiradas esfriassem, mas o que sentíamos era muito maior que isso tudo e, quando o tempo fez o seu trabalho de esfriar os sentimentos, acalmar os ânimos e nos fazer pensar no assunto, tudo voltou, e com mais força.

Parecia estranho, mas era como se eu precisasse passar por toda aquela dor para entender como me sentia em relação a Alex. E ele precisou de Tiffany para compreender os seus limites. Analisando de uma forma mais profunda, ele também precisou dela para completar a sua vida e, mesmo doendo, eu entendia a sua importância.

Não consegui descer todos os degraus que me separavam dele, então pulei em seus braços. Ele riu me segurando com força. Eu sabia que poderia pular. Sempre poderia me jogar de qualquer altura. Alex estaria lá para me amparar, me abraçar e não me deixar cair. E então compreendi que a confiança nunca acabou, apenas ficou adormecida.

— Alex — gemi saudosa.

Ele passou a mão em meu rosto, decorando minhas feições. Seus dedos longos contornaram meus lábios que se abriram esperando pelo beijo. Então ele se inclinou e me beijou. Ali, na frente do meu prédio, sem se importar com nada nem ninguém.

E foi como se não tivéssemos nos beijado durante todos aqueles anos. Como se os nossos corpos não tivessem se encontrado, porque a emoção que eu sentia, a satisfação e a certeza me faziam sentir como se fosse a primeira vez.

Seus lábios macios acariciavam os meus, a língua brincava em minha boca, com calma e cuidado, um leve valsar, mas com toda a segurança de um dançarino profissional, que desenvolvia os passos sem nenhuma pretensão, sem deixar de encantar e emocionar, pois dançava com a alma.

As mãos passeavam lentamente pelo meu corpo, sem muita intimidade, afinal de contas, estávamos em público. Mas eu podia sentir a pressão dos seus dedos em minhas costas e nuca, como se quisessem garantir que dali eu nunca mais escaparia.

O fato de não podermos agir como necessitávamos não impediu Alex de ficar excitado. Eu sentia a sua ereção em meus quadris e ele me puxava para mais perto quando suas mãos chegavam em minha cintura, como se quisesse me fazer perceber o seu estado.

Minhas mãos alisavam seus braços, sentindo os músculos se enrijecerem à medida que aprofundávamos o beijo, e às vezes seguiam para seus cabelos, sentindo os fios entre os dedos e prendendo-os ali com força. Quando desfizemos o beijo, estávamos sem ar. Alex encostou a testa na minha e sorriu.

— Preciso te tirar daqui. — A voz rouca era uma promessa.

Sem me deixar responder ele abriu a porta do carro, dando-me passagem. Eu fui, porque não havia outro lugar que eu quisesse estar que não fosse com ele. Alex entrou logo em seguida, puxou-me para um beijo rápido, deu partida e logo saiu da minha rua.

Não olhei para trás nem por um segundo. Preferi que fosse assim. Não dava para ficar olhando para o passado o tempo todo. Queria o momento, aquele momento, qualquer coisa ao lado do Alex.

— Para onde vamos? — Ele sorriu sem graça.

— Não sei. — Coçou a cabeça e a apoiou com o braço no vidro da janela. — Na verdade, não existia um plano. Eu queria apenas te ver. — Olhou rápido para mim e voltou a sua atenção ao trânsito. — Desesperadamente — completou e eu tive que suspirar.

— Você disse que me levaria para almoçar — provoquei.

— Falei. — Com a atenção na rua, ele apenas sorriu.

— E então?

— Você está com fome?

— É hora do almoço — continuei fingindo não saber o que ele pretendia. Alex umedeceu o lábio inferior.

— Tem algum lugar que gostaria de ir?

— Hum! Sugestões?

— Poderíamos almoçar lá em casa — ele sugeriu inocentemente, enquanto sua mão foi para o meu joelho. Eu poderia ficar excitada, se não estivesse realmente em pânico.

— Na sua casa?

— Sim. Temos muitas coisas para conversar. — Seus dedos alisaram a parte interna da minha coxa.

— Muitas coisas? — Eu sabia que estava sendo ridícula repetindo tudo o que ele falava, só não estava preparada para o que seria o nosso retorno. Engoli com dificuldade. — Alex... pare o carro.

— O quê?

— Eu não quero ir para a sua casa. Por favor, pare o carro. — Ele jogou o carro para a direita e encostou. O ar pesou nos meus pulmões quando meu ex-marido virou para me encarar.

— É por causa do Lipe, não é? — Engoli com dificuldade.

— Por muitos motivos. — Minha voz falhou um pouco. Eu precisava ser honesta com Alex se quisesse que daquela vez o relacionamento funcionasse de verdade.

— Quais?

— Primeiro: sim, o Lipe é um deles. Não podemos simplesmente chegar lá e nos trancarmos no quarto.

Não é justo com a criança. — Vi em seu rosto a vergonha por ter ignorado tal fato. — Segundo: eu ainda preciso de um tempo antes de me enfiar em sua casa para conviver com seu filho como se nada tivesse acontecido.

— Charlotte... — Eu preciso deste tempo, Alex — fui incisiva.

Não dava para simplesmente engolir tudo e entrar naquele relacionamento com o pé na porta. Não. Era bom que cada passo fosse analisado, estudado e decidido sem a urgência de antigamente.

— Lipe tem uma vida com você, uma rotina, e eu não faço parte dela. Não vai adiantar simplesmente querer fazer isso acontecer, portanto vamos com calma.

— Tudo bem, Charlotte. — Vi sinceridade em seu olhar, então resolvi continuar.

— Também não sei se quero me acostumar com Anita cruzando comigo o tempo todo. — Ele não me interrompeu, mas eu pude ver que o assunto não lhe agradava. — Ela foi uma boa amiga para você, se é que podemos dizer que depois de tudo o que ela nos fez pode-se aceitar qualquer que seja o sinal de amizade vindo dela, mas você a vê assim, então... — Dei de ombros.

Deixar claro que eu não toleraria Anita também era um ponto importante. Ele não podia iniciar o relacionamento comigo acreditando que algum dia em minha vida eu aceitaria aquela mulher em minha vida, então deixei claro que aquilo nunca aconteceria. Ele que tentasse arrumar uma forma de fazer funcionar.

— Anita me ajuda com Lipe. — Ele soltou o ar e passou a mão nos cabelos. — É mais por ela do que por mim. Quando Tiffany morreu ela foi o que restou de família próxima para o meu filho. A família de Tiffany só queria saber da herança e o depoimento de Anita foi fundamental para a decisão do juiz quanto a guarda do Lipe. E ela o ama, Charlotte. Lipe também ama a madrinha dele, é uma relação que eu aceitei por saber ser importante para o meu filho. Ele não teve mãe.

— Muitas crianças não têm mãe — rebati sem me deixar apiedar por aquele fato.

Eu sabia que Anita era capaz de qualquer coisa para conseguir o que queria. Cuidar de uma criança era apenas uma forma de se divertir enquanto aguardava por ele.

— Tudo bem, mas vai ser impossível você não conviver com ela, ou com o Lipe. Se vamos ficar juntos temos que alinhar a nossa realidade.

— Eu disse que não quero conviver com Anita e não com o seu filho. — Ele parou surpreso, respirou fundo, com os olhos arregalados e apenas concordou com a cabeça. — O terceiro ponto: eu quero... preciso, que comecemos devagar. — Indiquei nós dois para que não restasse, dúvidas do que falávamos.

— Como assim devagar? Vamos ser ficantes?

— Podemos ser ficantes. Vai ser divertido. — Ele fez uma cara de frustração.

— Não vai ser divertido — rebateu sem paciência.

— Namorados, Alex. Vamos seguir tudo como manda o figurino desta vez. Nada de pressa, nada de segredos e definitivamente, nada de exigências ou casamento apressado. — Ele encostou no banco e encarou a rua.

— Você fala como se tivéssemos cometido um erro.

— E cometemos. — Alex fechou os olhos e seus lábios formaram uma linha fina. — Não me arrependo de nada, mas você tem que concordar que pulamos muitas etapas e acabamos metendo os pés pelas mãos o tempo todo. Nós falimos o nosso casamento. — Ele mordeu o lábio inferior e não falou nada. — Vamos bem devagar desta vez.

— Tudo bem. É o que você precisa então eu vou respeitar, só não sei como faremos, Charlotte.

— Será exatamente como tem que ser. Vamos namorar, conversar longas horas ao telefone, dar amassos no sofá quando ninguém estiver olhando... — Porra! — ele resmungou baixinho. — E você não vai dormir comigo todos os dias, não vai na minha casa quando Lipe ou Anita estiverem por lá, vai querer um tempo sem contar a ninguém... Como eu vou conseguir fazer que você passe de esposa para namorada?

— É melhor do que esposa para ex-esposa. Ou ex-esposa para nada — provoquei irritada. Alex não conseguia enxergar que aquele era o caminho mais seguro para nós dois. Havia tanto ainda a ser dito. Por que ele não compreendia? — Ele piscou surpreso e me encarou.

— Namorados então, Charlotte. Mas não vamos namorar escondido.

— Alex... — Essa é a minha condição. Eu acatei tudo o que você decidiu até agora. Não vou, a esta altura da minha vida, namorar escondido quando todos sabem que nós dois queremos ficar juntos.

— Tudo bem — concordei emburrada. Não era o que eu pretendia. Namoro já era um compromisso e eu queria algo que me ajudasse a acostumar com a ideia. — Mas vai ser um namoro iniciante.

— O que diabos é um namoro iniciante? — esbravejou sem paciência.

— Um namoro sem muitas concessões.

— O quê?

— Não vou dormir em sua casa sempre que você quiser. Só quando for inevitável. Também não vamos bagunçar nossas vidas com as nossas profissões. Cada um segue o seu rumo.

— Nós dois trabalhamos para a mesma editora.

— Em posições diferentes. Você não vai ser o meu agente, nem vai se meter com os meus livros, nem vai... Ele se atirou sobre mim, segurando meu rosto e me puxando para um beijo forte. Ferozmente abriu meus lábios e forçou a entrada da sua língua. Cedi deliciada, sentindo meu corpo inteiro relaxar.

— Pare de fazer exigências — implorou, roçando os lábios nos meus. — Deixe acontecer e pronto.

— Mas... — Só deixe, amor. Eu sei que você está assustada e que tudo isso é só porque quer mesmo que dê certo, então não torne mais difícil do que já é. Nós vamos devagar, eu prometo.

— Ok — sussurrei.

— Ótimo! Posso fazer amor com você agora?

— Por favor — sorri, sentindo seus lábios nos meus outra vez.

Céus! Como eu pude perder tanto tempo fazendo exigências quando o que eu mais queria era aquilo, seus lábios, seus braços, seu corpo e o seu amor. Essa combinação me deixava completa.

Alex deixou de me beijar e sem dizer nada, ligou o carro e voltou ao trânsito.

— Para onde vamos?

— Não podemos ir para a sua casa. Não podemos ir para a minha — ele sorriu como uma criança travessa. — Só nos resta uma única opção.

— Ah é? Qual?

— Um motel.

Ai. Meu. Deus!


Capítulo 16


“Correndo o risco do fracasso, das decepções, das desilusões, mas nunca deixando de buscar o amor.

Quem não desistir da busca, vencerá.” William Shakespeare Charlotte Passei mais uma vez as mãos na barra do meu vestido. Eu estava suada e nervosa. Tudo bem que no auge dos meus vinte e quatro anos, depois de ter sido casada e divorciada, entrar em um motel deveria ser algo normal. Não era mesmo. Uma única vez fui a um e lembro muito bem dos meus medos.

Se naquela época eu não era famosa, não era perseguida pelos paparazzi, e já tinha medo da exposição, imagine em uma situação delicada como a minha, quando várias pessoas estavam parando para acompanhar a minha visita ao Brasil, o meu suposto romance com meu amigo de infância e, ou, retorno com Alex.

Deus! Eu preferia morrer a ser fotografada entrando em um motel com meu ex-marido. Aliás, eu preferia morrer a ser fotografada entrando no motel com qualquer outra pessoa também. Que merda! Eu precisava de um pouco de privacidade, de espaço para poder transar em paz com o homem que eu amava.

Mas eu sabia que não teria. Eu era uma autora muito criticada pelos que se diziam conhecedores da literatura, mas para o azar deles, era a queridinha dos leitores, e não apenas no Brasil, meus livros ganharam o mundo, tornando-me uma celebridade. Era estranho pensar assim. Pensar que a minha vida pessoal era interessante para algumas pessoas, a ponto de ser perseguida pelos desocupados de plantão.

Respirei fundo, tentando me acalmar. Eu queria ser forte e madura. Levantar a cabeça e deixar claro que eu poderia entrar no motel com quem eu bem entendesse e que a minha vida sexual não era da conta de ninguém. Contudo a verdade era que eu era uma garota infantil e covarde o suficiente para virar o rosto para o lado, fingindo procurar a minha carteira de identidade, deixando o cabelo esconder meu rosto para não ser reconhecida.

De cabeça baixa entreguei o documento a Alex e fingi coçar meu pé enquanto ele não fechava o vidro e tirava o carro de lá. Ouvi seu riso irônico e meu rosto ferveu de vergonha. Pelo visto, para Alex, eu sempre seria a garota imatura.

Soltei o ar dos pulmões quando finalmente entramos na garagem e os portões fecharam atrás de mim.

Ouvi o seu risinho outra vez. Um desaforo. Ele brincava comigo. Ergui o queixo e puxei o espelho do carro para conferir minha aparência, constatando que eu estava cada vez mais vermelha.

Alex não saiu do carro. Ele ficou me olhando, aguardando eu fingir tudo o que podia para esquecer o constrangimento de entrar em um motel e ainda por cima ser surpreendida. Eu estava orgulhosa de mim.

Consegui, mesmo me escondendo, chegar até o final, sem precisar apelar para o desespero.

— Não tem ninguém aqui que possa ter ver, Charlotte — ele disse encostado no banco do carro.

— Graças a Deus! — Ele riu mais uma vez.

— Você fica linda quando está nervosa e tenta disfarçar. — Olhei pelo espelho e o vi me observando.

Alex estava calmo, seus olhos em mim, e estes expressavam puro amor. Relaxei imediatamente.

— Não gosto de me sentir exposta — confessei.

— Eu nunca deixaria isso acontecer — ele acariciou meu rosto com a ponta dos dedos. — Mas sei que parte do seu nervosismo é por medo de ser vista comigo também, não é?

Fiquei surpresa. Tentei falar e não consegui encontrar palavras. Eu queria dizer que não, porque em parte era verdade. Negar seria continuar em um relacionamento baseado em mentiras e esta não era a minha proposta. Havia muitos fatores que me impediam de andar mais rápido do que o necessário naquele relacionamento, um deles era a parte de ter que me explicar sobre a minha decisão.

— Não quero ter que ficar arrumando desculpas para justificar a nossa volta. — Ele arqueou a sobrancelha. — Não quero dar satisfações a ninguém além do necessário.

— E a quem seria necessário? — Ele continuou me observando com cuidado. Dei de ombros.

— Meu pai, seus pais... — Apenas um comunicado, Charlotte. Eles só precisam saber — sorri e me senti ainda mais sem graça.

— Eu não queria que as pessoas me olhassem de forma estranha.

— Estranha como?

— Piedade.

— Piedade? Por que as pessoas teriam piedade de você?

— Porque eu fui traída, e mesmo demorando três anos para te encarar, voltei com você. — Alex sentiu o peso daquela decisão naquele momento.

— Só os mais próximos sabem desta história. — Sua voz diminuiu um tom.

— São eles mesmo que vão me olhar assim, Alex. Por que você acha que eu nunca mais voltei? Por que acha que preferi ficar longe dos meus amigos? — Ele me analisou e nada disse. — Porque todos eles sentiam pena de mim. — Alex fechou os olhos com raiva.

— Droga!

— Todos eles demonstraram sentimentos diversos: raiva, confusão, dúvida, indignação, mas todos eles eram em relação a você. Para mim era apenas pena. Quando Lana me encontrou no aeroporto naquele dia, eu estava tão perdida, sentia uma dor dilacerante e só pensava em ficar longe o máximo possível. Foi quando ela me encontrou que eu soube que deveria sumir. A forma como Lana me olhou foi a mesma de todos os que foram me encontrando após o acontecimento. Não sei se todos achavam que sentir pena de mim me faria mais forte, se te culpar e maldizer facilitaria a minha superação. A verdade era que eu tinha muita vergonha daqueles olhares. Eles me diziam que eu nunca, em hipótese alguma, deveria voltar a te ver e isso me doía mais do que a própria traição.

— Deus, Charlotte! — Ele segurou em minha mão. — O que eu posso dizer além de me perdoe? O que eu posso fazer para tirar esse peso das suas costas?

— Nada, Alex. Eu só queria poder fazer isso como estou fazendo aqui. Com a certeza de que foi a minha decisão e que apenas eu sei o que é melhor para mim. Infelizmente sei que não vai ser assim. Sei que apesar de todos brincarem que já sabiam, que já era hora e tudo mais, eu sempre serei a esposa traída, a coitada, quando eu quero só me sentir feliz com a minha decisão. As notícias vão chegar, eles vão comentar à nossa volta, vão querer saber o que houve, querer informações e provavelmente vão descobrir a verdade, e quando, acontecer eu quero me sentir bem para dizer que perdoar não é um ato de fraqueza e sim de coragem. Que eu precisei ser muito corajosa para admitir para mim mesma que não dava mais para ficar longe e também para reconhecer a minha parcela de culpa nos acontecimentos. Eu tenho medo de como isso vai repercutir, porém tenho certeza de que vai acontecer e acabar, não para os mais próximos, para eles essa história nunca vai ser esquecida.

Ele pegou minha mão e levou aos lábios beijando-a com pesar. Meu coração ficou triste imediatamente.

Era para estarmos festejando e não conversando sobre aquilo. Puxei minha mão e levei a dele encostando-as em meu coração.

— Não vai doer para sempre. — Ele sorriu um pouco, amenizando o clima. — E nós vamos conseguir superar.

— É por isso que você está querendo ir com calma? Porque sente vergonha em admitir que está comigo?

— Não tenho vergonha. Tenho medo de como vai ser para mim. Eu escolheria você outra vez, quantas vezes forem necessárias. — Desta vez vi um sorriso real em seu rosto. Levantei a outra mão e acariciei sua barba de um dia. — Eu amo você, Alex — sussurrei emocionada as palavras e ele foi pego de surpresa, piscando e ficando sem fala. Sorri. — Já que não tem ninguém olhando, podemos entrar?

Alex riu e me puxou para um beijo apaixonado.

Alex Com o coração aos pulos eu me deixei levar pela emoção. Charlotte tinha revelado como se sentia em relação à nossa volta como namorados e foi angustiante para mim. Era tão injusto que a sociedade justificasse a traição de um homem e condenasse quando a mulher perdoava. Ela tinha razão. Minha ex-esposa seria sempre a idiota que perdoou o marido e ainda o ajudou a criar o filho fruto da traição.

Encontrar o equilíbrio perfeito daquela equação seria algo árduo. Eram três pontas que não se encaixavam, embora precisassem ficar juntas. Era desesperador pensar assim.

No entanto, não posso deixar de frisar o quanto Charlotte me surpreendia. No momento em que pensei que ela desabaria, que se perderia em seus receios, ela era quem me acalmava e me passava confiança.

Foi ela quem coordenou a conversa e deu sentido ao nosso dia, porque eu já estava afogando em mágoas.

Ela venceu as barreiras e me levou junto e naquele momento estava me beijando deliciosamente, deixando claro que não queria perder tempo com mais lamentações.

E eu amava aquela mulher! Desesperadamente.

Sentados na cama. Meus sapatos no chão, os dela em algum lugar entre a garagem e o quarto, eu encostado na cabeceira da cama e ela sentada sobre mim, o corpo colado ao meu, à minha disposição, coberto apenas por um vestido leve e curto. Os cabelos recém-lavados e soltos desciam em meu rosto deixando o aroma agradável do seu shampoo, e seus lábios nos meus matando uma fome impossível de ser saciada.

A luz fraca do ambiente fazia sua pele brilhar, dando-lhe a semelhança de um anjo. O meu anjo particular.

A cama confortável não afundava com o nosso peso, mas contrabalanceava deixando-nos mais à vontade.

A música baixa e sensual cumpria sua função, envolvendo-nos em seu som. Tudo ali contribuía para que o clima ficasse perfeito. Eu podia ouvir o som da cachoeira artificial que ficava no outro ambiente, o que me deixava relaxado e confiante.

Charlotte, por sua vez, não teve a mesma curiosidade do nosso primeiro encontro em um lugar como aquele. A ideia de apartamento, de um lar mais moderno e sofisticado, que escondia segredos e satisfazia desejos, fez com que logo ela esquecesse que estávamos em um motel. Para dizer a verdade, eu também me sentia melhor naquele estabelecimento do que em qualquer outro, justamente porque ele deixava tudo mais familiar.

Foi impossível não lembrar e agradecer mentalmente a Winnie, uma garota que conheci certa noite, e que foi mais conselheira do que amante, por ter me apresentado ao motel em questão. Sem saber ela me ajudou a quebrar mais aquela velha opinião e perceber que com uma nova roupagem tudo pode ficar mais interessante. E serviu para Charlotte também, que estava incrivelmente relaxada e entregue. Porém este detalhe jamais poderia ser revelado a minha ex-esposa. Ela não se conformaria.

Tentei ir com calma, seguir um script em que Charlotte tivesse tempo para se adaptar a mim. Pensei que ela precisaria se sentir bem, confortável e segura em meus braços para que, só depois disso, quisesse transar, mas aconteceu o contrário do que eu imaginava.

Charlotte estava quente, de todas as formas possíveis. Sua pele fervia, seus beijos me excitavam, seus toques eram urgentes, seus quadris se movimentavam lentamente e com força, causando um atrito delicioso entre os nossos sexos. E por falar em nossos sexos, eu sentia a quentura do dela ultrapassando a calcinha fina e o meu jeans grosso.

Eu estava a ponto de jogá-la naquele colchão e possuí-la sem me importar com mais nenhum detalhe. Mas ela agia e assim me dominava completamente, tornando-me escravo das suas vontades. Eu fingia ser forte, ser o dono da situação, quando, na verdade, apenas correspondia a tudo o que ela, sem palavras, exigia-me.

Ela passou as mãos em meus braços, tirando-os do seu corpo. Não entendi, mas obedeci prontamente, principalmente porque sua língua provocava a minha boca como se fosse o seu próprio sexo, sugando-me para dentro. Com um gemido estimulante, ela levantou meus braços até a cabeceira e rebolou em meu pau.

Eu pude sentir seus espasmos começando pelas suas coxas nuas presas às minhas. Fiquei louco. Charlotte estava chegando ao limite e eu nem havia tirado a sua roupa, nem tocado seus pontos sensíveis, só permiti que ela brincasse um pouco comigo.

— Charlotte! — Tentei chamá-la para a realidade, antes que ela passasse do ponto e tivesse um orgasmo sem a minha colaboração. Ela me calou com sua boca quente e seu rebolado ousado.

Deus, eu realmente senti muita falta de sexo com Charlotte Middleton. Com nenhuma outra mulher sequer chegou perto do que é com ela. No início era um meio desesperado de esquecer a falta que sentia dela, depois passou a ser somente uma maneira de satisfazer minha necessidade física. Nunca era com qualquer uma, também não precisava de muito para ser escolhida, bastava que não me lembrasse Charlotte em nada, e que estivesse disposta a me deixar em paz no dia seguinte.

Por isso, estar ali, naquele momento, com Charlotte em meus braços, sentindo-a minha, apenas minha, nada mais me importava. Doía ainda pensar nela com outra pessoa, como certamente doeria nela quando, e se, descobrisse como passei esses três anos longe dela. Da mesma forma que ainda doía pensar em como tudo aconteceu, nos segredos que eu teria que guardar pelo resto da vida, por vergonha e por medo de que ela fugisse novamente.

Eu não queria pensar em mais nada. E me forçava a me concentrar em viver aquele momento, o primeiro de muitos que ainda viveríamos depois de realmente entendermos que não deveríamos mais ficar separados. Minha vida voltava ao seu eixo. Voltava. Era importante ressaltar para que eu não me perdesse no caminho com cobranças ou falsas esperanças.

Ainda tínhamos um longo caminho a percorrer, muito o que conversar e decidir. Lipe era a parte mais importante e demandaria tempo e paciência.

Então, ali, aquele momento, eu pensaria somente em Charlotte, no seu corpo, na sua entrega e em minhas mãos garantindo que ela não fosse embora. Charlotte se afastou, suspirou e abriu os olhos. Linda! Ela me encarou como se não soubesse o que fazer dali em diante. Uma inocência tão verdadeira em seu rosto corado que me fez quase acreditar em sua pureza, se não tivesse eu sido o detentor dela.

— Você é linda! — Minha admiração era clara em minha voz. Eu a idolatrava!

Ela sorriu, corando um pouco mais, só o suficiente para ressaltar as pintinhas em seu rosto. Eu queria beijar cada uma delas. Charlotte soltou minhas mãos, mas não me atrevi a envolver o seu corpo. Fiquei observando-a arquear a coluna e me olhar do alto.

— Tire a roupa para mim. — Eu sabia que meu pedido seria como fogo em um corpo regado por combustível. Charlotte era essa pessoa que corava envergonhada, mas nunca recuava diante de um pedido meu.

Ela abaixou os olhos, mordeu o lábio inferior, contendo um sorrisinho que dizia tantas coisas ao mesmo tempo e, sem esperar que eu pedisse outra vez ou agisse em seu lugar, roçou as unhas pelas coxas roliças e deliciosas até encontrar a barra do vestido e, lentamente, o puxou para cima.

