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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


SONHOS PROIBIDOS / Patricia Ryan
SONHOS PROIBIDOS / Patricia Ryan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Quando India Cook decidiu se oferecer à polícia para, com seus poderes extra-sensoriais, ajudar a prenderem um incendiário, o tenente James Keegan não acreditou. Mas uma atração mútua, fulminante e devastadora, ateou fogo em seus corações! E o fato de India não gostar de ser tocada — pois através do contato físico ela conseguia ler a mente das pessoas — era-mais um desafio para James. Porque ele não conseguia afastar as mãos de India...

 

 

 

 

O que pensa que está fazendo? India olhou,   cautelosamente, para o marido, enquanto desafivelava as sandálias, na porta dos fundos da casa.

— Só vou dar uma volta.

Perry fechou os olhos com raiva. Nunca entendera a mania de India sair sozinha para longos passeios na praia. E especialmente naquela tarde de final de agosto, não. só pelas nuvens escuras sobre a baía de Cape Cod, mas também porque havia hóspedes. A mãe e as irmãs de Perry haviam acabado de chegar para uma última visita, antes que ele fechasse a casa de veraneio.

Só lhe peço que seja uma boa anfitriã por umas l.n-s, quatro horas — ele resmungou. — Você é minha mulher. Será que faria o favor de ficar por aqui e fazer seu papel apenas por uma tarde?

Perry passou os dedos pelos cabelos prematuramen­te grisalhos.

Quando India se casara com ele, dez meses atrás, os cabelos prateados foram uma das coisas que mais a haviam atraído. Jamais conhecera um homem tão sofisticado, e mal pudera acreditar na própria sorte quando, após um namoro de apenas seis semanas, Per­ry a pedira em casamento.

Porém, agora, os cabelos grisalhos e os lábios sempre contraídos cada vez mais lembravam-na de seu próprio pai. Principalmente quando Perry começava a pregar sermões sobre postura e comportamento. Na noite an­terior, deitada na cama, India se pusera a imaginar o que aconteceria, caso fizesse as malas, entrasse no seu carro Saab e fosse embora. Sozinha. Aquele pen­samento a enchera de satisfação.

— Estarei de volta em meia hora. Por favor Perry, farei o papel que você quiser quando voltar. Mas agora preciso ficar meia hora sozinha.

Com rudeza, ele a sacudiu pelos ombros.

— Não! Agora mesmo você vai servir uma bebida para minha mãe e para minhas irmãs. Elas nunca mudarão de idéia a seu respeito se não parar de fugir sempre que...

— Nunca irão mudar de idéia a meu respeito de qualquer maneira.

India se libertou do marido, esfregando os braços machucados. Agora ele começara também a ter modos bruscos, o que a fazia pensar se suas maneiras ultra-civilizadas não seriam apenas uma fachada.

— Se pelo menos você tentasse... — insistiu Perry.

— Não sou igual a elas.

India ergueu o queixo, mas o tremor na voz traía a frustração, o sentimento enorme de inutilidade.

— Você não se casou com uma debutante de Newport, Perry. Sou filha de um advogado de classe média, da humilde Mansfield, Nova Jersey. Não pertenço à alta sociedade. Tenho uma carreira e metas a alcançar que não têm nada em comum com torneios de pólo ou bailes de gala. Sua mãe e suas irmãs terão de conviver comigo do jeito que sou.

Virando-se em direção à praia, India tomou fôlego e acrescentou:

— E você também.

Caminhando pela praia particular, examinando o céu ameaçadoramente cinzento sobre as águas, India pensou que talvez devesse voltar. Virou-se e olhou para a casa. Mesmo a distância, podia visualizar Perry, todo de bran­co, e as três loiras esguias, com roupas claras de linho, apoiados na balaustrada do andar de cima. O sol do fim de tarde realçava os corpos bronzeados e fazia brilhar os copos em suas mãos. O som de uma risada feminina chegou até India, trazido pela brisa marítima.

Ela suspirou, pensando em ficar na praia só mais dez minutos. Consultou o relógio e continuou a cami­nhar, feliz por estar sozinha, uma solidão que sempre apreciou, desde criança. Somente nesses momentos podia ser ela mesma, sem precisar fingir.

Entregou-se à carícia da areia morna sob os pés descalços, à cadência relaxante das ondas quebrando na praia.

Dez minutos depois, decidiu que voltaria quando co­meçasse a chover. Ouvia trovões ao longe, mas o sol continuava a brilhar. Tinha tempo, até que a chuva desabasse. Quando alcançou a praia pública, viu que estava deserta. O estacionamento à direita, além das dunas, também. Ouviu-se o barulho de um trovão, e ela se assustou.

Contrariada, começou a voltar para casa.

India abriu os olhos.

Estava deitada de costas, a chuva caía. Sob seu cor­po, em vez de areia, sentiu a dureza do asfalto. Entrou em pânico quando tentou mover os braços, depois as pernas, e não conseguiu. Mal podia respirar, e seu coração batia descompassadamente. A chuva parecia penetrar em seu corpo, machucando.


Um trovão ressoou, seguido por raios que riscaram o céu escuro.

Fora atingida por um raio e desmaiara, compreen­deu, espantada.

Bem devagarinho, ergueu a cabeça. Olhando ao re­dor, constatou que havia sido atirada a uma boa dis­tância da praia até o estacionamento. Quando abaixou a cabeça novamente, sentiu uma dor intensa.

Passou-se algum tempo, até conseguir sentar-se. Viu sangue, muito sangue, em seu corpo e sobre o asfalto. Todos os membros doíam. Sabia que havia quebrado algumas costelas, quem sabe fraturara a clavícula. Com dificuldade, ergueu a mão, tocou levemente o ros­to, fazendo uma careta de dor. A face direita estava inchada e pegajosa de sangue.

A casa mais próxima era um chalé a alguns metros de distância. Havia uma caminhonete vermelha para­da na porta e luzes nas janelas. India tentou levan­tar-se, mas as solas dos pés estavam queimadas, e a dor era insuportável. Então, rastejou vagarosamente debaixo da chuva até que, finalmente, após o que pa­receu uma eternidade, alcançou a porta de entrada do chalé.

Caiu pesadamente, tentou bater, mas não conseguiu erguer a mão. Experimentou gritar, porém não foi pos­sível emitir um som sequer.

Diversas vezes bateu com o ombro na porta, até que, finalmente, abriram-na, e India tombou sobre um tapete.

— Oh, meu Deus! — gritou uma mulher. — Frank! Chame a polícia!

E India desmaiou.

Quando voltou a si, percebeu que podia se mover. Tubos brilhantes erguiam-se acima de seu corpo, e ela ficou olhando, numa espécie de hipnótica apatia. Ouvia um rumor abafado e sentia cheiro de anti-séptico. Pre­sumiu que estava sendo levada de maca pelo corredor de um hospital, e sentiu-se aliviada. Iriam tomar conta dela.

Durante as horas que se seguiram, permaneceu em um estado de semiconsciência. Cuidaram das queima­duras nos pós e trataram de sua clavícula. Saíra de casa sem nenhum documento, e as pessoas ao redor ficavam perguntando seu nome, mas India não conse­guia falar direito e ninguém entendia os sons que emi­tia. Deram-lhe um lápis para escrevê-lo, porém seus dedos não conseguiam segurá-lo.

Mesmo em meio ao grande torpor, India percebia, claramente, que algo estranho acontecia, cada vez que alguém a tocava: imagens distorcidas, como em um aparelho de televisão com defeito, surgiam perante seus olhos e logo desapareciam, antes que pudesse dar-se conta do que representavam, e ela se sentia invadida por estranhas sensações.

Havia algo naquele fenômeno que lhe era muito fa­miliar, mas não conseguia lembrar o porquê. Exausta e confusa, chegou à conclusão de que as ondas elétricas de seu cérebro foram abaladas pelo raio que a atingira na praia, e rezou para que aquilo fosse temporário.

Finalmente, transportaram-na para um quarto, onde ficou sozinha. Adormeceu, mas foi acordada no meio da noite por uma enfermeira loira, de meia-idade.

— Você é India Cook Milbank?

— Sim, sou.

Sorriu, mais por conseguir falar do que propriamen­te por lembrar-se de quem era.

A enfermeira fez um sinal e alguém entrou no quarto. Era Perry. Pela primeira vez em muito tempo, India alegrou-se em vê-lo, porém, quando o marido chegou perto, ela percebeu seu olhar de espanto. Bem, era de se esperar. Ela devia estar com péssima uma aparên­cia. Apesar dos problemas que atravessavam, rever Perry era reconfortante. India tentou alcançá-lo, e ele pegou sua mão, relutante.

Imediatamente, a televisão dentro de sua cabeça foi ligada. Ela viu seu próprio rosto em meio a luzes e som­bras. Deu-se conta de como estava inchada, dos ferimen­tos nas faces e na testa, dos cabelos negros chamuscados e em desalinho, e soube, com absoluta certeza, que essa era a visão que Perry estava tendo dela.

Não! Que não esteja acontecendo de novo!, rezou, porque subitamente entendeu, horrorizada, o motivo das visões estranhas: ela estava lendo os pensamentos das pessoas.

Já havia tido contato com aquele dom muito tempo atrás, e isso quase arruinara sua vida. Agora, o raio que a atingira havia feito com que voltasse.

Ver a si mesma através dos olhos de Perry já era ruim, porém, além disso, ele lhe transmitiu outras sen­sações. Uma onda de pura repulsa a envolveu, sem nenhum traço de amor, ternura ou afeição. O que India sentiu, ou melhor, o que Perry sentiu e transmitiu através de seu toque foi total repugnância. Ele não a via como uma mulher querida que precisava de com­paixão, mas como algo desagradável a ser enfrentado. Uma coisa irritante, feia e nojenta.

— India! Você está me machucando! Largue! Involuntariamente, ela havia apertado muito a mão do marido. Tentou soltar os dedos, mas eles não se moviam. Perry procurou se libertar, e com a ajuda da enfermeira conseguiu abrir a mão de India.

— Pronto! Não é bom ver o maridinho aqui? Posso preparar uma cama, se quiser, para ele passar a noite com você. Não seria...

— Faça ele sair. Deixe-me em paz, Perry!

A voz de India soou trêmula. Perry e a enfermeira se entreolharam.

— Vamos lá, querida.

A enfermeira pousou a mão no braço de India e, novamente, ela viu seu próprio rosto, os olhos aterro­rizados, e soube o que a outra mulher estava pensan­do... queria dar-lhe um sedativo bem forte.

— Não!

India enxotou a enfermeira desajeitadamente, fa­zendo uma careta de dor.

— Vá embora! Não me toque!

Perry agarrou seu ombro. A imagem voltou: sentiu e viu o nojo do marido por ela.

— India, pare com isso. Agora! — gritou ele.

— Não me toque! Deixe-me sozinha! — ela berrou, contorcendo-se.

Outras pessoas entraram no quarto. Mãos fortes a seguraram, enquanto se debatia, sua mente era um caleidoscópio de imagens e sensações desconexas. Al­guém machucou seu braço, ao tentar segurá-la. India sentiu o frio do álcool sendo esfregado na pele, seguido da picada de uma agulha.

— Deixem-me só — gemeu, enquanto seus músculos relaxavam e as pálpebras ficavam pesadas. — Quero ficar sozinha. Foi isso o que sempre quis.

 

O tenente James Keegan entrou na de­legacia de Mansfield, Nova Jersey, can­tarolando. O sargento de plantão avisou:

— Bom dia, tenente. O capitão quer vê-lo. Há uma moça esperando para falar com o senhor no escritório, e... Voltou-se para uma senhora carrancuda, a um canto da sala.

— Já era hora de você chegar, Keegan — resmungou a senhora, tirando um bloco de estenografia do bolso. Sylvie Hazelett era uma mulher baixa, com um vozei­rão impressionante.

— Desculpe, Sylvie, estou mesmo atrasado e... Sylvie o interrompeu:

— Uma entrevista de cinco minutos, Jamie. Vou à redação amanhã, e o Courier é um semanário, portan­to, se eu esperar muito por essa história, já será uma notícia velha quando meus leitores a lerem.

— Que história? — perguntou Keegan. O sargento informou:

— É sobre isso que o capitão Garrett quer lhe falar, tenente.

— A história do incendiário — explicou Sylvie.

— Chegou outro bilhete esta manhã, assinado por "O Vaga-lume", igual aos outros três — informou o sargento. — Diz que vai atacar de novo, esta semana.

 

Jamie soltou um palavrão. O primeiro bilhete havia chegado três semanas atrás. Quatro dias depois, no meio da noite, o estabelecimento nos fundos de uma loja de conveniências ardera em chamas. Todos na ci­dade deram graças a Deus por não ter sido pior.

Após mais alguns dias, chegara outro bilhete, se­guido de mais um incêndio, pior que o anterior. Uma casa em construção virará cinzas. As pessoas em Mans­field começaram a ficar inquietas.

O terceiro precipitara uma série de especulações so­bre qual seria o próximo alvo do Vaga-lume. Acabaram por descobrir que se tratava de uma hospedaria de beira de estrada, chamada Little Eddie. Havia quei­mado rapidamente, ao alvorecer, uma semana atrás. Felizmente, sem vítimas, porém Jamie Keegan ansiava por deter o incendiário, antes que o pior acontecesse.

— Cada incêndio vai se tornando mais audacioso que o anterior — disse Sylvie. — Você é o encarregado do caso, então a mulher que o aguarda lá em cima tem algo a ver com a história. Talvez saiba a respeito do bilhete de hoje.

Com um suspiro, Keegan virou-se para o sargento.

— Ela sabe?

— Não sei lhe dizer, tenente. Apareceu aqui há qua­renta e cinco minutos, perguntando pelo senhor.

Sylvie reclamou:

— Eu não posso ficar esperando, Keegan. Pensando melhor, ela deve ser apenas uma das suas conquistas.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Uma de minhas conquistas? Sylvie, você exagera no meu poder de sedução.

— Querido, você é alto, moreno e bonitão. E tem um emprego bastante razoável também. Isso já o trans­forma em um bom partido, sem contar o sotaque ir­landês, mais um dos motivos que o tornam tão atraente. Garanto que há dúzias de mulheres, só aqui em Mansfield, que venderiam a alma para conquistá-lo.

— Descobrindo uma delas, pode me conseguir o nú­mero do telefone? Já que você insiste em bancar a difícil...

— Agora entendo por que está sempre me despindo com os olhos — brincou a jornalista.

— Tenente!

A voz era de um homem magro, apoiado no batente da porta do corredor. Jamie acenou.

— Capitão. Deseja falar comigo?

— Não tenho pressa, tenente — disse Sam Garrett, o capitão, com seu sotaque texano.

Tinha o rosto muito vincado e cabelos grisalhos, pa­recendo um cowboy envelhecido, deslocado naquela de­legacia. Olhando de Jamie para Sylvie, continuou:

— Espero até você acabar de tentar seduzir a srta. Hazelett.

— Se eu não tivesse o dobro da idade dele, bem que gostaria da idéia de ser seduzida — disse Sylvie, indo embora.

A expressão de Garrett tornou-se séria. Estendeu uma folha de papel para Jamie, uma fotocópia de um bilhete escrito com letras recortadas de revistas, igual ao anterior.

"Minha caixa de fósforos está falando comigo. Algu­ma coisa vai arder esta semana. O Vaga-lume."

— O bilhete original está no laboratório com o perito em documentos, mas posso declarar, de ante­mão, que não vai encontrar nenhuma pista, nenhuma impressão digital, com certeza — disse o capitão. — Temos um piromaníaco que pretende incendiar outro prédio em Mansfield, entre hoje à noite e a próxima segunda-feira. Se agir como das outras vezes, vai atacar de madrugada, usando querosene para acelerar o fogo. O que acha?

Keegan deu de ombros, desanimado.

— Não tenho nenhuma pista. Por onde, diabos, devo começar?

— Fale com a moça lá em cima. Descubra o que ela quer. Se houver alguma conexão com o caso, sugiro que analise muito bem, e rápido — comandou o capitão Garrett.

Keegan subiu as escadas, encheu duas xícaras de café e ficou parado à porta de vidro de seu pequeno escritório, observando a mulher sentada em frente à escrivaninha.

Para a tia de James, Bridey, observar a aparência e os gestos de uma pessoa chamava-se: "estudar o ter­reno". Sua tia procurava sempre saber se estava li­dando com um ingênuo e se ele tinha dinheiro. Na faculdade, James aprendera a observar as pessoas para que o ajudassem em seu trabalho.

Pelos seus cálculos, a mulher que o aguardava tinha uns trinta e cinco anos. Cabelos negros, semi-longos, pele clara, físico delgado, altura mediana. Usava calça jeans desbotada, e aquele era o único toque colorido em seu traje. O suéter de gola alta, as botas e a bolsa eram pretos, assim como as lentes dos óculos que es­condiam seus olhos.

Até as luvas de couro que usava eram pretas, em­bora estivessem no início de novembro e não fizesse muito frio.

Além do mais, estava dentro da delegacia fazia quase uma hora, portanto, por que usar luvas? Ou óculos escuros? As pessoas se comunicavam através das mãos e dos olhos. Cobri-los dessa maneira era, sem sombra de dúvida, um sinal: "Não quero aproximação".

Keegan abriu a porta e colocou as xícaras sobre a escrivaninha.

— Bom dia. Desculpe-me por tê-la feito esperar tanto. A mulher fez um aceno seco, cauteloso.

James estendeu a mão. Ela disfarçou, olhando para as duas xícaras.

— Uma delas é para mim? — perguntou em voz baixa.

Após um momento, vendo que ela não iria apertar-lhe a mão, Keegan entregou-lhe uma xícara. Ela acei­tou, sem tirar as luvas. Sua voz era delicada, revelando uma pessoa educada.

O tenente apresentou-se.

— Sou James Keegan.

— Sim, eu sei, tenente.

A visitante levou a xícara à boca e soprou o café quente. Seus lábios eram a única parte do rosto que o investigador podia examinar. Bem desenhados, como a boca de uma boneca de porcelana. Devia estar usando apenas brilho labial. Jamie ficou pensando por que as mulheres gastavam tanto dinheiro em cosméticos para aparentar que não estavam pintadas.

Ele sentou-se, tirando um caderninho azul espira-lado do bolso.

— Qual é o seu nome?

Houve uma pausa. Keegan percebeu que ela engoliu em seco, antes de responder:

— Maria...

— Maria Ninguém? — brincou o tenente. Um leve rubor cobriu as faces da visitante. Com gentil autoridade, Jamie prosseguiu:

— Se me der um nome falso, vou ficar sabendo logo. Senhorita... senhora...

— Doutora. India Cook.

— Doutora em quê?

— Precisa anotar tudo? — ela questionou, franzindo a testa. — Sem dúvida. Agora, poderia me responder... — Sou veterinária. Especializada em gatos. — Verdade? Odeio gatos!

— Medo de gatos significa que, provavelmente, tem algo a esconder.

— Não falei que tenho medo deles. E, por favor, poderia tirar os óculos? Gosto de ver os olhos das pes­soas com quem converso.

Ela hesitou, e Keegan ficou pensando que talvez a visitante estivesse com um olho roxo ou, pior, fosse desfigurada. Porém, muito devagar, ela tirou os óculos, ajeitando-os no alto da cabeça.

Quando ergueu o rosto, Keegan prendeu a respiração.

Os olhos da jovem eram... Nunca vira nada parecido. Eram extremamente lindos, amendoados, de um cas­tanho acobreado, sob longas sobrancelhas, que lhe da­vam um ar dramático.

Ela era linda, uma beleza.

Seria por esse motivo que usava os óculos? Para que os homens não perdessem a fala ao vê-la? Para que não ficassem encarando-a, como bobos, como ele fazia agora?

— Obrigado — murmurou o tenente. Disfarçando seu embaraço, abaixou a cabeça sobre o caderninho e fez uma anotação. Depois, leu para si mes­mo o que escrevera: "Os mais belos olhos que já vi".

— Não deseja saber por que estou aqui? — pergun­tou a dra. Cook.

— E claro. Estava esperando que... ficasse à vontade. Tem alguma informação para a polícia?

Ela mexeu no suéter com gestos nervosos.

— Tenho informações sobre um crime.

— Um crime? — repetiu Jamie.

Talvez a doutora realmente soubesse algo sobre o bilhete.

Keegan remexeu na gaveta da escrivaninha e retirou um pequeno gravador, ligando-o.

India Cook pareceu aborrecida. Suas pupilas se transformaram em dois pontinhos negros, os olhos bri­lhavam como moedas de ouro.

Keegan explicou:

— Preciso gravar suas declarações.

— Então vou embora.

Assim dizendo, India levantou-se e pegou seu casaco no cabideiro.

— O quê? Não pode simplesmente...

— Vai tentar me deter aqui, contra minha vontade?

Ele se ergueu e deu a volta na escrivaninha.

Colocou as mãos sobre os ombros de India, no mo­mento em que ela segurava a maçaneta da porta. Ofegante, ela recuou para um canto, segurando o casaco como um escudo.

Jamie levantou as mãos, em um gesto de paz, no­tando como os olhos dela estavam amedrontados, antes que voltasse a se controlar.

Algo acontecera a ela, algo ruim. Nenhuma mulher reagiria desse modo ao ser tocada, a não ser que tivesse sofrido um ataque. Assalto? Estupro? Por isso estava ali na delegacia? Maldizendo mentalmente sua falta de sensibilidade, ele recuou.

— Pode partir a hora que quiser. Não vou impedir, nem tocá-la de novo. Prometo.

Voltando a sentar-se à escrivaninha, apontou para a outra cadeira.

— Por favor, desculpe-me. Não quer sentar-se novamente?

India Cook relanceou um olhar para a porta e voltou a encobrir o rosto com as lentes escuras. Mantendo no colo o casaco todo amassado, sentou-se.

Jamie respirou fundo. Seria um milagre se conse­guisse fazer com que ela confiasse nele agora, mas iria tentar.

— Pode me contar o que aconteceu?

Com o caderninho sobre os joelhos, girou a cadeira, de modo a ficar de costas para a doutora. Isso iria ajudá-la a relaxar.

India começou:

— Na semana passada, um novo gato apareceu. Te­nho um barracão nos fundos de casa, e, quando o tempo começa a esfriar, coloco um aquecedor para os gatos de rua que alimento. Daí, notei esse novo hóspede, preto-e-branco, de pêlos curtos. Parecia ser macho, mas não conseguia me aproximar dele, pois, sempre eu que chegava perto do abrigo, todos os gatos escapavam.

Gatos? Imaginando aonde essa conversa iria levar, Jamie indagou:

— Onde fica sua casa? Vive na cidade?

— Nos arredores. Minha casa fica próxima à hos­pedaria da estrada.

Keegan a encarou.

— A Hospedaria Little Eddie? A que pegou fogo na semana passada?

— Exatamente. Moro no número quatro da estrada Crescent Lake.

— Há muito tempo?

Keegan sabia, de antemão, que a resposta seria ne­gativa, pois, se fosse uma antiga moradora de Mansfield, já a teria reconhecido. Mansfield, apesar de ser classificada como cidade, não passava, de fato, de um vilarejo grande. Ele conhecia de vista quase todos os habitantes, e a maioria pelo nome.

— Mudei-me para cá em primeiro de setembro deste ano. Moro na casa que pertencia a meu pai. Cresci lá. Meu pai morreu na primavera passada e deixou-me a casa como herança.

Keegan estalou os dedos, fazendo uma descoberta.

— Você é a filha de Henry Cook! Ela fez um aceno afirmativo.

O advogado Henry Cook havia defendido boa parte dos maus elementos que Jamie prendera durante seus dez anos na polícia de Mansfield, mas não era por esse motivo que Jamie nunca havia gostado dele. O problema fora a personalidade de Henry Cook, que se julgava um homem cheio de virtudes, o tipo que só considera certo aquilo que faz. Jamie não lamentava sua morte, mas, educadamente, disse:

— Meus pêsames.

— Obrigada. Vivi em Nova York nos últimos três anos. Antes disso, em New Port, Rhode Island. Quero dizer, a maior parte dos anos. Nós viajávamos muito, tínhamos casas em diversos lugares.

Nós. Não ocorrera a Jamie que ela pudesse ser ca­sada. Automaticamente, olhou para a mão esquerda de India, mas, se existia uma aliança, estava encoberta pela luva. Ficou surpreso ao sentir uma grande frus­tração. Acabara de conhecer aquela mulher e lá estava, como um garoto de escola, com ciúme de um marido de New Port, Rhode Island, que tinha "casas em di­versos lugares".

Ela percebeu o olhar curioso do tenente sobre sua mão esquerda.

— Sou divorciada.

O humor do policial pareceu melhorar. Ela não era mais casada.

— Por favor, agora continue sua história sobre o gato. A doutora brincou com a alça da bolsa.

— Reparei que ele mancava ligeiramente. Finalmente, ontem, consegui segurá-lo. Levei-o até a sala de exames e descobri que todas as quatro patas e parte da anca direita estavam queimadas. Fiz curativos nos ferimentos e ministrei antibióticos.

Jamie parou de tomar notas e olhou para India.

— Queimaduras. Tem certeza? Quero dizer, devem ser ferimentos antigos...

— Fênix apareceu na semana passada, justamente depois que a hospedaria da estrada pegou fogo.

— Chama o gato de Fênix? — perguntou o tenente, India confirmou.

— Ele renasceu das cinzas, como Fênix, o pássaro mitológico. Seus pêlos estão chamuscados e cheiram um pouco a querosene. Tenho certeza de que ele estava no Little Eddie quando ocorreu o incêndio.

— Então é por isso que veio me procurar?

India acenou afirmativamente, porém, pelo terror que demonstrara ao ser tocada, Keegan podia jurar que fora molestada no passado, um fato lamentável, mas muito comum. De qualquer modo, isso nada tinha a ver com o caso do incendiário. E era nos incêndios criminosos que o tenente precisava se concentrar.

India Cook suspirou.

— Mas tenho ainda outras coisas para contar.

— Prossiga.

— Gostaria que não revelasse a ninguém o que vou lhe dizer agora.

India voltou a tirar os óculos escuros, olhando-o com um ar de súplica.

— O que deseja me contar?

Um olhar infeliz sombreou as belas feições da dra. Cook.

— Não quero ser a louca da cidade, é isso. Só desejo contar o que sei, sair daqui e ficar sozinha. É tudo o que peço e tenho medo de que, se as pessoas souberem o que vou lhe dizer, você...

Keegan assumiu uma expressão sincera è lançou um rápido olhar para o gravador ligado em cima da escrivaninha, observando a luzinha vermelha acesa.

Deliberadamente, fechou o caderninho e guardou-o no bolso.

— Agora, pode contar. Estamos a sós. India mordeu o lábio, muito nervosa.

— Por favor, prometa que não vai me julgar louca. Keegan sorriu com indulgência.

— Prometo.

Após um momento de hesitação, ela começou:

— Eu... pressinto coisas. Digamos que consigo ler mensagens vindas de pessoas, animais e até de objetos inanimados. Leituras extra-sensoriais.

Keegan ficou olhando para a visitante, dissimu­lando cuidadosamente qualquer reação. Não acredi­tava em paranormais ou videntes. Seria mesmo lou­ca? Ou uma farsante esperta? Não podia acreditar, vendo seu olhar meigo e jeito frágil. Ela era sedu­toramente intrigante.

Pensou de novo em tia Bridey, como era maquiavé­lica ao elaborar seus planos, adotando uma nova per­sonalidade para cada criatura ingênua que desejava enganar. Com raiva, concluiu que era lógico achar India Cook intrigante, pois era exatamente o que ela queria que pensasse. Aquela mulher bonita ali sentada sabia exatamente o que estava fazendo e desempenha­va seu papel muito bem.

Keegan levantou-se, dirigiu-se até a porta e disse secamente:

— Obrigado pela visita, dra. Cook. Entraremos em contato, caso precisemos falar com você.

India franziu a testa, erguendo o queixo em desafio, e encarou o policial friamente. Recolocou os óculos, mas não fez menção de se levantar.

— Não gosto de ser dispensada, tenente.