Assisti admirado a revelação dos seus quadris expondo uma calcinha inocente, com um delicado lacinho na borda, rosinha e simples, mas que naquele corpo fez o meu ferver. Depois sua cintura fina, o umbigo bem feito, a barriga que correspondia ao seu corpo, sem nenhum tipo de definição que indicasse horas de malhação, mas que aos meus olhos era o cenário da perfeição.

E então ela subiu o vestido revelando seios livres, pequenos, rijos. Os bicos rosados eram exatamente como eu me lembrava, delicados e ao mesmo tempo tentadores. Um espetáculo à parte. Algo que realmente merecia minutos da minha atenção, ou quem sabe, horas.

Subi os olhos e encontrei os dela me olhando com atenção. Havia uma expectativa travessa naquele rosto angelical. Charlotte sabia que mexia comigo, que me enlouquecia ao ponto de me dominar sem esforço, mas ela não agia, ficou estática, aguardando que eu tomasse a iniciativa, que a dominasse e ensinasse o que fazer. E eu a amava por isso também.

Afastando-me da cabeceira da cama, alinhando nossos corpos e mantendo meus olhos nos dela, aguardei alguns segundos, então abaixei a cabeça e levei meus lábios aos seus seios.

Com uma mão envolvi um seio, acariciando a ponta sem muita pressão; com a boca, tomei o outro, sentindo o bico em minha língua ganhar o formato que eu tanto adorava. Ela gemeu, o corpo ficando mole, seu quadril se acomodou em meu pau e eu, ansioso para conter a minha necessidade dela, gemi em sua pele, rolando a língua com mais vontade.

Segurei sua coluna com uma mão, puxando-a para mais perto. Eu a queria colada em mim e perto nunca era o bastante. Nunca seria. Charlotte continuava rebolando suavemente em meu colo, correspondendo às chupadas que eu dava em seu seio. Ela gemia e se movimentava como uma gatinha manhosa, deixando-me em êxtase.

Porra, eu era um cara experiente, já havia transado com muitas mulheres, porém, quando Charlotte se entregava, quando permitia que seu corpo a guiasse, quando aceitava as minhas vontades, eu me sentia um menino afoito, inexperiente e deslumbrado pela colega de sala.

Ela passou a mão por dentro da minha camisa, sua palma quente em minha pele nua, suas unhas afiadas brincando com minhas terminações nervosas. Fechei os dentes em seu seio, ela arqueou as costas oferecendo-me mais. Corri minhas mãos para dentro da sua calcinha, acariciando sua bunda firme e redonda, acompanhando seus movimentos sensuais.

Forçando minha camisa para cima, levantei os braços para facilitar a sua retirada e logo Charlotte estava com os seios colados em meu peitoral, pele com pele, os lábios urgentes implorando por atenção. Eu não suportava mais. Precisava dela como ela precisava de mim e unir nossos corpos era a nossa forma de nos sentirmos completos, únicos e pertencentes um ao outro.

Deixando a pressa me guiar desafivelei meu cinto, abri minha calça e tentei forçá-la para baixo. Charlotte enfiou a mão por dentro da minha cueca e segurou o meu pau. Gemi alto e deliciado. Ela também gemeu e jogou o rosto para trás, permitindo-se sentir o prazer de me ter em suas mãos.

Cacete! Eu amava a mão pequena e delicada da minha ex-esposa manipulando o meu pau. Enquanto ela se mantinha ali, apalpei sua bunda, mordi seus seios, pescoço, ombros e devorei sua boca seguindo o ritmo da masturbação deliciosa.

— Alex — ela gemeu baixinho, ganhando minha atenção. Busquei seus olhos percebendo o seu transe. — Preciso de você — implorou com a voz rouca e sensual.

— Agora? — provoquei. Ela concordou com a cabeça. Enfiando a mão por trás da sua calcinha levei-a até a região que dividia as duas áreas e puxei para o lado. — Me ponha dentro de você — ordenei, sentindo a sua umidade em meus dedos. Eu podia sentir o calor que emanava do seu sexo e estava louco para enfiar meu dedo em seu interior só para confirmar se ela latejava.

Charlotte levantou um pouco enquanto eu ajeitava sua calcinha para liberar espaço para mim. Com a mão quente e habilidosa ela tirou meu pau de dentro da cueca, correndo a mão para espalhar meu pré-gozo, gemi ansioso. Eu realmente perdia o foco quando estava com aquela menina. Ela brincou com meu pau, atenta, observando o seu trabalho.

— Dentro de você, linda! — Quase implorei, beijando seu pescoço, incapaz de tomar o controle da situação.

Ela gemeu me masturbando mais uma vez para logo em seguida me guiar para a sua entrada. Segurei firme com uma mão em sua bunda e com a outra mantive a calcinha afastada. A cabeça sensível do meu pau tocou sua entrada úmida e quente e eu tive que segurar o ar nos pulmões. A sensação era única, extasiante.

Apesar de desesperado para me enterrar nela, eu queria prolongar cada segundo, continuar sentindo a sua quentura, a prévia deliciosa do que seria quando eu finalmente estivesse totalmente dentro dela, o instante que precedia a promessa de luxúria que seria o juntar dos nossos corpos.

Charlotte me colocou em sua fenda e rebolou roçando meu pau em sua carne, uma provocação que me fez arfar. Eu estava tão sensível que poderia gozar na primeira investida, mas não queria que fosse assim.

Puxei Charlotte para baixo, deixando clara a minha vontade. Ela me olhou e sorriu. Caralho! Foi um sorriso carnal, cheio de malícia, ousado e que me deixou louco.

Ela, lentamente, desceu os quadris sobre o meu pau. Sua carne abrindo passagem e meu sexo ganhando espaço. As paredes tensas e quentes se adaptando a mim. Ela parava, subia um pouco e descia, sentindo-me em todas as suas terminações nervosas. Minha boca semiaberta deixava o ar escapar aos poucos, meus olhos vidrados entregavam o nível da minha excitação.

Seus quadris se projetaram, permitindo que meu pau se encaixasse com mais firmeza. Ela tremeu um pouco, a carne vibrando, cada vez mais molhada. Concentrei-me em manter a calma. Eu estava em meu limite. Larguei a calcinha, ciente de que com meu pau dentro de Charlotte ela não mais atrapalharia. Com as duas mãos livres me apossei do corpo delicioso da minha eterna aluna, puxando-o para baixo e impedindo-a de brincar comigo.

Charlotte relaxou e gemeu alto. Os seios empinados em minha direção. Segurei sua nuca e reforcei a posição com a outra mão na base da sua coluna e abocanhei um dos seios enquanto a forçava a descer mais, recebendo-me com mais profundamente.

Foi delicioso!

Eu queria fodê-la em um ritmo mais forte, enquanto devorava seus seios maravilhosos e me aventurava em sua bunda, ao mesmo tempo, queria que cada coisa acontecesse no seu tempo, devagar, dando-me a chance de sentir cada movimento, de ter consciência de cada toque.

Com as mãos em meus ombros, Charlotte se forçava para cima, lutando de maneira provocante contra as minhas investidas. Esforçando-me levantei meu quadril para que ela não conseguisse escapar da penetração e o ar escapando dos seus lábios me indicava o quanto ela também estava gostando.

— Alex!

Corri meus dentes em sua pele clara, vendo que a minha barba por fazer, meus dedos afoitos e minha boca sedenta deixavam marcas em seu busto. Ela gemia alto o que me incentivava a continuar.

Sem conseguir mais me conter, puxei Charlotte para baixo, enterrando-me completamente dentro dela.

Meu pau latejou e senti meus braços tremerem. Respirei com força implorando por equilíbrio enquanto minha carne sensível saboreava a dela pulsar, latejar, pronta para o seu primeiro orgasmo.

Eu sabia que se Charlotte gozasse eu não conseguiria me conter, então parei, segurando-a no lugar, respirando com dificuldade, sem poder ao menos tocá-la, sem me atrever a encostar meus lábios em sua pele suada, pois eu tinha certeza que o mínimo movimento nos derrotaria. Ela manteve-se quieta, aguardando o meu comando. Os olhos antes fechados se abriram buscando nos meus a segurança necessária para continuar.

Sem que precisássemos trocar qualquer palavra, minhas mãos fizeram menos pressão e ela começou a se movimentar devagar, testando nossos corpos e nossa capacidade. Não duraria muito, eu tinha certeza, embora quisesse me iludir acreditando que poderia prolongar.

Não consegui me mover. Eu estava muito sensível, então mantive meus olhos em Charlotte, vendo-a subir e descer em meu pau, lutando também contra o seu prazer, para que ele não saísse do controle e explodisse levando-me junto.

Ela levantou a mão e tocou meu rosto, sem interromper seu movimento monitorado e constante, em seus olhos havia apenas devoção. Um amor que eu mantinha na lembrança e apenas lá. Um sentimento do qual acreditei não mais ser digno, mas que estava ali, transbordando, verdadeiro e inabalável. Perdi completamente a guerra contra meu corpo quando ela me beijou de leve e disse: — Eu te amo, Alex!

O ar fugiu dos meus pulmões. Agarrei-me a ela, a loucura tomando conta de mim, a luxúria me invadindo, deliciado demais com o prazer quase carnal que aquelas palavras me proporcionaram. Eu amava Charlotte e a amava de corpo inteiro, de alma, com desejo, tesão, de maneira irracional, um amor que me dominava e consumia.

Estávamos tão colados que poderíamos ser um só. O ritmo perdeu a graciosidade, tornando-se mais animal. Nossas respirações se misturavam enquanto nos movíamos como se não houvesse nunca a satisfação. Ela me forçava para dentro, querendo sempre mais, eu me enfiava nela sem me preocupar com o seu limite, minhas mãos estavam em todo o seu corpo ao mesmo tempo, nossos gemidos se misturavam, nossos lábios se colidiam e as línguas se buscavam em um desejo ardente.

Com meu pau todo dentro dela foi possível sentir o latejar do orgasmo antes mesmo que ela gemesse anunciando-o. Meus olhos perderam o foco, sentindo a cabeça sensível do meu pau se aquecer com a deliciosa sensação do prazer da minha sempre esposa. Vibrei e me contorci quando meu próprio prazer chegou me dominando e eu jorrei dentro dela sem me preocupar com mais nada.

Confesso que uma parcela mínima da minha mente lembrou que não estávamos nos preservando, não usamos camisinhas e, mesmo Charlotte afirmando que ainda usava anticoncepcional, nada disso apagava a vida que tivemos nos três anos que passamos separados. Tudo isso foi esquecido no momento em que meu último espasmo escapou pelos meus lábios colados aos dela e seu corpo amoleceu em meus braços.

Qualquer outra preocupação teria que aguardar a sua hora e o seu momento, embora eu deva admitir que engravidar Charlotte completaria a minha vida e me faria acreditar na felicidade plena outra vez.

Charlotte Estávamos deitados, nus, virados de frente um para o outro, separados por centímetros. Nossas mãos tocavam nossos corpos em carícias suaves. Alex sorria relaxado, às vezes suspirava e fechava os olhos como se fosse dormir, para logo em seguida voltar a me tocar e beijar. Eu nunca me cansaria disso. Ele acariciou meu rosto, contornando meus lábios com o polegar. Fechei os olhos — No que está pensando? — perguntei, sentindo minha voz rouca e minha garganta arranhar. Uma garrafinha com água cairia bem.

— Em muitas coisas. — Seus dedos deslizaram até meu pescoço, brincou em meus ombros e desceu até minha cintura nua, arrepiando minha pele. — Em como você é linda — ele continuou, a voz hipnotizante, suave e macia como a sua carícia. — Em como senti falta desta intimidade. — Sorri sentindo seus dedos em meus quadris e me deitei tentando escapar. — E... — ele hesitou e eu tive que olhá-lo para saber o que o havia impedido de falar. Alex encarava a minha barriga. Um calafrio se apossou da minha coluna.

— No quanto você ficaria linda grávida. — Minha boca secou e meu estômago doeu.

— Grávida? — Minha voz esganiçada me entregava. Girei o corpo, ficando deitada de bruços, escondendo meu rosto.

— A ideia te apavora? Não quer construir uma família comigo?

— Pensei que tivéssemos acordado que iríamos devagar. — Lutei contra as lágrimas e a respiração acelerada.

— São somente planos, Charlotte — Sua mão quente correu minha cintura. — A ideia te apavora tanto assim?

— Pensei que Lipe fosse experiência demais para você. — Ele beijou minhas costas e se colou em mim.

— Lipe foi e é uma experiência maravilhosa e eu não me importaria de repeti-la. Desta vez da forma correta, com a mulher que eu amo. — Solucei sem conseguir evitar. — Charlotte? — Ele me virou sem muito esforço. Escondi meu rosto envergonhada pela minha reação. — Charlotte, o que foi?

Não consegui responder. Era coisa demais. Mal eu havia começado a pensar em como fazer a minha vida funcionar ao lado do filho dele e Alex já programava novos filhos, como se fosse algo possível de viver.

— Lipe ainda te apavora tanto assim? — De olhos fechados e covardemente confirmei o que ele disse.

Não era o certo a ser feito, mas era o que eu podia fazer no momento. Ele beijou minha testa e tirou minha mão do seu rosto. — Nós vamos conseguir, Charlotte.

— E se não conseguirmos? Como podemos fazer planos se nem sabemos se isso vai funcionar?

— Vai funcionar — rebateu com veemência.

— E se... — Eu vou te ajudar. Dê uma chance ao Lipe, ele é uma criança incrível! Um menino lindo! — Meus olhos ficaram ainda mais marejados e as lágrimas desceram livremente. Eu não entendia, como poderia? — Não chore mais. Droga! Não era para ser assim.

Joguei-me em seus braços me agarrando a ele. Enterrei meu rosto em seu pescoço sentindo suas mãos me acalentarem. Eu me sentia tão injusta e traidora que me desesperava. Por que simplesmente não falava?

Por que não era sincera com o homem que eu amava? Eu não sabia. A ideia me apavorava, porque eu sabia que a verdade confirmaria o que eu temia: eu nunca seria a mulher que Alex sonhava.

— Fique calma, amor! — Respirei fundo me obrigando a aceitar a calma que ele me pedia para ter. Não era justo que nosso retorno fosse sofrido e doloroso.

— Acho que preciso de um banho. — Limpei o rosto, forçando as lágrimas a recuarem. Ele sorriu.

— Você sempre acha que precisa de um banho.

— É uma fuga — admiti.

— Eu sei — ele confessou, arrumando meu cabelo que caía no rosto e grudava devido às lágrimas. — Não fuja de mim. — Havia tanto naquele pedido. Era a sua maneira de me pedir para ser honesta, para lhe dizer o que realmente acontecia comigo.

— Não vou fugir — prometi e sabia que era uma promessa verdadeira. — Mas preciso resolver meus problemas sozinha, Alex. Preciso amadurecer com eles e não ficar aguardando que as pessoas resolvam tudo para mim. — Alex ficou calado, olhando-me como se esperasse mais. — Eu sou tão infantil! — Ele riu — Como você vai fazer para lidar com duas crianças?

— Vai ser um problema. — Sua voz admitia que ele falava apenas para me acalmar. — Nada que uma boa psicóloga não possa resolver. — Ri.

Alex se aproximou um pouco mais e beijou meus lábios com doçura. Suas mãos não foram atrevidas, ele me tocou, deixando que as pontas dos dedos fizessem círculos em minha pele, brincando aqui e ali até que atingisse meus pontos sensíveis.

— Acho que precisamos daquele banho. — Sua voz rouca quebrou o clima entre um beijo e outro.

— Nós sempre precisamos daquele banho — brinquei.

— É uma fuga. — Ele entrou no clima. — Devo ressaltar que é uma deliciosa fuga.

— Nada que algumas horas em uma banheira com você não resolva.

— Algumas horas? — Ele riu me desafiando.

— Pode ser quase uma hora?

— Pode ser o tempo que você quiser, Charlotte.

E Alex se deitou sobre mim, fazendo-me esquecer todos os meus problemas. Imediatamente me senti mais segura e confiante. Todo e qualquer medo ficaria para depois, quando ele não estivesse mais comigo, quando apenas eu pudesse viver a realidade.

— Antes. — Ele se afastou me arrancando do meu devaneio.

Alex sentou sobre o meu quadril sem liberar o seu peso. Seu corpo nu e excitado era uma bela visão. Ele pegou a minha mão direita, segurando diretamente a aliança que um dia foi da minha mãe. Meu sangue gelou. Céus! Como eu poderia conviver com tantos problemas em um único dia?

— Vamos nos livrar disso?

— Alex... — Você não é mais noiva dele, Charlotte. Não tem sentido algum continuar com esta aliança, que, por sinal, é ridícula.

— O quê?

— É antiga. Bem típico de um inglês idiota como o Thomas. Ninguém que te conhecesse de verdade a deixaria usar uma aliança como esta.

— Mas... Alex... — É sério, Charlotte! Você realmente gosta desta aliança?

— Claro que sim! Ela... — Deve ter pertencido a avó dele. — Ele tentou retirá-la e eu puxei minha mão com força.

— Qual é o problema?

— Não vou tirar a aliança — revidei decidida.

— Claro que vai, vocês terminaram. — Ele me olhou com desconfiança. — Terminaram? — Por um segundo achei que não conseguiria respirar.

— Terminamos. — Minha voz vacilou.

— Charlotte?

— Terminamos. Claro que terminamos — tentei parecer mais confiante.

— Então tire esta aliança ridícula. — Alex já estava perdendo a paciência.

— Não fale assim da minha aliança!

— É a aliança ridícula que aquele babaca te deu. — Ele já não era mais aquele homem lindo que me acalmava há poucos minutos.

— Ela não é ridícula!

— Não é nem ouro, Charlotte! E esta pedra? O que é mesmo?

— Foi o que ele pôde comprar. — Fiquei irritada e tentei levantar. Ele me segurou pelos ombros me encarando.

— Thomas tem dinheiro suficiente para fazer melhor do que isso.

— O quê? — Pisquei voltando a entender sobre o que falávamos. Porra! Era a hora da verdade ou não seria nunca mais.

— Você está confusa. — Alex levantou, deixando-me livre.

— Peter comprou esta aliança quando precisou pedir minha mãe em casamento antes de seguir com o exército. — Ele parou me encarando. — Meu pai não tinha dinheiro, mas conseguiu juntar a grana tomando empréstimos com cinco amigos, porque ele se apaixonou e queria garantir a minha mãe que nem o exército o manteria longe dela e esta aliança foi tudo o que ele conseguiu comprar.

Alex ficou parado, nu, olhando-me sem expressar nenhuma opinião. Eu aguardei pelo seu ataque, pelas suas palavras duras, mas elas não vieram. Ele apenas continuou me olhando, aguardando.

— Era da minha mãe — continuei com a certeza de que agora eu precisava ir até o fim. — Eu nunca fui noiva do Thomas. Inventei esta história porque pensei que você e Anita estavam juntos e fiquei com ciúmes, então inventei, mas não pensei direito, não foi um plano arquitetado, eu apenas falei e quando vi já estava envolvida com a situação e... — João, filho de uma puta! — ele resmungou.

— Alex?

Sem dizer mais nada meu ex-marido voltou para a cama e me tomou em seus braços.


Capítulo 17


“Nenhuma dor poderá superar a alegria que um só instante me dá ao lado dela.” William Shakespeare Alex Eu estava puto da vida com a mentira e com o tanto que sofri, quase enlouquecendo, imaginando-a nos braços de Thomas. Charlotte era tão infantil que chegava a ser inacreditável, e eu era um idiota que não conseguia simplesmente deixar de desejar aquela menina.

Também tenho que ser completamente sincero e admitir que foi um alívio. Eu sou um cafajeste, um cretino de carteirinha e um machista dos infernos. Essa seria a definição que João Pedro usaria se eu confessasse em voz alta o que penso sobre esta mentira. A verdade é que saber que Charlotte não teve nada com Thomas me deixava muito mais feliz do que viver com a ideia de que ela havia transado com outro homem.

Eu sei que é um absurdo pensar assim. Charlotte é adulta, é uma mulher linda e tinha todo direito de continuar a sua vida sexual, mas... porra! Eu enlouqueço só de pensar. É assim que me sinto e pronto.

Não posso ficar fingindo ser outra coisa quando a verdade é esta.

Nunca cobraria essa postura dela. Eu mesmo não passei três anos remoendo a sua falta. Transei com quantas mulheres eu quis e com as que eu não quis também, em uma tentativa de esquecer e seguir em frente, ou, como aconteceu muitas vezes, para esquecer o problema que Tiffany era em minha vida enquanto estava grávida e me cobrando cada vez mais. Foi enlouquecedor.

E seria muito mais quando Charlotte descobrisse como eu segui em frente. Puta que pariu! Mais e mais problemas o tempo todo.

Parei o carro em frente à casa dela, porém, como havia feito durante todo o trajeto, continuei em silêncio.

Nós transamos depois da sua confissão. Eu estava extasiado com a mistura de alívio e raiva, e minha cabeça confusa apenas me dizia que ela era minha e que eu deveria fazê-la perceber que era assim.

Depois eu comecei a me fechar e, mesmo sabendo que ela ficaria péssima com isso, não consegui mais conversar, ficando apenas com meus pensamentos e remoendo aquilo tudo.

— Você ainda está muito aborrecido? — Sua voz insegura me indicava que era hora de superar. Eu não queria ficar amargurando aquela história. Sustentar uma discussão logo no nosso primeiro dia juntos era arriscar demais.

— Eu vou superar. — Olhei minha... o que ela era minha mesmo? Eram tantas coisas para resolver ainda que seria desperdício de tempo continuar pensando naquela mentira. — Tem certeza que não quer passar a noite comigo? — Ela desviou o olhar e eu suspirei. Eu ainda precisava encontrar uma forma de fazer Charlotte se adaptar ao Lipe.

— Um passo de cada vez — disse a meia-voz. Peguei seu rosto fazendo-a me olhar.

— Namorados dormem juntos — brinquei para aliviar a tensão. Eu não queria pressioná-la.

— Eu sei. Hoje ainda não.

— Tudo bem — suspirei derrotado. Mesmo sabendo que aquele noivado era uma farsa não era nada confortável saber que Thomas estaria na casa dela. — Quando ele vai embora? — Não consegui esconder a minha insatisfação.

— Amanhã. — Charlotte estava tão insegura que me comovia.

— Então amanhã eu venho conversar com Peter.

— Conversar? Sobre o quê?

— Charlotte, nós não podemos reatar o relacionamento sem eu ter esta conversa com o seu pai. É minha obrigação... — Eu não sou nenhuma criança, Alex. Não preciso que meu pai aprove as minhas decisões.

— Não é uma questão de aprovar, é apenas respeito.

— Pode deixar que eu conto a ele. — Ela ficou na defensiva, implicando comigo.

— Eu quero conversar com o seu pai.

— Eu não sou mais criança — rebateu com determinação.

— Charlotte... — Puxei o ar com força pensando em como convencê-la. — A questão não é você ser uma criança ou não. Seu pai se tornou um grande amigo. Ele me ajudou quando eu precisei e eu me sinto na obrigação de ter esta conversa. Não se trata de você e sim de mim. Não posso e não quero fazer isso passando por cima do Peter, então vou conversar com ele você querendo ou não. — Ela estreitou os olhos me encarando.

Eu sabia que não era prudente desafiá-la. Não naquele momento, mas não podia deixar que Charlotte fizesse do jeito dela. A implicância dela com o pai e a sua necessidade de desafiá-lo não poderiam ultrapassar as minhas barreiras. Uma coisa era ela ser mimada e desafiar o pai em tudo, outra era eu simplesmente desrespeitá-lo, sabendo o quanto ele prezava o que eu pretendia fazer.

No entanto já havíamos tido problemas demais para um dia só, e levando-se em consideração que era o nosso primeiro dia oficialmente juntos, não convinha arrumar mais problemas, fazendo com que aquela volta fosse tão carregada e pesada que não suportaríamos o seu peso.

— Amor... — Acariciei o seu rosto e me aproximei. Vi quando Charlotte me encarou, seu semblante se modificando. Seus olhos vidrados nos meus pareciam hipnotizados e eu amava o efeito que tinha sobre ela. — Não é o que acontece com os namorados? A garota não fica ansiosa para apresentar o namorado à família? — Não sei.

Sua voz fraca e seus olhos ainda presos aos meus me fizeram continuar. — Não está ansiosa para me apresentar a todos?

— Eles já te conhecem. — Ela ficou confusa e eu tive vontade de rir. — Não como seu namorado.

— Nós já fomos casados, Alex. — Suspirei derrotado.

— Tudo bem. Então não vai ter problema algum se eu te levar para passar esta noite comigo, afinal de contas, já fomos casados e todos sabem que transamos.

— Alex!

— Você disse que queria fazer do jeito certo desta vez, então deixe-me fazer da maneira que acredito ser correta. — Ela perdeu os argumentos. Durantes poucos segundos imaginei que Charlotte seria capaz de rebater, rapidamente percebi que ela não conseguiria nada melhor do que o meu argumento. — Amanhã à noite. Quer agendar com ele ou eu faço isso? — Vi minha ex-aluna-esposa engolir com dificuldade.

— Eu faço — confirmou com a voz fraca. — Mas será uma conversa a três.

— Como você quiser — sorri feliz por ter conseguido convencê-la.

— E não pense que vou fazer o mesmo com os seus pais. Conte para eles se quiser, eu não vou ficar me justificando para todos e... Puxei Charlotte para um beijo, impedindo-a de continuar reclamando ou impondo condições para que aquele relacionamento desse certo. Eu a amava, tinha aceitado ser o seu namorado, ansiava pelo dia em que ela finalmente voltaria para a nossa casa, e agora tinha livre acesso a sua vida, sem precisar me preocupar com Thomas ou qualquer outro concorrente. Charlotte era minha. Sempre minha.

Quando as coisas começaram a esquentar eu parei o beijo. Era importante que ela sentisse os malefícios de vivermos em casas separadas. Foi impossível conter o sorriso triunfante que se abriu em meus lábios ao vê-la vermelha e arfante. Eu poderia puxá-la para o meu colo e fodê-la sem piedade ali mesmo, obviamente não o faria. Charlotte teria muito no que pensar depois de ter se recusado a passar a noite comigo.

— Vejo você amanhã. — Despedi-me com beijos leves em seus lábios enquanto ela tentava aprofundar o contato.

— Falta muito para amanhã. — Sorri ainda mais.

— Então venha passar a noite comigo. — Ela mordeu o lábio inferior. Eu sabia que chegou a ponderar, como também sabia que ela não cederia. — Boa noite, Charlotte!

— Boa noite, Alex!

Ela desceu do carro com os olhos baixos, de tempos em tempos se voltava para mim e sorria, como uma menina traquina, que conhecia muito bem o seu corpo e as suas necessidades e que, naquele momento, ela teria um grande trabalho para contê-las.

Charlotte — É oficial, agora? — Thomas se debruçou sobre a varanda.

— Oficial mesmo será quando ele conversar com o meu pai — resmunguei, olhando para o céu. — Está uma noite linda.

— Cheia de estrelas, como as nossas noites na Inglaterra. — Ele se encostou colando o braço ao meu. — Você tem certeza de que é isso mesmo que quer?

— Você sabe que sim — recriminei-o e ele riu.

— Eu só queria conferir se alguma coisa mudou.

— Você deveria perder as esperanças — brinquei, apesar de ele saber que era a mais pura verdade.

— E deixar de tentar fisgar o melhor partido de toda a Inglaterra? Jamais! Seria a maior fusão que já tivemos.

— Eu não sou um produto, Thomas. Não sou as empresas do meu pai. Se o seu objetivo era esse, deveria ter se interessado pelo Johnny. — Ele riu alto.

— Alguém falou o meu nome?

Olhamos para trás e vimos meu amigo arrumado como se fosse curtir a noite. A roupa informal, o sorriso de dentes brancos e brilhantes em seu rosto moreno o deixava ainda mais bonito, e o perfume caro complementava suas roupas de grifes famosas. Ele era o imã para as garotas das baladas que frequentava.

— Olha só quem está de folga hoje — Thomas brincou. — Peter foi dormir mais cedo, fez uma viagem de urgência e esqueceu de te avisar ou o quê?

— Engraçadinho! Hoje todos os mortais merecem uma cerveja gelada, uma batida perfeita e uma gostosa para fechar a noite com chave de ouro. Vamos nessa? — Thomas olhou para mim e depois para ele, em dúvida sobre o que deveria fazer. — Esse será o melhor marketing para vocês dois. A ideia não é mostrar que são amigos? Então? Se você ficar com alguma garota na festa, logo todos vão ter certeza desta amizade.

— Não é uma má ideia — Thomas disse me olhando.

— É uma péssima ideia — rebati, já me sentindo encurralada por aqueles dois pares de olhos. — Não vou para a balada com vocês dois. — Johnny cruzou os braços e Thomas fez cara de cachorrinho pidão.

— Nem pensar! — Meu amigo respirou fundo e me analisou de cima para baixo. — Merda! Se alguma coisa der errado eu vou culpar os dois pelo resto da minha vida.

— Você tem cinco minutos — Johnny gritou quando eu disparei escada acima. Eu estava animada para uma noite entre amigos. Seria a primeira onde eu não precisaria fingir a felicidade desde que me separei de Alex.

— Quinze — gritei de volta já eufórica.

*** — Você está onde? — gritei para o celular tentando conversar com Miranda. Estávamos em uma boate, algumas mulheres dançavam em gaiolas e eu achei tudo bastante ultrapassado, embora conveniente. No bar com bastante neon as pessoas se aglomeravam em busca de algo para aplacar a sua sede. Eu, encostada no corrimão do segundo piso, observava a multidão na pista de dança, divertindo-me com a tentativa de Thomas de acompanhar a forma sensual e diferente que os brasileiros tinham de dançar, e ouvia os berros de Miranda por ter saído sem avisá-la. E ainda estar de livre e espontânea vontade, servindo de modelo para os paparazzi de plantão.

Peguei uma bebida amarela que o garçom levava para cima e ele apenas registrou em minha pulseira, encolhi-me em um canto para ouvir melhor.

— Eles me obrigaram. É a última noite do Thomas no Brasil — gritei para que ela me ouvisse. — O que você faz na casa do Alex?

Só aquela informação já me deixava tensa demais. Eu não tinha dito nada sobre sair para uma noitada com os meus amigos e sabia que estava errada, só não queria mais um problema para aquele dia. Em minha cabeça, conversar no dia seguinte causaria menos estrago, pelo visto este não era o plano de Deus e àquela altura meu namorado já sabia o que eu estava aprontando.

Era tudo uma merda mesmo!

Ouvi uma risada alta, que logo identifiquei como sendo de Patrício e em seguida minha amiga reclamando com ele.

— Você está com problemas — ela disse e eu não soube se era para mim ou para o seu marido. — Eu nunca vi uma pessoa gostar tanto de ter problemas. — E desta vez eu soube que era para mim. — Já estamos indo.

— Espera! Miranda? Indo para onde? — Ela não respondeu e eu fiquei olhando para a tela do celular querendo acreditar que ela não havia dito aquilo.

Meu coração acelerou, minhas mãos ficaram suadas e minhas pernas fraquejaram. Respirei fundo e com dificuldade sem saber o que fazer. Eu podia simplesmente ir embora e não esperar pela fúria do meu namorado. E ele com certeza estaria furioso, com razão, afinal de contas se eu soubesse que ele estava em alguma balada com Anita nem sei o que seria capaz de fazer.

Ao mesmo tempo eu me enchia de coragem para continuar lá aguardando por eles, assim Alex veria que Thomas estava se empenhando em ficar com o máximo de garotas possível, que Johnny o seguia de perto enquanto eu apenas assistia de camarote os meus amigos se divertiam.

Pelo menos assim ele teria mais um motivo para confiar em mim sem precisar perder a cabeça todas as vezes que Thomas ficasse por perto. Eu poderia acreditar nisso, e eu realmente queria, se não soubesse que Alex, apesar de toda experiência e idade, se tornava insano quando sentia ciúme.

Preferi abandonar o drink, o primeiro da noite, e pegar uma garrafinha de água. Aliviaria a minha barra.

Os rapazes acenaram da pista de dança e eu tentei sorrir, mas estava tensa demais para fingir. Droga! O que Alex faria? E Lipe? O que ele faria com o filho para sair tão tarde?

Anita. Só podia ser. Ele pediria ajuda a Anita para cuidar do filho. Senti o sangue ferver. Que merda!

Anita em sua casa, à noite, cuidando do seu filho e aguardando meu namorado voltar para completar o quadro de família feliz. Sem perceber, amassei a garrafinha em minha mão.

Eu queria que caminhássemos aos poucos, que curtíssemos cada dia como namorados e que os passos que exigiam mais de nós dois fossem dados com maturidade, seguindo o tempo correto para acontecer, porém, quando eu pensava em Anita tinha vontade de pular todas as etapas e voltar a morar com Alex, assim eu conseguiria limitar o espaço daquela sabotadora de casamentos.

Não sei dizer quanto tempo fiquei no mesmo lugar, encarando a pista de dança sem nada enxergar, ponderando todos os acontecimentos, exercitando minha paciência e inventando milhares de diálogos em minha mente que pudessem convencer Alex de que não havia com o que se preocupar. Não sei quanto tempo passou desde que Miranda desligou o telefone, mas minha atenção foi roubada pela presença da minha amiga e seu marido caminhando pela boate de mãos dadas. Eles formavam um lindo casal, era impossível negar. Onde estava Alex?

Meus olhos varreram o local. Primeiro tentei refazer os passos dos outros dois, para me certificar de que ele vinha logo atrás. Depois, apavorada, procurei por Johnny e Thomas e vi que Alex também não estava lá, matando os meus amigos. Então meus olhos começaram a procurar por ele em todos os locais e não encontraram nada, nem um resquício da sua presença. Nada.

— O que faz aqui sozinha?

Miranda se aproximou me puxando para seus braços. Patrício, logo atrás, colocou as mãos nos bolsos, estreitou os olhos e soletrou, sem som, a palavra diaba. Sem que minha amiga percebesse, levantei o dedo do meio para ele, que riu da minha atitude.

— Você sabe que não gosto muito de ficar em lugares cheios, dançando piora tudo. — Continuei procurando por Alex e cada segundo que passava me deixava mais tensa.

— Então por que veio?

— Porque fui forçada. — Tomei um gole da minha água para acalmar meu corpo que já estava desesperado. — E Alex? Eu pensei... — Ele ficou com Lipe. — Foi Patrício quem falou e eu percebi de imediato a sua acusação. — Ele não quis deixar o filho para vir caçar a namorada maluca que apronta sempre que ele vira as costas.

— Patrício, por que você não vai... — Anita estava indo para lá, parece que alguns estudantes ocuparam a UERJ, e ela queria contar ao Alex como tudo aconteceu e você sabe como ela é... mesmo assim ele preferiu ficar com Lipe. — Miranda me interrompeu evitando o pior. Patrício sorriu, provocando-me com a ideia de Alex e Anita na mesma casa.

Patrício era um imbecil que não merecia a minha atenção, no entanto não havia como negar que ele tinha mesmo conseguido mexer comigo. Eu estava furiosa.

— E vocês, vieram tomar conta de mim? — provoquei irritada. Ele riu sem nenhum pudor.

— Nós viemos curtir a noite, diaba! — Miranda riu do apelido que o marido utilizava para me provocar.

Minha cabeça fervilhava. Eu estava ali sem vontade alguma de ficar. Johnny e Thomas nem estavam preocupados com a minha presença. Miranda e Patrício ficariam curtindo a noite deles enquanto Alex estaria em casa com Anita fazendo Deus sabe o quê. Era demais para mim.

— Já volto — informei com o plano todo em minha cabeça.

— Aonde vai? — Miranda me segurou pelo braço. Sorri como se não estivesse aprontando nada.

— Preciso fazer xixi. — Patrício segurou a esposa pela cintura, puxando-a para mais perto. Era a minha chance. — Volto logo.

Miranda me soltou e eu desci o mais rápido possível. Tinha certeza de que os rapazes não perceberiam meu sumiço até a hora de cada um seguir o seu rumo, e com a minha amiga eu resolveria com uma mensagem quando já estivesse no caminho.

Eu precisava agir ou ficaria maluca.

Alex Eu não conseguia parar de pensar em Charlotte naquela boate com Thomas e Johnny e sabe Deus mais quantos garotos ansiosos para colocar as mãos nela. Quando Patrício fez questão de me contar onde minha namorada estava, achando muito engraçado o fato de voltarmos a ser apenas namorados, eu pensei que minha mente teria um surto.

Então Lipe me chamou, já vestido com o seu pijama, um lápis de cera na mão e um desenho na outra. O bico em sua boca deixava o quadro ainda mais encantador. Eu não poderia enlouquecer porque havia o Lipe, e ele era a minha vida.

Respirei fundo e tomei um gole do meu suco de morango enquanto observava Miranda, nervosa, tentar disfarçar ao telefone. Eu não iria atrás de Charlotte. Ela tinha que ter maturidade para assumir todos os seus atos e eu não podia surtar todas as vezes que minha namorada resolvesse aprontar alguma coisa.

— Nós deveríamos ir para lá — Patrício falou alto demais, para que a esposa ouvisse. Eu nada disse, apenas observei Miranda ficar nervosa e virar de costas para esconder a conversa de mim.

— Anita está vindo para cá — anunciei baixo. Não queria que Charlotte recebesse aquela informação como se fosse uma vingança pelo que ela havia feito. — Parece que ocuparam a UERJ. Um protesto dos estudantes e eu teria uma aula importante amanhã.

— Mais um motivo para ir atrás daquela diaba. — Ele fez cara de bravo. Encostei no balcão e observei o desenho que meu filho fazia sentado em meu colo.

— Diaba — Lipe repetiu fazendo cara de mau. Olhei feio para o meu irmão que riu alto mais uma vez.

— Anita pode ficar com Lipe. Vamos, Alex! Vai ser divertido. — Olhei mais uma vez para Miranda, que me olhou enviesado e desligou o telefone. — Já estou ansioso para pegar Charlotte no flagra. — Ela fez uma careta para o marido e me olhou sem graça.

— Ela só está acompanhando Johnny e Thomas. Thomas vai embora amanhã — falou como se estivesse justificando a atitude da amiga.

Eu não queria pensar em suas justificativas, apenas me corroía pelo fato de ela ter se recusado a passar a noite comigo, mas ter saído com aqueles dois. Charlotte queria namorar e isso incluía uma vida cheia de liberdades que eu não estava muito afim de viver.

— Charlotte é maior de idade. Ela sabe o que faz. — Minha paciência estava no limite.

— Alex precisa esperar Anita chegar — Patrício anunciou.

— Eu não vou. Preciso mesmo conversar com Anita, e Charlotte não precisa que eu fique no pé dela. — Tentei me convencer. Miranda trocou um olhar estranho com o meu irmão.

— Então acho melhor irmos logo antes que Charlotte fique bêbada e comece a tirar a roupa — riu alto e Miranda lhe deu um soco no ombro. — Porra, Miranda — esbravejou. — Você bate forte.

— Você ainda não viu nada. — Ela o encarou desafiando-o. — Vamos — ordenou e eu vi meu irmão obedecer como um cordeirinho. Tive vontade de rir, mas não o fiz, até porque eu estava tenso demais.

— Eu ligo para avisar como ela está — Patrício avisou, passando a mão no ombro.

— Tchau, Lipe! — Miranda ficou amorosa para falar com meu filho. Esse era o ponto que melhorava a minha relação com ela.

— Xau, Tia Mimi — Lipe bocejou, deixando os óculos ficarem tortos em seu rosto.

— Vou levar ele lá para cima. — No mesmo instante a porta da frente se abriu e Anita entrou. Ela me encarou confiante e depois viu as visitas. — Dê boa noite a dinda que já passou da sua hora de dormir — falei antes que ela começasse a brincar e estimulasse Lipe a continuar acordado. Eu realmente precisava conversar com Anita.

— Oh, Deus! Ele já vai dormir. — Ela fez voz de criança e meu filho sorriu. — Aposto que este pijama brilha no escuro. — Pegou ele no colo. Lipe foi sem contestar.

— O digossalo. — Ele fez voz de monstro e Anita fingiu sentir medo.

— Um dinossauro que está com muito sono. Vamos, papai vai te colocar para dormir. — Peguei meu filho de volta que já bocejava e fechava os olhos.

— Vejo você depois — Miranda se despediu, segurando a porta. — Não esqueça das roupas na máquina de lavar — advertiu, lembrando-me de que Marta havia deixado minhas camisas de molho para que eu colocasse para lavar quando chegasse. Eu não estava com um pingo de vontade de lavar roupa.

— E eu mando fotos. — Patrício sorriu maliciosamente, mantendo-se distante da esposa.

— Curtam a noite — rebati sem me deixar abalar. Eu já estava no limite. — Deixa eu colocar ele na cama que conversamos, tá bom?

— Tá bom — Anita respondeu animada. — Quer beber alguma coisa? — Ela sabia que eu não bebia álcool, mesmo assim sempre provocava. Talvez na esperança de uma recaída, o que certamente não aconteceria.

— Tem suco na geladeira. — Subi as escadas com Lipe com a cabecinha deitada em meu ombro.

Entrei em seu quarto escuro e acendi a lâmpada azul da lateral, para que ele não ficasse com medo. Puxei o edredom e o deitei na cama. Ele segurou forte em meu pescoço.

— Papai vai ficar aqui — falei baixinho, sentindo ele me soltar aos poucos. Cobri meu filho que abriu a boca em mais um bocejo para logo em seguida se entregar ao sono. Não precisei de muito tempo. Lipe dormiu rapidamente.

Saí, fechei a grade que o impedia de descer as escadas e desci para encontrar Anita. A música me alcançou antes que eu chegasse ao primeiro andar. Embora o volume não estivesse alto, numa casa em completo silêncio não havia como não percebê-la.

Anita estava na sala, sentada no sofá com as pernas cruzadas deixando os músculos bem trabalhados à mostra. Ela estava vestida para provocar. Perda de tempo. Tudo em mim estava ligado à Charlotte.

— Você nem imagina a confusão que está naquela faculdade. — Passou a mão nos cabelos jogando-os para o lado. — Aqueles meninos se aproveitam de qualquer coisa para fazer bagunça. — Estreitei os olhos. Nós éramos tão diferentes que muitas vezes nem tinha vontade de conversar com ela.

— Eles têm um motivo justo para protestar. — Ela fez muxoxo e ia continuar falando, mas eu fui mais rápido. — Eu tenho outra coisa para conversar com você.

— Ah tem? — Ela se endireitou no sofá prestando atenção em mim.

— Sim. Eu e Charlotte voltamos. — Fui direto e vi o quanto a notícia a chocou. Anita ficou me encarando em silêncio, provavelmente reorganizando seus pensamentos. Sua demora em falar estava me deixando desconfortável.

— Ela te perdoou? — Parecia não acreditar naquela possibilidade. Não respondi. Não gostava de pensar em nós dois desta forma, principalmente depois do desabafo da minha namorada. — E Lipe? Ela detesta o menino!

— Ela não detesta Lipe. Ela só... não sabe como lidar com ele. Nós vamos conseguir nos adaptar.

— Alex... — Anita fechou os olhos e balançou a cabeça. — Acha realmente que será saudável para ele?

— Se funcionou para muitas famílias até agora não pode deixar de funcionar para a minha.

— Não sei o que dizer. — Levantou as mãos se rendendo. — Ela vai voltar a morar aqui? — Parecia indignada.

— Não. Pelo menos por enquanto. — Fiquei avaliando Anita sem saber como ela estava realmente encarando a situação. — Nós vamos devagar desta vez. — Ela deu um sorriso cínico, que me aborreceu.

— Ela vai ter livre acesso a casa — Anita desfez o sorriso.

— E eu?

— O que tem você? — Eu sabia muito bem o problema que ela levantava.

— Charlotte me detesta, Alex! Como vou poder continuar vindo aqui se ela vai ser a dona da casa? — Mordi o lábio sem saber como responder. Eu não queria dizer a Anita que as coisas teriam que mudar porque seria muita ingratidão da minha parte, no entanto, eu sabia, e ela também, que tudo mudaria.

— Você é a madrinha do Lipe, tem direito de vê-lo quando quiser. — Tentei amenizar o problema. Anita levantou e andou pela sala. As mãos descendo pelo vestido muito justo, como se estivessem suadas.

— Eu tenho a chave da casa. — Começou a estalar os dedos e eu sabia que ela estava nervosa. — Até hoje formamos uma dupla perfeita para dar todo o suporte ao Lipe, mas agora... não sei como isso vai funcionar. — Fiquei angustiado. Era coisa demais para resolver em uma única noite. E ainda havia Charlotte livre em uma boate, fazendo sabe-se lá o quê.

— Por enquanto nada vai mudar, Anita. Assim como será com o Lipe, vocês duas também vão aprender a conviver. — Ela soltou o ar e seus ombros caíram.

— Eu fico feliz por você, Alex. Sei o quanto sofreu quando ela foi embora e tudo o que passou. Não acho que ela seja a sua melhor opção, afinal de contas Charlotte sempre foi problemática, mas quem sou eu para te aconselhar se eu mesma tive os meus momentos absurdos, não? — Sorriu envergonhada. — Eu quero que dê certo, se isso vai te fazer feliz, e espero que não abale a nossa amizade. Eu amo tanto o Lipe. — Sua voz ficou embargada. Levantei e fui até ela.

— Que bom que você me entende. — Coloquei a mão em seu ombro. — Você e o Lipe sempre estarão juntos. Ele também ama você. — Ela sorriu emocionada e me abraçou. Eu retribuí o abraço sem me sentir culpado. Era um problema a menos para resolver.

— Eu quero muito que dê certo entre vocês dois, mas, se não der, eu continuarei aqui, como sua amiga, para te ajudar a superar novamente. — Fiquei tenso imediatamente. Eu queria dizer que daria certo, que eu e Charlotte nos amávamos. Como fazer isso se nem eu sabia se conseguiríamos.

Vontade não necessariamente significa realidade.

Separamos-nos e ela me olhou de uma maneira estranha. Fiquei desconcertado. Era como se ela tivesse lido meus pensamentos e soubesse que havia a possibilidade de nos separarmos mais uma vez.

Foi quando a campainha tocou. Imediatamente me afastei de Anita, como se tivesse levado um choque e voltado à realidade. Congelado no lugar, nem percebi quando ela foi até a porta abrindo-a. O silêncio que se seguiu foi estranho. Olhei para trás e vi Anita parada e Charlotte do lado de dentro, encarando a madrinha do meu filho como se elas fossem se engalfinhar a qualquer momento.

— Charlotte?

Eu não sabia que se meu espanto era por realmente não estar esperando por ela àquela hora da noite ou pelo fato de ela estar lá justamente quando Anita e eu estávamos sozinhos. Tentei não pensar que seria um problema.

— O que faz aqui? — Ela fez uma cara feia para mim e estreitou os olhos. Charlotte estava com raiva. — Eu pensei que... — Não posso mais visitar o meu namorado? — Caminhou em minha direção, irritada, ignorando completamente Anita.

— Pode. Claro que pode.

Ela se aproximou e, como se estivesse demarcando o seu território, beijou-me com voracidade. Confesso que fiquei sem graça por causa de Anita, mas jamais recusaria Charlotte. Era humanamente impossível.

Ela se afastou e ainda me lançou um olhar furioso, diferente do beijo apaixonado e cheio de desejo.

— Eu vou ver como está o Lipe.

Anita começou a andar pela sala. Tive vontade de dizer que era melhor ela ir embora, mas eu não podia.

Seria escroto demais, então deixei-a subir e encarei minha namorada.

— Cansou da noitada com os amigos? — Era para ser uma pergunta casual, sem amargura ou cobrança, só que saiu pior do que eu gostaria. Ela estreitou os olhos e deu um passo para trás.

— Por quê? Estraguei a sua com a sua amiga?

— Não seja absurda, Charlotte! — retruquei baixinho para não chamar a atenção de Anita.

— Ela costuma vir a sua casa tarde da noite?

— Ela vem a minha casa sempre que preciso dela. — E foi como um tapa em seu rosto. Imediatamente me arrependi. Charlotte deu as costas para ir embora e eu a impedi segurando-a com firmeza. — Você entendeu errado. Anita só veio me contar sobre o problema na UERJ e eu aproveitei para falar sobre nós dois. — Ela se debateu até se soltar.

— Não quero atrapalhar vocês dois.

— Não seja infantil! Você andou bebendo de novo?

— Não — ela rebateu indignada. — Vai pegar no meu pé agora como se eu fosse uma alcoólatra? — Respirei fundo e passei a mão pelos cabelos.

— Desculpe. — Ela ainda estava com raiva e me olhava ofendida. — Desculpe, Charlotte, é que eu estava aqui puto da vida com você e ainda mais puto comigo por não me achar no direito de estar aborrecido com você, aí você aparece e me confunde. — Ela relaxou visivelmente.

— Eu não pretendia sair, mas eles me convenceram. A noite foi uma droga! Eu não conseguia me divertir, fiquei afastada o tempo todo e só bebi água. Quando Miranda ligou eu pensei que você iria atrás de mim e quando vi que você não foi e eles me contaram que Anita estaria aqui eu... Desculpe, Alex! — Seus ombros caíram. — Eu só... ainda não sei como lidar com tudo isso. — Sorri sentindo-me mais leve.

Andei até Charlotte abraçando-a.

— Está tudo bem. Nós dois precisamos nos acostumar com esta nova situação. — Acariciei seu rosto, colocando o cabelo atrás da orelha. — Passe a noite comigo. — Meu pedido pareceu uma súplica e eu senti Charlotte amolecer em meus braços, deixando-me juntar nossos corpos. O encaixe era perfeito.

— Nós quatro? — ela ironizou.

— Anita não dorme aqui. Logo ela vai embora. — Tentei beijá-la, mas ela desviou.

— E Lipe?

— Está dormindo. — Segui seus lábios ainda tentando beijá-la.

— Você conversou com ele? — Vi o pânico em seus olhos e ri.

— Felipe só tem dois anos, Charlotte.

— Ah! — Ela corou lindamente.

— Ele vai ficar feliz em te ver. — Ela piscou insegura e eu alcancei seus lábios.

Beijei minha namorada como se nunca tivesse feito antes. A raiva e saudade que eu sentia faziam com que meu corpo esquecesse que horas antes estávamos em um motel, um nos braços do outro. Imediatamente tive uma ereção e ela percebeu devido a bermuda de tecido leve que eu usava. O suspiro de prazer que escapou dos seus lábios me deu vontade de carregá-la para a cama.

Anita apareceu e com um pigarro nos obrigou a parar. Charlotte fez cara feia e virou o rosto para o outro lado, incomodada com a presença da madrinha do meu filho.

— Eu já vou — Anita anunciou.

— Certo. — Com as mãos longe de Charlotte tive que colocá-las no bolso da bermuda para disfarçar a ereção.