— E eu não gosto de fazer papel de bobo, doutora. Ela cruzou os braços, mirando-o com uma postura teimosa.

— Possuo poderes paranormais de verdade, tenente. Há três anos eles se manifestaram. Antes disso, tam­bém, quando eu era criança, por um curto tempo.

— Dra. Cook, encontrou o policial errado para contar essas lorotas.

— Estou falando com o investigador responsável pelo caso dos incêndios criminosos. Li no Mansfield Courier. Por que não acredita em mim?

— Tenho meus motivos. Agora, se me der licença...

— Não posso sair daqui sem contar o que sei. No caso do incendiário voltar a atacar, ficaria cheia de remorsos por não ter tentado impedir.

Keegan bufou, impaciente, sentou-se e acenou com a mão, como se dissesse: "Vá em frente".

India Cook umedeceu os lábios, demonstrando ner­vosismo. Estaria com medo de não ter ensaiado bem seu papel? Ou, talvez, pensasse que, com aquele gesto sensual da ponta da língua nos lábios de boneca, iria deixar o tenente louco.

Bem, não ia dar certo. Sem dúvida que era uma mulher atraente. Se não fosse pela revelação de seus poderes paranormais", até que ele, Keegan, poderia lar asas à imaginação e fantasiar sobre a linda boca unida, a maciez dos lábios e a sensualidade da língua em sua pele. Poderia imaginar como seria tocá-la, as bocas unidas em um longo beijo.

— Está me ouvindo, tenente?

India o despertou do devaneio, e ele se espantou com a rapidez com que ficara excitado. Em três segundos.

— Sim, claro. Dizia...

— Que tenho dois tipos de percepção extra-sensorial.

 

A primeira acontece quando toco algo vivo, uma pessoa ou um animal. Posso ler seus pensamentos. Isso se chama telepatia. A segunda acontece quando tenho visões através de objetos inanimados. São apenas resquícios de energia deixados por quem os tocou, antes de mim. Isso se chama...                                            

— Psicometria — adiantou o tenente.                    

— Sim. Entende de fenômenos psíquicos?              

— Oh, sem dúvida — respondeu Keegan com sarcasmo, a excitação que sentira momentos atrás, diminuindo.

India continuou:                                                      

— Quando, pela primeira vez, toquei Fênix, o gato, í imediatamente tive uma visão de labaredas circundando-o. Pude sentir como estava aterrorizado e indefeso. 5 Depois, quando limpava e medicava suas queimaduras, vi o rosto de um homem jovem, de cabelos pretos. Havia uma espécie de porão ou oficina em um velho prédio. Vi escadas com um estranho corrimão de aço com de­senhos, porém o prédio não estava em chamas.

Keegan não conseguiu conter o riso.

— Viu tudo isso através de um gato?

— Foram visões muito fortes e detalhadas. Emoções intensas criam as mais intensas energias. Tenho pavor de fogo e foi exatamente isso o que Fênix sentiu no incêndio da hospedaria da estrada.

Jamie levantou-se.

— Obrigado, novamente, por ter vindo dar seu de­poimento, dra. Cook.                                                  

— Eu poderia reconhecer o rapaz de cabelos escuros, se o visse — insistiu a doutora. — Reconheceria aquele rosto em qualquer lugar. Não gostaria que visse os' arquivos de fotos da delegacia?

E talvez possa trazer o gato e examinar as fotos| com ele. Era de morrer de rir!                                  

— Não será necessário, obrigado.                          

Depois que India saiu, Jamie pegou o gravadorzinho e ouviu a fita.

— India Cook! É você mesma?

India viu Sam Garrett avançando em sua direção, em meio ao tumulto da delegacia de Mansfield. A filha de Sam fora sua melhor amiga na época de escola. Eram inseparáveis, e India praticamente vivera na casa dos Garrett. Entretanto, só vira o capitão duas vezes, depois que partira para a faculdade, quinze anos atrás: uma vez no seu suntuoso casamento em New Port, e no enterro do pai, ali mesmo em Mansfield, em maio último. Mas em nenhuma dessas ocasiões tiveram oportunidade de conversar.

— Capitão Garrett, como vai?

O policial estendeu a mão, porém India disfarçou, tirando os óculos.

— Meu nome é Sam — corrigiu o velho capitão em tom cordial —, e eu estou ótimo. Vou me aposentar dentro de cinco meses, três semanas e quatro dias. E você? Nadando em dinheiro com o marido milionário?

— Na verdade, Perry era quem nadava em dinheiro. Casei com separação de bens, ele continua rico, e eu pobre, após o divórcio.

Sam ficou embaraçado.

— Desculpe, menina. Não sabia.

— Vivo aqui, agora. Mudei-me para a casa de papai há alguns meses. Transformei a entrada e o escritório <'in sala de espera e consultório, e comecei a clinicar.

— E, então, o que a trouxe hoje ao meu humilde local de trabalho?

India hesitou, imaginando o que poderia contar a ele. Lembrou-se de como sempre o julgara o tipo do pai ideal: firme, mas justo, um espírito compreensivo.

Tomando fôlego, contou-lhe os fatos mais importantes dos últimos quatro anos de sua vida. O raio que a atingira na praia, os estranhos poderes extra-sensoriais e, finalmente, sobre Fênix e a visão do rosto do rapaz.

Sam a observava, e India temeu que a pusesse para fora, como fizera aquele antipático tenente Keegan.

Porém, Sam acabou sorrindo.

— Ouça bem. Só para tirarmos isso a limpo, vamos examinar algumas fotos nos arquivos. O que você acha?

Momentos depois, India estava sentada em frente a uma mesa grande, do lado de fora do escritório de Sam, examinando álbuns de fotografias. Sam Garrett simplesmente disse:

— Tente encontrar o rosto que viu.

Bem que seu pai poderia ter tido, pelo menos, a metade da compreensão de Sam, aceitando-a como era.

Tentou rever, mentalmente, o rosto de sua visão nos álbuns de fotos, um jovem bonito, de cabelos negros e olhos penetrantes. Havia centenas de fotos e, depois de um certo tempo, começou a sentir que não iria des­cobri-lo ali. Todos aqueles rostos começaram a se em­baralhar à sua frente, adquirindo as feições do... te­nente Keegan.

Apesar de ser ora gentil, ora antipático, India tinha de admitir que Keegan era lindo.

Suas feições eram marcantes, a testa, larga, o quei­xo, firme e o nariz, perfeito, em estilo romano. Possuía cabelos escuros e longos, que teimavam em cair na testa, e uma boca sempre prestes a se abrir em um sorriso jovial.

Seu terno azul-marinho nada tinha de especial, em comparação com os que o ex-marido de India, Perry, mandava fazer em Milão. Perry insistia em enchimen­tos nos ombros a fim de dar a impressão da força atlé­tica que tanto admirava, mas que não possuía. Poderia continuar gastando milhões de dólares com seus ter­nos, mas jamais teria a figura do tenente Keegan.

Além disso, havia um ar de autoridade no policial que demonstrava estar pronto para enfrentar qualquer situação.

O tipo de homem que os outros respeitam.

Por outro lado, as mulheres deviam adorá-lo. Sua beleza máscula, a voz profunda e um pouco rude, com ligeiro sotaque irlandês, e os olhos azul-escuros, com lampejos irônicos. O tenente Keegan exalava sensua­lidade por todos os poros, e ficar perto dele era um perigo, ainda que fosse um tipo tão irritante.

 

James Keegan viu India do lado de fora da sala do capitão. Sam Garrett chamou-o, dirigindo-se para sua sala.

— Poderia entrar um minuto? Jamie fechou a porta.

— Aquela moça é uma artista e tanto, Sam. Gravei sua declaração e tomei nota das partes mais impor­tantes que você vai achar bem engraçadas.

Sam foi breve e direto.

— Quero que trabalhe com ela no caso do incendiário.

— Que absurdo! Estamos sendo manipulados por ela. Ou melhor, você está sendo. Quero que saiba que me oponho a ser ajudado por essa mulher.

— Que mal pode haver nisso? — perguntou Garrett.

— Que bem pode haver? Pelo amor de Deus, Sam, não estamos tão desesperados assim.

Garrett passou uma das mãos pelos cabelos.

— Estamos desesperados, sim. Precisamos deter esse incendiário, mas não temos pistas. Só podemos contar com a ajuda de India Cook.

— Quando tudo falha, chama-se o curandeiro da tribo, hein? — ironizou Keegan. — Não acredito que você esteja levando a sério essa brincadeira de poderes extra-sensoriais.

— Eu dou as ordens a você, lembra-se? Ainda sou o capitão... pelo menos até abril. Aí, então, você assu­mirá o comando. Mas até lá...

— O que o faz ter tanta certeza de que vão me oferecer o posto?

O capitão deu uma risadinha.

— Você é o melhor policial de Mansfield, o que tem a maior chance de ficar com o cargo. Quer ser capitão ou não quer?

Não havia palavras que descrevessem o quanto Ja­mie desejava aquele posto. Concordou, com um sorriso, e Garrett deu-lhe um tapinha no ombro.

— Então, resolva esse caso dos incêndios. Isso selará a sua promoção.

Jamie resmungou:

— Acredite, quero solucionar o mistério. Mas não desejo trabalhar com a "conexão paranormal", sentada lá fora. Não preciso de bruxaria.

— Muitos departamentos de polícia trabalham com paranormais, Jamie. Você sabe disso. Até o FBI e a CIA.

— E verdade. A cada minuto, nasce um otário neste mundo.

— Então, você está olhando para um agora — re­bateu Sam. — Como seu capitão, ordeno que empregue os serviços de India Cook para resolver esse caso.

Suspirando, Jamie teve de obedecer, e Garrett confidenciou:

— Vou mostrar a India o terceiro bilhete e quero que você esteja presente. Ela ignora a existência do quarto recado, de modo que será um teste.

Ligeiramente surpreso, Jamie riu.

— Você quer ver se a dra. Cook tem poderes para adivinhar sobre o quarto bilhete desta manhã. Afinal, não é tão crédulo quanto eu pensava.

— Não, não sou crédulo, mas tenho mente aberta. Até certo ponto. Vi India Cook crescer, gosto e confio nela, porém, mesmo assim, uma pequena prova não vai fazer mal. Considere como... uma pesquisa.

Jamie continuou com seu risinho malicioso, e Sam acrescentou:

— Uma experiência amigável, e gostaria que fosse educado. Ela é uma boa moça, não importa o que você pense. Caia nas suas boas graças. Você sabe ser char­moso quando quer.

Jamie rendeu-se. Sam sempre conseguia vencer uma discussão.

— Farei o possível, mas não aposto na dra. Cook.

— Bom menino — murmurou Sam, indo ao encontro de India.

Ela ergueu as mãos num gesto de desânimo. Não havia reconhecido o homem de sua visão. Encarando Sam, puxou os óculos para o alto da cabeça e, nova­mente, Keegan teve a visão dos olhos maravilhosos que não deixavam um homem raciocinar claramente.

Ela fazia bem seu papel, segundo a opinião do te­nente. Comparada a ela, tia Bridey não passava de amadora no mundo dos falsos paranormais. Bridey sempre fora muito óbvia, ansiosa por publicidade. Sua exuberância causava suspeitas, especialmente nos po­liciais desconfiados que ela tentava "ajudar" a fim de consolidar a reputação de vidente.

Ao contrário, India Cook era sutil, confiável. Sua fingida timidez, sua insistência em ficar sozinha, era a melhor atuação que ele já vira. Acrescentando-se a isso o fato de ter um título universitário: todo o mundo acredita em médicos. Sim, Jamie podia entender como alguém tão astuto quanto Sam Garrett pudesse cair naquela esparrela.

A comédia sobre não querer ser tocada...

Provavelmente, Keegan também teria acreditado, se não fosse pelo seu passado e experiência com tia Bridey.

 

Era melhor que ninguém soubesse de nada. Se os cidadãos de Mansfield descobrissem sobre a juventude malcomportada de James Keegan, jamais chegaria a capitão.

E ele desejava, com todas as forças, subir na vida.

India foi convidada a entrar na sala, e Sam abriu um envelope pardo que continha um bilhete original do incendiário, envolvido em plástico. Entregou-o à dra. Cook.

— É este o bilhete, India. Deseja que eu tire a capa de plástico?

— Não. Posso ler através do plástico, se não for muito grosso.

Assim dizendo, segurou o bilhete entre as palmas das mãos, concentrando-se.

— Objetos inanimados emitem leituras muito fracas, mas a pessoa que enviou este bilhete teve de manu­seá-lo muito para colar todas estas letras, e isso au­menta as vibrações.

Fez uma pausa, os olhos cerrados.

— O autor do bilhete estava pensando sobre os in­cêndios que provocara até então, incêndios tão... sem importância, a seu modo de ver. Essa pessoa os pro­vocou pensando em algo maior, sua grande meta. Isso faz sentido?

Jamie impacientou-se. Qualquer cigana que lia a sorte, cheia de pulseiras nos braços, dominava aquele truque: começar a fazer perguntas para saber mais a respeito, procedendo, então, à "leitura parapsicológica". Se fingisse bem, nove entre dez otários acreditariam na história.

Sam, propositalmente, manteve uma expressão neu­tra. Apenas respondeu:

— Prossiga.

A dra; Cook fechou os olhos, continuando:

— O incendiário não vai parar por aí, tenho certeza. Esse homem pretende dar continuidade a seus crimes, enviar mais bilhetes e incendiar outros prédios.

— Pode-me falar mais sobre ele? — perguntou Sam.

— Sinto... arrogância. Extrema arrogância. Mas ne­nhuma descrição física. Tudo conduz para um deter­minado objetivo. Algo muito grande, espetacular.

Estremecendo, a dra. Cook abriu os olhos, finalizando:

— O derradeiro incêndio será devastador. Tenho cer­teza de que já enviou um quarto bilhete.

Sam concordou:

— Sim, chegou esta manhã.

— Você estava me testando, Sam? — perguntou India, contrariada.

O capitão assentiu:

— Foi muito rude de minha parte. Peço desculpas, mas estou impressionado por saber que você descobriu sobre o quarto bilhete.

Virou-se para Jamie.

— O que pensa agora, rapaz? Jamie deu um sorriso evasivo.

— Talvez a dra. Cook tenha ouvido falar a respeito do quarto bilhete, quando chegou à delegacia, esta manhã.

India levantou-se, ofendida com a insinuação.

— Não, tenente. Não ouvi nada a respeito;

Sam interferiu prontamente, tentando evitar uma discussão:

— Acho que Keegan é muito desconfiado, India, mas também tem sexto sentido.

Keegan ia responder, mas Sam interrompeu.

— Como se explica estar dirigindo perto da loja, "ter tido a sensação" de que algo estava acontecendo lá dentro, dar meia-volta com o carro e impedir um assalto? Ou aquela vez em que uma velhinha desapa­receu e você foi procurar exatamente...

— Palpites, apenas palpites — explicou Jamie.

— Palpite é sinônimo de sexto sentido — rebateu o capitão.

Jamie protestou, erguendo as mãos:

— Chamo a isso de raciocínio dedutivo.

O capitão encerrou a discussão, dizendo a India:

— Ficarei muito grato se concordar em trabalhar no caso com o tenente Keegan. Precisamos de toda ajuda possível.

India ergueu as sobrancelhas em um gesto gracioso.

— Tenho a impressão de que o tenente acha que pode passar muito bem sem minha ajuda. Cooperação não funciona, amenos que seja mútua.

— O tenente Keegan irá cooperar com você, India.

— Sam sorriu, lançando um olhar ameaçador a Jamie.

— Ele é teimoso, mas esperto o bastante para não ser insubordinado a esta altura... delicada de sua carreira.

A dra. Cook pareceu hesitar.

— Não sei, Sam. Acho que não vai funcionar. La­mento ter vindo aqui. Fui exposta ao ridículo e nem mesmo descobri o rosto de minhas visões nas fotos de seus criminosos.

Jamie pensou que ela poderia receber um Oscar pela pequena cena de jovem ofendida. Como era esperta aquela mulher.

— Será um favor --- pediu Sam. India pareceu pesar aquelas palavras.

— Está certo. Mas me reservo o direito de deixar o caso a qualquer momento.

— Concordo — disse Sam. Em seguida, perguntou:

— O porão que visualizou tinha uma escada com cor­rimão de aço em que havia desenhos... do que mesmo? Pássaros?

Ela concordou:

— Havia uma decoração com pássaros. Talvez por causa disso, Fênix gravou na memória, pois gatos sem­pre notam passarinhos.

Jamie tentou trocar olhares com Sam, porém o ca­pitão o evitou propositalmente.

— O que mais, India? Que tipo de pássaros? Ela deu de ombros.

— Não sei de que espécie. Tinham cristas.

— Cristas. Como o quê?

— Como cardeais. Acho que eram cardeais... Com um ar de surpresa, India riu.

— Cardeais! Eram mesmo cardeais!

Dessa vez, Sam olhou na direção de Jamie, com ex­pressão interrogativa. Jamie balançou a cabeça. Na verdade, não entendia nada daquela conversa.

— Editora Lorillard! — exclamou India Cook, de repente, com animação.

Os dois homens ficaram olhando pára ela, sem nada entender.

— É claro que já ouviram falar das publicações Lorillard. Jamie respondeu secamente:

— Seria esquisito não ter ouvido, já que é a maior fonte de empregos da cidade.

Sam disse:

— Não vejo relação com cardeais. Publicam livros de contabilidade, e não sobre aves.

India explicou:

— Não vê a relação porque não viveu muito tempo em Mansfield.

— Vinte anos não é muito tempo? — provocou Sam.

— A Editora Lorillard foi fundada vinte e cinco anos atrás — India continuou. — Alden Lorillard abando­nou a profissão de advogado, comprou dois prédios de­sabitados no centro da cidade e transformou-os em uma editora. Seu depósito era o antigo ginásio da ci­dade, e o prédio ao lado, onde funciona o escritório da editora, era.

Sam estalou os dedos, compreendendo.

— Cardeal alguma coisa...

— Companhia de Máquinas de Escrever Cardeal — ela completou. — Eu tinha sete anos quando o velho Alden fundou a Editora Lorillard.

Keegan ergueu as sobrancelhas, ao perguntar:

— Alden? Você o chama pelo primeiro nome?

— Ele era sócio de meu pai no escritório de advo­cacia. Sempre foram bons amigos.

— Hum...

Jamie pôs as mãos na cintura e olhou-a bem nos olhos.

— Deixe-me entender isso direito. Você acha que o corrimão de aço de sua visão, obtida através de um gato, pertence aos escritórios da Editora Lorillard.

A dra. Cook conservou um silêncio frio, voltando-se, então, para Sam.

— Talvez o homem de minha visão trabalhe para a Lorillard. Gostaria que perguntasse a Alden se man­tém fotos de seus funcionários.

— De antemão, posso dizer que não mantém. Alden administra seus negócios de um jeito muito próprio. Só temos uma opção: vocês dois deverão montar guarda perto da Editora Lorillard, das três e meia às cinco e meia da tarde, quando os funcionários vão embora. A dra. Cook deverá procurar pelo rosto conhecido. Algu­ma pergunta?

Jamie soltou um longo suspiro.

— Vou buscá-la às três e quinze, dra. Cook. Até logo.

— Tenente, espere — ela pediu. Jamie deu meia-volta.

— O que foi agora?

— Isto não é seu?

Aproximando-se da mesa de Sam, ela pegou o caderninho azul de Jamie. Estendeu-o para o tenente, mas, subitamente, afastou-se, franzindo a testai

Sam perguntou:

— O que aconteceu, India?

Jogando as luvas dentro da bolsa, a dra. Cook pren­sou o caderninho entre as mãos. Pouco a pouco, uma expressão de raiva invadiu o lindo rosto.

Encarou Jamie. Seus olhos soltavam faíscas douradas.

— Golpe sujo o seu, tenente. Não desligou o grava­dor. Captei isso, segurando este seu caderninho.

E atirou o caderno de notas para ele, que o pegou no ar.

— Não sabia que o senhor era tão traiçoeiro.

Sem entender como India descobrira a verdade, Kee­gan tentou manter uma atitude displicente, forçando um sorriso.

— Ser traiçoeiro faz parte de minhas funções.

— Obrigada por me avisar. Lembrarei de tomar cuidado.

Ela se virou e saiu.

James Keegan foi buscar India, dirigindo um dis­creto sedã cinza, e observou que ela usava um novo par de óculos.

Em silêncio, foram até uma parte da cidade onde havia prédios velhos. A Editora Lorillard ocupava os dois mais antigos, que se erguiam lado a lado.

As duas construções dividiam um estacionamento nos fundos, circundado por árvores, que ostentavam uma brilhante folhagem de outono.

A entrada para o estacionamento, na rua Jefferson, possuía um grande letreiro que dizia: "Editora Loril­lard, Publicações Comercias de Qualidade".

Estacionaram por ali, e India observou Keegan com o canto dos olhos. Ele trocara o terno por jeans e uma camiseta cinzenta com capuz, indumentária que combi­nava muito bem com os cabelos rebeldes e olhos azuis.

India sentia-se nervosa, sentada tão perto dele. E se Keegan a tocasse?

Jamie quebrou o silêncio.

— Este é um bom lugar. As árvores nos darão co­bertura. Ficaremos quase invisíveis para as pessoas que saem do prédio. Prometi a Sam que, caso você identifique alguém, seguirei o suspeito para saber onde mora. A polícia irá vigiar a casa todas as noites, du­rante esta semana, seguir o suspeito, se sair, e pren­dê-lo, caso tente começar um incêndio.

Durante várias horas, ficaram ali, a observar os fun­cionários que saíam do prédio, mas nenhum era o ho­mem que India vislumbrara em sua visão. Ela come­çava a desanimar.

Por diversas vezes, Keegan lançou-lhe olhares. Ob­servou também pela janela do carro, pegando, então, seu caderninho e uma caneta no bolso da jaqueta.

— Será que devo pensar que estou sendo vigiada às escondidas, novamente, tenente?

Jamie procurou visualizar os olhos de India através das lentes escuras. Então, um lento sorriso surgiu em seu rosto.

— É você quem deve responder. Quem é a vi­dente aqui?

— Preciso tocar as pessoas para ler suas mentes.

— Pessoas ou coisas, não é mesmo? — perguntou o tenente, sacudindo o caderninho. — Não acredito em nada do que diz. Deseja apenas conseguir publicidade, fingindo ajudar a polícia a prender o Vaga-lume, atra­vés dos seus ditos poderes extra-sensoriais.

— E isso o que pensa, que eu...

— É o que sei que está fazendo, dra. Cook. India soltou um suspiro, impaciente, mantendo os olhos grudados nos funcionários que iam saindo.

— Como explica eu saber que havia gravado nossa conversa lá na delegacia?

Jamie soltou um risinho irônico.

— Deveria praticar mais seus joguinhos de salão, dra. Cook. São coisas de amador. Viu-me ligando o gravador e observou que não o desliguei. Porém, em vez de reclamar na hora, guardou o trunfo para uma pequena demonstração de seus poderes.

— Soa frio e calculista.

— E é isso mesmo.

— O senhor não me conhece, tenente.

— Conheço melhor do que imagina, dra. Cook. E sugiro que mantenha sua atenção no estacionamento, de modo que eu possa contar a Sam que realmente fizemos nosso trabalho.

Caíram em um silêncio profundo.

Em dado momento, India soltou uma exclamação admirada, tirando os óculos para ver melhor.

Uma lufada de vento carregara centenas de folhas douradas das árvores que os cercavam. Pairavam con­tra o céu azul, brilhando ao sol. O espetáculo era ma­ravilhoso, e India sentiu-se enlevada.

Percebeu que o tenente a observava.

— Que coisa linda! — exclamou, tentando disfarçar o embaraço, e ameaçando recolocar os óculos, mas Keegan a impediu, colocando a mão sobre a sua.

Na fração de segundo, antes de fugir ao contato físico, India sentiu uma onda de intenso desejo subir por seu braço, tirado-lhe o fôlego. A televisão dentro de seu cérebro piscou rapidamente, mas ela teve tem­po de ver os seus próprios olhos tomando conta de toda a tela. Eram... extraordinários. Os mais belos olhos que já vira.

— Oh, meu Deus — suspirou India, o coração ba­tendo loucamente no peito.

Jamie desculpou-se:

— Não tive a intenção de assustá-la. Só não quero mais que coloque esses óculos. Seus olhos são muito bonitos e... poderá ver melhor se não usá-los.

India engoliu em seco, concordando. Com mãos trêmulas, guardou os óculos na bolsa e perguntou:

— Então, qual é o perfil psicológico de um piromaníaco? Por que essas pessoas provocam incêndios deliberadamente?

— Pela emoção. Esse é um dos motivos que fazem os incêndios criminosos se tornarem um dos tipos mais difíceis de crimes a investigar, Piromaníacos são desequilibrados. Em geral, são movidos por um impulso sexual.

India enrubesceu. Não gostava de conversas sobre sexo. Mas Jamie continuou sua explicação:

— Começam o incêndio e ficam por perto, observando a multidão se formar e os carros de bombeiros che­gando ao local. As chamas e a comoção das pessoas são altamente excitantes para eles. Ficam eletrizados.

— Entendo.

Sentindo-se ridícula, India percebeu o rosto ruborizado.

— E surpreendente como o estímulo sexual motiva uma série de crimes. Você ficaria espantada, ao saber imanta coisa estranha excita as pessoas.

India olhou fixamente para o estacionamento, re­zando para que o tenente parasse de falar sobre sexo. Isso fazia com que sua mente torturada enveredasse por caminhos que não desejava explorar. Sem querer, Começou a imaginar o que excitaria Keegan sexualmente. O que o tenente James Keegan considerava "extremamente excitante"?

O tempo ia passando. Todas as turmas de funcionários já haviam saído, e o estacionamento estava deserto.

— Nada do Vaga-lume? — perguntou Keegan.

— Não, nada. Por trás deles, veio o som barulhento de um veículo

precisando urgentemente de um novo amortecedor. India virou-se e viu um velho carro verde, manchado de ferrugem, passar por eles, diminuindo a marcha a fim de entrar no estacionamento da Editora Lorillard.

India esticou o pescoço para dar uma boa olhada no motorista do carro verde e... teve um choque, ao reconhecê-lo. Os cabelos escuros, os olhos profundos...

— Oh, Deus meu!

Era o rosto que esperara ver o dia todo, primeiro nas fotos da delegacia e agora ali. O rosto que a per­seguia, não saindo de seu pensamento, o rosto que vira, ao tocar o gato Fênix.

— Tenente! É ele!

Apontou para o carro velho, enquanto este virava à esquerda, logo em frente. Keegan arregalou os olhos.

— Conheço aquele garoto! É Tommy Finn! Às pressas, enfiou o capuz.

— Se ele me reconhecer, vai tudo por água abaixo. Tommy Finn desceu o vidro do carro, ao alcançar o portão de entrada, apertou o botão de um interfone e falou qualquer coisa. Enquanto o portão se abria va­garosamente, ajustou o retrovisor, olhando para todos os lados.

Keegan sussurrou:

— Está tentando ver quem somos.

— Vamos torcer para que não consiga.

Mas o rapaz virou-se totalmente e olhou sobre o ombro.

— Maldição! — exclamou o tenente.

 

Com grande presença de espírito, Keegan virou-se no co do carro, dando as costas ao volante. India não tendeu o que pretendia fazer, até que ele a agarrou. Ela recuou o mais que pôde entre o assento e a porta do carro.

— O que está fazendo... Não!

Subitamente, os olhos de ambos estavam muito próximos. Ele tomou o rosto de India entre as mãos grandes desceu os lábios sobre os dela, murmurando:

— Desculpe...

 

India lutou, contorcendo-se e empurrando o tenente Keegan, enquanto era beijada. Ele a imobilizou no banco do carro. Jamie era forte; India mal podia se mexer ou respirar, apenas sentir.

Naquele momento, ela experimentou a sensação de uma corrente elétrica, um intenso calor percorrer-lhe o corpo. Sentiu a força física de Jamie, o esforço que fazia para mantê-la quieta. Viu imagens brilhantes se sucedendo, como se girasse, rapidamente, o seletor de canais de uma televisão. Seus olhos, seus lábios...