— Amanhã não vou poder pegar Lipe na natação. Vou acompanhar o andamento da ocupação da universidade. — Ela não olhava para Charlotte, embora não parecesse incomodada.

— Tá. Tudo bem. Eu posso buscá-lo já que não vou dar aula. — Ela concordou com a cabeça e olhou diretamente para a minha namorada que, de braços cruzados, aguardava.

— Seja bem-vinda de volta, Charlotte.

Sorriu amigavelmente, mas minha namorada não retribuiu. Pelo contrário. Por um segundo acreditei que Charlotte avançaria contra Anita, ou que iniciaria ali a terceira guerra mundial. Ela apenas fez um som de deboche e passou sem nada dizer, indo sentar no sofá da sala. Olhei para Charlotte e depois para Anita, que estava envergonhada. Abri a porta de casa e aproveitei a distância para tentar corrigir as coisas.

— Desculpe por isso. Ela não esperava te encontrar aqui a esta hora. — Era ridículo tentar justificar as grosserias de Charlotte. Eu me sentia um pai se desculpando por mais uma traquinagem do filho.

— Sem problema. — Anita piscou sem muita emoção. — Um dia ela vai entender que perder Tiffany e ganhar Lipe modificou a minha vida também. — Sorri entendendo o que ela dizia. Durante anos compartilhamos aquela mudança. Anita era outra mulher. — Eu ligo amanhã para saber do Lipe.

— Combinado. Tchau! — Ela ia me beijar no rosto, como sempre fazia e me incomodava, mas lembrou de Charlotte e acabou recuando, o que fez com que eu me incomodasse de novo.

Bati a porta e procurei pela minha namorada. Ela estava de pé, olhando para o lado de fora pela janela.

Parecia aborrecida ainda. Suspirei. Quando voltaríamos a ter uma vida normal?

— Onde paramos? — Abracei-a por trás e me esfreguei em sua bunda para tentar recuperar o clima. Ela se afastou.

— É melhor eu ir embora. — Charlotte parecia não apenas aborrecida, mas também triste com alguma coisa.

— Você não vai embora — afirmei, fechando meus braços ao seu redor agora de frente para mim. — Ninguém te avisou?

— Avisou o quê? — Ela piscou confusa.

— Que quando você deixa um homem excitado tem que arcar com as consequências?

— Primeiro... — Ela levantou um dedo me impedindo de beijá-la. — Esse comentário foi ridículo, absurdo e machista. — Recuei sem acreditar no que ela me dizia. Acabei rindo. — Segundo... — continuou com os dedos em meus lábios me impedindo de falar. — Você ficou excitado sozinho. Eu nada fiz para provocar esta reação. — Tentei falar, mas ela levantou o terceiro dedo, que eu tive vontade de morder. — Terceiro: você já deveria estar satisfeito, professor Frankli, afinal de contas, passamos a tarde juntos.

— Primeiro... — Segurei sua mão levantando apenas um dedo. Dei um passo à frente fazendo-a recuar.

— Odeio seus pensamentos feministas. A vida seria mais fácil se você simplesmente me obedecesse e pronto. — Ela ia protestar, eu levantei mais um dedo seu. — Segundo: você me provoca, aluna, até mesmo com o simples fato de aparecer em minha casa, tarde da noite, com um vestido justo e curto que me deixa louco de raiva e tesão. — Ela riu. — E terceiro: eu nunca vou estar satisfeito.

Encostei Charlotte na parede e beijei sua boca com devassidão. Deixei minhas mãos invadirem seu vestido e buscarem seus pontos mais sensíveis até que ela gemesse entregue. Esfregando-me em seu corpo, subi meus dedos pela sua calcinha e, invadindo a sua barra, rocei seus lábios úmidos e ansiosos.

— Alex! — Charlotte gemeu alto e segurou em meu ombro. — Lipe... — Está dormindo. — Mordi seu lóbulo e levantei seu vestido até a cintura.

— E se... — Ele não vai acordar. — Charlotte estava excitada e temerosa ao mesmo tempo. Eu me sentia cada vez mais excitado. Sabia que não havia chance de o meu filho nos flagrar, afinal de contas a grade da escada estava fechada, mesmo assim, sentir a tensão da minha namorada, sem saber se deveríamos continuar e ao mesmo tempo sentindo a urgência de estar comigo estava me deixando louco.

— Vamos para a minha cama. — Levantei seu corpo fazendo-a me abraçar com as pernas.

— Não! — Ela se afastou com os olhos imensos.

— Ele não vai acordar, Charlotte! — Aproveitei a nossa posição e deixei meus dedos brincarem com a sua bunda. Ela gemeu manhosa. Porra, eu queria aquela bunda e teria que ser logo.

— No sofá — implorou buscando meus lábios.

Pensei por alguns instantes. Ela ainda não estava à vontade com a ideia de termos uma criança em casa, então poderíamos ficar no sofá e depois dormir em minha cama. Pelo menos assim ela sentiria segurança.

— Ok. No sofá.

E levei minha namorada para o sofá, sentindo-me um adolescente ansioso para dar uns amassos na namoradinha enquanto os pais dela dormem no andar de cima. Porra, eu estava mesmo fodido!


Capítulo 18


“Farei com que comeces a pensar que esse teu cisne não passa de um urubu.” William Shakespeare Charlotte Nós fizemos amor preguiçosamente no sofá da casa do meu namorado. Alex foi atencioso, romântico, carinhoso... Deus! Como ele podia ser tão perfeito? E como ele podia ter tantas faces quando o assunto era sexo? Depois de uma tarde que fez meu corpo queimar, uma noite cheia de medos e aborrecimentos, terminar o dia nos braços dele, sentindo-o se desfazer em mim era simplesmente mais do que eu poderia desejar.

Anita quase estragou tudo. Quase. Eu não permiti que ela conseguisse ficar entre nós dois. Alex podia ser ingênuo o suficiente para acreditar naquela mulher, mas eu sabia que ela mentia. Se no passado foi capaz de prendê-lo em uma cama para forçá-lo a transar com ela, nada me impediria de acreditar que poderia fazer muito pior no futuro.

E eu deveria estar preparada para enfrentá-la. Não podia me consumir em minhas infantilidades e perder o homem que eu amava mais uma vez para uma pilantra com cara de boazinha.

Se Anita pensava que conseguiria me iludir com falsos sorrisos e carinhos exacerbados para o filho do meu namorado ela estava muito enganada. Eu estava mais esperta e desta vez estaria vigilante. Ninguém levaria Alex de mim. Ninguém.

Eu ainda dormia, sentindo a deliciosa sensação de adormecer exausta e satisfeita. De estar feliz por ser agraciada com orgasmos dignos de troféus pelo homem que eu amava. Estava tão feliz e relaxada que nem fiz objeção quando ele me carregou para o andar de cima e me envolveu em seus lençóis, com seus beijos e suas carícias mágicas.

Eu estava no céu! Sim, eu estava.

Ou achei que estava.

Um som estridente entrou em meu cérebro parecendo disposto a explodir tudo o que encontrasse pela frente. De repente eu me vi despencar do paraíso para o inferno e, em poucos segundos, com o coração tentando sair pela boca, estava desperta e assustada com o barulho insistente que não parava nunca.

— Deus! — praticamente gritei, sentando imediatamente na cama, segurando o lençol no peito como se com isso pudesse impedir de escapar.

— O quê? — Alex pulou ao meu lado. Nu. Majestosamente nu. Assustado. — O que é isso? A casa está pegando fogo?

— Por Deus, Charlotte — ele gemeu e se deixou cair de volta no colchão, fechando os olhos.

— Alex!

— É o despertador — resmungou, abrindo os olhos para bater em uma pecinha oval que estava sobre o criado mudo. — Hora de acordar para levar Lipe para escola.

— Puta que pariu! — Levei a mão ao peito tentando acalmá-lo. — Para que você usa isso?

— Para conseguir acordar. — Puxou o lençol e tentou me fazer deitar novamente.

— E precisa ser assim? — Eu estava tão aterrorizada que mal conseguia pensar.

— Assim como, amor? — Alex beijou meu ombro e buscou meu seio. Bati em sua mão.

— Tendo um mini-infarto todas as manhãs? O que é isso? Uma forma de testar o seu coração? Saber se está tudo bem com ele? — Ouvi sua risada.

— Você é exagerada. — Ele me puxou outra vez e me deixei cair no colchão. Levei o edredom até o rosto e gemi desgostosa.

— Porra, Alex! Que horas são?

— Quinze para as seis. Por quê?

— Quinze para as seis? — gritei outra vez sem conseguir conter meu mau humor. — Porra, criança não precisa dormir bem? — Ele riu alto. — Por que tem que levá-lo de madrugada para a escola?

— Não é mais madrugada, Charlotte. Lipe não tem culpa de você gostar de fazer farra no meio da semana. — Ele se deitou sobre mim e beijou meu pescoço. Seu sexo já rijo roçava minhas pernas que ainda tremiam de susto. — Relaxe.

Ele se forçou entre as minhas pernas, que se abriram em resposta. Meu corpo inteiro respondia imediatamente quando Alex me queria, mas da mesma forma que meu corpo sabia relaxar em seus braços, minha mente sabia encontrar um problema rapidamente, foi o que aconteceu.

— Alex, não! — Empurrei meu namorado para que ele saísse de cima de mim.

— Ainda temos um tempinho — ele ronronou com a boca em meu pescoço.

— Não! — quase gritei e ele parou para me olhar com atenção. — A porta está aberta — e meu coração disparado. Em fração de segundos eu só consegui pensar em Lipe entrando naquele quarto e me flagrando com o pai dele na cama. Nus. Seria terrível.

— Vou fechar a porta. — Ele começou a se levantar.

— Não! — gritei outra vez fazendo-o parar e me olhar já quase sem paciência. — E se ele acordar? E se te procurar e a porta não estiver aberta?

— Ele não vai acordar. Eu acordo o Lipe todos os dias.

— E se ele acordar? É melhor não arriscarmos. — Puxei o lençol e me virei para fugir dele na cama.

— Charlotte, casais com filhos transam, você sabia? — Parei para pensar e tentei imaginar como isso funcionava. — Charlotte? — Alex me tirou do meu devaneio com uma cara divertida. Ele sorriu daquela maneira majestosa e eu mordi o lábio sentindo meu rosto esquentar.

— A noite, com a casa escura e a certeza de que o filho está mesmo dormindo? — Ele riu e eu me senti ainda mais ridícula. — Sou uma idiota, não sou?

— Não — ele continuou rindo. — Você é a mulher mais incrível que já conheci.

— Mentiroso. — Alex se aproximou, sua mão em minha cintura e seu rosto se enterrando em meu pescoço.

— É verdade. A prova disso é que casei com você. — Senti meu coração aquecer e ao mesmo tempo esmaecer com a lembrança de que agora éramos somente namorados.

Ele passou os dedos em minhas costas, percorrendo minha coluna. Os bicos dos meus seios ficaram duros e meu sexo molhado. Suspirei. Ainda era dia, estava claro e Lipe tinha que ir para a escola, mas... Céus! Eu queria transar com aquele homem e gritar como se nada pudesse me impedir de fazê-lo.

— Posso fechar a porta.

Seus dedos queimaram minha pele, uma mão acariciando minhas costas, puxando-me para mais perto, e a outra em minha barriga, brincando com a incerteza do caminho que deveria tomar e me deixando louca de ansiedade.

— Ou posso deixar para mais tarde... — Decidindo-se desceu os dedos até o meio das minhas pernas e me tocou ali. — Até ficar escuro e... — Meu Deus! — Deixei meu rosto cair em seu ombro enquanto ele me penetrava com dedos ágeis. — Alex!

— Ainda temos alguns minutos — sussurrou em meu ouvido sem interromper seus movimentos.

— Minutos? — Eu já arfava sentindo que estava pronta para recebê-lo.

— Sim, minutos. Vai ser rápido. — Eu não vi, mas pude sentir o sorriso que se abriu em seus lábios.

Alex me provocava.

Sem que eu esperasse ele me deitou na cama e se posicionou entre as minhas pernas. Passei a mão em seu peitoral sentindo-o me invadir devagar e sem parar, indo até o limite e me levando ao delírio.

Alex sustentava o próprio peso em seus braços e me observava enquanto iniciava o movimento de vai e vem. Corri minhas mãos pelo seu corpo, apreciando e me deleitando com cada investida. Ele rebolava quando estava todo em mim, tocando lugares que nem eu sabia que existiam. Minha pele formigava a cada rebolado, minhas paredes pulsavam, contraíam e protestavam todas as vezes que ele saía até o seu limite, voltando rapidamente e recomeçando.

Meu Deus! Realmente eram necessários apenas alguns minutos para Alex me levar ao céu. Como ele conseguia? Como eu conseguia? Seus lábios se fecharam em meu seio, fazendo-me deixar escapar o ar dos meus pulmões. Ele me mordeu e chupou com mais urgência. Tudo em mim era prazer e eu sentia cada partícula do meu corpo sensível, pronta para explodir e se libertar.

Ele se arrastava sobre mim, entrando e saindo, entrando e saindo, se afundando em mim e me levando para aquelas profundezas, onde eu era apenas sensações.

Alex gemeu ganhando a minha atenção. Olhei para nós dois enquanto o corpo dele subia e descia, vi seus quadris se projetando fazendo-o entrar mais e mais, vi seu abdômen se contraindo, suas veias alteradas, o brilho discreto do suor que vencia o ambiente climatizado.

— Ah, meu bem — gemendo ele se curvou sobre mim, diminuindo as entradas e saídas, mas fazendo com que seu corpo tocasse mais o meu.

Foi delicioso!

O prazer foi crescendo, surgindo de dentro, puxando a minha alma, cegando os meus olhos e arrancando do meu corpo um orgasmo que me fez levitar, flutuar e rapidamente despencar em queda livre.

Alex gozou junto comigo. Assim que sentiu meu sexo se apertando em torno do dele, explodiu em um prazer maravilhoso de se assistir. Meu namorado podia me dominar em quase toda a ação, porém, quando gozava, ele era apenas um garotinho entregue, apaixonado que não conseguia se conter diante da mulher amada.

Ah, porra! Eu merecia acordar daquele jeito todas as manhãs. Quer dizer... excluindo o despertador demoníaco que quase me fez enfartar. E a ideia de que Lipe estava no quarto ao lado e que a porta ainda estava aberta.

— Ah, porra! — gemi temerosa. Alex levantou o rosto e me encarou. — A porta ainda está aberta — esclareci, tateando a cama para encontrar o lençol que em algum momento escapou dos nossos corpos. — A porta está aberta! — Encolhi-me até estar escondida embaixo do lençol. Alex riu e saiu de dentro de mim.

— Eu vou arrumar as coisas para levar o Lipe para a escola — ele disse ainda rindo e tirando o lençol do meu rosto. — Você fica ainda mais encantadora quando está com vergonha.

— Puta merda, Alex! — gemi inconformada com a minha fraqueza. E se o menino acordasse? E se resolvesse ir até o quarto do pai? Meu Deus!

— Vamos, Charlotte. Eu vou te deixar no banho enquanto organizo tudo antes de acordar o Felipe. — Ele puxou o lençol e eu lutei contra a exposição que meu namorado me forçava a fazer.

— Para! — Afastei-me enrolando-me no lençol com mais firmeza. — Eu vou — Ele me encarou com aquele sorriso safado, lindo, capaz de me fazer ceder a todos os seus desejos. — Mas vou vestida. — Meu rosto esquentou e não consegui evitar o sorriso.

— Então vamos logo porque o tempo está passando. — Concordei e segurando o lençol fui para o banheiro tendo meu ex-marido em minha cola.

*** Eu podia ouvir o risinho do Lipe no quarto ao lado. Alex brincava com ele enquanto o vestia adequadamente. Eu tentava ignorar tudo o que minha mente gritava. Tentava não sentir o coração acelerado e a dor. Afivelando a sandália em meu tornozelo, eu me convencia a não me deixar abalar, a não mergulhar naquela dor outra vez.

Eles riam e eu me via sorrindo mesmo com uma lágrima escorrendo em meu rosto. Eu gostava de ouvi-los, gostava de saber que Alex tinha aquela oportunidade, que ele amava o filho e era feliz com aquela criança, independentemente de como ela surgiu em sua vida. Eu estava feliz por Alex. Mesmo assim eu sofria.

— Vai descer para tomar café com a gente ou vai ficar parada aí a manhã toda? Ouvi a voz do meu namorado e estremeci. Limpar a lágrima discretamente não seria possível. Esconder-me dele também não. A única coisa que eu poderia fazer era encarar a realidade de frente. Olhei para Alex, que rapidamente entendeu o que acontecia. Ele olhou para trás, conferindo se o filho poderia nos flagrar e então se voltou para mim.

— O que houve?

Sua voz estava doce e preocupada. Com dois passos, ele estava diante de mim, seus dedos gentis tocaram meu rosto, limpando a lágrima. Ele aguardou sem querer quebrar o silêncio, ou talvez me dando tempo e espaço para que eu finalmente falasse. E foi o que eu fiz. Não totalmente e não honestamente.

— É cedo demais para fazermos isso. — Mordi o lábio querendo que ele me incentivasse a continuar sendo uma covarde.

— Cedo para tomar café?

— Você sabe sobre o que estou falando. — Alex pegou uma mecha do meu cabelo e brincou com ela em silêncio.

— Eu não sei — revelou baixinho. — Só sei que quero muito fazer isso.

— Alex... — Se for ruim para você eu vou compreender — ele disse, recuando um passo, o que partiu o meu coração.

— Não é ruim. É... estranho. — Alex continuou me observando, aguardando que eu falasse tudo o que eu tinha para falar. — Eu não sei o que falar. Não sei como agir. Eu... — Desisti.

— Não precisa falar nada e nem fazer. — Sua voz era cuidadosa e suave.

— Papai?

Olhamos para o lado e ele estava lá. Lipe. Seu uniforme escolar amarelo e branco, apropriado para protegê-lo do frio ou ajudá-lo com o calor, os tênis pequenos, quase de bonecos, a carinha de sono e o cabelo que parecia ter sido bagunçado recentemente e de propósito. Ele era tão lindo e desconcertante quanto o pai. A diferença era que Lipe era lindo de uma maneira... eu não sei dizer, só sei que havia algo naquele menino que me fazia ficar sem ar.

Onde estavam os traços da mãe dele que deveriam me fazer odiá-lo? Onde estava a sua personalidade mimada e insuportável que me faria esquecer que Alex era tão importante para mim? E o que acontecia comigo que não conseguia tirar os olhos daquela criatura que me encarava com olhos azuis escuros como uma ágata turquesa.

Em suas mãos ele levava alguma coisa, os dedos me impediam de identificar o que era.

— Moleu? — Inclinei a cabeça sem me dar conta do que ele perguntava. Ele estava com as mãos estendidas para mim e me olhava diretamente nos olhos. Não era com Alex que ele falava e sim comigo.

— Moleu, Loti?

Olhei para suas mãozinhas onde havia alguma coisa que parecia uma tartaruga em miniatura. Fiquei olhando aquilo por um tempo. O pequeno animal não se mexia, a cabeça dentro do casco, as patas encolhidas e imóveis.

— Lipe... — Não. Ele só está com medo. — Minha voz saiu fraca, mas foi o suficiente para impedir que Alex continuasse. A criança puxou o braço e olhou para o animal, procurando o seu rosto.

— Medo não. — Sua voz doce e infantil tentando acalmar o animal me fez sorrir. Ele era mesmo lindo.

— Lipe bonzinho.

— Se você ficar pegando nele, ele vai ficar com medo, filho. — Alex se abaixou ajudando Lipe a cuidar do animal. — Vamos colocá-lo na casinha dele.

— Ele vai pala icola. — Seus olhos ficaram imensos, as bochechas cheias projetando os lábios rosados em um biquinho.

— Nós já conversamos sobre isso, Lipe. O arroz vai ficar aqui até você voltar.

— Arroz? — Não consegui conter meu espanto. Quem neste mundo daria o nome de arroz a um cágado?

— Aloiz. — Ele me mostrou outra vez o bichinho, que colocou a cabeça para fora e se encolheu novamente. Olhei para Alex, mas ele parecia evitar me olhar, tentando esconder o sorriso que queria dar.

— Vamos. Você vai precisar lavar as mãos, rapazinho. — Alex praticamente arrancou o filho do quarto.

Quando chegou a porta me olhou por cima dos ombros. — Vamos descer para tomar café. Você vem? — Lipe se virou me encarando com olhos que imploravam. Estreitei os meus e fiz cara feia para Alex, mesmo sabendo que ele não me olhava justamente para não constatar isso.

— Vem, Loti!

— Vou sim — respondi, incapaz de negar qualquer coisa para aqueles olhos azuis profundos e suplicantes.

Igualzinho ao pai.

Um inferno.

Alex — Desculpe, Patrício, eu preciso voltar para casa. Marta só vai chegar à tarde e eu tinha que ter ligado a máquina de lavar roupa ontem à noite. — Com a chave do carro na mão eu rejeitava o meu irmão mesmo sabendo que ele precisava ter aquela conversa. — Charlotte dormiu lá em casa. — Sorri tentando me explicar melhor, quem sabe assim ele não se sentiria tão rejeitado. Ele me deu um sorriso honesto que não alcançava o seu coração.

— Tudo bem. Quando ela saiu da boate imaginei que fosse te procurar. Está tudo bem com Lipe?

— Sim. Tomamos café juntos e ele foi para escola. Ainda tenho que buscá-lo na natação hoje. Anita não vai poder.

— Não sei como você vai fazer isso funcionar. Eu espero que dê tudo certo. — Ele continuava sério, sem as suas habituais gracinhas e eu sabia exatamente o motivo.

— Vai dar. — Meu celular vibrou em minha mão e eu vi que era uma mensagem de Charlotte.

“Muito trabalho?” “Não. Voltando para casa” digitei rapidamente querendo dar mais atenção ao meu irmão.

— Tá tudo bem? — Ele me olhou daquele jeito que já me deixava preocupado.

— Está sim.

— Onde está Miranda? — Era estranho eu querer saber da vida dela, mas levando-se em conta o estado do meu irmão era prudente perguntar.

— Com a sua... O que Charlotte é sua mesmo?

— Namorada. — Sorri e o celular voltou a vibrar em minha mão. — O que me lembra uma coisa importante. As minhas camisas estão na máquina desde ontem. Preciso lavá-las e depois colocar na secadora.

— Por que tanta preocupação com as camisas? Você só tem estas? — disse um pouco rebelde.

— Não. Mas no meio delas está uma que eu quero muito usar hoje à noite. — Olhei rapidamente o celular.

“Por que voltando para casa? Algum problema?” — Charlotte me fez sorrir como um bobo.

“Você é o meu único problema, Charlotte.” — Mandei já aguardando a sua resposta, que poderia ser desaforada, o que seria uma delícia, ou doce e sensual, o que não ficava muito atrás.

— Alguma reunião?

— Peter. — Ele me encarou e logo em seguida entendeu.

— Você é mesmo um mané. — E balançou a cabeça rindo. — Já casou com a menina, para que querer impressionar o sogro?

— Porque ela não é mais a minha esposa, e a minha situação não é nada boa.

“Sou um problema com solução, professor Frankli.” — Senti meu corpo reagir a forma como ela me denominava. Eu adorava.

“Meu sonho é encontrar esta solução, menina confusa. Preciso voltar para ligar a máquina de lavar.

Esqueci as roupas ontem.” — Enviei rapidamente e observei meu irmão passar as unhas no pulso do outro braço. Respirei fundo.

— Algum problema com Miranda? — Ele me olhou como se tivesse esquecido que eu estava ali.

— Não.

— Pat... Patrício — me corrigi a tempo. — Você está ansioso. — Fui cauteloso. — Eu sempre fui.

— O que a Dra. Leila disse?

— O mesmo de sempre, Alex. Estou bem. — Eu não queria confrontá-lo e nem fazê-lo reviver coisas que haviam ficado no passado, mas Patrício seria uma constante preocupação.

Meu telefone tocou. Olhei para a tela e vi o nome de Charlotte. Achei estranho. Ela nunca ligava.

— Só um minuto. — Levantei, afastando-me do meu irmão. — Oi! — falei baixo para que não virasse motivo de piada para o próximo encontro com meu irmão e cunhado.

— Oi! O que houve com a máquina? — Ela parecia se divertir. Sorri largamente. Charlotte era tão jovem que me fazia sonhar.

— Com a máquina nada. Ontem Marta deixou algumas camisas de molho e eu precisava ligar a máquina um tempo depois, mas acabei me distraindo demais. Vou rápido em casa e resolvo isso.

— Eu posso ir. Quer dizer... eu moro perto e se não for ruim para você.

Mordi o lábio enquanto ela se justificava. Aquilo era tudo o que eu mais queria, a volta da nossa intimidade, de nossos afazeres que nos uniam e divertiam. Como eu senti falta de Charlotte em minha vida. Como eu senti falta da vida que criamos.

— Você sabe como ligar uma máquina?

— Morei sozinha por três anos, Alex. Posso muito bem me virar. — Pareceu ofendida, o que me fez sorrir ainda mais.

— Tem certeza? Tem camisas especiais naquela máquina — pirracei, embora não deixasse de ser verdade.

— Esqueça. Vá lá em sua casa e resolva o seu problema — rebateu com raiva.

— Tudo bem — ri, permitindo-me relaxar. — Cuide das minhas roupas, namorada.

— Este não é o meu papel — continuou ofendida.

— Mas me faria muito feliz.

— A felicidade só depende de você. Nunca de mim e jamais de qualquer atitude minha — ela estava mesmo zangada.

— E se eu disser que ficarei tão agradecido que vou te dar uma noite maravilhosa?