"Não posso deixar que Tommy me veja", foi o pen­samento que lhe veio à mente. Mas era o que pensava Keegan. Era o tenente invadindo sua mente e seu cor­po, enquanto a mantinha presa.

"Que lábios macios... Sabia que eram assim." India lia os pensamentos dele como se fossem os seus pró­prios. Sentia-se irritada, frustrada e excitada, tudo ao mesmo tempo.

O tenente Keegan estava "mergulhando" dentro dela, de sua mente. Eram os poderes extra-sensoriais que se manifestavam quando era tocada.

India virou a cabeça, interrompendo o beijo e to­mando fôlego. Sentiu aumentar a pressão dos dedos de Keegan em seus pulsos, enquanto ele jogava todo o peso do corpo sobre ela. Continuando a se debater como louca, India pôde ler o pensamento de Keegan: dizia a si mesmo para tomar cuidado e não machucá-la. Era muito pesado, poderia causar-lhe dor.

— Pare de lutar — sussurrou ao ouvido de India. — Tommy vai pensar que estou violentando você. Ele ainda está lá?

India olhou sobre o ombro do tenente e viu Tommy Finn sorrindo na direção deles, ignorando o portão já aberto.

— Sim, mas...

— Então, vamos melhorar o desempenho. Dizendo isso, o tenente voltou a beijá-la, com mais gentileza, dessa vez.

"Vá com cuidado... Ela está apavorada."

India leu o pensamento e sentiu o calor do beijo espalhar-se por todo o seu corpo. Como deixasse de lutar, Keegan afrouxou o abraço, passando os braços de India em volta do próprio pescoço.

— Vamos fazer uma cena bem realista. Enquanto as mãos de Keegan acariciavam os cabelos dela, os lábios moviam-se numa sensual lentidão, dei­xando-a fora de si. India continuou captando os pen­samentos do tenente.

"Passei o dia esperando por isto... desde o momento em que tirou os óculos..."

A televisão dentro do cérebro de India continuou a funcionar com visões em preto-e-branco: os próprios lábios de boneca de louça, as mãos muito brancas, o formato dos seios delineando-se por baixo do suéter escuro. Leu o pensamento de Keegan: ele estava ima­ginando como seria tocá-los. Seriam macios como pa­reciam ser? India usaria sutiã? Será que conseguiria senti-los através do suéter?

Não podia tocá-la assim. Mal conseguia justificar o beijo, quanto mais tocá-la com intimidade, mas como desejava fazer aquilo.

Ás mãos do policial latejavam, na ânsia de penetrar por baixo do suéter.

India parecia hipnotizada. O tenente a desejava. Ne­nhum homem a tocara desde Perry, e o ex-marido nun­ca a acariciara com tanta delicadeza, como se fosse um objeto frágil e precioso.

India sentiu a excitação de Keegan, à medida que o desejo aumentava. Apesar da agonia, ela maravi­lhou-se com a nova experiência: Keegan passava suas sensações para ela. Conseguiu, novamente, ler o pen­samento dele: "Controle-se, controle-se!"

Por fim, trêmulo, Keegan afastou-se dela, puxando a camiseta sobre o jeans.

— Tommy já foi?

Dominando a própria emoção, India olhou para o por­tão que se fechara. O carro verde já não estava à vista.

— Já.

Keegan pareceu satisfeito e, finalmente, afastou-se dela, ajeitando o corpo atlético no assento do motorista.

— Peço desculpas. Precisava fazer algo para que Tommy não desconfiasse de que estava sendo obser­vado. — Deu partida no motor do carro. — Quero que entenda. O que aconteceu agora não foi nada, não sig­nifica nada. Apenas tentei esconder meu rosto do...

— Compreendo.

— Ótimo.

Enquanto Keegan dirigia em silêncio, India pensava no beijo e na desculpa esfarrapada do tenente.

O que acontecera não fora apenas para despistar Tommy Finn. Tivera um significado maior. Mas, é cla­ro, como sempre, o tenente queria fingir que tudo se resumia a trabalho, ignorando que era inútil mentir para uma mulher que podia ler mentes e sentir exa­tamente o que ele sentia.

Entretanto, India aprendera, havia muito tempo, que, quando uma pessoa estava determinada a não crer, nenhuma prova, por mais concreta, faria diferen­ça. E o tenente James Keegan parecia firmemente de­terminado a não acreditar nos poderes dela.

Envolvida em pensamentos, India mal percebeu que Keegan havia enveredado pela West Bonesteel, uma das avenidas mais pobres de Mansfield.

Ela observou as velhas casas com pintura descas­cando e telhados remendados.

— Aquele é o lar dos Finn.

Dirigindo devagar, Keegan apontou para uma casa grande e extremamente feia. O resto de tinta que ainda a recobria era rosa, e seu portão torto estava quase caindo na calçada. No quintal de grama crescida, um bando de crianças magras perseguia alguns cachorros esqueléticos em direção aos fundos da casa.

— Tommy Finn mora ali? — perguntou India.

— Ele e mais umas vinte pessoas. E uma família enorme, impossível saber quantos são ao certo. Estão sempre indo e vindo, brigando entre si, e se reprodu­zem como coelhos. No momento, entretanto, creio que existem quatro gerações de Finn morando lá. Aproxi­madamente meia dúzia de rapazes da idade de Tommy, na faixa dos vinte anos, todos primos, todos encrenqueiros, desde o dia em que nasceram.

India acrescentou:

— Incluindo o próprio Tommy, suponho.

— Na verdade, dentre toda aquela corja, ele é o melhor. Há seis meses, vem trabalhando como zelador na Lorillard, das quatro da tarde à meia-noite, e tem se comportado bem o tempo todo.

A voz de India soou sarcástica.

— Seis meses inteiros?

— Isso é muito, em se tratando de um Finn. Não quero dizer que Tommy seja um anjo. Deus sabe que já se meteu em muitas encrencas, mas jamais foi pos­sível pegá-lo com a boca na botija.

— Você fala como se o admirasse. Keegan pareceu analisar aquelas palavras.

— Não sei, não. Algo me diz que Tommy é um bom sujeito. Atualmente, representa um Finn a menos a dar problemas para a polícia de Mansfield. Ou melhor, representava, já que você o identificou como sendo o Vaga-lume. Agora, terei de colocar homens vigiando a casa dele, em vez de fazer algo de útil, apenas para satisfazer seu capricho.

— Eu não disse que Tommy Finn era o Vaga-lume! — protestou India.

— Afirmar que ele é o homem de suas visões vem a dar no mesmo, dra. Cook. O que digo é que o rapaz vem tentando andar na linha e a senhora resolveu pegá-lo como bode expiatório.

— Bode expiatório! — exclamou India com raiva.

— Não vou permitir que crucifique um homem ino­cente apenas para satisfazer sua vaidade e afirmar que é uma grande vidente.

India estava indignada. Ordenou, quase gritando:

— Deixe-me descer do carro!

— Muito bem.

Keegan manejou o veículo para a beira da estrada tortuosa e estacionou.

Tentando ao máximo fingir indiferença, India desceu e bateu a porta com força.

— Voltarei andando.

— Não será uma longa caminhada. Você mora logo ali... — disse o tenente, acenando para fora da janela.

Encabulada, a dra. Cook percebeu que estavam na estrada Crescent Lake. Bem ali perto, distinguiu o caminho de cascalhos que levava a sua casa, a caixa de correio com o gatinho de madeira no qual se lia: "India Cook, veterinária". Abaixou-se para encarar Keegan pela janela do carro.

— Sam tinha razão, tenente. Você é irritante!

— Pelo menos, concordamos nisso. E lá se foi ele, dando risada.

— O que é isso? — indagou a garotinha, enquanto India enchia uma seringa.

— Jéssica! — ralhou a mãe. — Deixe a doutora trabalhar em paz.

— Tudo bem.

India sorriu com paciência, ao mesmo tempo que enchia a seringa com a vacina anti-rábica.

— Isto é remédio para evitar que Gus fique doente. Não se preocupe, Jéssica.

Fez a aplicação no dorso do animal habilmente.

— Viu? Ele não sentiu nada.

— Nossa! — admirou-se a garotinha.

Alguém abriu a porta da frente, e India ficou ima­ginando quem seria, já que o gato Gus era seu primeiro, último e único cliente do dia.

— Sente-se e fique à vontade! — gritou, pela porta aberta do consultório, desejando, como sempre, ter meios para contratar uma recepcionista.

Um homem moreno e alto surgiu na soleira da porta: James Keegan.

— Mamãe, aquele homem precisa de um banho! — reparou Jéssica.

— Preciso mesmo — concordou Keegan, com ar cansado. Quando ele sorriu para a criança, India notou as olheiras profundas sob seus olhos. Parecia dez anos mais velho, desde a hora em que a deixara na estrada, rindo, na tarde anterior.

Estava coberto de fuligem da cabeça aos pés.

Por mais que India antipatizasse com Keegan, não podia negar que era muito atraente. Sua masculinidade agressiva a deixava tonta.

Se perguntava por quê, depois de quatro anos sem olhar para nenhum homem, devia sentir-se atraída justamente por Keegan.

O cheiro forte de madeira queimada que Jamie exa­lava fez com que Jéssica tapasse o nariz, com uma careta.

Entregando o gato Gus a Jéssica, India falou:

— Ouvi sobre o incêndio no noticiário da manhã. Casa de Ferragens e Madeireira McGill?

— Agora é só Casa de Ferragens McGill. A madei­reira transformou-se em um monte, de cinzas.

— Você esteve lá toda a noite? — perguntou a doutora.

— Eu e o perito em incêndios. A partir das duas da manhã, quando soou o alarme. Ouça... se tem um minuto, gostaria de mostrar-lhe algo.

Exibiu uma latinha de metal na qual havia uma etiqueta grudada com a palavra "Prova" escrita nela.

— Claro, mas primeiro preciso terminar a consulta. Por que não espera por mim na cozinha? Siga esta porta até o fim do corredor.

— Obrigado.

Jamie piscou, surpreso, ao entrar na cozinha. Pa­recia tão aconchegante, convidativa, com paredes cor creme e cortinas com desenhos de girassóis. Sentiu um leve odor de pintura nova, compreendendo que fora India Cook quem decorara o ambiente tão alegre, e não seu pai. Não era o que esperava dela, sempre ves­tida de negro.

Tomado por um súbito desejo de conhecer a casa, deixou a latinha sobre a mesa da cozinha e começou a passear ao redor.

Havia uma fileira de fotografias sobre um móvel da sala de jantar. A maior parte eram de Henry Cook e Alden Lorillard em roupas de caça, exibindo animais mortos para a câmera.

A maior parte, mas não todas. Havia a fotografia de India mocinha, em frente à árvore de Natal, com seu pai. Obviamente, parte da foto fora cortada, a fim de tirar alguém da cena. Observando bem, Jamie dis­tinguiu a ponta de um vestido vermelho. Seria a mãe dela? Desde que a conhecera, assumira que seu pai fosse viúvo, já que não era comum um divorciado ficar com a guarda da filha. Entretanto, aquela foto truncada sugeria divórcio e, provavelmente, litigioso.

Os olhos do tenente desviaram-se para a última foto da fileira: o retrato de India, em suntuoso vestido de noiva, toda de branco e rendas, os cabelos puxados para trás, enfeitados de lírios, o sorriso enigmático nos lábios perfeitos, os maravilhosos olhos hipnóticos, fixando-se nele através da fotografia. Olhos como aque­les faziam com que se acreditasse em fadas.

Ou poderes extra-sensoriais.

Jamie meneou a cabeça. Não ia permitir que a beleza de India o enganasse. As criaturas mais irresistíveis podiam ser as mais corruptas. Porém, sentia um enor­me desejo de acreditar nela, apesar de o bom senso não permitir.

Tudo não passava de encenação. Urna farsa.

Jamie deixou a sala de jantar por outra porta, e subiu as escadas para o segundo andar.

Viu-se em um aposento enorme, ensolarado. Como a cozinha, parecia ter sido redecorado recentemente, em tons de creme e marfim. Na parede dos fundos, havia uma grande lareira de pedra, e, a seu lado, uma cama de cabeceira alta.

Pequenas caixas de madeira sobre a lareira chama­ram sua atenção.

As caixas variavam em tamanho e formato, mas pa­reciam muito antigas.

Curioso, Keegan foi abrindo uma a uma, soltando um longo assobio de admiração. Todas continham ar­mas antigas.

Algo roçou suas pernas, e Jamie levou um susto ao ver um gato preto-e-branco. Deu um passo atrás. O animal virou-se e saiu correndo da sala.

— Bons ventos o levem! — resmungou o tenente.

Continuou abrindo as caixas. Havia um antigo pu­nhal, uma espingarda de pederneira, uma faca japo­nesa e várias adagas indianas.

— Não é necessário um mandado de busca para fazer isso?

Jamie girou-se, um estojo fechado, em bronze escul­pido, nas mãos.

India Cook estava parada à porta, o gato aninhado em seus braços, ambos encarando-o fixamente.

O jaleco branco da doutora estava desabotoado; de­baixo, usava uma blusa de seda preta e jeans preto. Até os tênis que calçava eram pretos. Pela primeira vez, Jamie notou os curativos nas patas do gato, e concluiu que devia ser Fênix.

Keegan assumiu um tom de voz despreocupado.

— Não estou fazendo uma busca, apenas...

— Bisbilhotando — completou India, enquanto o gato pulava do seu colo e, felizmente para Keegan, saía do quarto.

Jamie exibiu seu sorriso mais charmoso.

— Faz parte de minhas atribuições profissionais.

— Convidei-o a ir até a cozinha, não até meu quarto.

 

Ele acompanhou o olhar dela pousado ria cama que estava desfeita e viu, sobre os lençóis desarrumados, uma ponta de seda cinzenta, muito fina, entremeada de renda. A camisola de India?

Jamie teve problemas em banir do pensamento a imagem de India Cook vestindo aquela camisola trans­parente, e nada mais. Acordando do devaneio, lem­brou-se da caixa rasa que segurava, e abriu-a, encon­trando um punhal com cabo de osso sobre um forro de veludo.

— Jamais pensaria que era uma colecionadora de armas antigas.

— Não sou. Meu pai era quem colecionava. Deixou essas peças para mim quando morreu. Alden guardou-as, e me devolveu na semana passada. Não me trazem boas recordações.

Keegan ergueu a tampa de um estojo onde havia uma adaga finamente trabalhada. O olhar de India se suavizou.

— Ah, a adaga mais antiga. Alden me contou que, enquanto guardou-a para mim, a usava para abrir car­tas. Não quis acreditar quando lhe contei que costu­mava usá-la para abrir fechaduras.

Jamie sorriu, deliciado.

— E você acha que eu sou bisbilhoteiro!

Tirou a adaga do estojo. A lâmina de ouro marchetado era estreita e afiada.

— Abria fechaduras com isto? — perguntou, incrédulo.

— Quando menina, gostava de abrir as fechaduras das cômodas trancadas. Era muito curiosa. Às vezes, conseguia.

Tentando dar fim à situação incômoda, ambos pa­rados no meio de seu quarto, India convidou: Vamos tomar um café?

 

Na cozinha, encheu duas canecas e percebeu que Jamie abafava um bocejo, enquanto se sentava.

India imaginou como devia estar exausto após a longa noite no local do incêndio, e talvez com fome também.

Cortou um bom pedaço do pão de banana que fizera na noite anterior e colocou-o na frente de Jamie.

— Deus a abençoe.

O tenente devorou o pão em vinte segundos e par­tiu para um segundo pedaço, limpando as mãos no guardanapo.

— Tommy Finn não voltou para casa ontem à noite.

Ela tomou um gole de café, pensativa.

— Verdade?

Jamie soltou um longo suspiro.

— Mandei um carro da polícia vigiar a casa a par­tir das onze e meia. Nada do Tommy. Não sei para onde foi, quando seu turno terminou na Lorillard, mas certamente não voltou para a casa na avenida West Bonesteel.

— Talvez tenha ido até a Casa de Ferragens e Madeireira McGill — sugeriu India.

— Não posso basear uma ordem de prisão em hi­póteses. E preciso evidências para se prender alguém.

India olhou para a latinha pousada no centro da mesa.

— Afinal, você vai abrir essa coisa ou preciso adi­vinhar o que tem dentro? E isso, então? Devo usar meus poderes para dizer o que a lata contém? Trata-se de outro teste?

Jamie esboçou um sorriso cansado, erguendo as mãos, suplicante.

— Calma. Demonstrações não me impressionam, lembra-se?

Com cuidado, jogou o conteúdo da lata sobre um guardanapo de papel limpo. India inclinou-se para olhar melhor. Viu um objeto do tamanho e da textura de uma folha de árvore, porém de cor acinzentada e cheirando a querosene.

— Papel queimado? Jamie confirmou.

— Parte de uma capa de revista. Encontrei perto do local onde o incêndio principiou. Nosso piromaníaco enfiou revistas e jornais debaixo de um calço de ma­deira, ensopou com querosene e ateou fogo. Consegui descobrir este pedacinho.

Empurrou o guardanapo em direção a India.

— Consegue ler o que está escrito?

Olhando bem de perto, ela viu que uma ponta do papel rasgado estava menos queimada. Mal enxergou o que havia escrito por baixo da superfície crispada e cinza.

— O que diz aí? — perguntou, espremendo os olhos para ler as letras miúdas.

Com uma esferográfica, James foi apontando.

— Esta seção aqui, no canto, é o que sobrou de uma etiqueta com endereço impresso. — Aproximou a ponta da caneta de uma letra. — Isto é um "f'. Isto é um "i". Isto é um "n". O resto está ilegível. Abaixo, temos: "S-T-E-E-L", e parte da palavra 'Avenida".

— Avenida West Bonesteel. E a palavra acima é "Finn".

— Isso mesmo — concordou Keegan. India apontou para o recipiente.

— Então, isso é o suficiente para prender Tommy Finn pelo incêndio da madeireira?

Keegan meneou a cabeça, negando.

— Só porque esta revista veio da casa dos Finn, não significa que foi Tommy o autor do incêndio.

— Mas, provavelmente, foi ele — India insistiu. James lançou-lhe um olhar firme, inclinou-se para a frente, olhando-a bem nos olhos.

— Possui algum conhecimento, pista ou evidência, qualquer tipo de informação, ligando Tommy Finn aos incêndios criminosos? Ela sustentou o olhar.

— Sim. Já disse: tive a visão do rosto de Tommy, ao cuidar de Fênix.

— Não me refiro a isso. Estou falando em conheci­mentos reais, informações reais.

India tentou manter a voz calma.

— Isso é real, tenente. Vi o que vi e sei o que sei.

— Desculpe-me, dra. Cook, mas não é prova sufi­ciente para apresentar à Corte. Ou a mim, lamento informá-la.

— Nunca irá acreditar que estou dizendo a verdade? Que possuo poderes paranormais, tenente?

— Exatamente. Ela se ergueu.

— Então, devo dizer que sua visita foi uma total perda de tempo.

Keegan entendeu a mensagem, e também se levan­tou, sorrindo.

— Não inteiramente. O pão de banana estava uma delícia!

Jamie tinha de ir trabalhar, mas primeiro foi para casa tomar um banho.

Fechando os olhos na banheira, imaginou India Cook deitada naquela cama grande e branca, usando apenas a camisola transparente de seda.

India era uma farsante. Paranormal de araque. Mas ele estava muito atraído por ela.

Apanhando o sabonete e uma esponja, começou a limpar a fuligem do corpo.

Sam ordenara que trabalhassem juntos. E Jamie não podia afirmar que realmente desejava se livrar de India. Na verdade, apreciava a desculpa de ter de ficar na companhia dela, embora o tempo que passa­vam juntos não fosse aproveitável.

Se ao menos ela realmente pudesse ajudá-lo na investigação...

E, subitamente, teve uma idéia.

Tomou uma chuveirada rápida e pegou o telefone, digitando o número do Mansfteld Courier.

— Sylvie, querida! Estava pensando... ainda quer a entrevista?

 

India Cook escancarou a porta do escritório de Jamie, brandindo o exemplar do Mansfield Courier.

Keegan imaginara qual seria a sua reação. Agora, já sabia.

India usava óculos de aros de tartaruga, e Keegan perguntou:

— Afinal, quantos pares possui?

— Não tenho certeza, talvez uma dúzia, talvez mais. Tenho óculos espalhados por todos os cantos. E sabe por quê?

O rosto dela estava pálido, mas as faces muito coradas.

— Por quê? — perguntou Jamie, curioso.

— Porque gosto de privacidade. Detesto pessoas me encarando! Detesto pessoas... descobrindo coisas a meu respeito! Só quero que me deixem em paz! Por que fez isso?

— Isso? A entrevista? Sylvie Hazeletf estava me importunando havia dias.

— "A polícia de Mansfield recrutou o auxílio de renomada parapsicóloga, a veterinária dra. India Cook, a fim de solucionar o caso do Vaga-lume. O tenente James Keegan, policial encarregado, diz que a dra. Cook tem sido de enorme ajuda nas investigações, fornecendo à polícia informações valiosas com seus po­deres surpreendentes." — India baixou o jornal, reti­rando os óculos. — Por que deu essa entrevista? Você me considera uma louca, uma charlatona! Por que de­clarou que sou de grande ajuda e surpreendente? Por que, em nome de Deus, espalhou por toda Mansfield que sou paranormal?

— Não vejo problema nisso. Não é o que queria?

— Se fosse meu desejo que todos soubessem, não me esconderia. Eu disse a você que não queria ser a doida da cidade, e você vai e publica isso no Mansfield Courierl

Jamie não sabia o que pensar. Será que ela real­mente acreditava nos próprios "poderes" e se irritara de verdade por ser exposta ao público? Ou isso, ou então sua hipocrisia era muito maior do que ele havia imaginado.

India encontrou os olhos do tenente e, de repente, com espanto, ele notou que ninguém poderia fingir tanta dor quanto a que estava vendo agora, no olhar da dra. Cook, e sentiu remorso, apontando para o jornal.

— Leu a parte onde digo que você irá inspecionar a madeireira amanhã de tarde para encontrar pistas, com seus poderes paranormais, a fim de identificar o incendiário? Penso que talvez o Vaga-lume acredite na reportagem. E um chamariz. Se ele crer que pode ser descoberto por você, ficará nervoso. E criminosos nervosos têm o hábito de voltar ao local do crime. Es­pero que uma multidão vá vê-la fazendo buscas na madeireira amanhã de tarde.

— E espera que uma dessas pessoas seja o Vaga-lume — concluiu India.

— Isso mesmo, é esse o plano. Vamos fotografar todos os que estiverem por lá, e ficaremos atentos a qualquer um que pareça nervoso ou... extremamente interessado.

— Acho que não pensou no perigo que estou correndo com esse plano.

— Não está em perigo, dra. Cook.

— O simples fato de divulgar quem eu sou para o incendiário me expôs ao perigo, tenente! Não pen­sou nisso?

Jamie tentou acalmá-la, dizendo:

— Piromaníacos não têm queda para agressão física, e muito menos para assassinato, se é nisso que está pensando. Não se encaixa em seu perfil psicológico.

Mas Jamie começava a perceber que cometera um erro. Poderia ter comprometido a segurança de India Cook. Ela lhe dirigiu um olhar gelado, dizendo:

— A partir de agora, não ajudarei mais. E saiu, batendo a porta com força.

Naquela noite, Jamie ligou para India.

— Gostaria de convencê-la a ir até a madeireira amanhã de tarde.

— Tenente...

— Apenas ouça. Por favor. Escute o que tenho a dizer. Sei.que não agi muito bem com a entrevista que dei a Sylvie. Não me comportei como um cavalheiro.

— Não adianta. Não vou mais ajudá-lo. Keegan suspirou, desanimado.

— Acredito quando disse que não desejava publici­dade, e gostaria de me desculpar por tê-la exposto.

— Quer dizer que acredita em meus poderes? Houve uma longa pausa.

— Não, mas acho que você acredita neles de verdade. Não é uma hipócrita.

— Entendi. Só precisa de mim como isca para atrair o Vaga-lume.

Keegan tentou raciocinar com ela.

— Olhe, pode ser uma ótima oportunidade para identificar o incendiário e impedi-lo de atacar nova­mente. Da próxima vez que esse sujeito provocar um incêndio, talvez não seja apenas um gato que saia fe­rido ou morto. Poderá ser uma pessoa. Uma criança...

— O senhor está jogando sujo de novo, tenente. Que mulher suporta a idéia de uma criança ferida?

Keegan entusiasmou-se.

— Então, posso contar com sua presença amanhã? India suspirou. James Keegan era irresistível.

— Ganhou outra vez. A que horas devo estar lá?

Quando India chegou ao estacionamento de concreto, nos fundos da Casa de Ferragens e Madeireira McGill, às duas horas, na tarde seguinte, já havia muitos cu­riosos aglomerados por trás de uma barricada feita com uma fita amarela na qual se lia: "Cena do Crime — Não Entre".

Em sua maior parte, a madeireira era um monte de cinzas e detritos, com um odor fortíssimo de quei­mado. Toras, que haviam sido salvas do incêndio, es­tavam empilhadas em desordem ao redor do barracão.

O sol brilhava intensamente, de modo que, dessa vez, India não era a única a usar óculos escuros.

O tenente Keegan avistou-a e sorriu. Um sorriso tão espontâneo e sincero, como se estivesse realmente feliz em vê-la.

Aquilo alegrou-a, e India não pôde evitar sorrir também, quando Keegan fez sinal para que fosse ao seu encontro, na área proibida ao público. Ela notou seu olhar de curiosidade para a gaiola de gato que colocou, cuidadosamente, no chão.

Tirando o animal da gaiola e aninhando-o nos bra­ços, India explicou:

— Achei melhor trazer Fênix.

 

Keegan deu um passo atrás, observando o gato com cautela, o que fez India exclamar:

— Você tem mesmo medo de gatos!

— Já lhe disse antes que não tenho medo, apenas não gosto deles. Afinal, por que o trouxe?

— Achei que poderia nos ajudar a descobrir pistas através de poderes extra-sensoriais. Fênix parece ser um excelente transmissor. — Observando o olhar irô­nico de Keegan, continuou: — Sei que estou aqui como isca para o Vaga-lume. Porém, segundo o meu ponto de vista, por que perder um tempo valioso fingindo procurar pistas, quando posso fazer isso de verdade?

— Então, por gentileza, procure.

Jamie apontou para um grupo de jovens com roupas de couro negro, dizendo:

— Aquela corja ali é toda da família Finn. India semicerrou os olhos.

— Aquele com os enfeites de correntes na jaqueta não é Tommy?

— Não, é seu primo Darrell.

O tenente fez sinal para um jovem patrulheiro uni­formizado, que estava munido de uma câmera; ime­diatamente, ele tirou uma foto do grupo.

Keegan falou:

— Todos os Finn se parecem, mas Darrell é muito pior que Tommy.

— Keegan! — alguém gritou.

Virando-se, India viu uma senhora baixinha, de meia-idade e olhar ameaçador. Apontava com o cigarro para o jovem patrulheiro a seu lado.

— Quer fazer o favor de dizer a este garotinho quem eu sou?

Jamie respondeu, rindo:

— O que eu ganho com isso, Sylvie? Com um sorriso maroto, ela resmungou:

— Minha eterna amizade.

James fez sinal para o patrulheiro deixá-la passar.

— E da imprensa, Billy.

O tenente fez as apresentações.

— Sylvie Hazelett, India Cook.

India aproveitou a desculpa de estar carregando Fênix para não ter de apertar a mão da repórter.

— Dra. Cook, gostaria de saber se posso lhe fazer algumas perguntas, antes que inicie sua... sua sessão, ou seja lá o que pretende fazer.

India olhou para Jamie, que passou o braço ao redor e Sylvie.

— Outra hora, querida. Você terá sua vez. Mas, esta tarde, India Cook é só minha.

James sorriu para India. Só minha... A jovem sentiu o rosto arder. Aquela entonação teria sido proposital? Havia um brilho nos olhos do tenente. Fora proposital, sim.

— Uma entrevista de cinco minutinhos... — tentou repórter.

— Sylvie, sua bruxa!

O rosto de India iluminou-se ao ver Alden Lorillard, sorridente, sua bela aparência grisalha acentuada por m paletó de lã cinza e uma echarpe de seda.

— Deixe a pobre moça em paz, para ela fazer o que deve! — ele ordenou, brincando.

— Que vergonha, Lorillard! — repreendeu-o Sylvie. Você é um editor! Deveria, mais que qualquer pessoa, apoiar a liberdade de imprensa.

— Também apoio a liberdade de não ser assediado. Ergueu a fita divisória, pedindo licença ao policial Billy.

— Alden, conhece o tenente Keegan? — India apresentou.

— Apenas de vista. — Lorillard tirou uma das luvas de pelica e apertou a mão de Jamie. — E, é claro, já ouvi falar da sua reputação. Bastante impressionante, tenente. E um prazer conhecê-lo finalmente.

— Digo o mesmo, sr. Lorillard.

Voltando-se para a multidão que aguardava ansiosa, Jamie perguntou a India:

— Pronta para começar?

Vendo que não iria conseguir nenhuma reportagem, Sylvie foi embora.

Durante a meia hora que se seguiu, Jamie e Alden mantiveram uma conversa trivial, enquanto observa­vam India, sempre segurando Fênix no colo, caminhar, com extremo cuidado, entre os restos do estoque de madeira da McGill.

Seu olhar se concentrava praticamente apenas no solo, embora, de vez em quando, parasse e desse uma olhada ao redor, como se quisesse se orientar. Às vezes, agachava-se e tocava algum pedaço de detrito não iden­tificado, franzia a testa e abanava a cabeça, frustrada. Dois dias atrás, Jamie pensaria que se tratava de parte de uma encenação muito conhecida sua. Mas, agora, não tinha tanta certeza disso.

India fora muito sincera em sua indignação por ter sido exposta ao público, e Jamie estava envergonhado. Não vinha ao caso se os tais poderes psíquicos da dra. Cook eram fruto de sua imaginação. Ô que im­portava era que ela realmente acreditava neles, e ele ferira seus sentimentos, destruindo a privacidade que India tanto cultivava. O fato de não ter sido intencional não o absolvia da culpa.

Lembrando-se de Alden Lorillard a seu lado, perguntou:

— Então conhece India Cook desde menina?

— Ela se tornou telepata com a idade de doze anos, porém seus poderes duraram apenas um ano aproximadamente.

Tornou-se telepata. Jamie esboçou um sorriso, e Al­den percebeu.

— Não acredita? Engraçado. Achei que você acre­ditasse em India, levando-se em conta a matéria no Courier.

Jamie não respondeu, e Alden continuou:

— Eu também não acreditava, até que as evidências se tornaram incontestáveis. Ela sentia coisas, sabia de coisas, das quais não poderia ter conhecimento nor­malmente. Depois de um certo tempo, não pude mais negar a evidência. A criança possuía um dom, um ex­traordinário dom. Um poder com grande potencial.

— Que tipo de potencial?

— Deus do céu, homem! Potencial sem limites! In­felizmente, Henry, o pai dela, não conseguia perceber. Tentei convencê-lo a usá-la na seleção de jurados. Você sabe, descobrir quais estariam inclinados a ficar do lado dele e quais do lado da promotoria.

— Isso é legal?

— Deve ser. Não inventei a idéia. Tem sido praticada há décadas.

— Está brincando. E qual foi a reação de Henry?

— Ficou indignado. Ele, você sabe, era um tanto... inflexível no seu trato com a lei e com a vida em geral. Extremamente resistente às novas idéias e estratégias. Foi um dos motivos pelos quais terminei nossa socie­dade na firma de advocacia. Henry se recusava a as­sumir qualquer tipo de risco. Porém, sem riscos não valeria a pena viver. Ele nunca acreditou nos poderes de India.

— Não? E a mulher dele? Ou isso aconteceu depois do divórcio?

— Na mesma época. A mulher o abandonou naquele ano. E ela também não acreditava nos poderes da filha. Desconheço os detalhes, mas presumo que tenha sido uma época horrível para India, extremamente trau­mática. 0 casamento dos pais desmoronando e os dois contra ela. Começaram a encará-la como uma menti­rosa compulsiva, e terminaram por pensar que estava louca. Nenhuma compreensão para com a menina.

— Darrell, pare com isso!

Ouviu-se a voz estridente de uma mulher, enquanto um tumulto se formava entre a multidão. Jamie vol­tou-se e viu que Tommy Finn havia chegado. Ele e Darrell estavam se encarando cautelosamente, circun­dados pelos primos com jaquetas de couro.

A mulher que gritara era Missy, a mulher de Darrell. Aparentemente, os dois estavam separados.

— Cale a boca, vagabunda! — berrou Darrell. Tommy cerrou os punhos.

— Não chame Missy de vagabunda.

Darrell inclinou-se sobre a bota direita. Ergueu a mão, e algo brilhou: uma lâmina.

Rápido como um raio, Jamie abriu caminho entre a multidão, pegando, no trajeto, uma pequena tora de madeira que sobrara do incêndio, e gritando para o patrulheiro não sacar a arma.

Ao se aproximar do grupo, Jamie viu Darrell em­punhar a arma em direção ao primo.

— Cale a boca também, Tommy! Você roubou minha mulher! Éramos felizes, até você se intrometer!

— Felizes? Você bateu tanto nela que foi parar no hospital!

— Ela não quer me deixar ver o bebê! Os dois têm de ficar comigo, não com você!

Tommy cerrou os punhos.

— Você tentou tirá-lo de Missy! Tente se aproximar e eu o mato! Juro!

Jamie já estava do lado dos dois e, ao vê-lo, Darrell partiu para cima do tenente, cortando o ar com a faca, transtornado de ódio, os olhos selvagens e vidrados. Ime­diatamente, Jamie percebeu que o rapaz estava drogado; tentar trazê-lo de volta à realidade seria inútil.

— Entregue-me a faca! — Jamie ordenou. Darrell ameaçou-o, rosnando:

— Está do lado deles!

Atirou-se sobre o tenente, que arremessou o pedaço de madeira no braço do rapaz. Ouviu o som abafado de osso quebrado, enquanto Darrell gemia. A arma caiu no chão, e Jamie a chutou para longe.

Com o braço bom, o rapaz procurou algo no bolso detrás da jaqueta. Jamie golpeou-o no estômago.

Lutando por recobrar o fôlego, Darrell caiu de joe­lhos, os braços segurando o ventre. Começou a vomitar.

Jamie ergueu a parte posterior da jaqueta de Darrell e, nada surpreso, viu a coronha de uma pistola apa­recendo na cintura. Atirando para longe o pedaço de pau, retirou a arma automática de Darrell e esvaziou o pente.

O tenente acenou para o patrulheiro, entregou-lhe a pistola e algemou Darrell, enquanto explicava ao outro policial novato:

— Se tivesse deixado você sacar a arma, este drogado iria começar a dar tiros no meio da multidão.

Levaram Darrell, preso, para o hospital.

India assistira ao incidente de longe, apertando o gato nos braços.

Tudo acontecera tão depressa que mal conseguira perceber, mas sabia que Keegan agira com muita pre­sença de espírito, terminando com o confronto em me­nos de um minuto. Ao observá-lo vindo em sua direção, as longas pernas, o andar viril, as mãos grandes, per­cebeu que era um homem e tanto. Tinha cérebro tam­bém, além de músculos e coragem. Ela não se recor­dava jamais de ter visto alguém, salvo na televisão e nos filmes, proceder com tanto autodomínio, arriscando a própria segurança por um propósito maior.

Percebeu, envergonhada, que a coragem de Keegan a excitava de um modo primitivo como nunca antes na vida. Não conseguia desviar os olhos dele.

— Parabéns! — Alden o cumprimentou. — Mais um marginal fora das ruas.

— Temo que não. Hoje à noite, já estará fora sob fiança, e causando mais problemas.

Alden sacudiu a cabeça, desgostoso.

— É verdade. Os Finn sabem como burlar o sistema. O único que vale alguma coisa é Tommy. Trabalha na minha equipe de manutenção e, devo admitir, é um bom funcionário. Até gosto um pouquinho do garoto.

— É o melhor deles — Keegan concordou. Alden Lorillard despediu-se de India e de Keegan, que sorriu, triunfante, para a dra. Cook.

— Não disse a você que Darrell era o pior da família? India teve de concordar.

Enquanto os Finn se dispersavam, Tommy ficou a um canto, os braços protetores ao redor de Missy e do bebê.

— Vendo Tommy assim, é difícil acreditar que seja um mau caráter, e... — India falou, observando a cena. Interrompeu o que dizia, pois Fênix pulou do seu colo, emaranhando-se nos pés das pessoas. Para sua sur­presa, foi direto até Tommy, levantando as patas dian­teiras e tentando chamar a atenção do rapaz.

— Fênix!

India correu para ele, pegando-o, novamente, nos braços. Assim que o tocou, a televisão em sua mente foi ligada e uma imagem a invadiu: Tommy Finn abrin­do uma lata e oferecendo-a ao gato. Sentiu a animação de Fênix, a alegria da antecipação, enquanto cheirava seu conteúdo.

 

Atum. India sentiu o odor de atum. A paixão de Fênix pelo peixe era tão intensa que até a lembrança do gato fazia voltar seu cheiro, transmitindo visões extra-sensoriais a India. E era a primeira vez que sen­tia o odor através de uma imagem extra-sensorial.

Virando-se para Tommy Finn, ela perguntou:

— Você conhece este gato, não conhece?

Por um momento, ele hesitou, mas logo adotou uma atitude defensiva e deu um sorriso de pouco-caso.

— Nunca vi este gato antes.

— Não, mesmo?

Tommy desviava os olhos dela, disfarçando, olhando ao redor com um jeito nervoso.

— Pois eu acho que já viu e que o alimentou com atum — insistiu India.

Tommy deu um passo atrás, os braços ao redor de Missy e os olhos postos no gato.

— Atum? Ei, pegou o sujeito errado.

— Acho que não.

Tommy e Missy deram as costas e se afastaram.

— Deixe-os ir — pediu Keegan.

— Mas...

Keegan disse calmamente:

— Ele está mentindo, eu sei.

— É o sexto sentido do qual Sam falou, não é?

— É senso comum. Você viu o olhar de Tommy. Não precisa ter poderes extra-sensoriais para saber que es­tava mentindo deslavadamente. Simples dedução.

— Ah, e pode deduzir também por que Tommy es­tava mentindo?

Jamie colocou a mão sobre os olhos, a fim de observar o casalzinho indo embora no velho carro de Tommy, o bebê numa cadeirinha, no banco detrás.

— Não quer ser associado ao gato. Creio que sabe que o bichano tem alguma ligação com o incêndio do Little Eddie. Porém, isso não prova que seja o Vaga-lume.

— Não, não prova — respondeu India, pensativa. Jamie ergueu as sobrancelhas.

— Retirando sua acusação, dra. Cook?

— Jamais acusei Tommy. Parecia ser o candidato mais provável, mas agora... não sei. Vendo-o hoje...

— Comparado a Darrell, não parece ser tão ruim, não é?

— Não. Já não sei o que pensar — respondeu com franqueza.

Keegan soltou um longo e fatigado suspiro.

— Somos dois...

 

Na manhã seguinte, India calçou luvas de lã e saiu para pegar a correspondência.

Sempre usava luvas para ir até a caixa de correio. Contas, revistas, panfletos, sendo processados por má­quinas, não provocavam energia extra-sensorial, mas correspondências escritas à mão, sim.

Se recebia uma carta manuscrita, conseguia captar os pensamentos do remetente e, caso houvesse duas ou mais cartas produzidas por mãos humanas, as vi­brações tendiam a se misturar, como o ruído enervante de duas estações de rádio ao mesmo tempo, e isso a atormentava muito.

India deu uma olhada na correspondência do dia: conta de telefone, a última edição da Revista de Vete­rinária e um envelope branco, simples, sem nada es­crito. Obviamente, fora colocado diretamente na caixa.

Tirou as luvas, tentando captar alguma energia da carta, mas nada sentiu. Estranho, levando-se em conta que alguém a havia manuseado.

Rasgou o envelope, desdobrando uma folha de papel, e leu.

Soltou um gemido abafado.

Revista, conta de telefone e luvas escorregaram para o chão.

 

Com as pernas bambas, entrou em casa e pegou, o telefone, ligando para a central de polícia.

A porta se abriu, antes que Jamie batesse.

A India Cook que o saudou, se é que um olhar vazio podia ser chamado de saudação, não parecia a mesma que conhecera, sempre vestida de negro.

Em primeiro lugar, não havia óculos escuros tapan­do os assustados olhos cor de cobre, e seus cabelos estavam cobertos por um lenço. Usava uma camiseta cor-de-rosa muito larga, sem sutiã, notou Keegan, e um fuseau azul.

— Não pensei em receber ninguém em casa hoje — disse ela, como a desculpar-se pela aparência colorida.

Virando-se, conduziu-o à sala.

— Lá está a carta que recebi.

Jamie sentiu a tensão na voz dela, percebendo que estava à beira de um ataque de nervos.

Pedira a ela, por telefone, que ficasse calma, que não havia perigo de verdade, mas, no íntimo, sentia-se culpado. Até agora, só fizera arrastá-la, contra a sua vontade, por caminhos perigosos. Nenhuma garantia formal de proteção lhe fora oferecida.

Havia uma folha de papel sobre a mesa da sala de jantar, junto à grande lareira.

Enquanto India, nervosa, andava de cá para lá, Ja­mie analisou a carta.

Como os demais bilhetes do Vaga-lume, aquele tam­bém estava composto por letras recortadas e coladas. Porém, ao contrário dos anteriores, não fazia ameaças de incêndio, e sim de morte: "Afaste-se, bruxa, ou le­vará uma bala no meio da testa. O Vaga-lume".

Jamie colocou seu equipamento sobre a mesa. Havia notificado o laboratório sobre o bilhete, checara a caixa do correio e as redondezas para ver se descobria mais alguma pista, mas fora em vão.

Com exceção do fragmento da revista queimada en­contrado na madeireira, o Vaga-lume era um mestre em esconder qualquer traço de sua identidade. Casos de incêndios criminosos eram sempre um desafio, mas aquele estava se transformando em um pesadelo do qual dependia a promoção de Keegan a capitão.

A dra. Cook falou:

— Não irão encontrar nenhuma pista nisso aí tam­bém. Eu sei. Seja lá quem foi o autor, usava luvas grossas, não as de borracha que calçou para fazer os outros bilhetes.

O tenente Keegan ficou surpreso.

— Epa! Como sabe sobre as luvas de borracha? Sam lhe contou?

— Não, tenente, Sam não me contou. Quer o senhor queira, quer não, eu sou vidente.

India debruçou-se sobre uma das sacadas que la­deavam a lareira e ficou olhando para o quintal.

O sol da tarde banhou sua camiseta, revelando uma cintura incrivelmente fina e quadris bem torneados.

— Luvas grossas não "filtram" transmissões telepáticas, tanto de quem envia quanto de quem recebe — ela acrescentou.

Os olhos do tenente detiveram-se no fuseau justís­simo, e percorreram as coxas firmes e bem-feitas, des­cendo até os tornozelos. Não havia percebido que corpo maravilhoso a doutora possuía e chegava a preferir não ter descoberto isso. Já se sentia atraído por ela muito mais do que devia. Suspirou profundamente!

— Mas como descobriu sobre as luvas de borracha? Ela se virou para ele, inocentemente revelando, à luz do sol, os contornos provocantes de lindos seios.

— Pelo que eu saiba, não foram encontradas im­pressões digitais nos quatro bilhetes do incendiário.

Keegan respirou fundo novamente, evitando pensar no corpo da doutora e tentando manter a atenção no trabalho.

— Exatamente.

Ela o encarou com seriedade, explicando:

— O Vaga-lume usa luvas para não deixar' im­pressões digitais. Mas, quando se utiliza as de bor­racha, muito finas, eu consigo captar mensagens extra-sensoriais.

A contragosto, Jamie ficou impressionado. India leva­va tão a sério a sua ilusão de poderes psíquicos, que chegava a tirar deles conclusões lógicas. Era assustador.

— E você? Como soube das luvas de borracha? — ela perguntou.

— O laboratório encontrou traços de lubrificante em pó nos bilhetes, que serve para proteger esse tipo de luvas.

— Você me disse que piromaníacos não têm tendên­cias a assalto e assassinato, mas agora esse lunático quer me matar.

Jamie usou um tom que, esperava, soasse convincente:

— Duvido que ele esteja falando sério.

— Oh, você duvida, mas não tem certeza. Que maravilha! Cheio de remorso, Keegan tentou acalmá-la.

— Vou retirá-la do caso imediatamente. Anunciarei pelo rádio. Divulgarei no Courier.

— Pode me garantir, quero dizer, garantir cem por cento, que esse maldito lunático não irá cumprir sua promessa?

Com franqueza, Keegan respondeu:

— Não.

— Então, o que devo fazer para me proteger?

— Pensei muito a esse respeito, enquanto vinha para cá. Existe algum lugar para onde possa ir; parentes com quem possa ficar até tudo isso ter um fim?

— Deve estar brincando, tenente. Tenho um con­sultório veterinário em funcionamento, ou não reparou nisso? Se deixar a cidade agora, perderei o pouco que tenho e não posso me dar a esse luxo.

Keegan cocou o queixo.

— Isso é um ponto a considerar.

— Como pode ser tão cínico? — India gritou, fu­riosa. — Minha vida foi ameaçada, tenente! Há um doido lá fora querendo me matar e, se fugir dele, perco tudo o que tenho. E é por sua culpa, tenente. Percebe isso, não?

— Certo, certo. Fui eu quem a colocou nessa enrascada. Por isso, desejo consertar as coisas. Preciso consertá-las.

— Estou esperando para ouvir qual o plano mara­vilhoso que tem em mente.

— O plano é o seguinte: ficarei com você durante a noite, aqui, em sua casa, até prendermos o Vaga-lume.

India pareceu pensativa.

— Acabei de me mudar para cá, tenho uma repu­tação profissional a zelar... O que dirão as pessoas?

— Todos saberão que se trata de um assunto estri­tamente policial.

— Vou ter de arrumar um dos quartos de hóspedes.

— Não precisa. Não dormirei. Ficarei montando guarda.

— Por que você? Poderia mandar algum patrulheiro fazer isso.

— Em primeiro lugar, confio mais em mim do que no melhor dos patrulheiros — Jamie explicou. — Em segundo lugar, eu a coloquei nessa situação. Nada mais justo do que perder algumas horas de sono para ajudá-la.

— E quando irá dormir?

— Sairei daqui bem cedo, todas as manhãs, e tirarei uma soneca à tarde. Durante o dia, um carro montará guarda à porta. Voltarei às oito horas da noite, até ir trabalhar pela manhã. Então, o que me diz?

Por alguns momentos, India meditou.

— Muito bem, tenente. Não vejo outra saída. Keegan cruzou os braços, olhou para ela e disse:

— Mas imponho uma condição: nada de "dra. Cook" e de "tenente Keegan". Vou chamá-la de India, e você me chamará de Jamie. — E brincou com um sorriso maroto: — Impossível passar a noite com uma mulher, sem chamá-la pelo primeiro nome.

India esboçou um sorriso, relutante.

— Está certo, Jamie.

Sempre sorrindo, Keegan pegou seu equipamento e dirigiu-se para a porta.

— Vejo-a hoje à noite.

India consultou o relógio, ao entrar no chuveiro: seis e trinta e cinco.

Tomou um banho relaxante, vestiu uma calcinha de seda branca e uma camiseta sem mangas, pentean­do os cabelos em frente ao espelho de corpo inteiro, no quarto.

O barulho de passos fez com que soltasse o pente.

Alguém subia, lentamente, as escadas. Jamie? Só deveria chegar às oito horas.

Gs passos se aproximavam.

India correu para a coleção de armas, abriu um estojo ao acaso e retirou uma pistola, antiga e inútil, naturalmente, mas pelo menos era de verdade. Então, apagou as luzes bem na hora em que alguém abria a porta do quarto.

— Estou com uma arma! — gritou, quando a figura envolta em sombras apareceu no vão de entrada.

Houve um momento de silêncio, e então India ouviu uma risada baixa.

— Eu tenho duas, e as minhas atiram de verdade. Ela conhecia aquela voz.

— Jamie?

As luzes se acenderam, e ela piscou. Ele tinha en­trado no quarto, vestindo jeans e uma jaqueta de brim, segurando, displicentemente, um revólver.

Deparou-se com India trajando apenas a camiseta cur­ta com o profundo decote em "V" e a calcinha de seda.

Com um rápido olhar, admirou-lhe o ventre e as per­nas à mostra, antes de recompor-se e limpar a garganta.

— Perdão, não tive a intenção de assustá-la. Ou... sabe... pegá-la desprevenida. Havia uma janela aberta que dava para o consultório. Toquei a campainha, mas você não respondeu, e estava escuro aqui dentro. Fi­quei preocupado. Creio que você estava no banho e não ouviu.

Os olhos de Keegan estavam irresistivelmente pre­sos ao corpo desnudo de India. Subitamente, ela tomou consciência de seus trajes e, com um gesto instintivo, tentou, em vão, cobrir a barriga com a camiseta, mas os seios ficaram pressionados de encontro ao tecido de algodão esticado.

Disfarçando o embaraço de ambos, Keegan recuou, apontando para as escadas.

— Eu... estarei na cozinha.

Só então India voltou a respirar com mais calma.

Vestiu uma calça cinza de moletom nada sensual, um blusão combinando e desceu as escadas.

Jamie havia tirado a jaqueta; o coldre com a arma estava bem visível.

— Usa isso o tempo todo? — ela perguntou.

— Só quando estou trabalhando. Incomoda?

— Não.

Na verdade, incomodava, sim, mas não do modo como ele pensava.

Havia algo de extremamente másculo no tenente Keegan.

Os homens do seu passado eram todos parecidos com Perry, seu ex-marido: educados, cautelosos e fria­mente intelectuais.

James Keegan era do tipo que tomava conta da si­tuação. Simples, sem complicações. Fazia o que devia ser feito, e ponto final.

— Posso lhe fazer uma pergunta, India? Algo pessoal? Ela concordou.

— O que aconteceu para transformá-la em uma pes­soa que não suporta ser tocada?

— Pensei que você soubesse. É o poder extra-sensorial. Todas as vezes em que alguém me toca, os pen­samentos dessa pessoa me invadem. Tudo se embara­lha em minha mente. É de enlouquecer.

Jamie fez um gesto, compreensivo. Pareceu escolher as palavras com muito cuidado.

— Perguntei porque, bem... no meu trabalho, já vi muitas meninas e mulheres que foram atacadas, es­pancadas, violentadas. Algumas vezes, quando essas coisas acontecem na infância, o trauma é muito pro­fundo, e a menina passa a ter medo dos homens.

— Não é esse o meu motivo, Jamie. Repito: é o meu poder extra-sensorial.

Sem acreditar na resposta de India, Jamie falou com voz gentil:

— Alden Lorillard me contou que sua infância foi muito traumática. Gosto de você; E não quero vê-la aterrorizada cada vez que um ser humano ameaça tocá-la. Como suporta isso?

Ela engoliu em seco.

— E horrível. Mas não tenho escolha. Assim são os fatos. Você é quem se recusa a entender. Creia, lem­bro-me de cada detalhe de quando tinha doze anos. E nenhum envolve abuso sexual.

India levantou-se, empurrando a cadeira com força.

— Você não é a primeira pessoa a me considerar louca, sabia? Estou cansada de gente como você, cheia de boas intenções, mas que não acredita em uma só palavra do que digo. Estou cansada de que duvidem de mim!

Ela saiu correndo da cozinha, subiu as escadas e trancou-se no quarto.

Jamie amaldiçoou-se pela falta de tato.

Então, fez a ronda na casa, checou duas vezes todas as portas e janelas e subiu, postando-se diante do quar­to dela, demorando um pouco até tomar coragem.

Entreabrindo a porta, disse:

— Gostaria de me desculpar.

India estava reclinada sobre a cama, em meio a uma pilha de almofadas, vestindo a calça de moletom e a camisetinha sexy de antes, o blusão atirado no chão. Fênix estava aninhado a seu lado.

Parecia tão pequena e vulnerável, que o coração de Jamie ficou apertado.

Ele sentou-se na beirada da cama, de frente para ela, enquanto lançava olhares cautelosos para o gato, do outro lado.

Sentiu o perfume que vinha de India, aroma do banho recém-tomado, quente e delicadamente perfumado.

— Parece que não faço nada direito com você. Tudo o que digo piora a situação. — Após uma breve hesi­tação, continuou: — Acredito que o que acontece é real... para você. Não quer dizer que seja louca, mas apenas que tem um problema a enfrentar. E gostaria de ajudá-la nesse impasse.

— Por quê?

— Já lhe disse, gosto de você. Apenas porque não acredito em fenômenos psíquicos não significa que de­vamos ser inimigos. Quero começar tudo de novo e ser seu amigo, mas, para isso, é preciso confiarmos um no outro. Você tem de confiar em mim, ainda que eu tenha sido um idiota. Vamos tentar?

Com um sorriso tímido, India concordou.

— Por favor, conte-me sobre seus poderes, quais são as sensações.

Ela apontou para a televisão, em frente à cama.

— É como se eu tivesse uma tevê dentro da cabeça, exatamente como aquela.

Pegando o controle remoto, ela foi mudando os canais.

— Enquanto toco as pessoas ou as coisas, vou tendo visões em preto-e-branco. É como se houvesse uma antena dentro de mim que, em vez de canais, captasse os pensamentos e sensações dos outros.

— E isso começou quando tinha doze anos?

— Certo. Como se a antena tivesse sido ativada, para receber sinais. Li que os poderes extra-sensoriais freqüentemente emergem quando a pessoa está na puberdade. No início, meus pais pensaram que eu estava tentando chamar a atenção. Porém, quando lhes disse que não desejava que ninguém se aproximasse de mim, levaram-me a um psiquiatra. Eles me julgaram psi­cótica. Ninguém acreditava em uma palavra do que eu dizia.

— Sim, Alden me contou que seus pais duvidavam de você.

— Duvidavam? Pensavam que eu era louca. Meu pai culpava minha mãe, e vice-versa. Ela sucumbiu primeiro. Depois de oito ou nove meses de brigas, com raiva de mim e de meu pai, fez as malas e foi embora.

— E o que fez seu pai?

— Internou-me em um sanatório para doentes mentais.

— Oh, meu Deus!

Sem pensar, Jamie procurou segurar sua mão, po­rém India se afastou.

— Como conseguiu sair de lá? — ele perguntou.

— Deram-me eletrochoques.

— Que horror!

— Sim, foi o que exclamei, quando me deitaram e amarraram para fazer aquilo. Mas sabe do que mais? Foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido. Quan­do acordei, os poderes telepáticos haviam desaparecido.

— Simples assim?

— Exatamente. Correntes elétricas parecem ativar e desativar a "antena". Os eletrochoques destruíram meus poderes, e o raio que me atingiu na praia, quatro anos atrás, fez com que voltassem.

A lógica que imprimia em suas fantasias era im­pressionante, mas não convincente, pensou Keegan.

— Então, por que não explica a um psiquiatra e faz outro tratamento à base de eletrochoques para que os poderes desapareçam?

— Tentei. Quando me tornei paranormal pela se­gunda vez, meu ex-marido quis me internar de novo. Insisti que só precisava de uma sessão de eletrocho­ques, mas foi em vão. Nenhum dos psiquiatras com quem falei levou a sério minha história. Chegaram à conclusão de que estava tendo outra crise de loucura. Se não tivesse me divorciado de Perry, tenho certeza de que hoje estaria apodrecendo em algum manicômio.

— Deu de ombros, finalizando: — Essa é a minha história. Tenho de me conformar com os fatos. Na ver­dade, não é a telepatia propriamente que me aborrece, mas não poder tocar as pessoas. Não posso segurar um bebê, apertar mãos, receber um beijo no rosto...

—... Fazer amor — murmurou Keegan.