Ah, claro! — Eu podia ver Charlotte suspirando e revirando os olhos. — Na companhia de Peter. Essa não é bem a minha definição de uma noite maravilhosa.

— E que tal um final de noite? — Ela ficou em silêncio. — Vou dizer ao Peter que quero comer a minha namorada esta noite. — Ouvi sua respiração do outro lado e tive certeza de que a estava excitando. — E vou fazer uma coisa que você nunca vai esquecer. — Ah sim, eu faria.

— Onde está a chave?

— Tem uma cópia na portaria. Vou ligar avisando que você vai buscar.

—Ok!

— Obrigado, amor! Prometo que você vai gostar.

— Espero que eu goste mesmo — me desafiou.

— Amo você! — Ela demorou tanto para responder que pensei que não o faria. — Eu amo mais. — E desligou o celular deixando-me sem ação.

Com o celular na mão, encarando a janela e com um sorriso imenso me dei conta de que meu irmão continuava na sala. Virei em sua direção com o ânimo renovado.

— Sorte sua, mano. Charlotte vai ligar a máquina de lavar. — Bati as mãos com animação. — Vamos lá, sou todo seu. — Ele levantou os olhos, avaliou-me e depois riu.

Aquele era o meu irmão.

Charlotte Ir até a casa do Alex, ligar a máquina e sair foi a parte mais fácil. Difícil mesmo foi tentar me conter e fracassar quando subi as escadas e conferi seu quarto. A cama ainda bagunçada, o cheiro de sexo quase que sumindo, os lençóis que faziam questão de me lembrar que pouco antes eu estava enrolada neles, com o meu namorado entre as minhas pernas... agarrei o travesseiro e o cheirei. Hum! Essa história de namorar até que era interessante.

Também fui doente o suficiente para checar as gavetas. Assim, como quem não estivesse realmente procurando alguma coisa, com o coração disparado para caso encontrasse. O que eu estava fazendo?

Lógico que três anos era tempo demais. Alex deve ter vivido outras histórias, e ele tinha esse direito, assim como eu tive, mas... puta que pariu! Eu odiava pensar no assunto.

Miranda ficou do lado de fora, no carro, aguardando-me, já que tinha me dado carona e ainda pretendia passar um tempo comigo discutindo meus compromissos no Brasil. Um saco!

E minha cabeça não deixava de pensar em Alex, as suas promessas e na conversa que ele insistia em ter com o meu pai.

Abri a porta da casa ainda com o sorriso bobo no rosto. Minha amiga parecia entediada, com seus óculos escuros e suas unhas bem-feitas batendo de leve no volante do carro, que estava estacionado na entrada da garagem.

— Tudo certo? — ela perguntou sem me olhar, já ligando o carro. — Acertou o botão de ligar?

— Rá, rá, rá — desdenhei. — Falou a mulher que precisa de uma empregada doméstica para cada turno.

— Eu jamais me ofereceria para sair da minha casa só para ligar a máquina de lavar do meu namorado.

— Seu mau humor era notável.

— Você já fez coisas piores por namorados, Miranda. Não desconte seus problemas em mim. — Ela suspirou e se concentrou no trânsito.

— Eu não entendo porque ele tem que ser assim. Ele não se abre. Não conversa. Prefere fingir que está tudo bem — reiniciou a conversa.

— Vai ver é porque está tudo bem mesmo e você está vendo problemas onde não existem.

— Charlotte, lembra aquela vez que terminamos? Começou exatamente assim. Ele se afastou, começou a inventar desculpas e depois chegou com aquele papo de que não estava pronto para compromissos.

— Vocês casaram. — Tentei fingir desinteresse. Pelo menos assim ela não ficaria tão encucada com Patrício. — São alguns anos juntos, não dá para acontecer outra vez.

— E se acontecer?

— Se acontecer você manda ele catar coquinho lá no inferno. Pelo amor de Deus! Onde está a mulher segura e que não está nem um pouco se importando com as coisas que o Patrício faz?

— Droga, Charlotte! Nós acabamos de casar e já estamos em crise.

— Pode nem ser uma crise. Pode ser uma invenção da sua cabeça. Patrício pode estar cansado, ele tem muito trabalho antes da Bienal.

— Não é o trabalho. É o nosso relacionamento.

— Miranda, relaxe! — Ela parou o carro no sinal vermelho e respirou fundo. —Por que você não faz... sei lá! Por que não saímos nós quatro para um jantar? Hum? Vai ser legal! Podemos chamar Lana e João.

— Esqueça. — Deu partida e continuou em direção a minha casa. — Nós já temos compromisso para hoje. — E me olhou de canto dos olhos como se estivesse me escondendo algo. Deixei para lá. Se ela preferia ficar em casa remoendo os problemas com o marido, por mim tudo bem. — Vamos discutir a sua agenda. Não vejo problema em ir para São Paulo e voltar no mesmo dia. O programa é ótimo! Muitos atores fazem isso, vão a um programa pela manhã em um estado e à noite estão em outro para apresentar uma peça de teatro.

— Tudo bem. Agende. — Desisti de tentar argumentar.

— E você tem uma leitura em New York em algumas semanas. Pelo que me lembro combinamos que depois disso daríamos seguimento à sua turnê internacional. — Movi meu corpo, incomodada no banco de couro. — Posso imaginar que vamos cancelar esta parte, estou certa?

— Ainda não sei — revelei baixinho.

— Você e o Alex estão namorando — disse sem paciência.

— Estamos tentando fazer dar certo — rebati sem saber o que decidir sobre a minha vida. — Eu não sei, Miranda. Eu tenho uma carreira fora do Brasil e Alex... Alex tem uma vida no Brasil.

— E como vão fazer funcionar? — Senti que o carro estava ficando abafado demais.

— É só uma turnê. — Respirei fundo precisando de ar.

— Que vai durar bastante tempo. Alex já sabe?

— Não. — Fiquei em silêncio querendo interromper o assunto.

— Charlotte!

— Nós mal ficamos juntos, Miranda. Eu nem tive tempo para conversar com ele.

— E mesmo assim vai deixar ele conversar com o padrinho e firmar outra vez esta relação?

— Eu não pedi para ele fazer isso. — Fiquei aborrecida. — Por mim esta conversa nem existiria.

— Por Deus! Você nunca vai aprender. — Bateu a mão no volante e balançou a cabeça rindo.

No final do dia Miranda já tinha ingerido uma garrafa de Coca-Cola, comido quase todo o bolo de chocolate que Odete havia preparado, devorado os sequilhos que estavam nas vasilhas e pensava se deveria ou não pedir alguma comida japonesa pelo aplicativo.

Ela tinha conversado com diversos produtores, discutiu a capa do meu novo livro comigo, definiu como deveria ser minha participação na Bienal e conseguiu muitos outros destaques na imprensa nacional para divulgar a minha passagem pelo Brasil.

Quando Alex ligou já estávamos mais relaxadas. Ela ria das bobagens que falávamos e anotava coisas em minha agenda, como horários que facilitariam a minha vida sexual. Naqueles últimos segundos eu não fazia nem ideia do inferno que a minha vida se transformaria.


Capítulo 19


“Meu marido está na terra; meu casamento, selado nos céus.” William Shakespeare Alex Sempre era estranho conversar com Patrício sobre o passado. Eu sabia o quanto meu irmão tinha sofrido, assim como toda a nossa família, mas não entendia como uma coisa aparentemente simples virava algo tão trágico na mente de uma criança e repercutia em sua vida adulta. Se, como adultos, tivéssemos consciência disso jamais deixaríamos uma criança passar pelo que Paty passou.

Eu tinha como exemplo a minha mãe, uma guerreira, que enfrentou todos para que seu filho não sofresse ainda mais. Era o que me fazia olhar para o meu filho e ter a certeza de que eu seria um bom pai para ele, porque eu entendia.

Abri a porta com a sensação estranha da conversa com meu irmão, mas logo a ideia de ter Charlotte mais disposta a estar em minha vida, querendo colaborar e voltando a se encaixar em minha casa me deixava aliviado.

— Tá iculo — Lipe sussurrou ganhando a minha atenção. Ele estava encolhido, abraçando a toalha que quando dobrava virava um ursinho, os olhos imensos, olhando para dentro da casa. Acendi as luzes da sala.

— Não está mais. — Ele passou por mim, a mãozinha pegando em minha perna, ainda inseguro. — Lipe, papai já disse que não existe nenhum monstro nessa casa — Ele me olhou com curiosidade, ajeitou os óculos e pareceu ficar sem graça por sentir medo. — Vem cá. — Peguei meu filho no colo e entrei com ele. — Às vezes alguns monstros têm medo de gente. — Ele me olhou desconfiado. — Você sabe rugir?

Assim, tipo um leão.

— Raum! — Ele fez uma carinha linda imitando um leão.

— Isso. Só que mais forte.

— Raummmmm! — Lipe rugiu com força e depois riu ajeitando os óculos. — Agora você aprendeu.

Coloquei meu pequeno no sofá e comecei a organizar as suas coisas. As roupas molhadas teriam que ir para dentro da máquina de lavar para quando Marta chegasse para ficar com Lipe até eu voltar da casa de Charlotte.

— Quando eu era pequeno tinha um monstro que morava embaixo da minha cama — menti, sabendo que ele se interessaria.

— Da minha. Da minha — ele se agitou pulando no sofá.

— Não tem um monstro embaixo da sua cama. — Ele parou me encarando. — Eu o expulsei de lá. Eu fui e fiz um “Raummmmmm”. — Forcei o ar para fora, tentando rugir com força. — E ele foi embora correndo. Igualzinho ao que morava embaixo da minha cama. Você deveria fazer isso todas as vezes que desconfiasse que algum está pela casa.

— Rauuuummmmm! — Fez uma careta engraçada e eu ri.

— Assim mesmo. Tá vendo. — Olhei ao redor da sala. — Nenhum monstro. Eles são uns fracotes, e nós — peguei Lipe outra vez nos braços —, nós somos fortes. — Flexionei o braço para fazer meu bíceps pular. Lipe riu e me imitou. — Muito fortes.

Caminhei até a cozinha e coloquei Felipe na sua cadeirinha próximo ao balcão. Dei a volta e abri o congelador para retirar a sopa que Marta tinha deixado no dia anterior e a levei até o micro-ondas.

— Está com fome?

— Muita fome. — Ele continuava brincando de ser um leão e se fazia de forte.

— Ok, companheiro! Coma estas torradinhas por enquanto.

Coloquei uma pequena vasilha com algumas torradinhas à sua frente e Lipe estendeu a mão para pegar um livro de colorir que havia deixado na cozinha. Entreguei a ele o material e voltei a atenção para as tarefas da casa. Eu precisava colocar a camisa na secadora logo ou não daria tempo.

Fui até a área de serviço, abri a porta da máquina de lavar roupas e puxei a primeira peça que minha mão alcançou. Eu ouvia o barulho de Lipe na cozinha, o que me deixava mais tranquilo. Estendi a camisa e vi algo estranho. Ela era preta, mas estava completamente manchada. Algumas partes estavam azuladas e outras desbotadas.

Estranho!

Peguei outra camisa e esta também estava manchada. Inconformado, comecei a tirar as camisas da máquina e constatei que todas estavam do mesmo jeito, inclusive a que eu queria usar para aquela ocasião.

Que merda Charlotte havia feito?

Charlotte Eu não queria tratar a conversa entre meu namorado e meu pai com tanta formalidade. Se Alex achava que devia satisfações a meu pai ele que se preocupasse com isso. Eu vestiria um short, uma camiseta e demonstraria o maior desinteresse possível.

Miranda me olhou com cara de deboche quando o telefone tocou e eu sorri. Ela sabia que apenas Alex conseguia aquele efeito em mim. Levantei com o celular na mão, afastando-me dela. Não por não confiar em minha amiga, mas principalmente por querer ser melosa e apaixonada sem que ela me olhasse como se quisesse dizer “eu sabia”.

— Oi! — Foi exatamente como eu disse: melosa e apaixonada.

— Oi! — Ele foi seco e duro. — Você colocou alguma coisa na máquina de lavar roupa?

— O quê? Como... — Pisquei várias vezes sem entender a forma dura como Alex falava comigo. Ele estava bravo, apesar de eu saber que tentava se segurar.

— Na máquina, Charlotte. Quando foi hoje em minha casa para ligar a máquina de lavar roupas. Colocou algum produto na água?

— Eu? — Sabia que estava parecendo uma imbecil não respondendo a sua pergunta tão óbvia. Bastava um sim ou não, mas eu não entendia o motivo da sua pergunta e estava confusa.

— Colocou ou não? — Foi rude.

— Não — respondi indignada. — Por que eu faria isso? Você me disse que as roupas estavam de molho, eu apenas liguei a máquina.

— Não colocou nada na água?

— Já disse que não — rangi os dentes sentindo a raiva chegar.

— Ótimo, porque agora minhas camisas estão todas destruídas. Manchadas. Acabadas. — O quê?

— Que parte do “eu não coloquei nada na máquina” você não entendeu? — Comecei a sentir que estava ficando mais irritada do que deveria.

— Eu entendi. Só não sei como as roupas que antes estavam perfeitas ficaram manchadas. — Ele se continha, mas a raiva era nítida.

— Por que não pergunta a sua funcionária, afinal de contas foi ela quem colocou as roupas na máquina?

— Ela trabalha para mim há anos e isso nunca aconteceu antes.

— Claro! Então eu estou mentindo. Que fantástico, Alex!

Ficamos em silêncio. Eu notei que a minha respiração estava acelerada quando me dei conta que eu podia ouvir a dele. Olhei para Miranda que me olhava com atenção e curiosidade. Olhei fixamente para a minha amiga, sentindo meu sangue ferver. Eu tinha feito um favor para aquele babaca e ele me ligava nervoso por algo que eu não fiz? Como apertar um botão pode manchar roupas?

— Eu não fiz essa merda, mas pode mandar a conta que faço questão de pagar pelas suas camisas perdidas. — Ele fez um barulho que para mim pareceu de raiva.

— Eu não quero o seu dinheiro. — Percebi que se esforçava para não gritar.

— Então vá para o inferno.

Desliguei o telefone.

Porra, eu desliguei o telefone. Desliguei o maldito telefone na cara do meu namorado. Um namoro que não tinha nem uma semana de vida. Que merda! Meu corpo inteiro tremia de raiva e medo.

— Que. Foi. Isso? — Miranda articulou me encarando com um sorriso irônico no rosto.

— Puta que pariu! — Desabei ao seu lado, sentindo meu celular vibrar em minha mão. Era ele. Eu nem precisava olhar para saber. — Ele acha que eu manchei as malditas camisas.

— As que estavam na máquina? — Confirmei, deixando a ligação cair na caixa postal. — O que você fez? — Ela riu divertida o que me deixou com mais raiva ainda.

— Nada. — Levantei e meu celular voltou a vibrar. — Você acha mesmo que eu não sei ligar uma máquina de lavar?

— Você não colocou água sanitária nas roupas, não é?

— Merda! Eu não coloquei nada. Cheguei, apertei o cacete do botão e fui embora.

— E por que demorou tanto? — Senti meu rosto esquentar.

— Porque precisei passar no quarto. — Minha voz diminuía à medida que eu tentava encontrar uma desculpa. Miranda estreitou os olhos e eu senti meu celular parar de vibrar. — Precisei fazer xixi, satisfeita?

— Dentro da máquina? — ela disse e riu jogando a cabeça para trás.

— Vá se foder!

Alex Eu estava puto da vida e não havia como esconder de Lipe. No momento em que comecei a falar com Charlotte ele levantou a cabeça e ficou prestando atenção. Por isso tentei me segurar ao máximo.

Ouvi a porta abrir e me dei conta de que Marta estava chegando e eu precisava sair. Abri o micro-ondas, peguei a sopa e coloquei em uma panela para terminar de descongelar.

— Boa noite. — Marta cantarolou assim que entrou na cozinha. — Vamos nos divertir muito hoje? — brincou com Lipe.

— Boa noite, Marta. — Fui seco sem conseguir evitar. — Por acaso você colocou algum produto novo na máquina de lavar roupas ontem quando deixou minhas camisas de molho? — Continuei com os olhos na panela. Não podia ser indelicado com ela, já que nunca antes houve um episódio como aquele.

— Não. Aconteceu alguma coisa? — Sua voz cautelosa me fez respirar fundo para não descontar nela a minha frustração.

— Estão todas manchadas. Eu esqueci de ligar ontem e acabei fazendo isso só hoje pela tarde. Deve ter sido isso.

— Manchadas? — Ouvi sua voz se afastando e deduzi que ela ia até a área de serviço. — Essas roupas foram manchadas com água sanitária. — Sua voz estava próxima outra vez. Você fez isso?

— Não — suspirei. Charlotte com certeza tinha feito e não queria admitir para não ficar mal comigo. Que droga! E eu estourei com ela sem piedade. Que babaca eu fui.

— Nossa! Não dá para salvar esse estrago.

— Não tem problema. — Desliguei o fogo e coloquei a sopa no pratinho do Lipe. — Você precisa de muito tempo?

— Não. — Ela voltou para a área de serviço. — Só vou trocar de roupa e lavar as mãos. Deixa a sopinha dele que quando esfriar eu faço ele tomar todinha. — Tá certo.

Ela saiu e eu fiquei ao lado do meu filho, que comia a torrada, espalhando farelos por todo o desenho, misturando com lápis de cera. Minha cabeça estava longe. Eu queria continuar tentando falar com ela.

Tentar consertar as coisas, deixar a raiva esfriar e seguir em frente. Mas eu não podia fazer isso na frente do Lipe, e nem podia chegar na casa dela sem saber se ela realmente queria a minha presença.

— Pronto! Você já vai sair?

— Não. Vou tomar um banho. — Eu estava um pouco aéreo, tentando entender o motivo de Charlotte ter feito aquilo, o motivo de eu estar tão aborrecido e encontrar uma forma de fazer com que a gente voltasse a se entender. — Papai já volta. — Dei um beijo em meu filho e subi para o banho.

No caminho eu já tinha um plano completo. Só precisava enviar uma mensagem para Charlotte e rezar para ela não estar muito puta comigo.

Charlotte Eu estava puta da vida com ele. Como Alex podia pensar que eu faria uma coisa daquela? Como ele era capaz de duvidar de mim depois de tudo o que passamos? Era inaceitável!

Meus olhos ardiam, mas nenhuma lágrima desceu. Eu não tinha vontade de chorar, apenas de socar a cara dele. Mesmo sendo uma cara linda e apaixonante.

Que merda!

Era para ser uma noite maravilhosa e ele estragou tudo outra vez.

Deitada em minha cama, encarando o teto e sem vontade de atender as suas ligações, pensei em qualquer coisa que me ajudasse a colocar aquela raiva para fora. Escrever seria impossível. Eu mataria o personagem principal com toda certeza. Minhas leitoras enlouqueceriam.

Levantei decidida a pedalar. Eu precisava externar, precisava queimar aquela raiva que me consumia ou então não haveria chance de encarar Alex caso ele resolvesse dar continuidade a aquela palhaçada de conversar com o meu pai. Isso se a mancha em sua camisa favorita não fosse algo demais para ele.

Demais o suficiente para fazê-lo desistir. Desistir de mim.

Meu coração acelerou.

De short jeans curto, um top, boné e uma camiseta, calçada com meu tênis velho, peguei a bicicleta e saí para a rua quando meu celular apitou avisando a chegada de uma mensagem.

“Estou no bar da esquina aguardando por você” Conferi o horário sem acreditar que Alex estaria mesmo em um bar ainda tão cedo. E o que ele queria me esperando lá se o plano era encontrar o meu pai para conversarem? Uma coisa era certa, se ele queria me encontrar em um lugar neutro, se não subiria para conversar com o meu pai, era porque a mancha em suas camisas causou mais estrago do que os aparentes.

Tremendo, montei em minha bicicleta e desci a rua tomando todo o cuidado para não me desequilibrar.

Eu tentava manter minha mente aberta, controlar-me para não chegar parecendo desesperada. Ser firme era importante para que ele entendesse que eu não fiz nada que pudesse manchar as suas roupas. Eu só apertei a merda do botão!

O sol não estava forte, mesmo assim me arrependi de não ter colocado protetor solar. Segui o fluxo da rua arborizada até encontrar a encruzilhada que me levaria até ele. Um homem vestido de cachorro-quente atravessou a faixa na minha frente, fazendo-me parar bruscamente.

Meus olhos buscaram o meu professor do outro lado da rua, no entanto muitas pessoas caminhavam e o sol contra o meu rosto me impedia de enxergar o interior dos bares que ficavam na esquina. Aguardando para atravessar a rua observei vários carrinhos de bebê, o que fez meu coração doer mais.

A barraquinha de flores no acostamento deixava o ar cheiroso e romântico, no entanto eu não estava em paz. Era como se a vida me testasse o tempo todo, mostrando-me aquilo que eu não poderia ter e me fazendo reagir de uma forma que eu não imaginava que reagiria. Eu sofria.

Atravessei a rua ainda montada em minha bicicleta e resolvi tentar o primeiro bar. Desmontada passeei defronte ao estabelecimento. Não foi imediatamente que o reconheci. Alex estava em uma mesa distante, mesmo com o bar vazio. Com um copo de suco diante dele, estava praticamente escondido com seus óculos escuros e boné cobrindo o seu rosto. O que ele estava pensando?

Parei a bicicleta ao lado da mesa e aguardei até que ele me olhasse. Mesmo com os óculos escuros eu sabia que ele estava com o olhar fixo em mim, aguardando a minha reação. Seu rosto se movimentou correndo meu corpo, se demorando em minhas pernas expostas e no meu short curto. Alex levantou os óculos, os olhos lascivos, cheios de uma luxúria que me fez estremecer.

— Charlotte... Desviei os olhos sentindo meu rosto esquentar, foquei em seu peitoral e... puta merda! Foi impossível não sorrir. O que ele estava fazendo?

— Alex... você... — Ele abriu os braços e sorriu lindamente me mostrando a camisa acabada, com manchas para todos os lados. Comecei a rir.

Eu sabia o que ele estava fazendo e tal fato me fez amá-lo ainda mais. Ele queria me pedir desculpas pelo ocorrido e deixar claro que não se importava com o estrago que acreditava que eu tinha feito. Isso me fez rir um pouco menos.

— Eu não sou a responsável por isso. — Apontei para a sua camisa quando ele levantou e me tomou em seus braços.

— Eu não me importo — disse com o rosto enfiado em meu pescoço. — Não me importo com merda de camisa nenhuma. — Levantou o rosto para me encarar.

— Não foi o que pareceu — acusei.

— Desculpe.

— Tudo bem — sorri e ele me beijou com doçura, tomando cuidado para não bater os nossos bonés.

Tenho certeza que chamamos atenção, mas eu não estava me importando com esse detalhe. Eu queria ser beijada por aquele homem incrível. Passei a mão arrancando o seu boné e me apossando dos seus fios sedosos, sentindo-os em meus dedos.

Céus! Aqueles lábios, aquela língua, aquele toque cuidadoso, que deixava explícito que queria dizer muito mais do que dizia, aquele corpo colado ao meu, seu cheiro, seu jeito... eu estava completamente apaixonada por Alex... outra vez.

Ele se afastou como se lhe causasse dor estar distante naquele momento. Seus olhos encontraram os meus e seu sorriso era uma promessa. Meu corpo inteiro esquentou. Era impossível reagir a Alex de outra forma quando ele me olhava e sorria daquele jeito. Eu não conseguia pensar em outra coisa que não fosse sexo com aquele homem.

— Quer beber alguma coisa? — ele disse, porém minha mente não assimilava as suas palavras. — Charlotte? — Sorri como uma boba sentindo meu corpo corresponder ao pedido que foi apenas imaginário. — Caramba, menina! — Ele rosnou me puxando para mais perto. — Eu conheço essa carinha. — Acariciou meu rosto com a ponta dos dedos. Mordi o lábio inferior e ele segurou meu queixo.

— Não faça isso.

— Eu pensei que... — Nós temos que conversar com o seu pai.

— Alex... — Eu vim com a minha melhor camisa. — Tentei conter o riso e não consegui. Ele riu também.

— Ele estava no banho quando eu saí.

Deixei que meu namorado me conduzisse à cadeira ao lado da dele e me sentei enquanto ele bebia um gole generoso do seu suco. Umedeci os lábios no mesmo instante em que ele o fez, por motivos diferentes, é claro.

— Vamos ficar muito tempo conversando com ele? — Meus olhos estavam fixos nos lábios do meu eterno professor. Ele sorriu. Meu coração disparou.

— Não muito. — Passou a mão em meus cabelos. — Você me mandou para o inferno. — Mantive o olhar apenas para disfarçar que eu não havia feito o que ele disse, embora soubesse que meu rosto estava vermelho.

— Você mereceu. — Minha voz fraca me entregava. Ele sorriu mais.

— Você me mandou para o inferno quando me pediu para tirar a sua virgindade, menina. — Puxei o ar, deixando-o preencher os meus pulmões com expectativas. — Acho que a ideia do inferno nunca foi tão atrativa.

— Você tem noção de que está me deixando excitada, não é? — Vi a ponta da sua língua roçar de leve a parte interna dos lábios. Meu sexo ficou molhado.

— Gosto quando você fica excitada. — Suas palavras ditas de forma casual, seguidas de mais um gole da sua bebida me fizeram sentir calor. — Só não gosto quando brigamos. — Ele me olhou daquela maneira que já me deixava desanimada. — Você me acusou de algo grave — disparei.

— Grave?

— Você estava nervoso. Rosnava para mim. — Alex passou os dedos no lábio inferior puxando-o.

— Eu exagerei. Confesso. É só que... — Sua mão correu pelos cabelos negros, jogando-os para trás.