India não respondeu, continuando a acariciar o gato. Observando-a, Jamie exclamou:

— Um momento! Você consegue fazer leituras psí­quicas de animais, certo? Entretanto, está aqui sen­tada há bastante tempo, acariciando Fênix, sem pro­blemas. E toca em gatos o dia inteiro na clínica. Como se explica poder tocá-los e não poder tocar as pessoas?

— No início, não podia. Fiquei desesperada. Minha carreira de veterinária estava ameaçada. Com muito esforço, então, comecei a treinar para... não sei explicar direito... "desligar" a televisão em minha mente quando tocava em gatos. Agora, isso já não é um problema. Na maioria das vezes, não capto o pensamento deles, embora, de vez em quando, ainda pressinta coisas, como quando toquei Fênix pela primeira vez. Em certas ocasiões, deliberadamente, procuro ler a mente do ani­mal, como, por exemplo, quando sei que o gato está com dores e desejo saber onde é a dor.

— Então, pode praticar o mesmo treinamento em relação às pessoas! -- exclamou Jamie.

India meneou a cabeça.

— Tive de tocar em muitos gatos até dominar a técnica. Em termos práticos, como poderia repetir esse método com seres humanos? Além disso, os pensamen­tos das pessoas são mais fortes, mais intensos que os dos animais.

— E como faz para "desligar" a televisão com os gatos? Ela pensou um pouco.

— Procuro relaxar e só pensar em meu trabalho. Quanto mais relaxada fico, melhor funciona.

Jamie afirmou com segurança:

— Isso é pura terapia. Só o que precisa, então, é relaxar com as pessoas e não ter medo.

India ergueu as sobrancelhas, surpresa.

— Você parece um psiquiatra falando.

— Sou formado em Psicologia e Direito Criminal. Deu um risinho ao vê-la arregalar os olhos, admirada.

— Estudei porque desejo subir em minha carreira. E agora vou tentar ajudá-la do meu modo.

— Não estou entendendo. Jamie explicou, sorrindo:

— O toque. Eu não sinto problema em ser tocado por você.

A suspeita de que ele ia tentar seduzi-la brilhou nos olhos de India.

Keegan apressou-se em explicar:

— Não é o que está pensando. Sei que não me co­nhece muito bem, mas eu... sou um bom sujeito. Não se trata de nenhuma técnica de conquista, juro.

India continuava desconfiada. — Você é uma mulher atraente, mas, nessas condições, eu seria um miserável se me aproveitasse da ocasião. Ela pareceu convencida. Perguntou, animada:

— O que quer fazer, então?

— Quero que aplique em mim o método que utilizou com os gatos. Concentre-se apenas no que você está sentindo, do mesmo modo como age com os felinos. Começaremos bem lentamente, quem sabe, só tocando as pontas dos dedos.

— Não vai funcionar, Jamie. Pessoas não são gatos. Keegan olhou para Fênix, todo enrolado junto a India.

— Então, vamos começar tocando o mesmo objeto ou... o mesmo gato.

India abriu a boca, admirada.

— Refere-se a Fênix? Quer mesmo tocá-lo? Mas, Ja­mie, você tem horror a gatos!

Ele fez um gesto afirmativo.

— Sim, é uma fobia que sempre tive. Mas vou con­seguir... por você.

Ela não podia permitir que ele fizesse aquele sacrifício.

— Esqueça. Sei o que é ter fobia de alguma coisa. A minha é por fogo. Morro de medo. Seria pedir demais a você...

— Disse que vou conseguir — repetiu Keegan, o estômago revirando só em pensar no gato.

— Jamie, olhe para você. Está suando. Vamos parar... Lentamente, ele baixou a palma da mão, parando ao sentir o contato dos pêlos de Fênix.

Seu estômago contorceu-se, mas ele respirou pro­fundamente, ordenando aos próprios músculos que relaxassem.

 

India observou Jamie, lutando bravamente contra a ojeriza por gatos, tocar os pêlos de Fênix, o olhar intenso, o rosto pálido, à meia-luz tremeluzente da televisão sem som.

O tenente esboçou um sorriso forçado, encorajando-a:

— Se eu posso, você também pode.

Foi a vez de India respirar fundo e estender a mão sobre a cabeça de Fênix.

— Apenas as suas próprias sensações — disse Jamie com suavidade. — Nada além disso. E tente relaxar. Você mesma disse que isso ajudava.

India fechou os olhos e, devagar, baixou a mão até senti-la levemente pousada sobre os pêlos do gato.

Sentiu isso e algo mais: a energia de Jamie come­çando a fluir. Um zumbido invadiu seus ouvidos, um formigamento subiu pelo seu braço, espalhando-se por todo o corpo e... sentiu medo.

Ela abriu os olhos, mas a imagem apavorante con­tinuou a dançar em sua mente, difusa: um gato, os dentes e garras à mostra, ameaçador.

Com um estremecimento, afastou-se do animal, abraçando os joelhos dobrados. Fênix, assustado, pulou da cama e saiu do quarto correndo, desaparecendo pela porta.

Jamie aproximou-se, mas não a tocou.

— India, o que aconteceu?

— O gato... Você tem medo. Muito medo. Eu senti suas emoções.

Jamie deu de ombros.

— Tenho pavor deles, sim, mas era a única maneira de fazer com que você tentasse. Precisava conseguir que aceitasse o desafio.

— Obrigada, mas, como vê, a experiência não deu certo.

Ele não era homem de desistir facilmente e ansiava por tocar India, fazê-la sentir-se viva novamente.

— Não precisamos de Fênix — Jamie declarou. — Voltemos à minha idéia original: só tocar as pontas dos dedos um do outro. Vamos relaxar.

India semicerrou os olhos, sempre desconfiada.

— Exercícios que aprendeu em seus cursos de psi­cologia? Esqueça. Detesto psiquiatras e toda a sua parafernália.

— Não sou psiquiatra. Nem estou tentando parecer um, mas sim um amigo que deseja ajudá-la a vencer um problema.

Jamie tirou o tênis.

— O que está fazendo? — perguntou India, assustada.

— Ficando mais à vontade.

Jamie deitou-se de lado na cama, junto dela, apoiado no cotovelo, e perguntou com simplicidade:

— Está com medo de mim? Ela ergueu o queixo em desafio.

— Claro que não.

— Quero dizer, entendo que esteja com medo, le­vando-se em conta seu passado.

Ela sussurrou com raiva:

— Pela última vez, digo-lhe: não fui violentada!

— Não? Então por que está com medo de mim?

— Não estou com medo de você! Já lhe disse!

— Então, não gosta de mim.

— Não, eu... acho que gosto de você, apenas...

— Não confia em mim.

— Confio!

Jamie sentou-se na cama.

— Então, se gosta de mim, confia e não tem medo, prove. Deite-se e feche os olhos.

India hesitou por um momento e depois, com má vontade, estirou-se na cama, tensa. Jamie pegou o tra­vesseiro e ajeitou-o sob a cabeça dela. Ao fazer isso, notou que um pouco do enchimento saía de uma cos­tura desfeita. Estendeu a mão e puxou uma minúscula pena do interior do travesseiro.

Jamie segurou a pena, revirando-a nos dedos.

— Quero que feche os olhos e relaxe, sua atenção deve estar voltada para o que estiver sentindo.

India obedeceu.

Jamie encostou a pena nos lábios dela, que sentiu cócegas e abriu os olhos.

— É só uma pena — ele explicou, mostrando-a para India. — Volte a fechar os olhos e solte o corpo.

Após uma breve hesitação, ela obedeceu.

Jamie levou a pena aos próprios lábios, passando-a de um extremo ao outro, impregnando-a com as suas sensações. Sorrindo, abaixou-se sobre India e repetiu o gesto nos lábios dela, que se abriram ligeiramente.

— Simplesmente sinta a pena, e nada mais. Começou a passar o minúsculo objeto macio pelo rosto de India, subindo a delicada linha do queixo e dos maxilares. Sua pele não tinha defeitos, era como mármore branco. Com os olhos maravilhosos fechados, serena, era ainda mais bela. Jamie continuou a murmurar:

— Não pense em nada. Apenas sinta.

Acariciou uma orelha de India com a pena, descendo para o pescoço.

Com um langor displicente, a mão de Jamie guiou a pena em círculos sobre a pele exposta do peito de India, acompanhando o desenho do decote em "V" da camiseta. Viu os mamilos da jovem se enrijecendo por baixo do algodão branco e começou a ficar excitado. Rezou para permanecer calmo, pois queria manter a palavra que havia empenhado. Não iria se aproveitar da situação.

Keegan respirou fundo e, então, foi descendo a pena pelo braço de India, até o pulso, voltando a subir.

A respiração dela acelerou-se. India era uma mulher muito sensual e havia quatro anos ninguém a tocava, a não ser esbarrando, sem querer.

Naquele estado de relaxamento, os olhos sempre fe­chados, ela pensou que, se James Keegan conseguia excitá-la com uma pena, o que faria então com as pró­prias mãos e a boca?

Ele a hipnotizara, reduzindo-a a puro prazer e sensações.

A pena acariciou os dedos de India, para cima e para baixo, das pontas às palmas das mãos, várias vezes. Gradualmente, a carícia foi se intensificando, deixando trilhas de um calor excitante por seu corpo, e ela passou a sentir um toque mais forte substituindo a suavidade. Gemeu ao perceber que eram os dedos do tenente que a tocavam agora.

Sentiu o calor de Jamie, a rudeza deliciosa de seus dedos fortes sobre seu rosto... nada de imagens trê­mulas de televisão, nenhum pensamento ou sensação alheia, a não ser as que ela mesma tinha.

— Não pode ser verdade — murmurou India, en­quanto lágrimas quentes escorriam do canto dos olhos fechados.

— Claro que pode — sussurrou Jamie.

India abriu os olhos a tempo de vê-lo aproximando-se do seu rosto.

Automaticamente, ficou rígida, perdeu o autodomínio e a "antena" de seus poderes foi ativada. Co­meçou a ter visões: seus próprios olhos, lágrimas, dedos, seios...

Sentiu o desejo de Jamie por ela, mas, principal­mente, a compaixão.

— Você está bem? — perguntou Keegan. — O que foi que deu errado?

India sentou-se na cama, as pernas trançadas.

— Foi quando você me tocou. Não esperava por isso. Creio que... o encanto foi quebrado. Porém foi maravilhoso!

Jamie pegou um lenço de papel sobre a mesinha-de-cabeceira e o estendeu para ela. India meneou a cabeça.

— Não acredito que isso aconteceu de verdade. Você me tocou... tocou mesmo, com sua mão!

— Por três ou quatro segundos — acrescentou Jamie.

— Só isso? Então, mesmo por alguns segundos, con­segui ser eu mesma, sem visões. Foi a coisa mais ex­traordinária que já me aconteceu, desde o momento em que o raio me atingiu.

India riu, enquanto novas lágrimas inundavam seus olhos.

— Finalmente, alguém me tocou! Você me tocou! E só senti isso. Nada de vibrações, pensamentos ou imagens.

Jamie deu um amplo sorriso, satisfeito consigo mesmo.

Ergueu-se da cama e ficou postado ao lado dela, a minúscula pena macia e branca sobre a palma da mão. Ainda estava usando o coldre no qual se via o aço do revólver.

India levou um choque com o contraste da imagem do homenzarrão rude, armado, contemplando uma pena, que havia manuseado com tanta perícia e sensualidade.

Não, o tenente James Keegan era mais do que um mero policial. Era um enigma, um paradoxo que conse­guia enfrentar um louco com uma faca, mas que tinha medo mortal de gatos. Um homem forte, passional, sexy... e, ao mesmo tempo, tremendamente meigo.

India sentiu um grande medo de se apaixonar por ele.

Jamie soprou a pena, que voou em direção a India, dizendo:

— Amanhã à noite faremos de novo. — E, encaminhando-se para a porta, concluiu: — Porém... sem usar a pena.

Jamie ficou parado, no lusco-fusco do alvorecer, à porta do quarto de India, decidindo se devia ou não bater. Caso ela ainda estivesse dormindo, não desejava acordá-la. Porém, se já estivesse desperta, não queria pegá-la de surpresa outra vez, vestindo apenas roupas íntimas.

Finalmente, decidiu-se e entrou.

A pálida luz do início da manhã iluminava a grande cama onde ela dormia profundamente sob o acolchoado branco que fora empurrado para longe, deixando-a des­coberta da cintura para cima. A massa de cabelos ne­gros encobria seu rosto. A camisola que usava era de cetim brilhante, cor de champanhe, com alças muito finas, uma das quais escorregara do ombro, expondo, parcialmente, um seio branco, o que lhe emprestava um ar doce e, ao mesmo tempo, sensual.

Jamie nunca mais pensaria nela como "A Dama de Negro". Por baixo das severas roupas pretas, dos óculos e das luvas, ela era pura seda e cetim, denunciando a natureza profundamente sexy, mas sufocada. Apesar do medo, ela ansiava tanto pelo toque de outro ser humano quanto qualquer pessoa, talvez, até mais, já que fora privada disso por tanto tempo.

 

Jamie queria afastar os cabelos do rosto de India e arrumar aquela alcinha no ombro, ou, talvez, pegar as duas alças e abaixá-las de uma vez...

Com um gesto muito leve, afastou os cabelos desor­denados do rosto dela.

Ela gemeu suavemente, movendo os braços, como se abraçasse o ar. Então, deixou escapar um murmúrio.

Um pensamento louco cruzou o cérebro de Jamie. Es­taria India sonhando com ele? Forçou-se a lembrar por que viera até o quarto dela: deixara lá o par de tênis.

Ao pegá-los, India acordou, linda, cabelos em desa­linho, piscando, sonolenta.

— Desculpe-me por tê-la acordado. Ergueu os tênis à guisa de explicação:

— Vim por causa disto.

— Que horas são? — perguntou ela. Keegan consultou o relógio.

— Quase seis e meia. Preciso correr até meu apar­tamento, tomar banho e trocar de roupa, senão me atraso para o trabalho.

Ela passou os dedos pelos cabelos, gesto que só ser­viu para deixá-los ainda mais desarrumados.

— Você poderia... acho que poderia trazer sempre uma muda de roupa e tomar banho aqui todas as ma­nhãs — India ofereceu. — Assim, talvez, possa econo­mizar tempo.

— Obrigado. Vou aceitar a oferta. Gosta de chinesa?

— Como disse?

— Comida chinesa. Pensei em trazer hoje à noite.

— Adoro.

— Ótimo. Vá dormir de novo. Vejo você mais tarde.

Jantaram juntos e foram para a sala de estar. Fazia muito frio, e India estava acendendo a lareira quando

Jamie entregou-lhe uma folha de papel dobrada. Ela leu a fotocópia com letras recortadas de revistas: "Esta semana, algo grandioso vai acontecer. Preparem-se. O Vaga-lume".

— Quando foi que isto chegou? — perguntou, os olhos no bilhete ameaçador.

— Esta tarde. Mas agora desejo esquecer esse caso, e desfrutar da sua companhia.

India gostou do som daquelas palavras. Parecia que Jamie havia vindo até sua casa não para montar guar­da, mas para ficar a seu lado. Como se fosse um en­contro, e não um assunto de polícia.

O fogo da lareira dançava nos olhos do tenente, olhos que pareciam ler os pensamentos dela, seu coração e sua mente. Até onde conseguiriam ver?

— Vamos tentar o toque outra vez hoje à noite? Não recebendo resposta de imediato, Jamie foi à cozinha, voltando com duas xícaras de café. Sentaram-se no tapete, um ao lado do outro, em frente à lareira. Sorvendo um gole de café, India questionou:

— Não acredita mesmo em nenhum fenômeno paranormal?

— As pessoas tendem a ser muito crédulas. Infeliz­mente, há centenas de farsantes pelo mundo, ansiosos por tirar partido dos ingênuos. E também existem aqueles que, como você, acreditam realmente possuir poderes especiais, mas... —Jamie interrompeu-se, pou­co à vontade. — India, não vamos discutir esse assunto. Sempre acabamos brigando.

— Vamos, sim. Estou curiosa, Como explica todas as surpreendentes revelações e previsões feitas por videntes?

Keegan fez um gesto vago com as mãos.

— Uma parte, truques, outra parte, espírito de ob­servação. Um falso vidente senta-se com uma pessoa desconhecida e fala sobre a vida dessa pessoa, a fim de conquistar sua confiança. Existem alguns muito bons nisso, você ficaria surpresa. Mas tudo não passa de análise dedutiva em alto nível, além de, como eu disse, alguns truques da profissão.

— Parece que você estudou esse assunto a fundo — comentou India, tomando o café.

Keegan evitou olhá-la.

— Conheci alguém, certa vez, que fez disso seu ganha-pão. Encontrava um ingênuo com dinheiro, e lia sua sorte. Ela era brilhante, realmente uma artista no gênero. — Soltou um risinho amargo. — Ao final da sessão, ela podia até dizer o nome do cãozinho que o coitado possuíra na infância. Era muito observadora, carismática e conhecia uma infinidade de truques. Uma vez conquistada a confiança do infeliz, sugava dele tudo o que desejasse.

— De que maneira?

— Ela lia a sorte, as pessoas confiavam nela e co­meçavam a consultá-la duas ou três vezes por semana. Então aconselhava-os, dizia como deviam investir seu dinheiro, como conduzir suas vidas amorosas. Ficavam tão dependentes que chegavam ao ponto de não dar um passo sem consultá-la. Ganhou uma fortuna assim, mas sua ambição não tinha fim. Sempre descobria no­vas maneiras de tirar dinheiro dos trouxas: poções de amor, sessões de hipnose, mapas astrais... até sessões espíritas.

— Parece que você conhecia essa pessoa muito bem.

— Era minha tia Bridey. Morei com ela, Meus pais morreram em um acidente de carro quando eu tinha dez anos. Fui, então, morar com minha tia, no Brooklin.

— Lamento pelos seus pais. Entretanto, deve ter sido uma experiência interessante viver com...

— Uma farsante — atalhou Jamie, sem rodeios, India compreendeu.

— Então, é por causa disso que considera todos os sensitivos uns exploradores?

Jamie deu de ombros.

— Cresci ouvindo tia Bridey martelar na minha ca­beça que tudo não passava de truque, que não existia essa coisa de poderes extra-sensoriais. Bastava apren­der os macetes. Um deles era ajudar a polícia a resolver um caso. Isso espalhava sua fama, e as pessoas vinham correndo, acenando com maços de dinheiro.

— Jamie, não nego que existam os falsos sensitivos, mas isso não quer dizer que poderes extra-sensoriais sejam fantasia. Você mesmo os possui, até certo ponto.

— Refere-se ao meu "sexto sentido"? Não acredite em tudo o que Sam lhe conta, querida.

Querida. A palavra soava carinhosamente rude, vin­da de Jamie. Querida. Como uma enorme mão que acariciasse seu coração, deixando-a fraca e sem fôlego. Ridículo. Aquela palavra não fora dita com nenhum significado especial. O tenente Keegan havia chamado a repórter Sylvie de querida também.

— Não tenho poderes extra-sensoriais — insistiu Jamie. — Sou apenas um bom investigador. Às vezes, percebo detalhes e, então, todos os pedaços se encaixam e eu... sei. Tenho pressentimentos, só isso.

— Você luta contra a maré. Precisa sempre acreditar na sua intuição. Como quando passou pela loja de con­veniências e sentiu que havia algo errado por lá, im­pedindo, assim, um assalto. E se não tivesse dado ou­vidos à sua intuição? Se não tivesse entrado na loja?

Jamie soltou um suspiro profundo. Pegou uma almofada e colocou-a sobre o tapete, em frente à lareira, ordenando:

— Encoste a cabeça aqui e deite-se!

— Sim, tenente — respondeu India em tom de brincadeira.

 

Deitou-se, ajeitando a camiseta branca e larga, cruzando as pernas cobertas por um fuseau preto. Aquecido pelo fogo da lareira, o tapete estava muito confortável.

— Limpe sua mente. Deixe seu corpo flutuar...

A voz de Jamie começou a embalá-la, profunda, acariciante, sem pressa.

India sentiu-se transportada para as areias cálidas de uma praia, sob um sol ardente.

— Sua pele está quente... esperando para ser tocada. Ela sentiu uma espécie de eletricidade subir devagar pelo braço esquerdo, do pulso ao cotovelo, descendo novamente. Não se moveu, embora a respiração ace­lerasse. Sabia que estava sendo tocada por Jamie, sem absorver os pensamentos dele.

— E fantástico — sussurrou ela.

India sentiu o calor de estranhas sensações quando os dedos de Jamie traçaram um caminho da clavícula ao queixo, subindo por sua face.

Uma tora de madeira despencou dentro da lareira, e India assustou-se, gemendo, ao sentir algo familiar acontecer: a televisão sendo ligada em sua mente.

Automaticamente, repeliu Keegan quando a imagem de seu próprio rosto entrou em foco por um instante, dessa vez não em preto-e-branco, mas com matizes avermelhados pelos reflexos do fogo. Viu-se com os olhos fechados, a boca entreaberta, muito linda.

A imagem começou a se dissolver, e India gritou:

— Não me toque!

— Não vou tocá-la. Abra os olhos. Obedecendo, viu Jamie olhando para ela, cheio de preocupação.

— Tudo bem?

— Sim. O barulho na lareira me assustou. Desculpe.

— Não é sua culpa, querida — ele acalmou-a com doçura.

India soltou um riso cansado, balançando a cabeça.

— Quando você me chama assim, sinto-me como se fosse Sylvie.

Jamie ergueu as sobrancelhas.

— Ah... Bem, existem queridas e queridas...

— De que tipo eu sou? Ele riu.

— Do segundo tipo.

— Segundo tipo? Qual é esse? Jamie encarou-a firmemente.

— Acho que você sabe.

India corou, afastando os olhos dos dele. Suavemen­te, Jamie explicou:

— Não pretendo fazer nada a respeito, pode crer. Essas palavras a deixaram, ao mesmo tempo, desa­pontada e aliviada.

— Quero que se sinta a salvo comigo.

— Eu me sinto.

 

O telefone tocou, despertando India. Eram duas e quarenta e nove da manhã.

Vestiu um quimono de seda azul-turquesa sobre a camisola e desceu as escadas, descalça.

Fazia uma semana, desde que recebera a ameaça do Vaga-lume, que carros da polícia protegiam sua casa todos os dias, e Jamie ficava com ela todas as noites, lendo e trabalhando no andar de baixo, en­quanto India dormia.

Seguiam sempre o mesmo esquema: jantar, um bate-papo e uma nova sessão de toque experimental.

Haviam progredido. A cada noite, Jamie avançava um pouco mais, até que algo acionava a "antena" no cérebro de India, acabando com o encanto.

Mas, para ela, essa era a coisa mais maravilhosa que já lhe acontecera. Às vezes, porém, por mais que se esforçasse, lia os pensamentos de Jamie e sabia que ele a desejava.

India foi encontrá-lo na cozinha, falando ao telefone.

— Certo, Sam...

Quando a viu, logo seus olhos a examinaram da cabeça aos pés, detendo-se um pouco nos seios, onde o quimono se entreabria, revelando o corpete rendado da camisola.

— Como? Sim, estarei aí assim que puder. Certo.

Desligou o telefone e encostou-se na pia, muito pálido.

— Conhece o shopping center Elm Plaza, na rua Jefferson com a Elm?

— Oh, não me diga! Tudo pegou fogo?

— Uma parte. Neste momento, estão combatendo o incêndio. Veremos o que restou quando a fumaça per­mitir. Estou indo agora para lá, e Sam está mandando um patrulheiro tomar conta de você.

— Vá em frente, então. Pode ir já. Ficarei bem. Com um sorriso cansado, Jamie balançou a cabeça.

— De jeito nenhum. Não antes de o substituto chegar. Ele estendeu o braço para ajeitar uma mecha de cabelos atrás da orelha de India. Seus dedos roçaram a face delicada, sem querer.

— Oh, desculpe...

Ela aguardou que a televisão em sua mente fosse ligada, esperou ser bombardeada pelos pensamentos e sensações de Jamie. Quando isso não aconteceu, abriu a boca, estupefata. Levou a mão ao rosto no exato ponto onde Keegan a tocara.

— Jamie... — murmurou, incrédula.

Isso não fora uma das sessões de toque cuidadosa­mente preparadas. Sentira, com tranqüilidade, um contato humano espontâneo, sem ter sido preparada.

Em uma nova tentativa, Jamie estendeu o braço para ela. Percorreu o lindo rosto com a ponta dos dedos, da testa ao queixo. Tudo o que ela sentiu foi o calor de seu toque, e nada mais.

Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela os fe­chou. Os braços de Jamie a enlaçaram com cuidado, como se fosse um objeto extremamente frágil. Ela também o abraçou, surpresa consigo mesma por to­mar tal atitude.

India havia esquecido como era a sensação do calor de outro corpo. Agora que isso se tornava realidade, mal podia suportar a alegria. Á campainha da porta soou.

— Calma — pediu Keegan quando India se retesou com a interrupção.

— Apenas sinta. Sinta o que você sente. Esqueça o resto.

Ela lutou, os olhos fortemente cerrados, para impe­dir as poderosas sensações de Jamie, um misto de ter­nura e desejo.

Imagens nebulosas começaram a cruzar sua mente: ela aos olhos de Jamie, como ele a via e sentia, seu corpo bem-feito vestido de seda macia, doce, quente e vulnerável, encostado ao corpo viril; os seios esmagados contra o peito musculoso, os quadris encaixados aos dele... e começou a sentir medo.

— Tenha suas próprias sensações — comandava Ja­mie, sem soltá-la.

A campainha voltou a tocar, mas ele ignorou.

— Desligue, India. Desligue a "televisão". Finja que existe um controle remoto, e tudo o que tem a fazer é apertar um botão.

Através de uma enorme força de vontade, India vi­sualizou o imaginário "controle remoto" em sua mão, e fez o polegar apertar o botãozinho vermelho.

As imagens desapareceram, e ela perdeu o fôlego.

— Funcionou?

Ela acenou afirmativamente.

— Funcionou mesmo? — Jamie voltou a perguntar, incrédulo.

India riu, enxugando as lágrimas.

A campainha da porta voltou a tocar e, dessa vez, Jamie foi abri-la para o outro policial entrar.

Após breves instruções para o substituto, ele partiu em direção ao Elm Plaza, e India voltou ao quarto.

Pela segunda vez naquela manhã, India acordou com o barulho do telefone. Era James Keegan.

— Como foi tudo, Jamie? Alguma grande novidade?

— Não sei se é grande, mas prendi Tommy Finn. India relembrou a imagem de Tommy com os braços

em volta de Missy e do bebê, e sentiu uma grande tristeza.

Keegan suspirou, exausto.

— Cristo! Às vezes odeio meu trabalho!

— Por que o prendeu?

— Encontrei a carteira dele no estacionamento do Elm Plaza.                                              

India pareceu meditar a respeito.

— A carteira dele"?

— Com tudo dentro: carta de motorista, uma foto de Missy e dezessete dólares e cinqüenta e um centa­vos. Não é uma prova?

— Excessivamente conveniente, se quer minha opi­nião — ela respondeu. — Que tipo de criminoso perde a carteira na cena do crime?

— Um que seja descuidado, India não se convenceu.

— O Vaga-lume nunca foi descuidado antes. Por que seria agora? E uma carteira, pelo amor de Deus! Parece-me muito estranho.

— Acredite em mim, já vi criminosos deixarem pistas mais estranhas que essa. E não é nossa única prova contra Tommy. Encontrei também revistas no quarto dele, de onde foram recortadas letras. — Suspirou no­vamente, irritado. — Mas Sam parece concordar com você. Disse que tudo está óbvio demais. Quer que venha até aqui para fazer uma leitura psíquica da carteira. Importa-se?

India sabia que o convite partira só de Sam. Jamie não acreditava em seus dons, apesar de gostar dela.

Estava convencido de que India tinha um trauma de infância ligado a sexo, que procurava esquecer pen­sando ter poderes extra-sensoriais.

Já não agüentava que duvidassem dela. As pessoas que lhe foram mais próximas, seus pais e o marido, quase a haviam destruído com sua falta de confiança. Prometera a si mesma, quando deixara Perry, que isso não voltaria a acontecer. Jamais se aproximaria de alguém que não acreditasse em seus poderes. E agora estava apaixonada por James Keegan.