— É só que... — Porra, Charlotte! Se você não mexeu nas roupas e a Marta nunca fez isso antes, Lipe não fica sem supervisão... o que pode ter acontecido?

Fiquei sem resposta e acabei dando de ombros. Alex tinha razão em desconfiar de mim. Marta trabalhava para ele há anos, Lipe não era o tipo de criança que conseguia fugir sem ninguém perceber, alcançar uma garrafa de água sanitária e jogar dentro da máquina. Principalmente, ele nunca conseguiria fazer isso sem deixar rastros. Quem mais poderia ter feito aquilo?

Meus olhos ficaram arregalados.

Meu. Deus.

Voltei a encarar meu namorado, sem ter certeza se queria contar as minhas desconfianças. Nosso relacionamento ainda era delicado, nós estávamos nos ajustando, tentando entender como faríamos funcionar. Jogar em cima do meu namorado o que passava em minha cabeça era dar mais pano para manga. O melhor a fazer era manter firme a minha posição: eu não tinha feito aquilo.

Alex passou a mão no rosto como se quisesse espantar o aborrecimento, pegou a sua bebida tomando mais um gole e voltou a me olhar. Não havia mais o mau humor de minutos antes.

— Esse short não é curto demais? — Arqueei a sobrancelha e um sorriso debochado brincou em meus lábios. — É curto demais, Charlotte. — Cruzei os braços na frente do peito.

— É mesmo?

— É. É mesmo.

— Problema seu — rebati sem nenhuma vontade de recuar. Onde já se viu Alex achar que poderia mandar em minhas roupas?

— Problema meu? — Pareceu indignado. — Não acha que está passando dos limites demais para um só dia?

— E você por um acaso é o meu pai? — Ele riu, relaxando.

— Sou o seu marido... namorado — corrigiu rapidamente, fazendo uma careta de quem não gostava nada da ideia. — Isso é estranho — revelou com outra careta.

— Não mude o foco da conversa. — Fui rápida. Era melhor conversarmos sobre os limites do que sobre a sua necessidade descabida de fazer nosso relacionamento evoluir em tão pouco tempo. — Conversávamos sobre o meu short.

— Ah sim. — Pegou o copo e bebeu mais uma vez. — Curto. E você é debochada.

— Debochada? — ri ironicamente.

— Completamente debochada. — Seus braços me cercaram, puxando-me para perto, entre as suas pernas.

— Sou realista. Se você achou curto é só não usar — continuei séria.

— Eu achei curto e não quero que “você” use — ressaltou.

— Por quê?

— Porque você é minha. — E ficou me olhando enquanto eu digeria as suas palavras. Afastei-me necessitando de espaço.

— Eu não sou sua — declarei.

— É sim.

— Não. Não sou. — falei séria e ele recuou. Vi que algo mais do que surpresa alcançava Alex. — Ficar três anos longe de você me fez ver que eu sou apenas minha. — Tentei ser sutil, embora fosse impossível.

— Se eu fosse realmente sua, não sobreviveria.

— Você voltou — acusou sem a certeza presunçosa de antes.

— Voltei — continuei séria, encarando-o. — Mas não para ser sua, como se não houvesse uma vida sem você, porque eu sei que há. Nem para deixar que conduza a minha vida. Eu assumi as rédeas e não largo mais — avisei.

Pensei que Alex ficaria aborrecido com a minha declaração súbita sobre algo que não merecia a seriedade com que eu tratava. No entanto ele sorriu com doçura e até... orgulho.

— Charlotte, eu acho que estamos levando muito a sério uma frase que é mais uma brincadeira do que uma afirmação de fato. Eu já te disse antes e não foi tão impactante como está sendo agora. Além do mais... — Suas mãos se cercaram da minha cintura e seus lábios foram para o meu ouvido. — Quando eu estou dentro de você nada se torna mais correto do que você ser minha.

Estremeci sentindo suas palavras me atingirem em cheio. Afastei-me olhando fixamente em seus olhos.

Alex tentava me vencer, outra vez, com promessas de sexo.

— É impactante porque agora nós precisamos realmente estabelecer limites, Alex. Se queremos fazer dar certo, precisamos dos limites. Então eu não sou sua. Eu te amo, eu posso me render completamente a você quando estamos na cama, mas sou a única responsável pela minha vida. — Meu coração acelerado me avisava que era o momento de falarmos sobre esse assunto.

Era a minha chance. Antes de ele conversar com meu pai. Antes de afirmar com toda convicção de que queria mesmo aquele relacionamento. Alex precisava saber o que havia mudado, o que havia em mim, ou o que faltava. E depois, só então, ele poderia decidir que caminho tomar.

— Alex... — Engoli com dificuldade. — Esses anos longe... — Eu queria contar, mas não sabia como começar. Não tinha ideia de como dizer a ele a verdade.

— Você namorou outros caras. — Ele tentava parecer natural embora estivesse tenso. Sorri sem vontade.

Como Alex podia acreditar que o fato de termos saído com outras pessoas quando estávamos separados poderia ser o motivo da minha tensão? — Isso importa? — Ele puxou o ar com força.

— É o que está tentando me contar?

— Não. — E eu não tinha coragem de contar. Deus! — Quer dizer... — Desisti completamente. — É sim. — Ele mordeu o lábio inferior.

— Muitos? — Pensei no assunto. Foram muitos caras? Bom... dependia do que ele considerava muito.

— Céus, Charlotte! Não... — Fechou os olhos com força. — Não precisamos conversar sobre isso.

— Você perguntou — provoquei covardemente, sentindo-me aliviada com o rumo que a conversa tomou.

— Mas não quero saber. — A irritação em sua voz foi perceptível.

— E você? — Pela maneira como o meu corpo reagiu eu logo descobri que também não queria saber.

— Não — Alex desconversou, negando com a cabeça. O que eu não entendi se ele dizia não ter se relacionado com mais ninguém ou se não foram muitas mulheres com quem ele foi para a cama.

Definitivamente eu não queria saber.

— Vamos logo falar com o Peter. — Fez sinal para o garçom, pedindo a conta.

— Tem certeza? — Seu olhar me indicava que ele não entendia o motivo da minha pergunta. — Você pode continuar fazendo o Test Drive por mais algum tempo. Só para ter certeza — brinquei, sentindo-me uma idiota por esconder a verdade.

— Charlotte... — Limpou a garganta com um pigarro. — Acho que nós deveríamos conversar. — As batidas aceleradas do meu coração me deixaram desconfortável.

— É o que estamos fazendo. — Alex, virado para mim, encarava-me com atenção. De uma forma diferente.

— Eu preciso ter esta conversa com Peter.

— Eu sei. — Minha mandíbula travada indicava que eu ainda não digeria muito bem a história.

— Você não está entendendo. Eu quero esta conversa, mas não quero te forçar a tê-la.

— Então se eu não estiver de acordo você não vai?

— Eu vou, Charlotte. — Ficou sério demais, o que me assustava. — Eu vou porque Peter precisa disso e eu também.

— Porque vocês dois me enxergam como uma criança — rebati indignada.

— Não por causa disso, e sim porque eu não fui bom para você na primeira vez. — Eu tentei falar, mas ele me impediu. — Tentei ser. Fiz o que foi possível, no entanto a verdade é que eu te manipulei para conseguir que concordasse com o casamento. Eu aceitei colaborar com o seu pai e escondi a verdade sobre a doença da sua mãe. Eu sabia que Tiffany era um problema e a mantive por perto por causa da editora... — O que fez não o tornou ruim para mim. — Tentei fazê-lo parar, no entanto Alex estava decidido a ir até o fim.

— Eu tenho que dizer a Peter que continuo não sendo perfeito. Quando eu contei a ele que estávamos juntos acabei prometendo que te faria feliz independentemente da nossa situação, mas eu sempre soube que era uma mentira. Não posso garantir algo dessa magnitude. Eu te amo, mas não posso garantir a sua felicidade, assim como você não pode ser a garantia da minha.

Ele aguardou até que eu entendesse a lógica das suas palavras. Eu nada falei. Não havia o que acrescentar ou contestar. Eu entendia o que Alex dizia e concordava com ele. Se eu era uma mulher independente, se queria o meu direito a minha vida sem a interferência de ninguém, eu precisava entender que nem ele nem ninguém deveria ser responsável pela minha felicidade. Ela era minha e apenas eu poderia torná-la real.

— Mas eu devo esta conversa ao seu pai. — Concordei sem nada dizer. — Só que antes precisamos conversar.

— Estamos conversando — brinquei e ele sorriu sem muita felicidade, acariciando o meu rosto.

— Conversamos sobre limites. — Concordei outra vez de maneira muda. — Eu preciso saber de que forma você nos vê.

— Como assim?

— Eu quero ter ideia exata do que é o nosso relacionamento para saber o que dizer ao Peter. Não posso prometer um namoro ou qualquer outra coisa se você ainda não sabe o que quer.

— Eu sei o que quero.

— Tá certo. Eu sei que você quer ficar comigo, e eu quero ficar com você também — continuou com os dedos acariciando meu rosto. — Mas como isso vai funcionar? — Movimentou a mão entre nós dois. — Estamos namorando. — Mordi o lábio e concordei. — E eu tenho um filho. — Estreitei os olhos. — Você nunca namorou alguém com um filho, não é? — Continuei olhando-o sem entender.

Porra, eu nunca havia namorado antes. Nem mesmo ele, que havia sido meu marido, chegou a ser meu namorado. Como posso saber o que é namorar alguém com um filho? Mesmo assim não respondi. Alex não precisava desta informação.

— Esse foi o motivo de eu perguntar se não queria esperar antes de assumirmos um namoro.

— Por causa do Lipe? Eu tenho certeza que vocês vão acabar se entendendo muito bem. — Ele se afastou e eu senti falta da sua mão.

— E se não acontecer? E se eu me tornar um pesadelo na vida dele? Você nunca pensou nisso quando apresentou uma mulher ao seu filho? Como acha que uma criança pode ser afetada quando se acostuma com alguém e logo em seguida precisa desacostumar?

— Vamos com calma. Primeiro: eu nunca apresentei nenhuma mulher ao meu filho. — Soltei o ar me sentindo aliviada. — E eu não acho que você vá sair da minha vida novamente — sorri sem graça.

— É um risco.

— A vida é um risco.

— Tudo bem. — Tentei parecer desinteressada, mas estava feliz. — Então... o que exatamente você quer que eu entenda com essa história de namorar um cara com filho.

— Que eu possuo limitações. E... prioridades. — Umedeci meu lábio tomando ciência do que ele dizia.

— Tudo bem — repeti lentamente.

— Eu sei que você quer ir com calma, só que desde que Lipe nasceu e até hoje, minha vida foi dedicada a ele. Fiz questão de ser presente e nunca tentei transferir para outras pessoas as minhas obrigações como pai. — Fiquei calada encarando-o com os olhos arregalados. — Eu tenho uma rotina com o meu filho, o que não significa que você não possa participar, mas é uma rotina dentro de casa. A psicóloga disse que faz bem para o desenvolvimento da criança já crescer com uma rotina... — Ele foi se calando quando percebeu que me dava informações demais. — Eu fico em casa todas as noites... quer dizer... não é que eu não possa sair à noite. Eu estou aqui, não é? — Concordei com a cabeça. Alex parecia desconfortável ao me dar aquele tanto de informações. — Não costumo sair, na verdade, me acostumei a ficar com ele.

Gosto disso. — Continuei concordando sem nada dizer, mas comecei a ter vontade de rir. — E o Lipe... Levantei a mão impedindo que ele continuasse. Alex estava confuso e se perdendo no assunto como se fosse... eu. Sim. Alex estava parecendo comigo, o que, definitivamente, era estranho.

— Onde quer chegar? — Ele riu e passou as mãos pelos cabelos.

— Eu sei que você quer ir devagar, que está assustada com a convivência com o meu filho... — Alex!

— Preciso de você comigo — confessou de vez. — Se somos namorados eu preciso que você relaxe e fique comigo.

— Eu estou com você.

— Em minha casa, Charlotte. Comigo.

— Ah! — Isso implicava em estar com o Lipe também.

— Vou respeitar a sua decisão e já estou cansado de te dizer isso — riu sem vontade. — Mas os namoros funcionam desta forma. Pelo menos os namoros com caras que têm filhos.

— Você tem mais filhos? — brinquei enquanto tentava digerir o seu pedido. Alex revirou os olhos. — Você tem que dizer isso ao meu pai, também?

— Não, embora ele precise saber o que esperar de mim. Ou eu vou passar para pegar a filha dele, ficar algumas horas no motel e devolver no final do dia, ou vou pegá-la para jantar, assistir a um filme e passar a noite comigo, como um casal de namorados faz.

— Namorados vão ao motel. — Tentei não rir. — Não posso ficar com as duas opções? Eu gosto de motéis. E você vai contar mesmo ao meu pai que vai me pegar para passar a tarde no motel? Alex, eu vou acabar ficando com a primeira opção só para ver você fazendo isso. Vou adorar. Estou até animada para participar desta conversa... — Cala a boca, Charlotte! — Ele me puxou para um beijo apaixonado.

Relaxei sentindo seus lábios nos meus, sua língua em minha boca, seu desejo inconfundível, sua vontade de me calar que nunca acabava.

— Você é irritante — confessou respirando fundo.

— Vai falar do motel?

— Vai passar algumas noites comigo?

— Vou. — Peguei Alex de surpresa. Ele me encarou admirado. Pelo visto não esperava que eu cedesse tão rápido. Sorri gostando da sensação.

— Mesmo com a presença do Lipe? — Dei de ombros, apesar da certeza de que aquilo poderia ser um problema.

— Você disse que conseguiríamos nos acostumar.

— Eu disse.

— E eu confio em você. — Ele sorriu de maneira espetacular. — E sou a sua namorada.

Alex soltou o ar com força.

— Você me deixa tenso e confuso. — Sorri amplamente.

— A ideia é essa. — Nos encaramos por um tempo. Ambos sorrindo, curtindo a sensação.

— Vamos conversar com o Peter.

— E o Test Drive?

— Eu já fiz o Test Drive. — Bebeu o restante do seu suco e recebeu a conta do garçom. Pegou a carteira, tirou uma nota, entregou a pastinha de volta ao rapaz que aguardava tentando fingir que não aguardava. — Vamos. Peter não vai ficar nada satisfeito com um Test Drive tão estendido.

— Ai meu Deus! — ri da sua urgência. — Você não tem noção do tempo. Como pode ser estendido?

— Eu defino o meu tempo. Vamos! — Levantou, oferecendo-me a mão que aceitei imediatamente.

— Eu estou de bicicleta. — Ele me puxou colando os nossos corpos.

— Que sorte a minha. — Beijou-me com delicadeza. — Meu carro tem suporte para bicicletas — e seu beijo foi mais rápido e forte. — Vamos!


Capítulo 20


“Oh, doce Julieta, tua beleza enfraqueceu-me!” William Shakespeare Alex Eu estava definitivamente feliz. Tinha esgotado todo o meu estoque de conversa sobre o que éramos e o que seríamos. Toda a minha insegurança havia desaparecido, simplesmente porque ela estava ao meu lado. Charlotte estava comigo de verdade e disposta a fazer dar certo. Eu sabia que era sincera só de olhá-la.

Apesar de todo o seu medo em relação ao meu filho, da nossa história fracassada, do improvável futuro, ela estava decidida a fazer de tudo para dar certo, assim como eu.

Entramos de mãos dadas no flat. Vitor pegou a bicicleta para guardá-la, o que nos deixou mais livres.

Charlotte não demonstrou indecisão nem por um segundo.

Estávamos tão felizes que nos beijamos do elevador até a sua porta, e, exatamente por isso, não ouvimos as vozes, nem vimos quando alguém abriu a porta do seu apartamento. Somente quando um pigarro alto alcançou meus ouvidos percebi a nossa situação.

Escorados na parede eu prendia Charlotte em meus braços e devorava a sua boca com uma ansiedade que até para mim parecia anormal. Eu não tinha nenhuma vontade de deixá-la, infelizmente precisei quando Peter colocou a mão no meu ombro.

Puta que pariu!

— Ok, Alex! Todo mundo sabe o quanto você ama a minha filha, só que vocês nos fizeram esperar por muito tempo e não vai dar para aguardar até que matem toda essa saudade.

Respirei fundo ouvindo as risadas, envergonhado e confuso. Olhei para Charlotte que estava tão vermelha que parecia prestes a ter um AVC. Ela não olhava para o pai, nem para mim, encarava o chão.

Segurei sua mão com firmeza, meu gesto lhe dizendo que voltasse a ser a mulher forte e decidida e só então ela levantou a cabeça e, mesmo envergonhada, encarou o pai.

O problema é que, nem eu, nem a minha namorada, esperávamos pelo que estávamos vendo. Ali, dentro do apartamento, estavam as nossas famílias. Meus pais, meus irmãos, seus respectivos companheiros, o pai de Charlotte e Johnny. Faltavam apenas as gêmeas de Lana e Lipe.

O que era aquilo tudo?

Peter saiu da frente nos oferecendo passagem. Entramos de mãos dadas, ainda sem compreender. Eles sorriam nos encarando. Olhei outra vez para Charlotte, que estava na mesma situação que eu, sem entender nada.

— Eu sabia que vocês não fariam isso, então, pensei que, se era para assumir, que o fizessem na presença de todos — Peter esclareceu dando tapinhas em meus ombros. — E todos nós queríamos que vocês soubessem que estamos felizes pela decisão que tomaram.

— Pai... — Charlotte apertou a minha mão. Fiquei tenso porque sabia que ela pretendia ir aos poucos, acostumando com a situação, sem forçar a barra e sem precisar se justificar com ninguém. — Deus!

Mas nossos familiares e amigos nos olhavam com carinho, exibindo uma felicidade sincera, sem nenhuma cobrança ou acusação. Eles queriam somente demonstrar que concordavam e desejavam o mesmo que nós dois. Puxei minha namorada para meus braços e beijei o topo da sua cabeça. Ela levantou o rosto ainda vermelho e me encarou.

— Já que estão todos aqui — anunciei em voz alta, sem tirar meus olhos dos dela. — Eu e Charlotte decidimos que vamos namorar. Vamos viver cada etapa como deve ser e iremos nos adaptando à nossa nova realidade. Queremos fazer do nosso jeito. — Olhei para Peter que concordou em silêncio. — Não estamos recomeçando. Estamos começando da maneira que deveria ter sido. — Ela sorriu o que me deixou um pouco mais feliz.

— Façam como quiserem — Peter anunciou em tom de brincadeira, mas eu sabia que ele não queria mais fazer como antes. Não iria interferir.

Suas escolhas, mesmo que por um motivo louvável, acabaram nos colocando numa situação difícil. Eu nunca o acusei, embora tanto eu quanto Charlotte estivéssemos cientes da sua parcela de culpa. Era reconfortante saber que, daquela vez, não sofreríamos pressão por parte dele.

— Já podemos comer? — Johnny se aproximou com uma taça de vinho na mão e me deu um tapa no braço como saudação para em seguida abraçar Charlotte. — O que houve com a sua camisa? É alguma moda? — Charlotte riu e eu me lembrei que estava no meio de uma pequena comemoração vestindo uma camisa arruinada.

— Um acidente — anunciei sem querer me aprofundar no assunto.

Os outros seguiram nos abraçando e nos felicitando. Trocando palavras amigáveis, eu procurava os olhos da minha namorada e via que ela estava tranquila, apesar de envergonhada.

Minha mãe me deu um beijo no rosto e sorriu com os olhos marejados. Ela me abraçou e sussurrou em meu ouvido: — Que camisa é essa? — Seu tom de reprimenda me fez sorrir. Mães!

— Um pequeno acidente. E... — Olhei para Charlotte que sorria amplamente, atenta a minhas palavras.

— Uma declaração de amor. — Eu sabia que seria o suficiente para fazer minha mãe desistir da bronca.

Ela me olhou emocionada e acariciou meu peitoral aprovando qualquer que fosse a minha decisão. — Neste caso considere-se perdoado.

Pensei em Mary de imediato. Ela também ficaria feliz com nossa reconciliação se estivesse viva?

Respirei fundo. Para começar, se Mary estivesse viva nada daquilo teria acontecido. Lipe não existiria... e confesso que eu não conseguia imaginar o meu mundo sem ele, sem me sentir sufocado pela angústia que a ideia me passava.

Eu nunca me arrependeria do meu filho. Ele era tudo para mim. Talvez as pessoas não entendessem.

Provavelmente Charlotte demoraria para entender, mas eu sabia o que era só olhar aquele rostinho para me fazer sentir o imenso amor que existe dentro de mim. Eu era o único que entendia que quando carreguei meu filho no colo a primeira vez todo o resto deixou de fazer sentido.

Ser pai era, definitivamente, o meu melhor papel.

Minha mãe abraçou Charlotte, que corou e retribuiu sem a mesma força ou entusiasmo. Muitos pensamentos começaram a se formar em minha mente, porém foram interrompidos quando braços familiares me envolveram em um abraço apertado.

— Estou feliz por você, filho. — Meu pai se afastou para me encarar. — Agora sim eu vejo uma felicidade plena em seu rosto. — Sim, meu pai me entendia. E ele sequer mencionou minha camisa.

Adriano era um homem incrível e honrado. Ele havia se tornado uma parte importante de mim. Foi o meu exemplo e às vezes eu nem acreditava que não compartilhávamos a mesma carga genética. Eu o amava como se fosse meu pai verdadeiro e era este amor que me fazia acreditar que um relacionamento afetivo entre Charlotte e Lipe era possível.

— Eu estou feliz — revelei e me encolhi ao levar um soco do meu irmão, que com um canapé na mão formulou um inaudível “se fodeu” antes de entupir a boca de comida.

— Que camisa é essa? — me recriminou. — Eu sempre disse que isso de ser surfista foderia com a mente dele. — Patrício não era nada delicado com as palavras.

— Olha essa boca! — Minha mãe lhe deu um tapa no braço fazendo-o rir alto. — Eu realmente não sei o que fazer com você, Patrício — resmungou, voltando sua atenção para Charlotte e Miranda, que riam de alguma coisa.

— Alguém aqui não está mais na seca. — João Pedro se aproximou, bebendo vinho e me encarando com olhos divertidos. Meu amigo fez uma careta ao olhar a minha camisa. Meu pai riu e eu fiquei sem graça.

Não que falar de sexo com o meu pai fosse embaraçoso. Nunca foi. Porém, falar de sexo, com aqueles caras com problemas mentais, ansiosos para arrancar de mim qualquer detalhe para me sacanear até o fim da minha vida, era impossível.

— E alguém aqui dorme cedo e cansado todos os dias — Lana se intrometeu, acusando o marido e me dando um beijo na bochecha. — Estou muito feliz por vocês. Espero que Charlotte cuide melhor de você do que a sua empregada. — Tocou em minha camisa para deixar claro sobre o que falava. Coloquei a mão na cintura da minha irmã enquanto olhava debochado para João, devido à confissão de Lana.

— Porque alguém aqui trabalha até mais tarde deixando para mim a função de cuidar das duas criaturas mais bagunceiras que já conheci. Você tem ideia do que é colocar gêmeos para dormir? Primeiro você precisa convencê-las a deitar, e as pestinhas são boas de papo, acabam me enrolando... — Pelo amor de Deus, João! Eu ainda quero ter filhos. — Miranda reclamou fazendo uma careta como se desfazer a mágica da maternidade fosse algo que o machucasse. Patrício lhe direcionou um olhar que eu bem entendia. Ele não queria ser pai.

— Porra, você precisa trocar as fraldas delas antes de dormir, mas elas são piores do que cobras... Desviei a atenção da conversa quando vi Charlotte se afastar, andando até o pai que estava próximo à mesinha com alguns salgadinhos e o abraçar. Foi algo muito íntimo que passou despercebido por todos e me deixou emocionado. Tive vontade de ir até eles, contudo como sabia que ela precisava de um momento só deles, respeitei.

— E quando você percebe está acordado assustado, sem saber onde está, e descobrindo que adormeceu no quarto das filhas. Caralho, eu volto para o meu quarto praticamente me arrastando.

— Alex não reclama da paternidade — Lana brincou e eu tive que olhar para eles, deixando minha namorada em seu momento com o pai.

Charlotte Ele me soltou e eu tentei esconder meus olhos úmidos. Eu não queria ter que dar uma satisfação pública, por outro lado, sentir a felicidade dos nossos parentes e amigos pela nossa reconciliação não podia ser classificado como algo ruim. O que mais me comoveu foi a maneira como o meu pai conduziu tudo. Ele deixou Alex tranquilo, sem cobranças ou ameaças. Isso era tão promissor!

Eu poderia namorar, passar dos limites, estendê-los, passar quantas noite desejasse na casa do meu eterno professor e voltar para casa quando quisesse que ele não estaria me aguardando com aquela baboseira de andar armada e de termos regras que devemos seguir.

Era felicidade demais.

Quando fui encontrá-lo eu queria somente fazer companhia para um homem solitário que fingia interesse na comida para dar a todos a chance de se expressar como desejassem. Porém, quando ele me olhou e sorriu, eu me senti novamente como aquela menininha que corria para o seu colo todas as vezes que sentia medo e, bastava ele me abraçar, para eu me sentir mais corajosa.

Não conversamos sobre o assunto. Ele sabia que aquela era a minha escolha e eu não precisaria me explicar. Pelo menos não para ele.

— Precisava mesmo chamar todo mundo? — Ele riu me segurando pelos ombros.

— A ideia não foi minha. Dana ligou logo cedo avisando que faria um jantar e eu só sugeri que fosse aqui em casa, já que Alex queria conversar. Tenho certeza que era o que você mais desejava. — Revirei os olhos e ele riu com vontade.

— Não acredito que você me ame — reclamei fazendo biquinho.

— Mais do que a mim mesmo. — Sua voz emocionada não passou despercebida.

— Esse é o grande problema. — Ele riu de novo, voltando a escolher alguma coisa para comer. — Não abuse do sal. — Meu pai pegou um salgado e o colocou inteiro na boca como se estivesse me desafiando.

Captei a imagem do Johnny pelo canto do olho. Eu precisava mesmo conversar com o meu amigo. — Já volto.

Atravessei a sala rapidamente, tanto para impedir que alguém me interceptasse, quanto para evitar que qualquer outra pessoa se aproximasse do meu amigo e estragasse o meu plano. Johnny foi até a varanda, o que me deixou grata.

— Ei! — Ele virou me observando e sorriu. — O que faz aqui sozinho. — Optei por começar de leve para não assustá-lo nem ser interpretada como uma louca.

— Ah... — ele riu sem graça. — Vim conferir as mensagens. — Levantou o celular para que eu pudesse me certificar de que falava a verdade. — Posso deixar para depois. Está tudo bem?

— Sim. — Olhei para os lados para me certificar de que ninguém nos atrapalharia.

— Não está. Pela sua cara eu sei que não está. O que houve? — Peguei a taça da sua mão e bebi um longo gole.

— Você viu a camisa do Alex? — Ele abriu um longo sorriso irônico.

— Não me diga que você quem fez aquilo.

— Eu não fiz aquilo, idiota! — Bebi mais um pouco sentindo a raiva voltar. Eu precisava me controlar.

— Tá. O que aconteceu?

— Eu não sei! — Com um suspiro me encostei ao seu lado, olhando a paisagem. — Ontem as camisas dele estavam de molho e... eu... — Olhei para o meu amigo sentindo o rosto esquentar. — Eu dormi na casa dele e acabamos esquecendo delas. Hoje pela manhã me ofereci para voltar lá e ligar a máquina para lavá-las. Juro que só apertei a merda do botão.

— E as camisas mancharam? Tem certeza que não jogou água sanitária? Porque as manchas são mais claras do que a camisa, então só pode ter sido isso. — Olhei intrigada para o meu amigo. Como entendia tanto de lavagem de roupas?

— Eu só apertei a merda do botão — respondi com raiva, fazendo-o rir.

— Alex acha que você fez isso. — Cruzou os braços me observando beber todo o seu vinho.

— Ele se desculpou, mas é lógico que acredita que fui eu.

— E não foi você — continuou me encarando. Como eu fiquei calada ele continuou. — Qual o problema?

Pode ter sido qualquer pessoa descuidada.

— Esse é o problema. Lipe não alcança a prateleira dos produtos e não consegue abrir a máquina. Marta trabalha com Alex há anos e nunca manchou uma camisa dele. Eu não fui e ele diz que não foi ele.

— Então não foi ninguém. Coisas sem explicação acontecem todos os dias. — Deu de ombros. Continuei olhando meu amigo sem saber como falar da minha suspeita. Ele suspirou pesadamente. — Você tem uma teoria. Desembucha.

— Anita.

— Anita? Por que ela faria isso?

— Para me incriminar. — E deixei minha raiva sair livremente. — Olha, Johnny, eu sei que vocês... ela não está muito feliz com a escolha do Alex. — Senti-me péssima por precisar dizer aquilo ao meu amigo, afinal de contas eles estavam dormindo juntos. Johnny me olhava tranquilamente, sem parecer ofendido ou magoado com o que eu tinha acabado de dizer.

— Eu não tenho nada sério com ela, Charlotte. É só sexo — riu sem graça, deixando de me encarar. — Sempre foi apenas sexo.

— Muito tempo para ser somente sexo, Johnny. Você não se incomoda?

— Não! — Fiquei horrorizada. Como ele podia transar durante tantos anos com uma mulher sem se importar com o fato de ela desejar outro homem? — As coisas funcionam de forma diferente para os homens, Lottie. — Apertou minha bochecha como se eu fosse uma criança. Bati em sua mão.

— Não sei como ela continua transando com você depois de você ter filmado tudo e ameaçado entregar ao reitor.

— Eu valho a pena. — Abriu um sorriso atrevido. — Por outro lado, o que eu fiz permitiu que ela continuasse próxima do Alex. Eu fiz para impedir que ela te prejudicasse, mas acabei fazendo com que Alex não se sentisse ofendido quando encontrou nela a ajuda que precisava. Se ela tivesse ido até o fim com aquela história, eu tenho certeza que Alex jamais permitiria que se aproximasse outra vez.

— Nem me fale disso. Não sei como ele permite que ela seja tão íntima. — Quase cuspi de tanto desprezo que sinto por aquela mulher.

— Ele precisou de ajuda e ela deu o que ele precisava naquele momento. — Fiz uma careta de desagrado.

— Como você pode dormir com ela sabendo que que o desejo dela é o Alex?

— Eu não me importo com quem ela deseja. Simples assim. — Soltou o ar dos pulmões. — Anita é uma diversão. Minha vida ficou muito atribulada. Eu quase não consigo paquerar. O padrinho está sempre no meu pé e eu vivo cansado demais para investir em mulheres diferentes todas as noites. Até para sair com uma enfermeira eu preciso de um plano mirabolante, ou corro o risco de ele me deserdar. — Ri. Aquele era o meu pai. — Anita é mais fácil, prático, rápido e seguro.

— Que. Coisa. Hor-rí-vel! — Ele riu abertamente.

— É porque você é muito certinha. Miranda me entenderia melhor. — Meu rosto corou e eu abaixei a cabeça.

Eu sabia muito bem o motivo de Miranda entender as coisas que meu amigo fazia. Para ela sexo era algo diferente de amor. Os dois não precisavam estar na cama dela ao mesmo tempo. O que me levava a pensar no quanto eu era idiota.

— E Anita não é apaixonada pelo Alex.

— Ah não? — Arqueei uma sobrancelha ironicamente. Se aquilo não era paixão o que mais seria?

— Ela encara Alex como um prêmio. Algo que ela não teve e que a faz querer cada vez mais. A recusa dele é o combustível para todo o assédio. Se ele tivesse transado com ela resolveria todo o problema.

Anita é como eu, não gosta de ninguém no pé dela, não curte relacionamentos.

— Ela não ficou nada feliz com a minha reconciliação com o Alex. — Ele riu.

— Porque agora ele terá que andar o mais certo possível, ou nunca mais terá outra chance. Ou seja, adeus a possibilidade de ele transar com ela.

— Espero que seja assim mesmo.

Olhei para a sala através dos vidros da varanda e vi Alex caminhando em nossa direção. Meu pai o interceptou, o que me agradou. Eu precisava terminar minha conversa com Johnny.

— E Anita não seria infantil a ponto de manchar as roupas dele. — Johnny não acreditava em mim, o que me irritava ainda mais. — E como ela faria sem que vocês descobrissem?

—Ela tem a chave da casa dele — rosnei, desta vez meu amigo não riu ou debochou de mim.

— Ela tem?

— Tem. — Minha raiva recuou diante da minha revelação. Por que Johnny reagira daquele jeito? Ele fez bico e deu de ombros.

— Não sei, Charlotte. Continuo acreditando que Anita não faria algo assim.

— Eu não confio nela. Se aquela mulher teve coragem para invadir a despedida do meu marido e forçar a barra para lhe dar um boquete, ela é capaz de qualquer coisa. Meus Deus! Onde todos estão com a cabeça que desconsideram tudo o que Anita já fez? — Johnny ficou calado, com o lábio inferior entre os dedos, esticando-o e refletindo.

— Você não tem como provar, então é melhor não compartilhar nada com Alex ou só vai provocar a discórdia entre vocês.

— Eu sei. Ele sequer pensou nela, em momento algum. Alex está com algum problema mental, é a única explicação. — Meu amigo riu com vontade.

— Charlotte, se Anita estiver envolvida vai chegar um momento em que ela vai se enrolar e se entregar.

Ela não é o tipo de pessoa que consegue manter um segredo, entendeu? — E piscou para mim.

— Só espero que ela não apronte mais nada.

— Isso se ela for mesmo a responsável. — Não rebati. Eu sabia que era, mas, como meu amigo mesmo disse: eu não tinha como provar.

Alex Charlotte estava na varanda com Johnny, o que aguçou a minha curiosidade. O que ela fazia com ele em um lugar afastado de todos? Não que eu sentisse ciúme do garoto. Claro que um dia já cheguei a cogitar a hipótese, mas agora, eu estava convencido do sentimento fraternal entre eles. O que me intrigava era que estávamos em uma comemoração, com os nossos amigos e família, então o que teria feito com que Charlotte preferisse se afastar?

Meu celular tocou. Olhei o visor e vi que era uma ligação de Anita. Tive vontade de ignorar. Não seria agradável dar satisfação a minha namorada bem no dia em que finalmente resolvemos assumir o nosso namoro, mas também não seria correto não atender a pessoa que mais me ajudou quando eu precisei.

Pedi licença à Miranda e Patrício e cruzei a sala com o telefone na mão. Eu atenderia, daria uma desculpa e partiria em busca da minha namorada.

— Oi! — Embora fosse ridículo, mantive a voz baixa, tentando não chamar atenção.

— Oi! Está em uma festa? — Ela parecia animada.

— Não. Estou na casa de Charlotte. — Evitei falar que estávamos reunidos lá para comemorar o nosso namoro. Era uma informação que poderia gerar mais assunto e era exatamente o que eu queria evitar.

— Ah! — Ela tentou disfarçar o desânimo que estava nítido em sua voz.

Olhei para fora e vi que Charlotte ainda conversava com Johnny, sem prestar atenção em mim. Fiquei aliviado, mas ainda estavam ali Peter e Miranda, que poderiam facilmente interpretar de maneira errada a ligação.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não. Eu ia passar em sua casa para ver o Lipe, então resolvi ligar para saber se você queria jantar.

— Desculpe. — E me senti ridículo por precisar me desculpar por estar com a minha namorada. — Vou passar a noite com Charlotte hoje. — Pelo menos esta informação deixaria claro como as coisas funcionariam dali para frente. Ela ficou em silêncio, o que me deixou ansioso.

— Posso pegar Lipe para passar a noite comigo? — Respirei aliviado. Anita gostava de levar Lipe para a sua casa onde eles faziam uma noite só deles, o que divertia o meu filho e me permitia ter a noite livre para... conhecer outras pessoas.

— Claro! Amanhã cedo eu vou surfar, então veja um horário bom para levá-lo de volta para eu me programar.

— Tudo bem. Não vou precisar sair tão cedo. Você vai passar a noite em casa?

— Não sei ainda. — Um pouco mais de silêncio e eu tive vontade de desligar antes que ela inventasse outro assunto.

— Vejo você amanhã então.

— Tudo bem.

— Tchau! — Sua voz melosa e animada contradizia sua reação anterior.

Desliguei sentindo uma vontade imensa de estar com Charlotte. Era como se cada segundo longe dela fosse capaz de nos separar e este era o meu pior pesadelo. Peter me impediu de seguir em frente. Ele me parou com um sorriso amigável no rosto e duas taças de vinho na mão.

— Alex! Eu estava querendo mesmo falar com você. Tome aqui. — Passou-me a outra taça.

— Eu não bebo, Peter. — Tentei devolver e ele se negou a pegar de volta com um sorriso estranho.

— Segure a taça. Acredite em mim, você vai precisar dela. — Com a mão ele me indicou o caminho do seu escritório.

Olhei para trás e vi que ninguém se preocupava com o fato de ele estar me levando para uma provável reunião mesmo com todos ali, comemorando. Não sei por que, mas o fato do Peter querer conversar comigo e deixar claro que eu precisaria da bebida já me deixava tenso. Entramos em seu escritório e ele trancou a porta, andando até o outro lado da mesa. O sorriso ainda estava lá. Amigável. Apesar de eu saber que havia algo de errado.

Puta que pariu! Que não fosse mais uma promessa louca que me envolvesse em mais uma mentira para a minha namorada. Eu me recusaria. Juro que não colaboraria com mais nada.

Ele suspirou pesadamente ao se sentar e fez sinal para que eu fizesse o mesmo. Eu estava cansado e tenso, o que fazia com que aquela bebida fosse uma tentação. Continuei firme, evitando olhar para a minha mão.

— O que houve, Peter?

— Foi Charlotte quem fez isso com a sua camisa? — Olhei para mim relembrando que estava usando uma camisa acabada, destruída pela falta de jeito da minha namorada.

— Foi sim, embora ela acredite que não. — Ele sorriu compreendendo. — Qual é o problema? — Ele soltou o ar e se encostou na cadeira. Tamborilando os dedos na mesa e umedeceu os lábios.

— Eu quero deixar claro que não vou me intrometer desta vez. Tenho consciência do meu erro, apesar de ter certeza de que faria tudo outra vez. — Continuei encarando o meu sogro, aguardando pela bomba que ele largaria. — Vou deixar por conta de vocês.

— O que é ótimo. — Tive coragem de falar, apesar de saber que nunca deveria desafiá-lo. Mas eu e Charlotte sabíamos o que queríamos e a sua influência só atrapalharia.

— Sim, é ótimo. — Tomou um gole da sua bebida. — Charlotte já é uma mulher.

— Exatamente.

— E ela sabe o que faz. — Outra vez eu concordei, mas sem nada acrescentar. — Charlotte sofreu muito com tudo o que aconteceu.

— Peter, eu sei. Eu... — Ele levantou uma mão para me impedir e conseguiu me calar.

— Ela sofreu. A culpa foi de todos nós, mas ela sofreu muito. E eu queria deixar claro uma coisa. — Senti meus ombros enrijecerem instantaneamente. — Você é a escolha dela. O que não significa que pode magoá-la novamente.

— Peter... — Mais uma vez ele me impediu de continuar.

— Da outra vez eu interferi e deu no que deu, então não vou mais fazer nada. Vou por conta de vocês. Só quero pedir uma coisa: não magoe a minha filha. Não traia Charlotte outra vez, independentemente dos fatores e motivos, não faça isso por nada neste mundo.

— Eu não vou trair. — Minha negativa saiu um pouco indignada. O que Peter pensava que estava fazendo? — E eu não traí Charlotte de livre e espontânea vontade. Você sabe muito bem.

— Mas pode achar que tem o direito de trair. — Ficamos em silêncio nos encarando. Eu tentava encontrar um motivo para ele estar agindo daquele jeito e ele fazia questão de mostrar que seria irredutível.

— Peter. — Inclinei-me um pouco me sua direção. — Eu não pretendo trair a sua filha, também não vou aceitar aquele papo de que ela merece alguém que possa cuidar dela e garantir a sua felicidade. Charlotte precisa andar com os próprios pés. E ela é perfeitamente capaz de ser feliz. Se vai ser comigo, sozinha ou com outra pessoa, nós não sabemos, mas a minha namorada não busca a felicidade em ninguém que não seja ela mesma.

Ele encostou os dedos no queixo e me encarou, ali estava aquele sorriso tranquilo que escondia toda a verdade e que me deixava cada vez mais tenso.

— Acho ótimo que pensem assim. — Suspirei aliviado. — Então, vocês conversaram e acertaram todos os pontos? — Não entendi a sua pergunta até porque pela maneira como ele me olhava eu sabia que existia algo por trás daquela pergunta.

— Conversamos. — Ele mordeu o lábio inferior e encarou a mesa, como se pensasse sobre o que poderia ou não falar.

— E... — Levantou ou olhos me encarando fixamente. — Ela te contou sobre o que aconteceu nesses últimos anos? Como foi a vida para ela... — Nós preferimos não conversar sobre o que aconteceu durante o tempo em que ficamos separados.

Charlotte teve uma vida. — Dei de ombros tentando fingir indiferença. — Olha, Peter, eu sei que estraguei tudo, mas eu amo a sua filha e quero que ela seja feliz. Não penso em separar a minha vida da dela nunca mais, acontece que não depende apenas de mim. Charlotte sabe o que está fazendo e eu confio nela.

— Que ótimo — repetiu me encarando com olhos ferozes. — Bom, eu não sei o que a minha filha te falou sobre a Bernadete. — Seu sorriso afiado fez meu sangue congelar.

— Bernadete? — Minha voz já começava a arranhar na garganta.

Ele estendeu o sorriso, abriu a gaveta e tirou de lá algo que eu nunca imaginei que fosse verdade. Sobre a mesa que nos separava Peter colocou uma arma. Eu não sabia dizer exatamente de que tipo era, até porque eu não entendia nada de armas, porém podia dizer com convicção que diante de mim estava algo ágil e potente.

Seus dedos envelhecidos percorreram o cano da arma, com uma admiração estranha. Seus olhos brilharam. Eu juro que vi acontecer.

— Essa é a Bernadete. — Segurou-a na mão.

— Peter... — Eu estava prestes a fugir correndo quando ele segurou a peça para admirá-la melhor.

— Eu quero apenas que você saiba que se magoar a minha filha de novo, eu te mato. — Puxei o ar segurando-o no peito. — Não me importa se foi ou não uma armação. Pouco vai me importar se vocês brigaram, ou qualquer coisa parecida. Se Charlotte voltar para casa chorando outra vez, se precisar desaparecer por longos anos só porque não conseguia imaginar como seria o trabalho com você, eu te mato.

Engoli em seco sem forças sequer para levantar daquela cadeira — Eu mato você, Alex! Essa é a minha promessa.

Fiquei preso à cadeira, incapaz de levantar, retrucar ou até mesmo fugir. Minha única saída e, neste ponto Peter tinha toda razão, seria beber o vinho que estava naquela taça, porque ou eu bebia e encarava a realidade, ou não bebia e ficava com o peso da declaração.

Sem saída, bebi todo o vinho de um gole só e levantei.

— Se já acabou... — Ele concordou ainda com a arma na mão.

Dei as costas e saí. Confesso que precisei de toda a coragem do mundo para tal atitude. Assim que abri a porta e pude voltar a respirar, entendi o que havia ocorrido naquela sala. Passei a mão na testa sentindo-a úmida.

Encontrei Charlotte saindo da varanda com Johnny. Pela primeira vez, desde que finalmente me convenci de que não dava para ficar sem ela, eu me questionei sobre a saúde daquele relacionamento. Depois constatei que se existia uma parte inocente naquela história, esta ainda era ela, a minha menina. Ela nem imaginava o que Peter havia dito ou feito.

Minha namorada me olhou e sorriu. Parecia um pouco tensa. Eu imaginava ser pelo fato de todos estarem ali e de ela, mesmo não sendo totalmente verdade, se sentir julgada pelos outros. Caminhamos na direção um do outro e nos abraçamos no meio do caminho. Senti seus ombros ficarem mais relaxados de imediato, e os meus também. Beijei o topo da sua cabeça.

— O que quer fazer? — Minha pergunta foi aleatória. Não havia muito o que poderíamos fazer naquele apartamento. Charlotte olhou para mim com olhos suplicantes.

— Posso te pedir para me levar para a sua casa?

Encarei minha namorada. Ali estavam os nossos familiares e amigos. Eles comemoravam a nossa reconciliação e estavam felizes por nós dois. Seria de péssimo gosto sairmos antes mesmo de o jantar ser servido. Eu sabia que minha mãe não ficaria satisfeita, que iria contra as regras do Peter, que todos achariam que era uma grosseria sem tamanho, mesmo assim...

— Claro!

Beijei mais uma vez a testa dela e me preparei para enfrentar tudo e todos para tirá-la de lá. Que se dane!

Éramos adultos e tínhamos o direito de escolher e eu escolhia levar Charlotte para a minha casa.


Capítulo 21


“Eles lavam seus ferimentos com suas lágrimas. Minhas lágrimas devem cair quando as deles secarem.” William Shakespeare Charlotte Alex estava tão tenso que era impossível disfarçar. Sem contar que eu senti o gosto do vinho em seus lábios quando me beijou com uma urgência que me assustou. Alguma coisa estava errada, no entanto eu tinha certeza de que ele não me diria, então me concentrei em juntar todos os fatos que eu tinha visto para tentar encontrar uma resposta e, quando finalmente encontrei a mais provável, meu sangue ferveu.

Lógico que Alex ficou daquele jeito depois que saiu do escritório do meu pai, ou seja, Peter aprontou alguma coisa. Ou... Puta merda! Ele contou. Céus! Meu pai contou a Alex o meu segredo. Como ele pôde?

Esse era um problema meu e não dele, só deveria ser compartilhado quando e com quem eu permitisse.

Merda! Merda! Merda!

— Está tudo bem? — A voz de Alex me assustou e só então me dei conta de que estávamos na garagem da sua casa e eu com as mãos no colo fechadas em punho e os olhos cheios de lágrimas.

Respirei fundo, forçando minhas mãos a relaxarem. Eu não podia dar nenhuma pista. Primeiro precisava estudar o território.

— O que vocês conversaram? — Seus olhos ficaram imensos e ele não soltou o volante do carro, indicando o quanto aquela conversa o transtornara. — Alex, ou você vai me contar ou eu vou embora neste momento.

— O quê? — Ele ainda estava tenso e eu não tinha como ignorar este fato.

— Nada mais de mentiras, lembra? Não vamos recomeçar nosso relacionamento com mais segredos.

Eu podia sentir o meu pulso acelerado pela minha própria mentira. Eu mesma escondia um segredo que não conseguia revelar, então como podia cobrar dele uma postura diferente?

— Droga, Charlotte — praguejou derrotado. — Seu pai me mostrou a arma dele e disse que se eu te fizer sofrer novamente ele vai me matar.

— O quê? — gritei.

Seria cômico se não fosse tão trágico. Meu pai era o tipo de homem mais ogro, retórico, antigo, ultrapassado que eu já conheci nesta vida. Como ele achava que podia apontar uma arma para alguém e fazer ameaças como se fosse a coisa mais normal do mundo?

Caralho! Eu queria voltar para casa e gritar com o meu pai, por outro lado, eu estava aliviada por ele não ter revelado o meu segredo, o que não me tornava mais nobre do que Peter e a sua querida arma.

— Fique calma! — Agora sim Alex havia despertado do seu transe.

— Calma? Céus! Como ele pôde fazer uma coisa dessa? Meu pai é... absurdo. Um idiota prepotente que ainda acredita que precisa me defender do mundo.

— Deus, Charlotte! — Alex encostou no banco do carro e fechou os olhos.

— Vou ter uma conversa com ele. Isso não pode ficar assim e... — Você não vai fazer nada — anunciou se inclinando em minha direção com tanta segurança que me fez calar. — Esse é o Peter. Eu não imaginei que seria diferente.

— Mas... — Eu só fiquei assustado, Charlotte. Nunca antes tive uma arma tão próxima de mim, foi apenas isso.

Peter não me intimida. Nem mesmo se ele tivesse ameaçado atirar.

— Então por quê... — O que me fez ficar assim foi o que ele me disse. Eu não tenho o direito de magoar você outra vez e não tenho tanta certeza se serei capaz de tal feito. — Soltei o ar dos pulmões aos poucos. — É essa pressão que me mata. Nada entre nós dois flui conforme manda o figurino. É incrível como o nosso relacionamento, em qualquer circunstância, não consegue ser normal.

Encolhi-me tendo consciência da veracidade de suas palavras. Se era assim sem ele sequer imaginar que havia algo de errado comigo, imagine quando ele descobrisse. Merda! Eu sempre seria um peso para ele.

— Infelizmente é o que eu sou. — Tentei não ser dramática, mas não havia como evitar o mínimo de drama. — Não tem como impedir as atitudes do Peter. Ele acha que tem obrigação de zelar pela minha felicidade e se isso implica em apontar uma arma para alguém, é exatamente o que ele vai fazer.

Desculpe, Alex, mas a única forma de não passar por isso é morando em outro país, longe dele, e eu... não tenho certeza se gostaria de fazer desta forma.

— Ah, Charlotte! — Ele me puxou para seus braços e me beijou com carinho. A ponta dos seus dedos acariciando minha nuca, desfazendo a tensão. — Seu pai só está tentando defender sua felicidade. Do jeito dele, que pode não ser o mais correto, mas me aponte um pai que ficaria só observando alguém brincar com a sua filha?

— Você não está brincando comigo.

— Não é o que todos pensam. Você estava com medo do julgamento dos outros. Eu também serei sempre julgado. Eu fui o homem que te traiu. O homem que trouxe um filho de fora do casamento para a relação.

Fui a pessoa que não te respeitou e te fez infeliz durante três anos.

— Pare — sussurrei, sentindo o nó em minha garganta. — Você é o homem que me faz feliz. É o homem que se casou comigo mesmo eu sendo uma idiota infantil cheia de vontades. Foi a pessoa que teve paciência, que acreditou em mim e me amou independentemente da carga que a minha vida acarretaria sobre a sua. E eu te amo, Alex, então a escolha só pode ser minha. Mesmo que depois de três anos eu me magoe outra vez e decida ir embora.

— Isso não vai acontecer. — Sua afirmação veemente me comoveu.

— Não vai, porém, se acontecer, eu não vou me arrepender disso aqui. É a minha escolha. — Ele sorriu pela primeira vez desde que saímos da minha casa, foi um sorriso sincero.

— É a minha também. — Segurou meu rosto com as duas mãos e me beijou de leve nos lábios. — E eu me sinto um merda de um adolescente todas as vezes que precisamos passar por isso. — Fiz uma careta de nojo.

— Eca! Prefiro você coroa.

— Eu não sou coroa.

— É claro que é. Já está quase quarentando.

— Não estou quase quarentando. Eu tenho trinta e oito anos. — Largou-me e abriu a porta.