Devia quebrar a promessa que fizera a si mesma, envolvendo-se com uma pessoa que se recusava a acei­tá-la como era? Deveria fazer isso?

— India? Você vem? — Jamie continuava a esperar sua resposta, ao telefone.

— Como? Claro. Estarei aí em uma hora.

Uma policial acompanhou-a pelos corredores da delegacia, até uma sala pequena e escura. India es­perava encontrar Jamie, porém foi Sam quem a re­cebeu carinhosamente.

— Gosto desse suéter que está usando, menina. Ver­melho lhe cai bem.

— Você acha?

India perguntou por perguntar. Sabia que sim. Com seus cabelos negros e a pele clara, era a cor perfeita. Porém fazia quatro anos que não a usava.

Sam fez sinal em direção a Uma janela da qual se via outra sala, onde India viu Jamie sentado em uma cadeira, no extremo de uma pequena mesa de reuniões, no centro da qual havia uma pilha de revistas e o minúsculo gravador que ela já conhecia.

No outro canto da mesa, escarrapachado em uma cadeira menor, sentava-se Tommy Finn.

Quando Jamie falou, suas palavras foram claramente ouvidas através de um microfone na sala onde se encontravam India e Sam.

— Quanto tempo faz que você vem alimentando o gato? Ela se aproximou da janela, que, na verdade, era um espelho. Podia ver Jamie e Tommy, mas eles não a viam.

Tommy remexeu-se, os olhos escuros percorrendo a sala, nervosos, e respondeu:

— Alguns meses.

— Onde o encontrou?

— Costumava rondar minha casa. Dormia em qual­quer carro que encontrasse.

India virou-se para Sam, sussurrando:

— Tommy não deveria estar com seu advogado? Sam sacudiu a cabeça em negativa, postando-se a seu lado.

— Abriu mão disso. Alega ser inocente. Na outra sala, Jamie continuou:

— Alguma vez levou o gato para seu trabalho?

— Para a Editora Lorillard? Não o levava por von­tade própria, mas, muitas vezes, eu descobria que se escondera no banco traseiro do meu carro.

— Então, você o trazia para dentro, enquanto trabalhava.

— Claro. Não incomodava ninguém. Havia ratos no porão, e ele se divertia caçando.

India notou que Jamie tentava ser o mais severo possível.

Aquilo devia ser um inferno para ele, ela pensou. Fazer o papel de frio inquiridor quando, apesar da presumida culpa de Tommy, ele simpatizava com o garoto.

— O gato se escondeu quando você foi incendiar o Little Eddie?

Tommy riu, sacudindo a cabeça.

— Boa tentativa, cara, mas você pegou o I um mui errado. Jamais incendiei nada.

— Nem o shopping center?

— Diabos! Não!

— Então, como explica que sua carteira tenha apa­recido no estacionamento do Elm Plaza?

Tommy sorriu.

— Também gostaria de saber, cara. Desapareceu ontem, mas não dei muita importância. De vez em quando, as coisas somem de casa. Tantas crianças em volta...

Jamie levantou-se, pegou uma das cadeiras menores e sentou-se perto de Tommy, olhando diretamente em seus olhos.

— Por que mentiu lá na madeireira, quando a dra. Cook perguntou se já conhecia o gato? Você disse que jamais o havia alimentado, que nunca o vira antes.

Tommy ergueu as mãos.

— Olhe, homem, eu não estava sob juramento nem nada. Qual o problema?

— Nenhum — respondeu Jamie, conciliador. — Mas você mentiu. E eu me pergunto o porquê, só isso.

Tommy desviou o olhar.

— Eu não queria me meter em confusão. Ouvi dizer que haviam encontrado o gato perto do Little Eddie depois do incêndio.

— E você não queria que soubessem que conhecia o bichano, para não ser envolvido, certo?

— Mais ou menos. Não posso ser preso. Não posso sair de circulação. Isso acabaria comigo.

— Mas você foi preso.

— Sim, bem, vou conseguir sair sob fiança. Não pos­so ficar nesta delegacia. Tenho de sair ainda hoje.

— Por que a pressa?

101


Sonhos Proibidos

— Isso é problema meu. Jamie franziu a testa.

— Você é viciado em drogas, Tommy? Está preci­sando de uma dose, é isso?                                

— Não! Estou limpo! Jamie aquiesceu e continuou:

— Sabia que vigiamos sua casa na noite em que a madeireira foi incendiada? Você não voltou para casa depois de deixar a Lorillard. Fico imaginando onde estava quando aconteceu o incêndio. Poderia me dizer?

Tommy estava com o rosto molhado de suor.

— Não sei o que estou fazendo aqui, cara, respon­dendo a essas bobagens. Os Finn não são tratados com justiça aqui em Mansfield. Esta cidade gostaria que todos nós fôssemos mortos. Sei o que pensam da gente.

— É por isso que está incendiando a cidade, prédio por prédio? Para vingar-se de Mansfield? — perguntou Jamie à queima-roupa.

— Não! Não fui eu!

Tommy bateu com o punho na mesa, o pescoço re-tesado de raiva.

— Então, onde estava na noite em que a madeireira foi incendiada? Tem de responder, se quer apresentar um álibi.

— Não fui eu!

India podia sentir um grande desespero por trás da raiva do rapaz.

Na outra sala, Jamie ergueu a pilha de revistas.

— Se é inocente, o que estas revistas faziam debaixo da sua cama quando o prendi hoje de manhã?

— Nunca havia visto isso antes. E daí? São apenas revistas.

Jamie colocou de lado todas, exceto a de cima, uma edição de Cidade & Campo, abrindo-a numa página marcada em vermelho, que exibiu a Tommy.

— São revistas das quais foram cuidadosamente recortadas letras de anúncios e cabeçalhos. Comparei as letras que foram retiradas com o último bilhete enviado pelo incendiário, e também com uma men­sagem que foi colocada na caixa de correio da dra. Cook. Combinam perfeitamente. Tem alguma expli­cação para isso?

— Já lhe disse que nunca as vi antes. Jamie atirou a revista sobre a pilha.

— Do mesmo modo que disse nunca ter visto o gato lá na madeireira.

— Dessa vez, estou dizendo a verdade. Jamie cravou os olhos no rosto do rapaz.

— Dê-me um álibi para poder defendê-lo. Diga-me onde estava na noite do incêndio da madeireira.

— Não posso fazer isso, cara.

— Está protegendo alguém? Um cúmplice talvez? Conhece a identidade do Vaga-lume? E seu amigo?

Tommy pareceu descontrair-se.

— Não, homem, não. Sabe de uma coisa? Acho que vou chamar meu advogado, porque isso é ridículo. Não creio que tenha obrigação de responder a essas perguntas.

— Tudo bem. Vamos fazer um intervalo. Do outro lado do espelho, Sam perguntou:

— Então, na sua opinião, esse garoto é inocente? A expressão de India era séria.

— Por acaso ele é do tipo que compra revistas como Cidade & Campo? Sim, acho que ele é inocente.

— Então, venha até meu escritório e faça uma lei­tura extra-sensorial da carteira de Tommy e das re­vistas também.

Já que Tommy Finn havia se livrado da cadeia sob fiança naquela tarde, conforme prometera, Jamie não teve alternativa senão continuar vigiando India à noite. Não que ele se importasse. Embora detestasse a idéia' de ela ter sido ameaçada, adorava ficar a seu lado.

Ao chegar à casa dela, foi logo dizendo:

— É engraçado, pois invertemos as opiniões a res­peito de Tommy Finn.

— Engraçado? — India voltou-se para encará-lo, o olhar surpreso, onde pairava um tom dourado pelo reflexo da luz da lareira. — Estamos falando da vida de um homem, Jamie.

Ele tinha plena consciência desse fato doloroso.

— Um homem que desencadeou cinco incêndios cri­minosos e ameaçou-a de morte.

— Sei que não foi Tommy. E se você desse ouvidos ao seu sexto sentido, saberia também. Admita: não é bastante conveniente encontrar a carteira na cena do crime?

— Você sentiu as vibrações da carteira hoje na de­legacia, e só percebeu nela a presença de Tommy. Isso não prova que ele foi o único a tocá-la?

India negou veementemente:

— De jeito nenhum! A pessoa que "jogou" a carteira no estacionamento usava luvas grossas, simplesmente isso. Foi por esse motivo que não consegui obter ne­nhuma vibração das revistas. Quando o Vaga-lume recortou as letras para me enviar a ameaça de morte e o quinto bilhete sobre o incêndio criminoso, já havia trocado as luvas de borracha por outras bem pesadas.

— Por que faria isso?

— Porque ele já sabe que estou no seu encalço, e... ele acredita nos meus poderes!

— Por falar nas revistas, tem alguma idéia objetiva do que estavam fazendo debaixo da cama de Tommy?

— Se ele fosse realmente culpado, iria guardar as revistas? Teria queimado todas elas ou, pelo menos, jogado fora.

— Então, Você crê que aprontaram uma armadilha para o rapaz. Quem faria isso?

— Alguém que não gosta de Tommy. O primo Darrell talvez.

Jamie soltou um risinho irônico.

— Acha que aquele débil mental conseguiria plane­jar algo assim? Sinto muito, mas a verdade crua e nua é que Tommy Finn é culpado. Prendê-lo foi muito doloroso para mim. Ninguém mais do que eu desejaria que ele fosse inocente.

— Você tem uma grande afinidade com o garoto. Ele o faz lembrar-se de si mesmo naquela idade, não é isso?

Jamie olhou fixamente para o fogo da lareira.

— Quando eu tinha a idade de Tommy, já estava na faculdade. Mas ele me faz lembrar-se do tempo, em que eu era um adolescente e de minha vida com tia Bridey.

— Gostaria que me contasse a respeito.

— Tia Bridey ficou encantada quando fui morar com ela. Tornei-me seu aprendiz. Era o responsável pelos efeitos especiais. Fazia a voz dos espíritos guias, a sonoplastia de batidas nas paredes, providenciava gelo seco e todo esse tipo de coisa. Os coitados engoliam tudo direitinho.

— Você nunca se sentiu... bem...

— Sentia-me péssimo, mas, você precisa compreen­der, Bridey tomara o lugar de minha mãe. Era tudo o que eu possuía. Jamais me ocorreu, seriamente, ne­gar meu auxílio a ela. Até que... — Jamie ficou olhando para o fogo, mergulhado em suas reminiscências. — Surgiu um certo... cliente. Era assim que ela os chamava. O sr. Frank Hawley. Tinha cerca de sessenta anos e era muito rico. Sua mulher acabara de falecer, e só lhe restara um filho. O pobre homem estava muito vulnerável emocionalmente. Percebendo isso, Bridey resolveu convencê-lo a deserdar o próprio filho, para torná-la beneficiária no seu testamento. Eu disse à minha tia que estava indo longe demais, e que não iria ajudá-la. Realmente, não a ajudei, mas Bridey con­tinuou a fazer tudo o que podia para envenenar esse homem contra o filho.

— E conseguiu? — perguntou India em voz baixa.

— Convenceu o sr. Hawley de que o filho o odiava e estava tentando provar sua incapacidade mental para roubar-lhe o patrimônio. Porém, apesar de tudo, Bridey não conseguiu ser incluída no testamento. O sr. Hawley se matou com um tiro na cabeça, antes de fazer isso.

— Oh, Jamie... Que coisa horrível!

— Sim. Fiquei corroído pelo remorso. Deveria ter impedido minha tia.

— O que você fez?

— Disse a tia Bridey que iria denunciá-la se não parasse de lesar pessoas. Em resposta, mudou-se para a Irlanda, e nunca mais ouvi falar dela. Reencontrei velhos amigos e fui morar com eles até terminar o colegial. Trabalhei honestamente e cursei a universi­dade. Foi um alívio mudar de vida.

India estava emocionada com a história triste da adolescência de Jamie. Percebendo isso, ele mudou de assunto.

— Como se sente, agora que começa a poder tocar e ser tocada normalmente?

Ela sorriu.

— Muito feliz, mas não tenho ilusões a esse respeito.

Graças a você, cheguei a um estágio em que posso agir como um ser humano normal. Provavelmente, de agora em diante poderei esbarrar em alguém sem ter um colapso nervoso. E não terei mais de dar desculpas para não apertar as mãos das pessoas. Porém, é só isso. Não posso esperar mais.

— É mesmo? — sussurrou Jamie. — Não gostaria de levar as coisas... mais longe?

E, com extremo cuidado, propositalmente, para que India fosse captando cada sensação, Jamie in­clinou-se para a frente, aproximando seu rosto do dela, milímetro por milímetro, enquanto, com a mão livre, a segurava pela nuca, forçando-a a aproximar-se também.

Tudo foi acontecendo em câmera lenta. Os olhos faiscantes de India ficaram presos aos dele. O coração de Jamie batia furiosamente, e ele mal conseguia respirar, India apertava os dedos de Jamie, os lábios de ambos quase se tocando.

— Querida, se isso não a agrada... Prometi que não tiraria vantagem de você.

Ela fez um movimento de negativa, incentivando-o. Ergueu o rosto, e seus lábios se fundiram aos dele. Uma das mãos de Jamie acariciou o pescoço de India, sentindo a pulsação sob a pele acetinada. Deslizou os dedos pela gola aberta da camisa que ela usava, per­correndo o ombro delicado, policiando-se para não agir com pressa. Se fosse agressivo, poderia assustá-la, fa­zendo-a retornar ao velho trauma.

Quando encostou a língua na beirada dos lábios de India, ela os abriu. Jamie aprofundou o beijo cuida­dosamente, e sentiu que ela suspirava.

Ele estava beijando India Cook!

Era o que havia desejado, necessitado, no que havia pensado constantemente, durante aquelas duas sema­nas, desde o beijo simulado perto da Editora Lorillard.

India sorriu, os olhos dourados dentro dos dele, e provocou:                                                              

— Até onde pretende ir?

Jamie sorriu também e, então, muito devagar, desabotoou a camisa da dra. Cook.

 

Jamie mergulhou a mão por baixo da ca­misa de India. O coração de ambos disparou. Ele a beijou de novo, enquanto acariciava seus seios com grande suavidade. Ela sentiu os mamilos enrijecidos com o toque leve e erótico.

Jamie a fez deitar-se sobre almofadas, em frente à lareira. Removeu o coldre com a arma do ombro, e outro, escondido sob a bainha do jeans.

— Quantas armas você carrega? — quis saber India. Jamie sorriu.

— Quer me revistar, madame?

O convite maroto pegou-a de surpresa.

— Vejamos... onde mais poderia esconder uma arma? Fingiu inspecionar o físico atlético do policial.

— Vou ajudá-la — disse Jamie, tirando o suéter e a camiseta.

India engoliu em seco, admirando o tórax musculoso e desejando, ardentemente, tocá-lo.

E tocou-o. Lançando um olhar encabulado para Jamie, acariciou-lhe os ombros, deslizando os dedos pelo peito rijo. Beijou-lhe o pescoço, sentindo o sabor de sua pele, e ele acabou de tirar a camisa que ela usava.

 

Ambos ficaram apenas de jeans. Abraçaram-se, confundindo as batidas dos corações. Jamie beijou-a com ardor, as mãos percorrendo todo ò corno de India, que colou-se a ele.

— India... querida. Se continuarmos com isso, "che­garemos ao ponto em que... não serei capaz de parar. Ainda que você me peça.

— Não vou pedir — assegurou.

Mesmo ardendo de desejo, India estava com medo. Se algo desse errado, tinha certeza de que seria por culpa dela, e não de Jamie. E se a televisão na sua mente fosse ligada em um momento inoportuno e ela entrasse em pânico?

Jamie a tomou nos braços, lendo seus pensamentos.

— Nada de mau vai acontecer. Será maravilhoso — murmurou ele, acalmando-a, colocando a mão entre suas coxas.

Jamie tirou o jeans de India, despiu-se também, e ambos se deitaram sobre o tapete.

As bocas se encontraram em um beijo profundo, sem fim, as pernas de ambos trançadas, enquanto o casal se movia no mesmo ritmo instintivo.

India estava pronta para recebê-lo.

Sentando-se de costas para ela, Jamie retirou do bolso do jeans, a seu lado, um envelope de preserva­tivos e abriu-o.

India despiu a calcinha, aliviada por ver que ele já tomara precauções, antes que ela sugerisse. Enlaçou Jamie pelas costas e acariciou-o sensualmente.

Ele estava se controlando havia tanto tempo, tratando-a como se fosse um objeto de cristal delicado, porém India não precisava mais daquilo e não queria. Desejava que ele a possuísse, ansiava por unir-se a Jamie em um frenesi erótico, perdendo a noção de tem­po e espaço.

 

Após quatro anos de desejo sexual insatisfeito, India estava pronta para mergulhar em um torvelinho de prazer.

A intensidade do desejo de Jamie era enorme. Afas­tando as pernas de India com os joelhos, levantou-a pelos quadris.

Porém, quando ia penetrá-la, a televisão foi ligada na mente dela.

Ela viu a si mesma em uma sucessão de imagens rápidas.

Todos os seus pensamentos eram os de Jamie, suas sensações eram as de um homem excitadíssimo.

Em meio ao torvelinho, porém, India ouviu a voz de Jamie:

— O controle remoto! Visualize o controle remoto! Com uma tremenda força de vontade, ela obedeceu ao comando. Pressionou o botão vermelho imaginário e, instantaneamente, as imagens desapareceram.

— Você está bem? — sussurrou Jamie ao seu ouvido. Ela respondeu que sim com um gesto de cabeça, murmurando:

— Só consegui bloquear as visões até chegar a um certo limite.

— Ao ponto de pegar fogo — concluiu ele.

— Sim, isso mesmo. Acho que só agüento até certo ponto de... calor. Queria tanto fazer amor com você, Jamie...

— Calma.

Ele se afastou para encará-la.

— Não aceito a derrota muito facilmente.

— Sim, mas...

— India, preciso de você mais do que precisei de qualquer mulher na minha vida. Quero fazer amor com você. E vou. Hoje à noite. Você só tem medo de ser tocada.

Ela sentiu-se magoada com aquelas palavras.

Não tinha medo de ser tocada: tinha visões ao ser tocada, e era isso o que a apavorava.

Refletiu com amargura, que Jamie continuava des­crente dos seus poderes extra-sensoriais, do mesmo modo que Perry e seus pais.

Porém ele afagou seus cabelos, dizendo:

— Deve confiar, realmente confiar que pode desligar essas imagens da mente quando quiser. Ponha na ca­beça que é você quem pode dominá-las quando quiser. — Beijou-a, estreitando-a nos braços. — Da próxima vez que acontecer, não entre em pânico. Isso é o que importa. Fique calma. Respire profundamente. E, en­tão, visualize o controle remoto na sua mão.

— Tentarei — prometeu.

— Ótimo. Agora, feche os olhos.

— Por quê?

— Menina irritante! Porque estou mandando — dis­se Jamie com carinho.

Percorreu os dedos pelo rosto de India, pescoço, seios e quadris.

— Sinta o meu toque, e esqueça tudo o mais... Jamie a deitou novamente, ficando a seu lado, sem parar com as carícias eróticas.

Beijou-a levemente e deslizou a mão sobre seu ventre.

— Sinta, India, sinta...

Ela começou a mover o corpo sinuosamente, gozando d prazer de estar nos braços de Jamie. Em meio a esse doce delírio, percebeu que ele enlaçava as pernas de ambos e a penetrava.

Jamie continuou a tocá-la, enquanto ia penetrando cada vez mais, falando ao seu ouvido suavemente, sem pressa. O efeito era inebriante. India nunca se sentira tão quente, nunca havia ficado tanto tempo à beira do orgasmo, nunca...

As visões recomeçaram, e seu cérebro encheu-se de imagens flutuantes: a própria pele marmórea, os seios macios, os olhos etéreos.

Rogou a si mesma para não entrar em pânico e, como se fosse um milagre, soube que poderia parar com aquilo na hora que quisesse.

Beijou Jamie, cheia de alegria.

— Não precisa se controlar mais, querido.

Acariciou os quadris de Keegan, arqueando ainda mais os seus.

Ele gemeu, mergulhando dentro dela.

Chegaram ao clímax, os corpos cobertos de suor, movendo-se no mesmo ritmo instintivo. O prazer explodiu dentro de India e ela gritou, estremecendo com violência.

O telefone tocou quando ambos se encontravam abraçados, cansados e felizes.

— Keegan falando. Olá, Sam. O que houve?

A luz difusa do fogo que se apagava, India admirou o corpo musculoso, mas o tom de voz de Jamie a fez voltar para a realidade.

— Onde encontraram o corpo?

India sentou-se no sofá, procurando pelas roupas espalhadas sobre o tapete.

Jamie olhou ao redor em busca do relógio de pulso.

— Que horas são? Quase nove e meia? Faça-me um favor, Sam. Mande um policial aqui para proteger India. Já estou indo.

— Quem morreu? — ela perguntou, tremendo, agora que o fogo na lareira se extinguira.

Sombrio, Jamie cruzou a sala, abotoando o jeans.

— Darrell Finn, com dois tiros no peito, em um beco fora dos limites da cidade, vinte minutos atrás.

— Quem foi que...

— Quem você acha? -— respondeu Jamie, vestindo-se apressadamente e sentando-se na beira do sofá para calçar as meias.

— Não! Não acredito. Tommy não iria...

— Não quero acreditar também. Mas acontece que é verdade.

— Jamie, por favor. Ouça-me...

— Não tenho tempo, India.

Keegan afivelou o coldre no ombro, repondo a pistola. Ouviu-se uma batida na porta da frente. Era o po­licial Len.

— Conversaremos quando eu voltar! — gritou Jamie, já fora da casa.

India tremia e chorava enquanto a amarravam na cama para o tratamento de eletrochoque. Médicos e enfermeiras, indiferentes, afivelavam as correias em seus pulsos e checavam o equipamento, murmurando palavras que ela não conseguia entender. Ela lutou freneticamente, tentando se soltar; implorou para que a libertassem, mas todos a ignoravam.

Perry estava lá, oferecendo drinques para os pais de India.

— Mas eu não estou louca! — gritava ela.

— Claro que está — rebateu Perry com voz doce. — Está completamente louca...

Virou-se, oferecendo um drinque para Jamie, que aceitou com um riso divertido, dizendo:

— A idiota pensa que pode ler pensamentos... India despertou com um gemido desesperado, cobrindo o rosto com as mãos e enroscando-se toda na cama.

— Oh, Jamie... — sussurrou com voz rouca, agarrada ao travesseiro.

Jamie voltou ao meio-dia e sentou-se na sala de espera, enquanto India terminava a última consulta.

Ele lhe mostrou um objeto embrulhado em plástico preto com a etiqueta: "Prova", e deu-lhe um longo beijo.

Depois, voltou a olhar para o pacote enrolado no plástico, revirando-o nas mãos, pensativo.

India esperava que dissesse algo sobre o caso, porém Jamie, de improviso, perguntou:

— Já foi à Irlanda?

Ela ficou surpresa com a pergunta.

— Não.

— A última vez que estive lá, tinha dez anos, mas tenho pensado em voltar, apenas para revê-la. Já ouviu falar em Dunmore, na costa sul?

Jamie fazia aquelas perguntas como se isso fosse a coisa mais importante no momento.

— Foi lá que você cresceu?

— Não, mas morava perto de Dunmore... — Sorriu, melancólico. — É apenas um vilarejo de pesca, mas visitá-lo é como voltar no tempo. É um lugar inocente, simples. E muito bonito. O campo, ao redor, é cheio de colinas, as mais verdes que você já viu. E o oceano é uma beleza. As ondas podem bater na praia com tanta força que passam por cima dos recifes e alcançam as chaminés das casas mais altas.

Ele riu, vendo o olhar cético de India.

— Você não acredita em mim. Gostaria de levá-la para lá e mostrar-lhe.

— Acredito em você — disse India com doçura. Jamie segurou sua mão.

— Gostaria de levá-la de qualquer modo. Não agora, mas em junho ou julho, quando faz calor. Lembro-me, em especial, de uma hospedaria muito original, telhado de folhas trançadas, pequena. Você iria adorar.

— Não sei...

Jamie apertou a mão de India.

— Só eu e você. E o resto do mundo pode ir para o inferno durante duas semanas apenas. Que me diz.

— Jamie, eu...

— Não precisa responder agora. Mas pense no as­sunto, certo?

Ela concordou, mordendo o lábio e baixando o olhar. Estava prestes a abrir seu coração e dizer: "Sim, leve-me para a Irlanda, leve-me para longe daqui, faça amor comigo para sempre". Sabia que poderia amá-lo muito. Mas, então, o que aconteceria? Quanto tempo mante­riam um relacionamento até que o peso da descrença dele destruísse o que havia de bonito?

Jamie retirou o plástico preto que envolvia a prova revelando uma mochila de lona verde-oliva, da qual retirou uma pequena pistola niquelada.

— Sam pediu que trouxesse primeiro para você, de modo que... você sabe. Fizesse o que costuma fazer.

— Uma leitura?

Jamie concordou, sem olhar para ela.

— É essa a arma do crime?

— Parece que sim.

— Encontrou-a no beco?

— Não, não havia nenhuma arma lá. Apenas Darrell, morto. Encontrei dois cartuchos de balas iguais às do revólver de Darrell. Isso me fez concluir que foi assassinado com sua própria arma, e o assassino deu sumiço nela. — Jamie esfregou o queixo. — Desejava localizar a arma, mas fui até a casa de Missy primeiro. Ela estava com um olho roxo, machucado recentemen­te... obra de Darrell. Contei a ela que ele fora assas­sinado. A primeira coisa que me perguntou foi se Tommy era o assassino.

— Verdade?

— Lembra-se, na madeireira, quando Tommy ameaçou matar Darrell, caso ele voltasse a se aproximar de Missy ou do bebê?

— Sim, mas aquilo... aquilo foi só da boca para fora.

— Palavras levam à ação, India. Peguei um man­dado de prisão e fui até a Lorillard. Tommy estava se preparando para ir embora no porão. Pareceu ficar muito surpreso quando lhe contei sobre a morte do primo. Quase me iludiu, até que encontrei isto. — En­tregou a pequena arma para India. — Estava no seu armário, escondida na mochila.

Ela sentiu a pistola, fria e pesada, entre as mãos, enquanto Jamie continuava:

— Tommy perdeu totalmente o controle ao ver a arma. Começou a gritar, dizendo que era uma cilada. Berrou durante todo o trajeto para a delegacia. Chegou até a mencionar um álibi para a noite do incêndio da madeireira, mas não acredito. Ele diria qualquer coisa a essa altura dos acontecimentos.

— Qual é o álibi?

— Disse que estava com Missy naquela noite, para protegê-la contra Darrell. Perguntei-lhe por que não contara essa história quando lhe perguntamos da pri­meira vez, e respondeu que poderia ter sido ruim para a reputação dela se soubessem que estava morando com outro homem enquanto luta pela custódia do filho.

— Parece razoável — opinou India. Jamie fez pouco-caso. —- Mas o juiz não ficou muito impressionado. Fixou

a maior fiança. E tão alta que Tommy nunca conse­guirá pagá-la. Dessa vez, está mesmo encrencado. — Apontou para a arma. — Então, o que digo pára Sam? Alguma vibração extra-sensorial?

India fechou os olhos, encobrindo a arma com as mãos. A energia contida estava abafada, como era comum acontecer com objetos inanimados, mas clara­mente reconhecível.

— Há muito de Darrell aqui. Pode dizer a Sam que, sem. dúvida, esta era a arma dele. Há um pouco de você também, manuseio recente. Não sinto mais do que isso.

— Nada do Tommy? Ela meneou a cabeça.

— Não, Tommy nunca atirou com esta arma.

— Você não tem certeza — rebateu Jamie. — Talvez tenha usado luvas grossas quando cometeu o assassinato.

— Se estamos falando de luvas, poderia ser qualquer um, certo? Não necessariamente Tommy.

India devolveu a arma para Jamie e pegou a mo­chila, segurando-a no colo, os olhos fechados. Tateou o tecido rústico, sentindo o pulsar da energia de Tom­my, e nada mais.