— E eu ainda vou fazer vinte e cinco, ou seja, você é um velho sem vergonha. — Alex abriu a porta para mim e me deu a mão para que eu saísse do carro.

— Por falar em vinte e cinco anos... — Saiu da minha frente para que eu pudesse andar.

— Não vamos falar sobre isso. — E agradeci mentalmente por não estarmos mais no assunto “meu pai e a sua arma”. Até mesmo o meu aniversário me agradava mais.

— O que foi? Medo de envelhecer?

— Não! — Fingi estar indignada. Alex sabia que eu estava enrolando para que esquecêssemos a história das ameaças, e ele entrava em meu jogo.

— Ainda bem, porque eu tenho uma regra que sigo até hoje. — Parou na porta da casa, a mão na maçaneta e os olhos em mim. Cruzei os braços aguardando. — Eu não namoro com garotas com mais de trinta anos. Então eu acho que você tem um pouco mais de cinco anos para curtir o seu status.

— Como assim? Então quando eu fizer trinta anos nós vamos terminar? — Eu tentava encontrar algum traço de brincadeira em seu rosto, mas não havia. — Não está falando sério, não é mesmo? — Ele continuou sério me encarando. A língua passou lentamente em seus lábios e ele estreitou os olhos. — Você não está falando a verdade. Nós fomos casados e até onde eu me lembro você quer passar o resto da vida ao meu lado. A não ser que... — Abri bem os olhos brincando com ele. — Você não planeja me matar quando eu fizer trinta, não é?

— Não, só devo dizer que eu não namoro garotas de trinta anos.

— Você é confuso. Abra logo esta porta. Onde já se viu? Eu não posso ter trinta anos e ser namorada dele — debati comigo, sentindo-me tão confusa quanto ele. — Então quando eu fizer trinta acabou. E passar a vida ao meu lado na verdade significa passar cinco anos e alguns dias.

— Bom... — Ele destrancou a porta abrindo-a. — Você ainda tem a opção de, neste meio tempo, se tornar minha noiva e depois... — Ficou parado, mas me impediu de entrar, encarando-me e exigindo que eu o encarasse de volta. — Ser a minha esposa.

Levei alguns segundos para compreender a sua brincadeira. Esposa? Droga! Começaríamos tudo outra vez. Presa em seus olhos azuis profundos e envolventes eu me questionei de todas as formas. Por que precisávamos conversar sobre casamento outra vez quando estávamos namorando há poucos dias?

— Como disse: são cinco anos e alguns dias, Charlotte! Tempo demais. — Piscou e me deu as costas.

Dei um passo tímido para acompanhá-lo. A casa estava silenciosa e escura. Perguntei-me onde estaria o seu filho. Dormindo? Escondido para brincar com o pai?

Alex andou calmamente até a sala, retirando o celular e a carteira do bolso da calça para deixá-los sobre a mesinha próxima à TV. Ele saiu do meu campo de visão, indo até a escada. Caminhei lentamente até a sala, vendo um porta-retratos com uma foto dele com o filho, Alex sorria, usando uma camisa de um time de basquete, carregando Lipe, ainda com pouco tempo de vida, nos braços.

Eu me peguei admirando aquela imagem. Por um segundo me permiti acreditar que Alex não precisava de mais nada. Ele tinha tudo. Tinha o Lipe e me tinha de volta a sua vida, e que nós três, um dia, poderíamos funcionar como uma família. Porém eu sabia que aquilo ali não seria o suficiente. O próprio amor dele pelo Lipe deixava bem claro. Então eu me dei realmente conta de que não era o suficiente para o meu ex- marido. Eu nunca seria.

— Charlotte. — Marta apareceu do nada, chegando por trás e me fazendo dar um gritinho de susto. — Desculpa! — Ela riu. — Eu estava nas dependências me trocando e não vi quando vocês chegaram — me cumprimentou com um sorriso largo nos lábios, seus olhos me conferiram. Já era noite e eu ainda vestia aquela roupa curta e justa, o que me fez sentir frio. Abracei meu próprio corpo e me senti fraca.

— Como vai, Marta?

— Estou bem. Lipe acabou de sair com Anita. — Estremeci apenas com a menção do nome daquela mulher.

— Ah, foi? — Ela ficou sem graça.

— Ela me disse que Alex estava sabendo que eles passariam a noite juntos. Lipe ficou bem animado. — Sorriu docemente como se quisesse consertar as coisas e eu fiquei sem graça. Não sabia ao certo se seria bom encontrar Lipe acordado e em casa, mas saber que ele estava com Anita, uma mulher que era o mais próximo de mãe que ele tinha, deixava-me insegura. — Quer beber alguma coisa? Um suco, refrigerante... Ai meu Deus! Que ideia a minha — começou a rir. — É a sua casa.

— Não. Não é. — Só depois de rebater que me dei conta de que não deveria ter dito aquilo. — Quer dizer... nós estamos apenas... Hum!

— Ah, certo! — Ela também ficou sem graça. — Eu vou embora então. Acredito que ele não vá mais precisar de mim.

— Acredito que não — sorri sem jeito.

Caminhei até o sofá conferindo toda a casa com os olhos. Encontrei alguns brinquedos espalhados, lápis de cor e papel sobre a mesinha de centro onde antes eu e Alex costumávamos colocar vinho, comidas e taças. Olhei o móvel abaixo da TV e lá estavam vários DVDs, de várias cores, indicando desenhos infantis. Havia, mais ao canto da sala, uma pequena piscina de bolinhas. Estava tudo igual e ao mesmo tempo diferente.

Ouvi os passos na escada e me virei em sua direção. Só então percebi que ainda abraçava o meu corpo e olhava tudo com olhos esbugalhados, como se fosse uma cena de terror. Certamente não era, ou não deveria ser. Contudo, no meu caso, era uma cena habitual dos meus piores pesadelos.

Estremeci.

Alex diminuiu o ritmo, olhando-me com suspeita. Quando alcançou o último degrau vi que Marta ainda estava lá. Ela nos olhou demonstrando desconforto, o que me deixou mais sem graça.

— Anita o levou. Ela disse que havia combinado.

— Sim, ela me ligou — Alex disse sem emoção.

— Eu esqueci de arrumar os lápis e... — Tudo bem, Marta. Já está bem tarde. Eu arrumo a bagunça — Alex respondeu amigavelmente, mas alguma coisa dentro de mim me dizia que ele tinha pressa em despachar a mulher.

— Certo. Então amanhã eu venho à tarde.

— Obrigado — ele sorriu educadamente, daquela forma encantadora que fazia qualquer mulher ceder aos seus encantos. Deus! Ele era tão lindo!

Marta saiu e eu assisti meu namorado começar a juntar os lápis e papéis. Ele nada dizia, só arrumava a bagunça do filho, olhando-me uma vez ou outra. Meu rosto esquentou porque eu me sentia uma idiota por estar tão amedrontada.

Com as mãos cheias de material infantil ele se aproximou. Sem querer prendi o ar nos pulmões. O corpo cheio de expectativa, tanto para o lado bom quanto para o ruim. Com os olhos atentos às minhas reações, ele se abaixou e beijou meu pescoço.

— Quer subir? — Afastei-me, desviando o olhar e me sentindo ainda mais sem graça.

— Lá no... quarto? — Não consegui olhá-lo, embora pudesse jurar que aquele sorriso torto e cafajeste estava lá.

— Eu pensei em um banho. — Por um segundo, só um segundo, eu me perguntei se eu estava fedorenta, mas sabia que era só o lado louco da minha mente querendo espaço em minha cabeça.

— E se Lipe voltar? — Eu tinha consciência de que meus olhos estavam imensos e que minha cara não deveria estar das melhores.

— Ele não vai voltar — confidenciou piscando, o que me fez abaixar as vistas sentindo meu rosto corar e meu corpo aquecer.

— Alex... — Podemos ficar aqui na sala. Assistir um filme, ouvir música. O que você quiser. — E se Anita resolver trazê-lo de volta?

— Ela não vai. — E, não sei como explicar, eu senti que Alex ficou um pouco mais tenso.

— Como pode ter tanta certeza?

— Porque ela nunca trouxe. — Colocou a mão nos bolsos e ficou me encarando.

— E se for a primeira vez. — Ele sorriu e estreitou os olhos. — Você sempre faz isso, não?

— Isso o quê?

— Deixa ela levar Lipe para poder trazer mulheres para cá. — Mais uma vez a sensação de que Alex estava mais tenso do que o normal.

— Por que você permite que sua mente viaje tanto? — ironizou, mas a tensão ainda estava lá.

— Uma música — pigarreei e me afastei mais um pouco, deixando o assunto morrer. Era um caminho que eu não queria percorrer. — E eu vou voltar para casa hoje. — Arrisquei olhar para ele e me encolhi com o seu olhar de decepção. — Tá bom?

— Eu não quero te levar para casa, Charlotte. — Suspirei. Céus!

Eu precisava de um tempo sozinha para digerir tudo o que havia acontecido naquele dia. No entanto não era justo exigir que ele concordasse, levando-me embora após o sexo só para satisfazer um dos meus caprichos. E eu sabia que Alex jamais aceitaria que eu pegasse um táxi àquela hora.

Ou seja: eu dormiria na casa dele.

Alguns dias de namoro e eu já estava praticamente morando junto com o meu ex-marido. Não estava acontecendo como planejei.

— Tudo bem. — Acariciou minha bochecha e mais uma vez me senti ridícula por estar sendo tão implicante.

— Desculpe. Quando você me pediu para vir para cá não imaginei que voltaria esta noite.

— Não. Tudo bem. Eu só estou... — Puxei o ar com força e acabei rindo. — Estou sendo eu. Desculpe!

Não dá para evitar ser eu mesma em situações como esta.

— Eu sei — ele sorriu daquela forma linda que arrancava de mim todas as minhas forças. Alex segurou minha mão e acariciou meus dedos. — Relaxe. Vamos ouvir música.

— Vamos. — Ele se afastou e com o controle escolheu uma música ajustando o volume.

Reconheci a letra de imediato, mas não a versão. Alex e o seu talento para novas roupagens. “Can’t take my eyes off you”. E eu me perguntei se ele escolhera aquela música de propósito ou foi uma feliz coincidência.

Alex se aproximou e, gentilmente, puxou-me pela cintura, colando-me ao seu corpo. Seus movimentos lentos, guiando-me em uma dança que deveria ser inocente, e que eu bem entendia que até poderia começar assim, mas jamais seria capaz de terminar desta forma.

Deixei ele me conduzir, fechando os olhos e aceitando seus carinhos. Ele me tocava com a ponta dos dedos, suavemente, subindo e descendo pelos meus braços enquanto continuava o vai e vem lento da dança. Seus lábios tocavam minha pele, tomando o cuidado de estar em vários lugares, nos ombros, pescoço, rosto... as suas mãos me mantinham próxima, nunca o suficiente. E então ele cantarolou em meu ouvindo, derrubando qualquer barreira que insistia em permanecer ali.

— “Perdoe o jeito como eu olho, mas nada mais se compara a você. Ver você me deixa fraco. Não sobram palavras para falar. Mas, se você se sente como eu me sinto, por favor, diga-me que é verdade.

Você é boa demais para ser verdade. Não consigo tirar meus olhos de você.” Porra! Como não amar aquele homem? Como não querer passar a vida com ele? Como não se sentir forte o suficiente para enfrentar todos os obstáculos quando ele confessava ser fraco por te amar? Deus! Eu queria nunca mais sentir medo. Ser forte o bastante por nós dois.

Virei o rosto e alcancei seus lábios. Acredito que nunca antes o beijei com tanta paixão. Se era a música, a melodia sensual, o movimento dos nossos corpos, os toques perfeitos ou a sua voz apelativa em meu ouvido, eu não sabia dizer. O fato foi que, naquele momento, ali em seus braços, eu me entreguei sem deixar nenhuma reserva.

Eu queria Alex. Eu o teria e me doaria porque ele era o amor da minha vida. E se nem uma traição, um filho e uma megera como reforço conseguiram me fazer desistir dele, nada mais faria.

Alex correspondeu com a mesma paixão. Agarrando-me pela cintura, tirando meus pés do chão e me levando até o sofá. Enrosquei minhas pernas em sua cintura e aprofundei o nosso beijo, sentindo sua língua deliciosa me exigir cada vez mais.

Ele sentou, mantendo-me em seu colo, então gemeu e não foi de prazer, o que fez com que eu recuasse procurando o que o incomodava. Alex riu e colocou uma mão para trás, retirando algo do seu bolso traseiro. Ele tentou esconder entre as almofadas. Como minha curiosidade já fora atiçada, rapidamente enfiei minha mão junto.

— O que tem aí? — Ele recuou, rindo e tentando me segurar.

— Ainda não. — Tentou me beijar novamente enquanto mantinha o segredo escondido dos meus olhos.

— Alex! — Recusei seu beijo.

— Calma. — Retirando a mão de baixo da almofada, com cuidado para que eu não conseguisse retirar de lá o que ele escondia, segurou minha nuca exigindo meus lábios. — Me beije.

Pensei em negar. Resistir até saber o que ele estava aprontando, mas... porra! Era Alex e nada poderia ser mais perfeito do que Alex fazendo seus joguinhos. Meu corpo, já quente, pegou fogo. Eu queria descobrir o que ele escondia e ao mesmo tempo queria ser surpreendida. Por isso obedeci e beijei o meu professor. Meu eterno professor.

Rapidamente eu já estava de volta ao ritmo. Correspondendo ao seu toque, a suas vontades, enquanto minha mente voltava para aquela almofada. Eu tentava fugir, me concentrar em seus dedos em minha coluna, em seus lábios nos meus, em sua língua atrevida... chegava a me perder em tantas sensações, mesmo assim, era impossível não voltar a pensar naquele segredo.

Meu namorado entendia os meus sentimentos e, como sempre, atendia as minhas necessidades. Sabendo da urgência que me atingia, enfiou a mão por dentro da minha camisa, levantando-a. Como uma boa aluna, levantei os braços, permitindo que a retirasse.

Os lábios de Alex não estavam mais nos meus e sim em meu rosto, pescoço e busto, enquanto suas mãos me faziam fechar os olhos e me permitir alguns segundos de delírios de puro prazer. Elas invadiram o meu sutiã, tomando meus seios para si. Ao mesmo tempo eu podia sentir Alex duro embaixo de mim e não me continha de desejo de rebolar em seu colo, forçando o atrito entre nossos sexos.

Olhei rapidamente para o corredor que dava para a porta de entrada, perguntando-me se havia alguma chance de Anita voltar e entrar com a sua chave. Tive vontade de morder o meu namorado por isso. Sim, o fato de ela ter uma chave me incomodava e muito. No entanto, se ele afirmava que ela não voltaria era porque sabia que tal fato não seria possível.

Voltei a perder a capacidade de raciocinar quando senti que suas mãos exploravam outra região, deixando para os lábios e língua o cuidado dos meus seios. Fiquei arrepiada com o toque gentil da sua língua, contrastando com a urgência dos seus lábios. Era incrível como eu era estimulada em um ponto, mas podia corresponder em muitos outros, ao mesmo tempo, ou intercalando entre eles.

Gemi desfrutando de suas carícias, então Alex me afastou, tirando-me do seu colo com muita facilidade, deixando-me de pé. Ele puxou a camisa, revelando seu peitoral perfeito, bronzeado e esculpido, que me fazia esquecer o restante do mundo.

Sem se importar com o meu olhar guloso, retirou o cinto e abriu o botão da calça, depois, se inclinando em minha direção, colocou as mãos em meu short. Seus olhos se voltaram para os meus e logo eu sentia minha roupa descer pelas minhas pernas. Em seguida eu estava em seu colo, uma mão me segurando pela nuca a outra em meu sexo, enquanto a boca voltava a brincar com meus seios.

— Alex — gemi tentando encontrar as palavras. — A porta... — Ele apertou o polegar em meu centro de prazer e eu estremeci. — Deus! A porta... trancada — Ele mordeu meu queixo, fazendo-me ficar ainda mais excitada.

— Relaxe!

Choraminguei ao sentir seus dedos espalhando minha umidade e me proporcionando mais prazer do que eu julgava ser capaz. A junção de sua boca em meus seios, revezando-se entre eles, seus dedos em minha entrada, esfregando e atiçando minhas terminações nervosas, era mesmo o ingresso para a perdição.

Por parcos segundos me permiti fechar os olhos e esquecer os riscos que eu cismava em acreditar que existiam, tipo Anita voltando com Lipe com qualquer desculpa esfarrapada e nos surpreendendo. Sim, eu tinha esse medo e era justificável. No entanto, sentindo Alex tão seguro, fazendo o seu trabalho como se nada pudesse nos atrapalhar, rapidamente o pensamento perdeu força e foi esquecido.

Puta que pariu! Quem havia ensinado aos homens que os dedos valiam tanto quanto o seu próprio órgão sexual, definitivamente estava disposto a subjugar as mulheres, porque eu estava tão entregue às carícias do meu namorado que era capaz de atender a qualquer ordem sua. Qualquer uma.

Meu corpo arrepiou, meu ventre se contorceu e eu pude sentir aquela ansiedade que me dominava anunciando o orgasmo tão almejado. Gemi sem vergonha alguma de admitir que iria gozar a qualquer momento. E ele entendeu o meu recado. Tanto que sua mão me abandonou, deixando-me frustrada. Eu deveria ter adivinhado essa parte.

Alex me levantou um pouco e abaixou a própria calça, deixando-a no joelho. Sua ereção ganhou a minha atenção imediatamente. Umedeci os lábios em expectativa. Eu sabia a perfeição que era o nosso encaixe, como se fossemos feitos exatamente um para o outro, então ansiar, cobiçar e desejar não poderia estar fora dos meus sentimentos.

Ele segurou o próprio sexo e, com um olhar lascivo, começou a se tocar enquanto usava a outra mão para me provocar tocando e apertando meus seios. Por Deus! Alex queria me enlouquecer. Eu amava quando ele se masturbava. Era tão... soberano, perfeito, mágico, íntimo... uma infinidade de palavras que se encaixariam perfeitamente naquela cena.

Então, por mais que eu estivesse tentada a me sentar sobre seu sexo e forçá-lo a transar comigo acabando de vez com aquela angústia, eu queria ficar ali, parada, admirando-o extrair do próprio corpo o seu prazer.

— Tenho uma coisa para você. — Tentei desviar a atenção da sua mão para olhar o seu rosto, mas era impossível. Mordi o lábio me sentindo tentada. Alex levou uma mão ao meu rosto, passando o polegar em meus lábios. — Você quer?

— Quero — respondi de imediato, sem perceber que a pergunta não era exatamente a que eu imaginava.

Ele riu. — O que você tem aí? — Com o rosto quente me forcei a olhá-lo. Eu precisava ouvir o que ele estava me ofertando, para não acabar prometendo algo ruim.

— Alguns brinquedinhos — revelou sem deixar de se masturbar.

— Alex... — Você vai gostar.— Levantou a coluna e alcançou meus lábios para um beijo apaixonado. — Diga que sim — implorou fazendo todo o meu corpo corresponder.

— Tenho certeza de que vou me arrepender — sussurrei já sabendo que faria o que ele me pedisse. Alex riu.

— Não vai. Confie em mim. — Me segurou com as duas mãos, deixando assim de me manter hipnotizada.

— O que vai fazer?

Ele colocou uma mão embaixo da almofada e retirou de lá um pequeno anel que parecia ser de borracha.

Sim, eu me lembrava daquilo. Alex o ajustou no próprio sexo, deixando o que deveria ser o motor posicionado em sua base. Em seguida ouvi um barulhinho, indicando que estava ligado.

— Venha. — Segurando-me pela cintura ele me conduziu para que pudesse me penetrar.

Eu estava com o coração martelando no peito. Era estranho e ao mesmo tempo excitante. Ele continuava seguro, guiando-me para que seu membro se posicionasse na minha entrada. Eu queria ficar olhando para baixo, até que aquela pequena peça me tocasse, assim ficaria melhor preparada, no entanto era impossível perder a cara que Alex fazia quando me penetrava. Era de puro prazer e satisfação, o que me deixava ainda mais excitada.

Subindo uma das mãos pelos meus quadris ele aquecia toda a minha pele, enquanto a outra me puxava para baixo até que eu sentisse a ponta do seu sexo. Ele não esperou por nenhum sinal meu, apenas continuou me abaixando, entrando em minha carne, tocando minhas paredes, arrastando-se pelos meus pontos e fazendo o meu corpo entrar em parafuso.

— Ah, Charlotte — gemeu sem esconder como se sentia.

Escorreguei em seu sexo até que não restasse mais nada, nenhum espaço entre nós dois. O fato de ter Alex completamente dentro de mim foi ofuscado pela pecinha que vibrava tocando meu clitóris.

— Puta merda! — gemi alto e rapidamente me levantei, como se aquilo fosse capaz de me fazer perder o juízo.

E faria realmente.

— Calma! — Ele me segurou com força, obrigando-me a voltar ao nosso encaixe.

— Alex!

— Bom?

— Merda! — Tentei levantar. Aquilo estava fazendo com que todo o meu corpo ficasse angustiado. Como se houvesse orgasmos ansiosos para escapar por todos os meus poros. — Alex... Isso... — Suba um pouco. — Eu não queria, mas obedeci, o que foi um alívio. Então ele me puxou para baixo outra vez e tudo recomeçou.

Com as mãos em seus ombros eu me apoiava para me manter em seu ritmo. Alex me tocava, não apenas com as mãos, que me faziam subir e descer, mas também com seus lábios, dentes e língua, e tudo virou uma imensa mistura capaz de enlouquecer qualquer mulher.

Ficamos assim, eu subindo e descendo em seu colo, sendo atingida por todos os tipos de prazeres possíveis para um corpo só. Eu amava tudo o que estava acontecendo. A forma como ele me pegava, a delícia do seu sexo entrando e se arrastando pelas minhas paredes úmidas e sensíveis, a sensação quente dos seus lábios em minha pele.

Eu estava quase lá. No limite. Pulsando e me entregando. Chegando na beirada do precipício. Tão entregue e dentro de mim mesma que não vi quando ele resolveu me atingir com a segunda surpresa.

Então algo gelado e melado passou no centro entre a minha bunda, escorregando e espalhando com a ajuda daqueles dedos que todas as vezes que se aventuravam por aquele campo arrancavam de mim até o que eu era incapaz de imaginar.

Estremeci tentando me desvencilhar, ele me manteve no lugar usando apenas uma mão, e ao mesmo tempo que me estimulava por trás, forçou-me para baixo, fazendo-me arfar com seu membro todo dentro de mim e o pequeno motor fazendo sua parte em meu clitóris.

Devo confessar que o que quer que ele estivesse utilizando para facilitar o trabalho dos seus dedos em minha bunda estava dando muito certo. Deslizava facilmente, sem contar que esquentava do jeito que eu gostava, tornando tudo muito mais agradável. Então, quando ele sentiu que meu corpo se entregava mais uma vez, com o familiar formigamento se espalhando e meus gestos completamente fora de controle, parou tudo o que fazia.

Abri os olhos sem entender o motivo daquela tortura. Eu podia sentir que Alex também estava no seu limite, que ele queria aquele orgasmo tanto quanto eu. Podia até entender a deliciosa sensação que a espera nos causava. O sabor irrecusável que nos fazia querer adiar sempre um pouco mais, porém eu estava no meu limite. Precisava daquele orgasmo urgentemente ou meu corpo todo travaria.

Ele lentamente me levantou, saindo totalmente de dentro de mim, para em seguida me sentar outra vez em seu colo. Não pude deixar passar despercebido quando ele posicionou sem sexo rígido entre minha bunda. Fiquei tensa imediatamente.

— Alex... — Você sabe o que eu quero. Não me faça pedir. — Foi firme e decidido, o que ao mesmo tempo me excitou e assustou.

— Eu não... — Você quer, Charlotte! Sempre quis. Não precisa ter medo.

— Não... — Engoli com dificuldade.

A porra do motorzinho estava lá, tentando-me como um diabo enviado especialmente do inferno, bem naquele pequeno espaço que liga uma entrada a outra. Ca-ra-lho! Eu nem fazia ideia de que aquele local poderia ser tão sensível. Instantaneamente me lembrei de quando Alex quase me beijou... lá. E da sensação da sua língua naquela região. Algo dentro de mim se contraiu, impulsionando-me.

— Não sei se estou preparada. — No fundo eu sabia que aquela insegurança não fazia sentido nenhum.

— Você está. — Ele me segurou pela nuca me puxando para sua boca. Com um beijo selvagem e com mãos mais ousadas ele me tentava cada vez mais. — Vai ser gostoso — sussurrou quando roçou seus dentes pelo meu pescoço.

— Vai doer. — Meu rosto esquentou consideravelmente com a minha confissão. — Doeu da outra vez?

— Levantei os olhos para encarar o meu namorado.

Não doeu da outra vez. Aliás, foi muito, muito bom. Só que o que ele havia introduzido em mim nem se comparava ao seu pênis. Mordi o lábio sem saber o que responder. Se eu dissesse “não” seria uma permissão. Se eu dissesse “sim” estaria mentindo descaradamente.

— Não vai doer — ele rompeu o silêncio. — Vou fazer você adorar. Juro!

Meu Deus! O que dizer? O que fazer? Meu coração estava tão acelerado que tive medo de ter um piripaque.

— E se eu não gostar?

— Eu paro. Na hora que você quiser eu paro. — Havia tanta verdade naquele olhar e em suas palavras que eu não me senti incapaz de recuar. E também de dizer as palavras, então apenas aguardei.

— Porra, Charlotte! Eu amo você! Amo essa carinha de tesão e vergonha — sorri. E ali estava a minha permissão.

 

 

 


CONTINUA