— Isto pertence a Tommy. Provavelmente já estava no armário quando o assassino escondeu a arma dentro dela. Está cheia das vibrações de Tommy, mas são todas... não sei como descrever. São benignas. Inofen­sivas. Ele não matou ninguém de jeito nenhum.

— India, por favor. Fatos são fatos.

— A inocência de Tommy é um fato, Jamie. Eu sei, e se você desse ouvidos ao seu sexto sentido, ao invés de negá-lo com tanta teimosia, saberia também. Tom­my Finh não matou o primo.

— Preciso de provas, não apenas votos de simpatia.

— Tenho a prova bem aqui, na minha mão.

— Essa mochila? Isso não é prova.

— Para mim é.

Jamie balançou a cabeça.

— Então, acho que vamos discordar.

Tomou o objeto de volta das mãos de India, recolocou a arma dentro e o embrulhou no plástico preto.

Ela pesou as palavras antes de falar.

— Jamie, não creio que você esteja entendendo. Não se trata de qualquer assunto sobre o qual podemos concordar ou deixar de concordar. E muito mais que isso. Trata-se do que eu sou, de quem eu sou intrinsecamente. Trata-se da sua confiança em mim. Fui muito magoada. Passei pelo inferno duas vezes. Pri­meiro com meus pais, depois com Perry. Tudo o que sempre quis foi que as pessoas que diziam se importar comigo tivessem um pouco de confiança. E é tudo o que quero de você: acredite quando afirmo que tenho poderes extra-sensoriais.

— Querida, pedir que eu creia nesses poderes é o mesmo que pedir que eu acredite que a terra é achatada.

Suavemente, Jamie colocou a mão na face de India.

— Preciso levar isto à perícia. Depois, vou dormir um pouco. Gostaria de levá-la para jantar hoje. Um encontro de verdade. Que tal?

— Não sei. Acho melhor não.

Jamie ficou de costas, olhando para ó jardim através da janela.

— Você está me evitando, India.

— Desculpe. Não devia ter me envolvido com você. Foi minha culpa.

Ele se virou rapidamente, uma expressão de incredulidade.

— Pode ser que você pense assim, mas não posso esquecer o que houve entre nós.

— E você quem está pedindo para eu achar natural sua desconfiança em meus poderes. Não posso. Será que não compreende?

Aproximando-se, Jamie ajoelhou-se junto dela.

— Deixe-me levá-la para jantar hoje à noite. Falare­mos de novo sobre suas experiências. Tentarei entender...

— Para você decidir que tipo de louca eu sou e tentar me curar? — ela o interrompeu, magoada.

— India...

— Por favor, não torne tudo mais difícil. Não ima­gina como sou agradecida pelo que fez por mim. Por sua causa, consegui tocar nas pessoas novamente. Mas chegamos a um impasse, e não creio que haja saída.

— Só se você não der uma chance.

India engoliu um soluço, enquanto lágrimas escor­riam pelo seu rosto.

— Não consigo continuar vivendo no inferno de amar alguém que pensa que sou louca. Isso vai acabar comigo.

Sem suportar mais, chorou amargamente. Jamie a tomou nos braços, tentando acalmá-la.

— Está bem, querida. Tudo bem. Vou lhe dar um tempo para pensar. Ficaremos afastados por um certo período. Não preciso mais passar as noites aqui na sua casa, pois Tommy está na cadeia, não constitui mais uma ameaça.

Ela sabia que Tommy nunca fora uma ameaça, mas nada disse.

Haviam se passado nove dias desde que recebera a mensagem do Vaga-lume, e nada de ruim lhe aconte­cera. Provavelmente, tudo não passara de um blefe, como Jamie havia calculado.

Ele lhe beijou as pálpebras.

— Posso dar um tempo para você pensar?

— Jamie, não posso ficar com você se não acredita em mim. Nenhum prazo fará com que eu me habitue com essa idéia.

Ele levantou o queixo de India para beijá-la, mas ela desviou o rosto.

— Por favor, vá embora. Por favor.

Jamie pegou o saco plástico com a prova e levantou-se. Abrindo a porta, ficou parado por um longo momento, de costas para India, ignorando o ar gelado que vinha da rua.

— Vou telefonar para você.

— Não, por favor. Jamie estava desolado.

— E assim que você quer?

Ela engoliu em seco, enquanto novas lágrimas ro­lavam pelas faces.

— É o que preciso fazer. Sinto muito.

— Eu também.

Fechando a porta, ele foi embora.

 

O café expresso daqui é excelente — disse Alden. — Mas não se você deixar esfriar.

India forçou-se a desviar os olhos da janela por onde observava um jovem casal se beijando na calçada.

Vivia pensando em Jamie. Quatro dias haviam se passado, desde que ela o vira pela última vez. Quatro dias vazios e solitários. Ela mesma pedira para Jamie não telefonar e ele obedecera, mas o coração de India disparava cada vez que o telefone tocava. Quando isso acontecia, maldizia a própria fraqueza e, algumas ve­zes, chorava.

Olhou para a pequena xícara de cerâmica à sua fren­te, ainda cheia com o forte café italiano; uma casquinha de limão intacta sobre o pires. Desculpou-se, espre­mendo o limão no café.

— Acho que não estou sendo boa companhia, Alden. Ele bebeu seu cappuccino.

— Aborrece-me ver você tão triste. Especialmente porque desejava fazer-lhe uma pergunta. Sinto-me um grosseirão.

India sorriu.

— Você é o único homem que conheço que faz a palavra "grosseirão" soar como algo bonito, porque tudo em você é tão elegante, a começar pela gravata.

Bebericou o café já morno com gosto de limão, en­quanto observava Alden, sua gravata cor de vinho contrastando com a camisa de seda branca e o blazer azul-marinho.

— Conte-me o que a está aborrecendo — pediu Alden. India voltou a olhar pela janela. O jovem casal desaparecera.

— Várias coisas.

— E uma delas é James Keegan?

Alden Lorillard sorriu ante o olhar surpreso de India, enquanto retirava do bolso um maço de cigarros e o abria.

— Importa-se que eu fume?

— Não, mas esta é a ala de não fumantes.

— É mesmo? Não havia percebido.

Retirou um cigarro do maço, obviamente fazendo pouco-caso da proibição.

— É evidente que Keegan não acredita em seus poderes. Curioso... ele parece ser um homem bastante inteligente. Pensei que fosse mais esclarecido.

— Você é a única pessoa que sempre acreditou em mim, sem restrições, Alden.

O editor riscou um fósforo.

— Orgulho-me de ser diferente da maioria das pessoas.

— Superior? — perguntou India, maliciosa. Alden acendeu o cigarro.

— Diria apenas "diferente". Soa mais democrático.

— E desde quando você é democrático? — ela pro­vocou, carinhosamente.

Ele riu, divertido.

— Não mude de assunto. A conversa era sobre você e seus problemas.

— Prefiro saber por que razão me trouxe aqui. Do que se trata?

Alden Lorillard deu uma tragada, pensativo.

— É sobre o jovem que prenderam.

— Tommy Finn? Alden concordou.

— Você trabalhou com Keegan no caso. Diga-me a verdade: acha que Tommy matou o primo?

India bebeu o café, repondo a xícara, com cuidado, sobre o pires.

— Não.

— Acha que foi ele quem cometeu os incêndios criminosos?

— Não.

— Concordo com você, mas queria ouvi-la externar a sua opinião. Conheço aquele menino. Trabalhou para mim durante seis meses. Não acreditava que fosse cul­pado, mas desejava ter certeza.

India ergueu as sobrancelhas.

— Dá tanto valor assim à minha opinião?

— Seus poderes extra-sensoriais fazem com que sua opinião seja mais importante do que a de muita gente. Alden chamou a garçonete.

— A conta, por favor.

India passou uma das mãos pelos cabelos.

— Sinto-me tão inútil, Alden. Um homem inocente está preso, sob alegação de incêndios criminosos e as­sassinato. Continuo achando que eu poderia fazer al­guma coisa para ajudá-lo.

— E o que poderia fazer? — questionou Alden, exa­minando a conta, retirando algumas notas da carteira e arrumando-as sobre a toalha branca.

India deu de ombros.

— Descobrir quem realmente cometeu os crimes, quem sabe...

— Não está falando sério. Isso pode ser perigoso, não acha?

— E eu tenho escolha? Todos apenas supõem que Tommy seja culpado, porém meus poderes podem me dar acesso a informações que não estão disponíveis para as outras pessoas. Quem sabe eu devesse usá-los para identificar o verdadeiro Vaga-lume e o verdadeiro assassino.

Alden apagou o cigarro, sugerindo:

— Talvez ambos sejam a mesma pessoa.

— Pode ser que sim. E quem está em melhor con­dição do que eu para verificar isso?

— Tem razão. Apenas me prometa que terá cuidado.

— Terei.

Naquela noite, Jamie parou em frente ao portão da casa de India, terrivelmente nervoso com a perspectiva de tocar a campainha. Finalmente, respirando fundo, apertou o botão. Após o que pareceu uma eternidade, as luzes da varanda se acenderam e a porta foi aberta.

Os olhos dela brilharam como moedas de ouro quan­do viram de quem se tratava. Algo iluminou o lindo rosto. Felicidade talvez? Mas ela logo assumiu uma expressão severa, a mão automaticamente fechando-se sobre a gola da camisa branca e larga, a mesma que havia usado na noite em que fizeram amor.

Jamie limpou a garganta.

— Deveria perguntar quem é, antes de abrir a porta. Poderia ser qualquer um. Até mesmo Tommy Finn.

— Tommy Finn está na cadeia.

— Já saiu. Pagou a fiança hoje, no final da manhã, India piscou, surpresa.

— Mas pensei ter ouvido você dizer que ele não tinha condições de pagar.

— E não tinha. Alden Lorillard pagou. Posso entrar? Ela lhe deu passagem, e Jamie entrou.

— Deveria ter imaginado e percebido que era essa a intenção dele — murmurou India.

— O que quer dizer com isso?

— Tomei café com Alden hoje cedo. Ele queria minha opinião sobre Tommy, embora me parecesse já estar convencido de sua inocência. Só queria que eu confir­masse o que já imaginava. — E, dizendo isso, ergueu o queixo, em desafio. — Estou contente por ele ter tirado Tommy da prisão.

Jamie não desejava criar um clima de antagonismo, antes mesmo de ter uma chance de fazer as pazes com India.

— Querida, sei que gostaria que Tommy fosse ino­cente, porém isto chegou algumas horas depois que o rapaz foi libertado.

Tirou uma fotocópia do bolso da capa e entregou-a à India.

Ela leu em voz alta.

— "Desta vez, o céu irá se iluminar à noite. Verão o incêndio do espaço sideral. Terão o que contar sobre mim para seus netos. O Vaga-lume." Onde está Tommy agora? — perguntou.

— Ninguém sabe. Desapareceu da face da terra, assim que saiu da cadeia.

India respirou fundo, devolvendo o bilhete para Jamie.

— Veio aqui só para ver a minha expressão quando me contasse?

Jamie explicou, tirando a capa:

— Vim aqui passar a noite, puramente na minha função de servidor público. Tommy está solto nova­mente, e pode continuar achando que você é uma amea­ça. Estou aqui para protegê-la e defendê-la. Nada mais.

India cruzou os braços.

— Não poderia ter mandado Len ou um outro policial me vigiar? Precisa fazer você mesmo?

— Evidentemente — respondeu Keegan, segurando-a pelos ombros. — Este é o meu trabalho, minha responsabilidade. Tenho de ter certeza de que estará em segurança. Morreria se algo de ruim acontecesse a você.

India deu um passo atrás.

— Já estava subindo para assistir à televisão e de­pois ir dormir. Vejo-o pela manhã, Jamie. Boa noite.

Uma hora depois, Jamie bateu suavemente à porta do quarto de India, recapitulando, mentalmente, o dis­curso que faria. Precisava lhe contar que os últimos quatro dias sem ela haviam sido um inferno. Prome­teria que iria tentar acreditar em seus poderes e que precisava dela mais do que tudo na vida.

Não obtendo resposta, entreabriu a porta devagar e atravessou o quarto, o olhar pousado sobre a grande cama com cabeceira alta.

India estava profundamente adormecida sobre uma pilha de travesseiros.

Aproximando-se, Jamie observou que a parte de cima da camisola tinha um triângulo de tecido trans­parente que deixava à mostra o contorno dos seios. Um mamilo escuro aparecia. Keegan sentiu uma ne­cessidade louca de tocá-la. Queria deitar-se a seu lado, levantar a camisola e penetrar naquele corpo escultural. Era um desejo fortíssimo, quase doloroso.

Lutando contra os próprios instintos, desdobrou o cobertor aos pés da cama e cobriu-a, depositando um beijo em sua face. Silenciosamente, Jamie saiu do quar­to e desceu as escadas.

India acordou e sentou-se, no escuro, sem fôlego e muito excitada.

— Meu Deus, será que foi um sonho? — sussurrou, passando as mãos pelos cabelos.

 

Havia sonhado com Jamie entrando no quarto, er­guendo a camisola e possuindo-a com desespero.

Acendendo a lâmpada de cabeceira, viu o cobertor sobre seu corpo e entendeu que ele realmente estivera ali. Teria tocado nela? Teria sido isso o que provocara aquele incrível sonho? Todo o seu corpo vibrava de desejo. Seus seios doíam.

Pensou em tomar um copo de vinho para voltar a dormir. Levantou-se e vestiu o quimono, descendo as escadas silenciosamente, indo à cozinha escura.

Abriu a geladeira, piscando quando esta se iluminou, e retirou o vinho. Virou-se e levou um susto, quase deixando a garrafa cair.

Jamie estava parado à porta da cozinha, olhando para ela, a luz vindo da sala. Havia tirado o paletó e afrouxado a gravata.

India encostou-se na geladeira, incapaz de desviar os olhos dele, enquanto o tenente Keegan se aproxi­mava. Trêmula, ela ergueu a garrafa quando Jamie veio postar-se bem à sua frente.

— Aceita um pouco de vinho? — perguntou.

— Não.

A voz de Keegan soou calma, enquanto ele tirava a garrafa de suas mãos e a punha sobre o balcão da cozinha, India viu o desejo intenso naqueles olhos, o que acendeu ainda mais sua própria excitação. Quando ele desamarrou o cinto de seda do quimono, ela nada fez para detê-lo, embora soubesse que devia. Á roupa se abriu. India es­tremeceu de prazer quando as mãos grandes fecharam-se sobre os seios intumescidos, acariciando-os.

Com movimentos rápidos e precisos, Keegan ergueu India do chão, enlaçando as pernas dela em seu torso e segurando-a pelos quadris. Ela o agarrou pela ca­misa, com força, gemendo enquanto ele penetrava seu corpo, apertando-a de encontro à geladeira com um movimento violento. Já próxima ao orgasmo, India co­lou-se a Jamie, gritando seu nome.

Um prazer sem limites tomou conta de ambos, os movimentos mais violentos e rápidos, a respiração ofegante dele misturando-se aos gritos convulsivos de India. Logo, ela sentiu que Jamie também chegava ao orgasmo; ouviu sua voz rouca de satisfação.

Os braços de Keegan tremiam, enquanto ainda a seguravam, à medida que sua respiração, aos poucos, ia voltando ao normal.

Lentamente, colocou-a no chão, arrumando as rou­pas de ambos.

India sentia-se fraca e com remorsos. Novamente, a situação fugira ao seu controle, e isso a envergonhava.

— Desculpe por não ter. usado preservativo e tê-la machucado — disse Jamie, passando os dedos, com delicadeza, no rosto de India. — Está arrependida?

Ela baixou os olhos.

— Não sei como me sinto. Estou confusa.

— Não estava alguns minutos atrás. Sabia muito bem o que queria. E eu também.

— O que eu quero e o que é o melhor para mim não são a mesma coisa. Isto que aconteceu agora foi um erro.

— India...

Keegan ergueu seu rosto, mas ela evitou o beijo.

— Largue-me, Jamie.

Ela deixou a cozinha e subiu as escadas. Jamie a chamou uma vez, porém não a seguiu.

O telefone acordou India.

— Alô — ela murmurou, enquanto ouvia que reti­ravam o fone da extensão, no andar de baixo.

Jamie estava escutando também.

— India? É Alden.

— Alden?

Ela sentou-se na cama e olhou para o relógio di­gital na mesinha-de-cabeceira. Eram três e vinte e sete da manhã.

— Sinto-me mal, acordando-a no meio da noite, mas você é à única pessoa que pode me ajudar.

— Qual é o problema?

— Está sabendo que mandei soltar Tommy Finn sob fiança?

— Sim. Trabalhou rápido. Pode ser indelicado da minha parte perguntar, mas como conseguiu todo aquele dinheiro tão depressa? Ouvi dizer que... bem...

— Meus negócios andam mal?

— Desculpe-me, Alden. Não devia me intrometer.

— Bobagem, minha cara. Você é como uma filha para mim. A verdade é que tive de pedir o dinheiro emprestado a um amigo, como um favor especial.

— Bem, espero que seus negócios se recuperem. Está sabendo que Tommy desapareceu assim que foi solto?

— Sim, e também sei sobre o novo bilhete do incendiário. Não foi ele quem o enviou.

— Tem certeza?

— Tommy Finn é inocente. E ele quer provar isso.

— O que está dizendo? Tommy mantém contato com você?

— Telefonou-me a cerca de uma hora atrás e pediu que eu o encontrasse no depósito da editora. É onde estou agora. Estamos os dois aqui. Ele tem uma prova que irá inocentá-lo totalmente, mas aconselhei-o a dei­xar que você faça uma leitura psíquica antes, apenas para confirmar.

— Não entendo...

— É difícil explicar pelo telefone. Você tem de ver pessoalmente. Peço que venha até o depósito para dar uma olhada, se não se importa.

— Agora?

— Sei que é pedir muito, mas a vida de um inocente depende disso.

India mordeu o lábio. Já não estava de todo con­vencida sobre a inocência de Tommy. Todavia, se Alden afirmava que ela podia ajudá-lo... Alden estaria lá no depósito. Ele a protegeria se Tommy tentasse fazer algo ruim.

Acabou por dizer, decidida:

— Ok, estarei aí em meia hora. Alden exclamou, contente:

— Sabia que podia contar com você!

India despiu a camisola e já estava quase vestida, quando Jamie bateu à porta.

— Vá embora! — pediu ela.

Sem hesitar, ele abriu a porta e entrou. Havia ves­tido o paletó e a capa.

— Aonde você vai? — perguntou India.

Dando uma olhada no fuseau preto e no sutiã de renda cor-de-rosa que ela usava, Jamie revidou:

— Ia perguntar o mesmo a você.

— Ficou ouvindo minha conversa pelo telefone. Sabe muito bem aonde vou.

Jamie aproximou-se dela de mansinho.

— Não, se eu puder impedi-la.

— Mas não pode.

— Aí é que você se engana.

Antes que ela pudesse se dar conta do que acontecia, Jamie tirou um par de algemas do bolso da capa e agarrou o pulso direito de India.

— O que está fazendo? — gritou ela, enquanto Jamie prendia uma das algemas em seu pulso.

— Acho que é bastante óbvio — respondeu, colocando a mão de India perto da cabeceira da cama e prendendo a outra algema em um dos tornos de madeira.

Ela tentou se livrar; o aço pesado machucou seu pulso.

— Droga, Jamie! Abra isso! Deixe-me ir!

— E para seu próprio bem, querida. E você fica linda usando algemas. Nem imagina como está sexy nessa pose.

— Detesto você!

India sacudiu o punho esquerdo diante do rosto dele. Jamie segurou-a, antes que levasse um soco, e sorriu.

— Lamento ouvir isso, porque estou loucamente apaixonado por você.

Ela olhou para Keegan, surpresa.

— Não sabia que eu a amava?

— Eu... eu não sei.

— Não precisa responder agora — disse ele, indo embora.

Depois que Jamie saiu, India lutou por uns dez mi­nutos para livrar a mão da algema, raciocinando que seu pulso devia ser bem menor do que o dos bandidos comuns, mas só conseguiu esfolá-lo.

Olhou ao redor, em busca de algo que pudesse aju­dá-la, e seu olhar pousou nas caixas de madeira sobre a lareira, em especial sobre a mais achatada, enfeitada de latão e que continha a adaga. Será que conseguiria abrir a algema com a ponta daquela faca? Alden e Tommy estariam no depósito da Editora Lorillard, es­perando por ela, e, em vez disso, teriam a surpresa de ver Jamie chegar.

O que será que ele faria quando encontrasse Tom­my? Iria levá-lo de volta à delegacia provavelmente. Alden e Tommy haviam confiado nela, e India sentia-se como se os tivesse traído ao deixar, tolamente, que Jamie ouvisse a conversa pelo telefone. Precisava se livrar das algemas e correr para o depósito, o mais rápido possível.

Sua mão direita estava algemada a um torno da cama muito próximo da beirada da cabeceira. Ficando de pé e estendendo o braço esquerdo o mais longe pos­sível, conseguiria tocar uma ponta da lareira; a caixa que desejava ficava um palmo além.

O suporte de aço batido que guardava os utensílios da lareira também estava fora de seu alcance, porém, estendendo a perna, descobriu que poderia passar um pé ao redor dele e puxá-lo para si. Assim o fez, e o suporte caiu para a frente, os utensílios espalhando-se com estrondo.

Viu, com alegria, que o atiçador caíra próximo dela. Com o dedão do pé, foi puxando, e conseguiu pegá-lo. Cuidadosamente, usando o atiçador, foi trazendo o estojo com a adaga em sua direção, o qual, ao deslizar, derrubou os outros estojos de cima da lareira, como se fossem peças de dominó.

Largando o atiçador, India pegou o estojo achatado, sentou-se na beira da cama e abriu-o.

Ergueu a adaga finamente trabalhada, porém teve um súbito arrepio e deixou-a cair no chão. Uma visão surgiu ante seus olhos: chamas lambendo tudo ao seu redor, chamuscando sua pele.

Sem ar, India olhou para a arma caída aos seus pés. Parecia a mesma de sempre: o punho de osso esculpido e a bainha montada em aço trabalhado. Abaixando-se, tocou-a novamente, relutante, forçando-se a pensar que as chamas não eram de verdade e não poderiam machucá-la.

Viu-as de novo, retorcendo-se e dançando ao seu redor. Sentiu o calor infernal... e algo mais.

Uma presença humana, mas extremamente fria. Sentiu um homem muito arrogante que se julgava o centro do universo, uma forma de vida acima das re­gras que impunha a todos os demais.

Afora Jamie, a única pessoa que havia tocado naquela adaga, nos últimos meses, fora Alden. Ele dissera a India que a usara para abrir cartas.

Reunindo toda a força mental que possuía, afastou a visão e retirou a arma do estojo.

As chamas desapareceram, e então ela tremeu, à medida que a presença fria e arrogante se acercava. Os ouvidos de India encheram-se com um sussurro sinistro, como de milhares de vespas. O som foi modificando-se, transformando-se em palavras, como se alguém estivesse murmurando ao seu ouvido: "Minha caixa de fósforos está falando comigo..."

— Alden?! — murmurou India, atônita.

Ela ouviu a risada arrastada, cheia de segredos, como se Alden risse de uma piada que só ele conhecia.

"Algo vai pegar fogo nesta semana. E na próxima... e na próxima..."

Não. Era impossível. Isso não passava de uma ilusão criada pela estafa. Não era uma leitura psíquica de verdade. Alden não podia ser o Vaga-lume. Não podia ser. Que razões plausíveis teria para queimar prédios e mais prédios em Mansfield?

Uma imagem tomou forma em sua mente: um velho prédio de tijolos. Era noite, e India mal conseguia dis­tingui-lo, porém sabia, com absoluta certeza, que tra­tava-se do depósito da Editora Lorillard. Mesmo antes de as janelas escuras explodirem em chamas, antes que o fogo se espalhasse pelo prédio, destruindo-o em um inferno de labaredas, India soube que aquele era o incêndio final, devastador, e que os anteriores não haviam passado de amostras. Esse era o que iria ilu­minar o céu escuro da noite, que seria.visto no espaço sideral, como dizia o último bilhete.

O ultimo incêndio. O que resolveria todos os pro­blemas de Alden, que iria libertá-lo da falência da Edi­tora Lorillard e fazer com que se aposentasse com estilo... contanto que não fosse capturado. Todas as pistas deveriam ser apagadas. Qualquer evidência deveria desaparecer no último incêndio, assim como qualquer testemunha em potencial, qualquer pessoa que pudes­se apontar um dedo contra ele, o grande Alden. Bas­taria levar as testemunhas ao depósito.

— Oh, Deus! — gemeu India.

Alden havia tentado fazer com que caísse em uma armadilha para que morresse queimada no incêndio da Lorillard. Naquela madrugada. Mas Jamie fora em seu lugar.

Alden iria incinerar o depósito dentro de poucas ho­ras, India tinha certeza. Assim, qualquer "evidência" também desapareceria.

O telefone estava fora de seu alcance, do outro lado da cama. Agarrando novamente o atiçador, India pu­xou-o pelo fio.

— Consegui! — exclamou, quando o aparelho caiu em cima da cama.

Furiosamente, ligou para emergências. Uma voz fe­minina atendeu.

— Há... um policial em apuros. Por favor. Precisa ajudá-lo. Mande alguém.

— A senhora está com esse policial agora?

— Não, não, eu...

— Então como sabe que ele está em perigo?

— Sou vidente — India deixou escapar.

O silêncio significativo do outro lado da linha fez com que percebesse o erro.

— Por favor, precisa acreditar em mim!

— Senhora...

— Por favor! Sei que parece loucura, mas...

— Este número de telefone é para emergências de verdade, senhora. No futuro, não ligue para brinca­deiras, só para assuntos sérios. — E desligou.

Desesperada, India ligou para informações, a fim de saber o número da casa de Sam Garrett.

— Esse número não está na lista — anunciou uma voz tão desinteressada quanto a da mulher de emergências.

India atirou o telefone para o outro lado do quarto. Só então ocorreu-lhe chamar a chefatura de polícia diretamente. Pegou de novo o atiçador, mas não con­seguiu alcançar o telefone.

— Como sou brilhante! — exclamou com raiva. Durante alguns minutos, ficou torcendo as algemas para se soltar, sem resultado. Então pegou a adaga, enfiando a ponta da lâmina no buraco da pequena fechadura, sabendo, de antemão, como era inútil a ten­tativa de usar um objeto daqueles para um trabalho tão delicado.

Rezou, enquanto, freneticamente, virava a lâmina dentro do buraco.

—Oh, por favor...

 

Jamie parou o carro no estacionamento es­curo da Editora Lorillard e bateu à porta do depósito, sem janelas.

— Alden?

Nenhuma resposta. Girando a maçaneta, viu que a porta estava destrancada. Abriu-a devagar. O interior do depósito estava escuro como breu e sinistramente silencioso. Possuía o cheiro característico de umidade que prédios antigos costumam adquirir ao longo dos anos. Uma estranha apreensão tomou conta dele.

— Algo está errado... — murmurou.

Foi tateando pela parede até encontrar um inter­ruptor, que acionou, acendendo dúzias de lâmpadas que pendiam de fios presos a vigas expostas lado a lado no teto alto.

O depósito era uma enorme e cavernosa sala repleta de fileiras e mais fileiras de estantes de aço cobertas por livros amontoados uns sobre os outros e caixas de papelão.

— Alden? Nenhuma resposta.

Sim, definitivamente alguma coisa estava errada. Riu, pensando que talvez devesse ouvir seu sexto sen­tido e chamar reforço.

Foi entrando, mas parou ao ouvir um som fraco e abafado vindo dos fundos do enorme salão.

Sacando a arma, silenciosamente foi caminhando pelo labirinto de estantes, esgueirando-se ao chegar ao fim de uma comprida fileira perpendicular à parede dos. fundos. O som estava bem próximo.

Contornou a fileira, mirando para baixo, em direção a uma figura nas sombras, sobre o chão de madeira. Uma pessoa. Tommy Finn.

O rapaz estava amarrado e amordaçado.

Keegan exclamou:

— Que diabos!

Tommy lutou contra as cordas que o prendiam às prateleiras, esforçando-se por falar, apesar da fita isolante que prendia sua boca. Emitia sons abafados e desesperados, os olhos como de fera acuada.

— Calma — disse Jamie.

Guardando a arma, abaixou-se para ajudá-lo, mas o rapazinho balançou a cabeça freneticamente, os olhos enormes e alarmados, fixando-se acima do ombro de Jamie.

James Keegan soube, mesmo antes de o golpe atin­gi-lo por trás, que agira como um tolo.

Seu último pensamento, antes de desmaiar, o rosto no chão, foi que India estivera certa o tempo todo. Deveria ter dado ouvidos ao seu sexto sentido.

India gritou de frustração, atirando a adaga inútil para o outro lado do quarto.

Lutou contra as algemas, e, desta vez, arrancou san­gue de seu pulso. Sacudiu e puxou o torno em que estava presa, mas a madeira nem se moveu. Martelou a cabeceira da cama com o punho fechado, caindo sobre ela, as lágrimas inundando seus olhos.

Ordenou a si mesma:

— Não. Nada de choradeira. Pense. Pense! Examinou a cabeceira da cama, estudando o modo como os tornos estavam fincados na madeira, em cima e embaixo. Se tivesse uma alavanca...

Agarrando o atiçador e segurando firme com ambas as mãos, fincou sua ponta retorcida no pequeno espaço entre a base do torno ao qual estava algemada e o estrado. Durante vários minutos foi trabalhando, sol­tando a junção, até que, por fim, ouviu o som abençoado de madeira partida.

James Keegan foi voltando a si, ao sentir um cheiro, inconfundível, muito seu conhecido, de querosene.

Abriu os olhos e viu-se deitado de lado, no chão do depósito, olhando para duas grandes latas de metal colocadas junto à parede dianteira, a uns três metros de si, provavelmente de onde provinha o cheiro.

De algum lugar em meio ao labirinto de estantes, Jamie ouviu um barulho de líquido sendo esparrama­do, e alguém assobiando.

Tentou se erguer, o que fez com que sua nuca quase explodisse de dor e percebesse que estava totalmente amarrado.

Suas mãos estavam amarradas nas costas e presas a um dos pés de uma estante. Aparentemente, a arma de reserva não havia sido descoberta; podia sentir a ponta do revólver contra a perna. O coldre do ombro, entretanto, estava vazio.

Com grande esforço, conseguiu sentar-se, encostando-se na estante. Sua nuca latejou, e sentiu filetes de sangue escorrendo da ferida aberta. Olhou ao redor. Tommy ainda estava lá, amarrado e amordaçado.

— Olá! — saudou Keegan, envergonhado. Tommy fez um aceno de cabeça.

Jamie torceu as mãos, testando as cordas que o prendiam; estavam muito apertadas. Inspecionou a estante. Cada um dos pés estava firmemente soldado ao chão de madeira.

Virou-se de novo para Tommy.

— Desculpe-me, companheiro. India me avisou. Ela sabia. Ela... sente as coisas. Tinha meus motivos para não acreditar, mas, devo admitir, ela estava certa.

— Oh, estou tão contente por ver que os dois estão se dando bem!

Jamie virou-se e viu Alden Lorillard pondo no chão uma lata de querosene vazia.

— Pena que será uma amizade tão breve. Usava um paletó esporte sobre um suéter de gola alta, em cashmere castanho.

O elegante homem de negócios e incendiário.

Alden abriu o paletó esporte, retirando uma das armas de Jamie da bainha de sua calça escura pregueada.

— Arma impressionante, tenente. Talvez eu com­pre uma.

Uma onda de vergonha envolveu Jamie. Jamais, em toda a vida, deixara sua arma cair nas mãos de um criminoso... até então.

Alden ficou de cócoras junto a Jamie, e encostou o cano com firmeza em sua têmpora, dizendo:

— Nunca tive muita paciência com penetras, por­tanto, sugiro que responda às minhas perguntas ra­pidamente e sem subterfúgios. Se não obedecer, temo que as conseqüências sejam terríveis. Posso começar?

— Acho que não — respondeu Jamie.

Alden esboçou um sorriso lento, os lábios finos muito apertados, parecendo uma caricatura malfeita. Mudan­do a arma para a outra mão, bateu com a coronha de aço na testa de Jamie com uma força surpreendente.

Jamie ficou cego de dor. Pequenas luzes surgiram à sua frente, e quase voltou a desmaiar. Sentiu que Alden agarrava seus cabelos, forçando-o a olhar para cima e perguntando:

— Onde está India?

Jamie forçou um sorriso, cínico.

— Perto do Sri Lanka. Vai encontrar fácil.

Alden ergueu novamente a pistola, golpeando a ca­beça de Jamie com uma força selvagem. Ele sentiu uma dor insuportável. Uma segunda pancada atingiu-o no nariz; ouviu o barulho de cartilagem quebrada, e a cabeça tombou para a frente. Sentiu o cano da arma erguer seu queixo.

Jamie entreabriu os olhos e percebeu que um deles mal se movia de tão inchado. Com um sorriso demoníaco, Alden pressionou a traquéia do policial com a arma.

— Onde, diabos, está India?

Jamie vociferou, preparando-se para novos golpes com a coronha do revólver:

— Vá para o inferno!

Porém, Alden mudou de atitude. Parecia ter compreendido.

— Ela está em casa, certo? Como conseguiu impe­di-la de vir?

Desesperado, Jamie pensou em India, por sua causa, algemada na cama completamente à mercê daquele louco.

Engoliu em seco, mas procurou manter-se calmo. Ao falar, sentiu sangue na boca.

— Ela nada sabe a respeito do seu envolvimento com os incêndios, Alden. Não é ameaça para você.

O sorriso sem humor voltou a marcar o rosto de Alden, como uma fenda aberta. Levantando-se, guar­dou a arma de volta na bainha da calça.

— Não deixo pistas, tenente. Terei de cuidar dela, assim que terminar aqui. Será um trabalhinho sim­ples, e a culpa recairá em Tommy.

Jamie precisava distrair sua atenção. Não podia dei­xar que se aproximasse de India.

Alden abriu uma nova lata de querosene e começou a espalhar no chão, entre as fileiras de estantes.

— Presumo que este pardieiro esteja no seguro — Jamie falou, tentando ganhar tempo.

Tentava, desesperadamente, afrouxar as cordas que o prendiam.

Alden soltou um risinho de pouco-caso.

— Brilhante dedução, tenente.

— E os outros incêndios foram para despistar. De modo que, quando o seu patrimônio virar cinzas, a companhia de seguros pensará que foi um novo tra­balho do Vaga-lume, e pagará.

— Oh, como você é inteligente! — debochou Alden, enquanto derramava o querosene, formando pequenos rios que se cruzavam entre si ordenadamente. — Teria sido um esplêndido substituto do capitão Garrett, se vivesse o suficiente.

— Você matou Darrell Finn?

— É você o homem das respostas inteligentes. O que acha?

— Acho que foi você. Qual o motivo?

Por trás de uma das estantes, Alden respondeu:

— Isso está começando a ficar cansativo, como um interrogatório, tenente. Não creio que esteja muito consciente da sua posição aqui.

— Não poderia deixar de notar, nem se quisesse. Mas, como cavalheiro que é, pode satisfazer minha curiosidade, antes de acender o fósforo. — Enquanto falava, Jamie pensou ter visto movimento em meio às estantes da direita. Ou seria apenas sua mente con­turbada tendo alucinações? — Darrell descobriu a seu respeito? Foi por isso que o matou?

Alden riu.

— Ah, então você não é tão brilhante quanto pen­sei. Foi Darrell quem provocou os incêndios, pela promessa de receber vinte mil dólares. No final, ape­nas me custou duas balas de revólver. Isso responde à sua pergunta?

Com o canto do olho, Jamie viu novamente um leve movimento, algo, alguém esgueirando-se por trás das fileiras de estantes. Percebeu um brilho de metal, al­gemas pendendo de um pulso.

Aliviado e preocupado ao mesmo tempo, concluiu -. que o melhor a fazer era agir com naturalidade, embora nada houvesse de natural naquela situação.

Continuou a distrair Alden, perguntando:

— Foi você quem mandou os bilhetes ou foi Darrell?

— Está brincando? Todos os membros daquela fa­mília são analfabetos. Jamais poderia confiar a Dar­rell essa parte do plano. — Alden acabou de derramar o querosene, e foi buscar uma nova lata, continuando a falar, animado: — Não quero dizer que ele não possuísse uma certa dose de inteligência. Foi idéia dele incriminar Tommy por meio de pistas falsas: a carteira e as revistas. Naturalmente, Darrell tinha seus motivos. Estava com ciúme de Tommy e daquela vagabundinha.

Jamie ouviu um barulho e voltou-se para ver Tommy se debatendo com as cordas, os olhos brilhando de fúria. Alden achou graça da raiva impotente do rapaz.

— Como é bom saber que existem cavalheiros em Mansfield... embora não por muito tempo.

E continuou, metodicamente, seu trabalho de enso­par o chão com querosene.

Jamie sentiu que dedos frios seguravam os seus, e prendeu a respiração. India estava bem atrás dele, estendendo o braço por entre caixas de papelão na prateleira de baixo, para tocá-lo.

 

"Não vê o que esse louco está planejando, India? Este lugar vai explodir como uma bomba quando ele atear fogo no querosene. Saia daqui! Esqueça que eu existo!"

Seus pensamentos desesperados chegaram ao cére­bro de India, que tocava suas mãos através da abertura entre as caixas empilhadas que formavam um escudo, impedindo Alden de vê-la.

Ela sussurrou:

— Esquecer você?

Com a mão livre, tirou a adaga do bolso do blusão e começou a serrar a corda grossa que amarrava as mãos de Jamie.

— Nada disso. Vou livrar você.

"Não pode. Ele vai vê-la... Oh, meu Deus... está acon­tecendo, não está? Você está lendo meus pensamentos!"

Jamie sabia, agora, que isso era possível. Havia acei­to a verdade.

India voltou a sussurrar:

— Sim. Mas tome cuidado. Não deixe Alden suspei­tar de nada. Fique olhando para a frente.

"Pelo amor de Deus, India, não faça isso! Vá embora, agora, enquanto pode. Saia daqui!"

— Não! — respondeu ela, determinada, sentindo vi­brações de surpresa, alegria, gratidão... e medo. Jamie temia pela vida dela desesperadamente, mais do que pela própria.

"India, se você me ama, saia daqui. Se vou morrer, . quero morrer sabendo que está salva."

— Você não vai morrer.

A adaga acabou de cortar a corda. India suspirou de alívio e livrou os pulsos de Jamie, perguntando em voz muito baixa:

— Ainda está com suas armas?

"Só aquela no tornozelo. Mas não posso alcançá-la com os joelhos amarrados."

India colocou o cabo da adaga entre os dedos de Jamie.

— Segure. Vou distrair Alden.

"India! Não!"

A telepatia foi interrompida quando ela afastou a mão de Jamie.

Em total silêncio, calçando tênis que abafavam o som de seus passos, ela se esgueirou pela fileira de estantes.

Tendo esvaziado a última lata, Alden colocou-a junto das demais. De onde estava, India pôde, afinal, ver Jamie perfeitamente. Por pouco não gritou, ao ver o rosto ferido e ensangüentado.

Jamie teve uma rápida visão de India do outro lado do depósito, e prendeu a respiração, enquanto Alden ficava de costas para ela durante um momento, pro­curando algo no paletó esporte.

India aproveitou a chance para correr pelas fileiras de estantes por trás dele, sempre mantendo os olhos no criminoso. O cheiro forte de querosene encheu suas narinas.

Alden pegou um maço de cigarros, colocando um entre os lábios, mas não o acendeu. Apalpou os bolsos, murmurando:

— Espero não ter esquecido os fósforos...

India percebeu que Jamie já devia ter se livrado das cordas, mas nada fez que o traísse. Continuou a distrair o incendiário.

— Deixe-nos ir, Alden. Permitir que morramos quando isto virar uma fogueira será assassinato a sangue-frio.

Alden apareceu com a caixa de fósforos e sorriu, como se tudo não passasse de uma grande brincadeira.

India ficou gelada. Fogo era seu pior pesadelo, seu mais terrível medo, e a necessidade de escapar para a liberdade foi quase irresistível.

Alden riscou o fósforo, acendeu um cigarro e, rindo, apagou a chama.

India soltou a respiração, trêmula, e continuou cor­rendo. O cigarro aceso era tão perigoso quanto o fósforo, qualquer um dos dois poria fogo no querosene, mas, mesmo que Alden pretendesse usar o cigarro com aque­le propósito, seus prisioneiros ainda tinham alguns minutos pela frente.

— Atirar em Darrell Finn foi um crime a sangue-frio — respondeu Alden —, mas não perdi o sono por causa disso. Quando há uma boa razão, assassinato é per­feitamente justificável.

— Nenhuma razão justifica um assassinato — con­tinuou Jamie.

India sabia o porquê de ele estar mantendo aquela conversa: evitar que o criminoso olhasse para trás e a visse. Passou bem por trás de Alden, e continuou movendo-se em direção paralela à parede dos fundos, procurando se afastar o mais possível de Jamie, antes de começar a fazer barulho.

Alden soltou uma baforada.

— Impedir que você, India e Tommy me identifi­quem é uma excelente razão para matar. No caso de Tommy, posso até recuperar o dinheiro da fiança, quando identificarem seus restos mortais.

— O que irá parecer, dois cadáveres em meio às cinzas? Como vai explicar isso?

— Não terei de explicar nada, porque não serei acu­sado pelo incêndio, e sim Tommy, e ele estará morto. Não haverá dúvida de que provocou o incêndio e ficou preso nas chamas. Quanto a você, tenente...

Alden Lorillard deu de ombros, batendo as cinzas do cigarro no chão.

— Vão pensar que tentou detê-lo e, do mesmo modo, ficou encurralado pelo fogo. Realmente, não me im­porta que versão será dada aos fatos. Estarei bem longe daqui, bebendo champanhe em uma linda praia, sob palmeiras ondulantes.

India parou de se movimentar, calculou a distância entre ela e Alden e chegou à conclusão de que era suficiente.

Levantando-se, empurrou alguns livros pesados de uma prateleira à sua frente, e estes caíram no chão com estrondo.

India moveu-se mais para longe, observando a figura de Alden passar pelas estantes, aproximando-se do lo­cal do ruído. Segurava a arma de Jamie era uma das mãos, e, com a outra, mantinha o cigarro aceso.

— Parece que temos companhia. Se pudesse adivi­nhar, diria que a adorável India veio juntar-se a nós. Que surpresa agradável!

Agachada, ela jogou uma caixa no chão; Alden vi­rou-se em direção ao ruído, a arma em riste. India continuou sua marcha silenciosa pela ala, rezando para que Jamie estivesse fazendo bom uso do intervalo, li­vrando-se do resto das cordas e ajudando Tommy a livrar-se também.

Alden espreitava através das intermináveis fileiras de estantes.

India, por sua vez, permaneceu imóvel, observando o assassino através das brechas entre montanhas de livros encostados uns nos outros.

— Sua presença aqui vem trazer uma diversão que eu não esperava — disse Alden, parando próximo ao lugar onde India estava.

 

Ela podia ver parte de seu rosto, mas, evidentemen­te, ele não a via.

— O que acha que aconteceria, querida India, se eu jogasse isto para o seu lado? Vamos descobrir?

Ela baixou os olhos para a trilha de querosene sob seus pés. Agarrando-se com ambas as mãos a uma das estantes, colocou um pé sobre uma prate­leira e ergueu o corpo bem na hora em que o cigarro de Alden passava por cima de sua cabeça. Voltando-se, viu que este aterrissara exatamente no meio da trilha de querosene. Houve uma pausa de fração de segundo; então as chamas subiram, espalhando-se em todas as direções.

India sentiu um calor intenso às suas costas, e ouviu Jamie gritar seu nome.

Agilmente, evitando entrar em pânico, subiu até a prateleira mais alta, e deparou com Alden, imóvel, logo abaixo, mirando a arma para sua cabeça. Abaixou-se quando ele atirou, e a bala passou raspando, milíme­tros acima.

— Largue a arma! Agora! — soou a voz de Jamie. Ele correu para Alden, apontando seu revólver de reserva. Mais atrás, Tommy usava a adaga e livrava-se das cordas.

Rodopiando em direção a Jamie, Alden disparou quatro tiros consecutivos. Gemendo, o tenente Keegan caiu no chão.

— Jamie! — gritou India, enquanto abria caminho entre os livros ao longo da prateleira.

O fogo crepitante atravessava o depósito, e a fumaça começou a se erguer até o teto, mas India forçou-se a não pensar no incêndio, e salvar Jamie. Escorregou, estatelando-se na prateleira de aço.

Aproveitando a oportunidade, Alden levantou a arma, falando com voz calma:

— Adeus, India.

Ela se encolheu ao ouvir um estampido seco, mas soube que não fora baleada. Alden caiu de joelhos, uma expressão de surpresa estampada no rosto. Ten­tou erguer-se, mas caiu ao chão, sangue escorria de sua boca. India soube que estava morto.

— Adeus, Alden.

Jamie, que se erguera do solo o suficiente para ati­rar, encontrou o olhar de India por um breve instante, gemeu e caiu de costas. A capa e o paletó se abriram, revelando uma mancha escura na camisa branca e ou­tra na coxa esquerda.

Ela saltou por entre as chamas, ao descer as prateleiras.

— Jamie!

Correu para ele, segurando-o com força. Na mesma hora, teve uma visão de si mesma, em preto-e-branco, os olhos preocupados... os mais belos olhos que Jamie já vira. Sentiu o alívio dele por ela estar viva... sentiu sua dor... a certeza de que estava morrendo.

Jamie sussurrou roucamente:

— Vá.

— De jeito nenhum — respondeu India, determinada. Jamie havia sido baleado tentando protegê-la; não o deixaria agora, por nada desse mundo.

Moveu-se por trás dele, amparou-o pelos ombros, e arrastou-o, gemendo com o esforço. Jamie era pesado.

Ele tossiu, e India também. O depósito estava se enchendo de uma fumaça escura e densa. O fogo es­palhava-se pelas estantes ensopadas de querosene, dei­xando apenas um perímetro intocado na enorme sala, que levava à porta de saída.

— Ainda podemos conseguir, se dermos a volta.

Empurrou-o de novo, mas apenas conseguiu arras­tá-lo alguns centímetros. Não havia como escapar, an­tes que o fogo tomasse conta de todo o depósito.

— Levante-se! — ordenou ela. — Por favor!

Nenhuma resposta. Pressionou dois dedos na gar­ganta de Jamie e sentiu o pulso muito fraco; ainda estava vivo.

Alguém a tocou no ombro, e India estremeceu.

— Tommy!                                              

Ela mal podia vê-lo em meio à cortina de fumaça. Não havia escapado, ainda que tivesse tido oportuni­dade. Ficara para ajudar.

Tossindo muito, Tommy agarrou Jamie pelos braços.

— Por aqui.

India foi indicando o caminho, engasgando a cada palavra. A fumaça quase a cegava, e cada respiro fazia os pulmões doerem.

— Depressa! Fique abaixado, e vá andando de en­contro à parede.

Mesmo com a ajuda de Tommy, o corpo inerte de Jamie era um fardo muito pesado, dificultando a ca­minhada em volta do grande depósito.

Parecia que estavam no meio do inferno, o fogo rugindo em seus ouvidos e o calor queimando sua pele.

India pensou que jamais sairiam vivos dali.

— A porta! — gritou Tommy.

India estendeu a mão e tateou às escuras. Era mes­mo a porta. Procurou pela maçaneta e girou-a.

Ela e Tommy desabaram à entrada do depósito, res­pirando golfadas de ar puro, enquanto a fumaça saía em rolos escuros do interior do prédio, enegrecendo o céu da alvorada.

Arrastando Jamie, engatinharam ao longo do esta­cionamento, até que não resistiram mais, caindo sobre o pavimento frio, os peitos arfantes.

Tommy foi o primeiro a se sentar. Estava coberto de fuligem e suor, assim como Jamie e India.

— Vou procurar um telefone... — disse, lutando para ficar de pé.

India o chamou:

— Tommy...

— Sim?

—Você... poderia ter escapado sem nos ajudar. Obrigada. Ele deu de ombros.

— Não se pode sempre ser um mau elemento. Afastou-se aos tropeções.

India sentiu o pulso de Jamie novamente. Estava fraco. Rasgou sua calça para examinar a ferida na coxa. A bala saíra pelo outro lado. O ferimento poderia ter sido pior.

A outra ferida era do lado direito do peito. Aparen­temente, o sangue parará de jorrar, pelo menos, ex­ternamente. E se houvesse hemorragia interna? India rezou para que a ambulância chegasse logo.

Erguendo a cabeça de Jamie, colocou-a em seu colo, assistindo, sem poder acreditar, ao incêndio do depósito da editora, a fumaça negra ofuscando o nascer do sol dourado.

Jamie murmurou algo.

— O que é querido? Ele abriu os olhos.

— Se eu escapar desta, quer se casar comigo? Após um momento de hesitante surpresa, ela res­pondeu, tentando parecer convincente:

— Claro que você vai escapar. Jamie tossiu fracamente.

— Garota irritante! Vai se casar comigo ou não? India tomou seu rosto, beijando-o.

— Sim. Eu me caso com você.

Ele voltou a murmurar alguma coisa.

— Jamie? O que foi?

 

Fechando os olhos, ela se concentrou, e ouviu as palavras dentro de sua mente, tão claras quanto se ele tivesse falado em voz alta: "Eu a amo, querida".

O barulho de uma sirene fez-se ouvir ao longe.

India abraçou Jamie com força, embalando-o nos braços.

— Também amo você...

 

A velha bicicleta vermelha rangeu ritmadamente, enquanto India pedalava pe­las ruas de Dunmore, sentindo o prazer da brisa cálida de junho, com odor de sal e maresia. Jamie tinha razão, refletiu ela, enquanto seguia pela animada cidade pes­queira da Irlanda, ao longo da ruela tortuosa que con­duzia à estalagem, seu lar nessa última semana. Jamie havia dito que visitar Dunmore seria como voltar ao passado. Por esse motivo, ele a trouxera: para que pudessem fugir juntos para uma época mais simples, inocente, mesmo que por apenas duas semanas.

India pedalou pelas pastagens cor de esmeralda, apreciando o cenário e deixando a mente vagar.

O quarto que ocupavam estava equipado com chaleira elétrica e demais acessórios, mas ela havia usado o resto do chá naquela manhã, e precisava comprar mais.

Finalmente, fez a última curva na estrada e divisou a estalagem no final da rua, o telhado de folhas tran­çadas, banhado pelos últimos raios do sol da tarde. Estacionou a bicicleta à porta e entrou.

— Sr. Leary? — chamou no saguão.

O dono do estabelecimento apareceu à entrada do bar, no qual havia sempre três ou quatro moradores da cidade reunidos para tomar um trago e fumar.

— Boa tarde, dra, Keegan. Em que posso ajudá-la?

— Preciso de um pouco de chá, se não for incômodo. A mulher do sr. Leary vinha descendo as escadas, carregando uma pilha de toalhas limpas.

— O capitão Keegan pediu chá faz dez minutos. Disse que queria o bule pronto quando a senhora chegasse.

— Verdade? Ele deve ter lido meus pensamentos! — exclamou India.

A sra. Leary sorriu, compreensiva.

— Maridos e mulheres ficam assim depois de um certo tempo de convivência, queridinha.

O sr. Leary deu um riso irônico.

— Acabaram de se casar, Fiona. Estão em lua-de-mel.

— Não leva anos para acontecer, se o casal se en­tende bem, Paddy.

Resmungando, o marido voltou para o bar, enquanto India passava pela sra. Leary e voava escada acima.

Abriu a porta do quarto, fechando-a atrás de si e piscou, surpresa. No meio do pequeno aposento, sobre uma mesa coberta com toalha de linho, havia um bule de chá, uma leiteira, pratos com sanduíches, uma ti­gela com morangos e um bolo com cobertura. Domi­nando a mesa com seu tamanho, a cabeça quase to­cando as vigas do teto baixo, encontrava-se o capitão James Keegan, marido de India, arrumando xícaras e pratinhos.

— Nossa! — ela exclamou. — Que recepção! Isso tudo é um lanchinho?

Jamie lançou um olhar malicioso para o corpo da mulher, moldado pela camiseta e pela bermuda de ciclista.

— Precisa manter as forças.

Ela correu para os braços de Jamie, que cobriu sua boca, beijando-a com paixão, as mãos percorrendo seu corpo possessivamente.

Erguendo-a como se fosse uma pluma, colocou-a na cama de colchão de penas, deitando-se sobre ela, os quadris colados aos de India.

— Estou surpresa por você ainda ter forças depois da semana passada.

Rindo, Jamie enfiou a mão por baixo de sua cami­seta, abrindo o sutiã e tom ando-lhe um dos seios. Aca­riciou o mamilo levemente, fazendo com que India fosse invadida pelo desejo.

— Teria de estar morto para não ter vontade de fazer amor com você.

Ele tinha quase morrido, refletiu ela, enquanto es­tudava o rosto tão amado do marido.

O ferimento interno no peito quase lhe custara a vida. Quando, finalmente, a deixaram vê-lo após a ope­ração, Jamie confessara que a única coisa que o mantivera vivo fora o pensamento de que iria se casar com ela, se sobrevivesse.

Ao pensar em como Jamie havia estado perto da morte, India estremeceu.

— Com frio? — perguntou ele, deitando-se a seu lado e tomando-a nos braços. — Mas está um dia tão quente...

— Hum... sedutoramente, ela se encostou ao corpo dele.

— Você lê meus pensamentos.

— Pode ser — respondeu India, beijando-o até que ambos ficaram sem fôlego. —- Quero deixar você louco. Diga-me o que realmente deseja.

Ele sorriu.

— Você é a vidente. Pode me dizer.

India fechou os olhos, visualizou o controle remoto e pressionou o botão de ligar. Uma imagem em preto-e-branco, brilhante, entrou em foco: viu-se desabotoando a camisa dele; sentiu o desejo ardente do marido.

— Hum...

India fez com que Jamie se deitasse de costas, e subiu sobre ele, tirando rapidamente a própria cami­seta, passando os dedos no peito do marido. O feri­mento, agora, era apenas uma pequena cicatriz. Abaixando-se, beijou-o.

Ela se viu através dos olhos dele novamente, uma imagem envolta em luz suave: nua da cintura para cima, os seios redondos e empinados, os ombros deli­cados, a cintura muito fina.

India despiu o sutiã, jogando-o para o lado da cama. Jamie fechou as mãos sobre seus seios e arqueou o corpo para a frente, um som rouco e gutural saindo de sua garganta.

Mentalmente, India desligou a televisão e tateou à procura da fivela do cinto do marido.

Um pouco mais tarde, estando deitados, nus, abra­çados e deliciosamente satisfeitos, India murmurou:

— Nosso chá deve estar frio. Jamie puxou-a para si.

— Não estava mesmo com vontade de tomar chá. Ela se espreguiçou, com pequenos espasmos percorren­do seu corpo, e sentiu que Jamie se excitava novamente.

— Então por que preparou a mesa? Ele a beijou na testa.

— Porque você queria.

Ela colou seu corpo ao dele, sentindo um doce calor percorrê-la.

— Como sabia disso?

— Meu sexto sentido, creio.

— Boa resposta, capitão. Jamie acariciou-a com doçura.

— Por que não liga o controle remoto na sua cabeça e me diz o que estou pensando agora?

Sorrindo, India o beijou.

— Não preciso de percepção extra-sensorial para adivinhar seus pensamentos neste momento. Quer fazer amor de novo.

Deslizando sobre ela, Jamie ergueu-lhe os quadris e penetrou-a.

— Muitas e muitas vezes — murmurou Keegan, enquanto ambos esqueciam tudo, envolvidos no mesmo ritmo apaixonado e lânguido. — Para sempre.

India sorriu.

— É tudo o que desejo também.

 

 

                                                                  Patricia Ryan

 

 

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